Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0544/16
Data do Acordão:11/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRC
DECLARAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - No caso de conversão do projecto de decisão da reclamação graciosa em decisão definitiva por o interessado não ter exercido o direito de audiência prévia ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 60.º da LGT, não pode ver-se a fundamentação da decisão na invocada falta de exercício desse direito, mas antes no projecto de decisão que, por seu turno, remete para a informação prestada em ordem à decisão da reclamação graciosa, tudo como permitido pelo n.º 1 do art. 77.º da LGT, que autoriza a fundamentação dos actos tributários por remissão.
II - A declaração de substituição para correcção de erros ou omissões imputáveis aos sujeitos passivos e de que resulte imposto de montante inferior ao liquidado com base na declaração, só pode ser apresentada até ao termo do prazo legal de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, como prescreve a subalínea II) da alínea b) do n.º 3 do art. 59.º do CPPT.
III - O tribunal pode relevar os manifestos lapsos de escrita verificados na fundamentação dos actos tributários (art. 249.º do CC e art. 174.º do CPA).
Nº Convencional:JSTA000P22529
Nº do Documento:SA2201711150544
Data de Entrada:04/28/2016
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1186/14.2BEALM

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A…………, Lda.” (adiante Recorrente ou Impugnante) recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida, após indeferimento da reclamação graciosa respeitante à liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2011.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«a) O despacho de indeferimento carece de fundamentação, é notoriamente insuficiente e, como tal, nulo nos termos do disposto no artigo 99.º, alínea c) do CPPT,

b) A decisão do TRIBUNAL A QUO de julgar a impugnação improcedente, e em consequência manter o despacho de indeferimento da reclamação graciosa referente à liquidação de IRC e juros compensatórios do ano de 2011 viola o disposto n.º 4 do artigo 268.º em refracção do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, como também os princípios da legalidade e da justiça material, previstos no artigo 5.º, n.º 2 da LGT, uma vez que
i) A decisão ora impugnada aceita por boa a correcção contabilística efectuada pela ora impugnante, no que se refere aos proveitos declarados, mas
ii) já não aceita a mesma correcção no que se refere aos prejuízos fiscais nos termos do artigo 52.º do Código do IRC, não porque esses prejuízos não preenchem os requisitos normativos aplicáveis, mas porque “embora se verifique que em 2014/05/20 foi apresentada uma declaração de substituição” – ou seja, a mesma que foi considerada e aceite para proveitos... – “(...) perante o disposto na subalínea II) da alínea b) do n.º 3 do artigo 59.º do CPPT, não irá ser liquidada, uma vez que dela resultaria o apuramento de imposto inferior ao apurado na autoliquidada atempadamente”.
iii) Ora, a referida declaração de substituição deverá ser integralmente aceite exactamente por força da aplicação do disposto no supracitado artigo 59.º, n.º 3, alínea b), subalínea II), que deve ser lido na íntegra e não de forma selectiva como a Autoridade Tributária e o douto Tribunal A QUO, fizeram, uma vez que os pressupostos legais estão reunidos:
- Tratou-se de um erro de facto na declaração do contribuinte: errada contabilização de imóveis como sua propriedade, quando não o eram;
- A declaração foi substituída no prazo legal: a própria Autoridade Tributária a aceitou e reconheceu como tal e, inclusive, apurou um lucro tributável com base nessa correcção;
- Naturalmente, com a correcção efectuada, resulta um imposto inferior ao inicialmente apurado;
iv) Por outro lado, conforme consta do “Relatório” da Inspecção Tributária, ponto III, pp. 11 a 25 e Ponto III – 2.2. – Resumo das correcções propostas em sede IRC – Exercício de 2009, pp. 17 a 25 – junto aos autos – estamos perante “Correcções meramente aritméticas à matéria tributável”, pelo que há lugar à dedução dos prejuízos, nos termos e de acordo com o prescrito e disposto no artigo 52.º do CIRC.
v) A Administração Fiscal, e o TRIBUNAL A QUO, com a decisão proferida violaram claramente a garantia de protecção jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legítimos dos administrados, consagrada no n.º 4 do artigo 268.º em refracção do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, bem como os princípios da legalidade e justiça tributária, previstos no n.º 2 do artigo 5.º da LGT.

c) Como tal, deve o presente RECURSO SER CONSIDERADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA declarar nulo, por falta de fundamentação, que é notoriamente insuficiente, nos termos do disposto no artigo 99.º, alínea c) do CPPT, o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, revogando-se a sentença proferida

OU, EM ALTERNATIVA, CASO NÃO SE ENTENDA FUNDAMENTO PARA A EXCEPÇÃO INVOCADA, SER O PRESENTE RECURSO JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA:

I. Revogar o Despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa por vícios materiais e de forma e, em consequência:

A) Ser anulada a decisão de considerar, para efeitos da liquidação, o lucro tributável e matéria colectável de IRC de 2011, no montante de 127.929,77 €;

B) Ser ordenada à Autoridade competente desencadear os procedimentos com vista à correcção da liquidação do IRC do ano de 2011 tendo em conta os prejuízos acumulados de exercícios anteriores no montante de 1.390.209,10 €».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«Recorre a “A……………., LDA” da sentença do TAF de Almada de 10.02.2016 que julgou improcedente a impugnação, mantendo o despacho de indeferimento da reclamação graciosa referente à liquidação de IRC e juros compensatórios do ano de 2011.
Alega, no essencial, se bem entendemos o conteúdo da sua Alegação de Recurso e as respectivas Conclusões, que o despacho de indeferimento da reclamação graciosa carece de fundamentação, insurgindo-se ainda contra o facto de não terem sido considerados os prejuízos fiscais constantes da declaração de substituição apresentada em 20.05.2014, relativa ao exercício de 2008.
Creio que não assiste razão à ora Recorrente.
Por imperativo constitucional e legal, todos os actos da Administração, incluindo os de natureza tributária, susceptíveis de afectarem os direitos e interesses legítimos dos administrados, terão que ser fundamentados.
A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclarecem concretamente a motivação do acto (cfr., nomeadamente, o art. 268.º, n.º 3 da CRP, arts. 124.º e 125.º, ambos do CPA e art. 77.º, n.º 2 da LGT).
O vício da falta de fundamentação dos actos administrativos, como vem sendo salientado pela doutrina e pela jurisprudência, é de natureza formal e não substancial, enfermando o acto de falta ou insuficiência de fundamentação quando não externa de modo claro, suficiente e congruente, as razões de facto e de direitos que determinaram o seu sentido decisório.
Prescreve o art. 77.º, n.º 1 da LGT que “a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”, donde decorre que a fundamentação do acto tributário pode basear-se em várias peças do processo administrativo, posto é que elas sejam expressamente identificadas.
No caso vertente, a informação em que se fundamenta o indeferimento impugnado esclarece adequadamente a razão de ser do indeferimento da reclamação graciosa, designadamente no que concerne à não consideração dos prejuízos relativos a anos anteriores, não obstante a declaração de substituição apresentada.
Não padece, pois, o indeferimento impugnado do vício da falta de fundamentação que lhe é assacado, não tendo errado a sentença recorrida que assim considerou.
Mas igualmente não errou a sentença recorrida quanto à questão da não consideração por parte da A.F. dos prejuízos relativos a anos anteriores.
É certo que o n.º 1 do art. 52.º do CIRC determinava, na redacção aplicável, que os prejuízos fiscais de anos anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos 5 períodos de tributação posteriores e é certo também que os prejuízos apresentados na declaração de substituição, relativa ao exercício de 2008, estão compreendidos nesse espaço temporal, relativamente ao período de tributação de 2011.
Esses prejuízos, porém, apenas resultam da declaração de substituição, não tendo sido verificados no âmbito da acção inspectiva.
Ora, parece evidente, face à factualidade que resulta do probatório, que não é posta em causa pelo Recorrente, e sem necessidade de ulteriores indagações, que a declaração de substituição de 20.05.2014, da qual resulta um imposto inferior ao inicialmente apurado, foi apresentada para além dos prazos legalmente previstos para o efeito (arts. 89.º, al. a), 90.º, n.º 1, al. a), 120.º e 122.º, todos do CIRC e arts. 59.º, n.º 3, al. b), II e 131.º, n.º 1, ambos do CPPT). E, como decorre do art. 75.º, n.º 1 da LGT, apenas se presumem verdadeiras as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos da lei. A liquidação relativa a 2008, não tendo sido objecto de impugnação graciosa ou contenciosa ou ainda de procedimento de revisão, consolidou-se na ordem jurídica com uma determinada expressão quanto aos proveitos e aos prejuízos do exercício a que respeita e foi essa concreta configuração que, na situação em apreço, como não podia deixar de ser, relevou no tratamento da questão da eventual dedução de prejuízos de exercícios anteriores.
Improcederá, pois, salvo melhor entendimento, o presente recurso mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida».

1.6 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada deu como provados os seguintes factos:

«A. Em 10/03/2000 foi emitido pelo Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo em nome de A………….., Lda., o alvará n.º 5/2000 para Lar de Idosos com a lotação máxima de 40 utentes e denominação A…………. (cfr. fls. 11 dos autos).

B. Em 28/02/2014 foi elaborado pela B…………, Lda., “Relatório de auditoria à sociedade A…………., Lda.”, pedida pela ora impugnante (cfr. fls. 35/42).

C. A ora impugnante foi objecto de uma acção de inspecção tendo os serviços de inspecção procedido a correcções técnicas ao IRC de 2011 de que resultou a correcção ao lucro fiscal por omissão de rendimentos apurados no montante de € 450.961,26 (cfr. relatório de inspecção de fls. 80/90 do processo administrativo em apenso).

D. Relativamente às correcções em sede de IRC referidas na alínea anterior os serviços de inspecção apuraram quanto à omissão de rendimentos que “Nos termos do art. 1.º, n.º 1 alínea a) do CIVA “Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado, as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo, agindo como tal”. Por outro lado refere o art. 29.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, “Para além da obrigação do pagamento do imposto, os sujeitos passivos referidos na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do CIVA são obrigados, sem prejuízo do previsto em disposições especiais a emitir uma factura ou documento equivalente por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, tal como vêm definidas nos artigos 3.º e 4.º do CIVA bem como pelos pagamentos que lhe sejam efectuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços”. Por outro lado determina o artigo 17.º, n.º 1 e n.º 3, alínea b), do CIRC que “O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do art. 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código. De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.” O artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIRC estabelece “Consideram-se rendimentos os derivados de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, designadamente os resultantes de vendas ou prestações de serviços, descontos, bónus e abatimentos, comissões e corretagens”. Tendo por base o descrito conclui-se que, nos anos de 2011 e 2012, o sujeito passivo não agiu de acordo com as referidas normas jurídicas, o que tem por consequência a subtracção de imposto sobre o rendimento aos cofres do Estado. Conforme o descrito no ponto II-3.8.2.1, através dos procedimentos inspectivos efectuados, nomeadamente através dos mapas comparativos entre o livro de utentes e os recibos emitidos (anexo 1 fls. 14 e 15), verificou-se:
- A incoerência entre o livro de registo de utentes e os recibos emitidos, constatando-se omissões tanto no livro de registo quanto nos recibos emitidos.
- Que o montante total dos créditos na conta bancária da empresa são muito superiores aos réditos contabilizados.
Conforme descrito no ponto II-3.8.2.1, procedeu-se à notificação da empresa, através de ofício datado de 2014.01.24, para apresentação, no prazo de 10 dias, de comprovativos das entradas em conta não correspondentes a réditos (anexo 5). Não tendo até à presente sido apresentado qualquer justificativo/esclarecimento.
Todavia e conforme o já vimos no capítulo I e apesar da falta de justificativos, foi possível identificar, através de uma análise exaustiva dos extractos bancários apresentados, movimentos a crédito na conta bancária, que pelas suas características (montante e descrição), tudo indica, que efectivamente não corresponderão a créditos originados pela actividade da empresa, mas sim a regularizações de saldos devedores, por um lado, e a tranches do empréstimo concedido à empresa pela mesma instituição de crédito, por outro.
Conforme a evidência de cálculo constante do ponto II-3.1 apuraram-se os seguintes montantes totais referentes a créditos na conta bancária não originados por réditos da actividade:

2011
2012
Empréstimo/regularização de saldo
213800,00 €
212.000 €
Tranches referentes a empréstimo
185.281,60 €
454.655,60 €
Total de créditos a expurgar
399.081,60 €
666.655,60 €

Expurgando ao Valor dos créditos totais na conta, os montantes assim apurados, obteremos os seguintes créditos em conta referentes a réditos:

2011
2012
1
Valor dos créditos na conta bancária
1,580.731,77€
1.548.253,00€
2
Total de créditos a expurgar
399.081,60€
666.855,50€
3=1-2
Créditos em conta referentes a Réditos
181.650,17€
861.597,40€

Deste modo, conclui-se que os valores creditados na conta 0759044127430 da CGD, cujo titular é o sujeito passivo, depois de expurgados dos créditos não correspondentes a réditos, nos montantes acima apurados provêm única e exclusivamente da actividade exercida.
Assim, uma vez que os v apurados, excedem as importâncias declaradas pelo sujeito passivo, e a diferença é proveniente da omissão de rendimentos procede à correspondente correcção da matéria tributável em sede de IRC:

Réditos apurados
Réditos declarados
Diferença
Resultado fiscal declarado
Montante a acrescer à MT
Resultado Fiscal Corrigido
1.181.650€
730.688.91€
450.961,26€
11.391,40€
450.961,26€
462.352,66€
881.597,40€
712.532,84€
169.064,56€
42.290,25€
169.064,56€
126.774,31€

III- 1.2-Resumo das correcções propostas em sede de IRC:
Exercício de 2011

Lucro fiscal declarado
11.391,40€
Correcção (omissão de rendimentos)
450.961,26€
Lucro Fiscal Corrigido
462.352,66€
(cfr. fls 88/verso a 89/verso do apenso).

E. Na sequência da correcção mencionada na alínea anterior, em 19/03/2014 foi efectuada a liquidação de IRC de 2011 de que resultou o valor de € 127.671,59 e após compensação em 21/03/2014 foi apurado o valor a pagar de € 127.929,77 (cfr. fls. 74/verso e 75 do apenso).

F. Em 24/07/2014 foi autuado o processo de reclamação graciosa n.º 2160201404001184 em nome de A…………., Lda., com referência à liquidação adicional de IRC do exercício de 2011 (cfr. processo de reclamação graciosa a fls. 69 e seguintes do processo administrativo em apenso).

G. Em 22/09/2014 foi elaborada informação no sentido do indeferimento da reclamação graciosa com o seguinte teor “Em síntese, e como factos relevantes a reclamante alega:
A fim de analisar o pedido da empresa é importante comparar as demonstrações de resultados face aos valores contabilizados antes e após a acção inspectiva, assim temos:
RUBRICAS
antes da acção inspectiva
após acção inspectiva
diferença
Serviços prestados
730.68891 €
1.209.715,40 €
479.026,49 €
Variação da produção
0,00 €
0,00 €
0,00 €
Restantes proveitos
0,00 €
0,00 €
0,00 €
TOTAL DOS PROVEITOS
730.688,91 €
1.209.715,40 €
479.026,49 €
Custo das matérias consumidas
158.959,52 €
145.654,73 €
-13.304,79 €
Forn. e serviços externos
142.338,53 €
256.853,22 €
114.514,69 €
Custos e/pessoal
364.413,51 €
364.413,51 €
0,00 €
Amortizações
21.924,42 €
15.897,65 €
-6.026,77 €
Gastos financeiros
868,87 €
3.756,87 €
2.888,00 €
Outros gastos e perdas
30.792,66 €
163.179,26 €
132.386,60 €
TOTAL DOS CUSTOS
719.297,51 €
949.755,24 €
RESULTADOS ANTES DE IMPOSTOS
11.391,40 €
259.960,16 €
RESULTADO FISCAL
-11.391,40 €
259.960,16 €
Valores retirados da IES apresentada após acção inspectiva os quais estão de acordo com o balancete analítico junto aos autos (fls. 35 a 42).
Como antes foi referido a inspecção tributária corrigiu lucro tributável de 11.391,40 para 462.352,66 €, acrescendo o montante de 450.961,26 €, valor referente a proveitos omissos, apurando assim proveitos de 1.181.650,17 € (valor declarado = 730.688,91 € + valor omisso = 462.352,66 €). Como se retira da análise das demonstrações de resultados apresentadas, a reclamante após correcção da contabilidade registou proveitos no montante de 1.209.715,40 €, porém aumentou custos nas seguintes rubricas:
• Fornecimentos e serviços externos – 114.514,69 €
• Gastos Financeiros – 2.888,00 €
• Outros Gastos e Perdas – 132.386,60 €
sendo os aumentos explicados pelas seguintes razões:
1- FORNECIMENTOS E SERVIÇOS EXTERNOS
O aumento de 114.514,69 € resulta da contabilização, na conta 6223213 - INSTALAÇÕES, dos documentos n.ºs 10002, 10003, 11009, 11016, 11017 conforme extracto da conta a fls. 49.
Analisados os documentos (fls. 58 a 62) verifica-se respeitarem a custos com a construção de um imóvel e como tal devem ser imputados ao custo de construção e serem registados numa conta 453 ACTIVOS FIXOS TANGÍVEIS EM CURSO e, como tal não podem ser considerados como custo do exercício.
2- GASTOS FINANCEIROS
O montante em causa 2.888,00 € refere-se a juros de mora resultantes do atraso no pagamento de impostos, conforme extracto de conta e documento a fls. 48 e 57 não podendo ser considerado custo fiscal, por força do disposto no n.º 1 alínea c) do art. 45.º do CIRC, devendo ser crescido no campo 728 do quadro 7 da declaração mod. 22.
3- OUTROS GASTOS E PERDAS
O montante de 132.336,60 € está contabilizado na conta 68134 - taxas isentas, respeita a licença de construção de um imóvel (extracto da conta e doc. a fls. 47 e 53 a 56), como já antes foi referido, não é custo do exercício devendo ser contabilizado numa conta 453 - ACTIVOS FIXOS TANGÍVEIS EM CURSO
Assim considerando os valores contabilizados após acção inspectiva e atendendo ao antes referido quanto aos custos contabilizados na conta 6223213 - INSTALAÇÕES e na conta 68134 - TAXAS ISENTAS apura-se o RESULTADO LÍQUIDO ANTES DE IMPOSTOS o montante de 506.851,45 €, conforme demonstração de resultados que seguidamente se apresenta:

RUBRICAS
VALORES
Serviços prestados
1 209.715,40 €
Variação da produção
0.00 €
Restantes proveitos
0.00 €
Total dos proveitos
1.209.715,40 €
Custo das matérias consumidas
145.654.73 €
Forn. e serviços externos
142.338,53 €
Custo c/ pessoal
364.413.51 €
Amortizações
15.897,65 €
Gastos financeiros
3.756,87 €
Outros gastos e perdas
30.792,66 €
Total dos custos
702.853,95 €
Resultado antes dos impostos
506.861,45 €
LUCRO TRIBUTÁVEL
509.822,39 €

O LUCRO TRIBUTÁVEL de 509.822,39 € obtém-se acrescendo ao RESULTADO LÍQUIDO – 506.861,45 € – o montante 2.888,00 € de juros de mora pelo atraso no pagamento de impostos e 72,94 € de multas fiscais.
No que à dedução de prejuízos de anos anteriores respeita, constata-se, face ao disposto no art. 52.º do CIRC (art. 47.º à data do factos) não existirem prejuízos susceptíveis de dedução, uma vez que a reclamante declara lucros desde 2003. Embora se verifique que em 2014/05/20 foi apresentada uma declaração de substituição, relativa ao exercício de 2008, em que foi declarado o PREJUÍZO FISCAL de 1.262.558,02 €, esta declaração, perante o disposto na subalínea II) da alínea b) do n.º 3 do art. 59.º do CPPT, não irá ser liquidada, uma vez que dela resultaria o apuramento de imposto inferior ao apurado na autoliquidação efectuada atempadamente, e foi apresentada para além do prazo de reclamação previsto no art. 131.º do CIRC, pelo que, para feitos fiscais, em 2008 a empresa teve um LUCRO TRIBUTÁVEL de 16.617,92 €.
Dado que a liquidação reclamada foi efectuada com base na MATÉRIA COLECTÁVEL de 462.352,66€, e face aos valores contabilizados apura-se o LUCRO TRIBUTÁVEL de 509.822,39 €, ao qual não é dedutível qualquer montante para efeito de apuramento da MATÉRIA COLECTÁVEL, propõe-se o indeferimento do pedido.” (cfr. fls. 133/136 do processo administrativo em apenso).

H. Na informação referida na alínea anterior foi exarado despacho em 26/09/2014 pelo Chefe de Divisão, por delegação, com o seguinte teor “Confirmo. Considero a informação junta como PROJECTO DE DECISÃO. Notifique o reclamante para no prazo de 15 dias contados continuamente exercer, querendo, o direito de audição previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 60.º da LGT” (cfr. fls. 131 do apenso).

I. Em 20/10/2014 foi elaborada informação no sentido de converter o projecto de decisão em decisão definitiva (cfr. fls. 138/139 do apenso).

J. Na informação referida na alínea anterior foi exarado despacho em 20/10/2014 pelo Chefe de Divisão, por delegação, com o seguinte teor “Confirmo. Considerando a informação junta torna-se definitivo o projecto de decisão e indefere-se o pedido. Notifique-se” (cfr. fls. 138 do apenso).

K. A ora impugnante foi notificada da decisão de indeferimento em 30/10/2014 como consta de fls. 141 e assinatura do aviso de recepção de fls. 142 do apenso.

L. Em 11/11/2014 foi enviada por registo postal a petição inicial de impugnação (cfr. fls. 56 dos autos)».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência de uma acção de inspecção, a AT, considerando que a sociedade denominada “A…………., Lda.”, ora Recorrente, com referência ao exercício do ano de 2011, omitiu rendimentos na declaração que apresentou para efeitos de IRC, corrigiu a matéria tributável declarada e, em consequência, procedeu à liquidação de imposto e respectivos juros compensatórios, de que resultou um montante global a pagar de € 127.929,77.
A sociedade deduziu reclamação graciosa contra essa liquidação, reclamação que foi indeferida.
Contra esse indeferimento apresentou a sociedade a presente impugnação judicial. Alegou, em síntese, que o despacho que indeferiu a reclamação graciosa enferma de falta de fundamentação, vício que considera determinar a nulidade do despacho ao abrigo do disposto no art. 99.º, alínea c), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Se bem entendemos a alegação aduzida, entende a Impugnante que o indeferimento foi determinado pelo facto de ela não ter exercido o direito de audição prévia a essa decisão ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 60.º da Lei Geral Tributária (LGT). Alegou ainda que a liquidação enferma de vício de violação de lei, uma vez que a AT aceita como boa a correcção operada pela contribuinte relativamente aos proveitos declarados, mas recusa relevar a mesma correcção no que respeita aos prejuízos acumulados em anos anteriores (mais concretamente, no ano de 2008) com base numa errada interpretação e aplicação do disposto no art. 59.º, n.º 3, alínea b), subalínea II), do CIRC. Ademais, considera que a AT fundamentou a extemporaneidade da declaração de substituição no art. 131.º do CIRC, quando é manifesto que esse artigo do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) não é aplicável, motivo por que «há uma errada aplicação dos normativos legais à “fundamentação” da Autoridade Fiscal», o que considera constituir uma violação da «garantia de protecção jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legítimos dos administrados, consagrado no n.º 4 do artigo 268.º em refracção do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa».
A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação. Isto, em resumo, com a seguinte fundamentação:
Quanto ao invocado vício de falta de fundamentação da decisão por que foi indeferida a reclamação graciosa, após indicar as normas legais pertinentes – o art. 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e o art. 77.º da LGT – e referir jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (A sentença refere os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 5 de Junho de 2013, proferido no processo n.º 867/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b7c6be67a6ed989980257b96003ecd8f;
- de 9 de Setembro de 2015, proferido no processo n.º 1173/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/42c689d7ce78758d80257ec3004634f9.), a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada salientou que nada obsta à fundamentação por remissão, expressamente prevista no n.º 1 do referido art. 77.º da LGT, sendo que, contrariamente ao que parece supor a Impugnante, o motivo por que a reclamação graciosa foi indeferida não foi a falta de exercício do direito de audiência prévia; foi, isso sim, a fundamentação constante do projecto de decisão que, por seu turno, remeteu para a informação prestada na reclamação graciosa em ordem à decisão da mesma.
Quanto à questão respeitante à não relevância dos prejuízos do ano de 2008 na liquidação ora impugnada, considerou a sentença que, como bem decidiu a AT em sede de reclamação graciosa, os mesmos constam de uma declaração de substituição que foi apresentada (muito) para além do termo do prazo legal para o efeito, que no caso é o previsto no art. 131.º do CPPT, motivo por que não podiam ser relevados em sede de reclamação graciosa, como resulta do disposto no art. 59.º (Por manifesto lapso de escrita, na sentença escreveu-se 53.º onde se queria dizer 59.º.), n.º 3, alínea b), subalínea II), do CPPT. Já no que se refere à menção ao art. 131.º do CIRC, que foi feita na decisão da reclamação graciosa, considerou ser manifesto que se trata de um lapso de escrita, pois queria dizer-se CPPT onde se escreveu CIRC, sendo que tal lapso não é susceptível de gerar violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Inconformada com a sentença, a Impugnante dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo. Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, a ora Recorrente entende que a sentença fez errado julgamento na medida em que considerou que a decisão da reclamação graciosa não enferma dos vícios que lhe assacou na petição inicial, continuando em sede de recurso a sustentar que a decisão da reclamação graciosa padece de falta de fundamentação [cfr. conclusão a)] e que fez errada interpretação e aplicação das normas legais ao considerar que não podiam relevar-se na liquidação de 2011 os prejuízos fiscais que foram por ela declarados quando (em 2014) apresentou declaração de substituição relativamente ao ano de 2008 [cfr. conclusões b) e c)].
Assim, as questões que ora cumpre apreciar e decidir são as de saber se a sentença fez errado julgamento no que se refere àquelas questões.

2.2.2 DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA

A este propósito, nada há a acrescentar à argumentação aduzida pela Juíza do Tribunal a quo, tanto mais que a Recorrente se limita em sede de recurso a renovar os fundamentos já aduzidos na petição inicial e rebatidos na sentença (Como este Supremo Tribunal já afirmou noutras situações paralelas, se o recorrente se limita a reproduzir os argumentos já aduzidos na petição inicial e que a sentença rebateu, não fazendo qualquer esforço em sede de recurso no sentido de refutar o discurso da sentença, essa carência de nova argumentação não deixará de repercutir-se no nível de fundamentação exigível ao tribunal de recurso, quando, como no caso, concorde plenamente com os fundamentos já expendidos na sentença. Na verdade, ainda que em matéria da interpretação das regras de direito os tribunais não estejam sujeitos à alegação das partes (art. 5.º, n.º 3, do CPC), também não lhes é exigível que, perante a inércia da parte, se esforcem para além do razoável na procura das razões que a parte se dispensou de apresentar.).
Na verdade, é inquestionável que a fundamentação por remissão é admissível, desde que seja feita expressa «declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas» para que se remete [cfr. art. 77.º, n.º 1, da LGT e art. 153.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), na sua actual redacção (Ou seja, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro.), que corresponde à do anterior art. 125.º, n.º 1, ainda em vigor à data em que foi decidida a reclamação graciosa (O Novo CPA entrou em vigor 90 dias após a sua publicação, nos termos do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, e a reclamação graciosa foi decidida em 20 de Outubro de 2014 [cfr. alínea J) dos factos provados na sentença recorrida].)].
Ora, contrariamente ao que continua a sustentar a ora Recorrente, e como judiciosamente observou a Juíza do Tribunal a quo, o fundamento do indeferimento da decisão da reclamação graciosa não foi o não exercício do direito de audiência por parte da então Reclamante e ora Recorrente; foi, isso sim, a informação prestada no âmbito da reclamação e que foi incorporada pelo projecto de decisão, primeiro, e pela decisão, após aquele projecto se ter tornado definitivo.
Salvo o devido respeito, a Recorrente, numa interpretação muito particular dessa decisão, persiste no entendimento de que a fundamentação do indeferimento foi a informação de que «a reclamante não veio exercer o direito» de audiência para que foi notificada, conjuntamente com o projecto de decisão, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 60.º da LGT. Mas o não exercício desse direito apenas fundamentou a conversão do projecto de decisão em decisão definitiva. A fundamentação da decisão da reclamação graciosa, como resulta do projecto que a antecedeu e que foi convertido em decisão definitiva, é a que consta da informação que foi prestada em ordem à decisão e que ficou transcrita na alínea G) dos factos provados, informação que foi expressamente incorporada pelo projecto de decisão que veio a converter-se em decisão [cfr. alíneas F) a J) dos factos provados].
O recurso não merece provimento no que se refere a esta questão.

2.2.3 DA (IM)POSSIBILIDADE DE DEDUÇÃO DOS PREJUÍZOS DECLARADOS EM DECLARAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO APRESENTADA APÓS O TERMO DO PRAZO PARA O EFEITO

A Recorrente mantém o entendimento de que, na reclamação graciosa, a AT devia ter admitido a dedução dos prejuízos declarados com referência ao ano de 2008.
Mais sustenta que «segundo a sentença A QUO a declaração de substituição está fora do prazo para efeitos de contabilização dos prejuízos acumulados de anos anteriores, mas já não para efeitos de consideração das correcções ao lucro tributável», entendimento este que constitui uma flagrante violação dos «princípios constitucionalmente consagrados da legalidade e da justiça tributária na Constituição da República Portuguesa e na Lei Geral Tributária, respectivamente no n.º 4 do artigo 268.º em refracção do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, com também previstos no artigo 5.º, n.º 2, da LGT» [cfr. arts. 37 e 38 das alegações de recurso e a alínea b) das conclusões].
Impõe-se, desde logo, precisar um aspecto relativamente ao qual as alegações, salvo o devido respeito, incorrem em equívoco: a liquidação que a ora Recorrente impugnou judicialmente após ver indeferida a reclamação graciosa que deduziu contra o mesmo acto não teve origem em declaração de substituição alguma; trata-se, isso sim, de uma liquidação a que a AT procedeu depois de verificar, no âmbito das competências de fiscalização que lhe estão cometidas, que a sociedade omitira diversos proveitos na declaração de rendimentos que apresentou relativamente ao exercício de 2011, motivo por que procedeu à correcção da matéria tributável declarada e à consequente liquidação do imposto em falta e dos respectivos juros compensatórios.
Dito isto, quanto à possibilidade de deduzir os prejuízos fiscais do ano de 2008, para efeitos da determinação do lucro tributável do ano de 2011, quer a sentença quer a decisão da reclamação graciosa deixaram bem claro por que a entendem arredada no caso: é que esses prejuízos não constam da declaração mod. 22 apresentada em 2009 – da qual resultou um lucro tributável de € 16.617,29, nos termos da informação que serviu de fundamentação à reclamação graciosa –, mas apenas da declaração de substituição que a ora Recorrente apresentou, com referência ao exercício de 2008, em 20 de Maio de 2014 [cfr. alínea ) dos factos provados].
Como aí ficou dito, sendo certo que o art. 47.º do CIRC, na redacção em vigor em 2008 (A redacção do CIRC aplicável nessa data é a anterior à republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho. Ulteriormente, ao art. 47.º corresponde o art. 52.º.), admitia a dedução dos prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis períodos de tributação posteriores, a verdade é que quando a ora Recorrente apresentou a declaração de substituição já a liquidação de IRC do ano de 2008 se tinha consolidado na ordem jurídica. Aí ficou também dito que, nos termos do art. 59.º, n.º 3, alínea b), subalínea II), «para a correcção de erros ou omissões imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte imposto de montante inferior ao liquidado com base na declaração apresentada», a substituição da declaração só pode ser feita «[a]té ao termo do prazo legal de reclamação graciosa ou impugnação judicial do acto de liquidação». Ora, porque a situação é de autoliquidação, a impugnação judicial sempre estaria dependente de prévia reclamação graciosa, a interpor no prazo de 2 anos, nos termos do n.º 1 do art. 131.º do CPPT, prazo manifestamente esgotado à data em que foi apresentada a declaração de substituição. Foi isso que foi dito à ora Recorrente pela AT em sede de reclamação graciosa e na sentença.
É isso que também nós dizemos em sede de recurso jurisdicional, salientando, no entanto, que, a nosso ver, o prazo para interpor a reclamação graciosa da autoliquidação até é mais curto: apenas de um ano, nos termos do n.º 2 do art. 122.º do actual CIRC, a que correspondia o art. 114.º, n.º 2, na anterior redacção, disposição que deve ser tida como norma especial relativamente ao art. 131.º, n.º 1, do CPPT (Neste sentido, o seguinte acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 13 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 159/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7abacc6c3b2421f280257f3f003520f0.).
Nem se argumente com a presunção de veracidade das declarações, prevista no art. 75.º do LGT, pois ela só vale relativamente às que tenham sido apresentadas «nos termos previsto na lei», o que implica o respeito pelos prazos legais fixados para o efeito (Neste sentido, o seguinte acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 4 de Maio de 2016, proferido no processo n.º 415/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/75371b426bb7f59080257fab005476ac.).
Uma última nota para o facto de a Recorrente continuar a pretender retirar consequências jurídicas do facto de a reclamação graciosa, ao pronunciar-se no sentido da intempestividade da declaração de substituição apresentada em 2014 relativamente ao exercício de 2008, ter referido o art. 131.º do CIRC, norma legal que não tem aplicação no caso. Vejamos:
É inquestionável que na informação que foi apropriada pela decisão da reclamação graciosa ficou dito: «Embora se verifique que em 2014/05/20 foi apresentada uma declaração de substituição, relativa ao exercício de 2008, em que foi declarado o PREJUÍZO FISCAL de 1.262.558,02 €, esta declaração, perante o disposto na subalínea II) da alínea b) do n.º 3 do art. 59.º do CPPT, não irá ser liquidada, uma vez que dela resultaria o apuramento de imposto inferior ao apurado na autoliquidação efectuada atempadamente, e foi apresentada para além do prazo de reclamação previsto no art. 131.º do CIRC, pelo que, para feitos fiscais, em 2008 a empresa teve um LUCRO TRIBUTÁVEL de 16.617,92 €» (sublinhado nosso). Como vimos, a disposição legal aplicável é o art. 131.º, sim, mas do CPPT, não do CIRC.
Qual a consequência desse erro?
Desde logo, concordamos com a sentença recorrida, que o qualificou como lapso de escrita. Na verdade, os erros dizem-se de escrita quando se escreve ou representa, por lapso, coisa diversa da que se queria escrever ou representar, sendo que se consideram manifestos os erros quando estes são de fácil detecção, isto é, quando a própria declaração ou as circunstâncias em que ela é feita permitem a sua imediata identificação.
Ora, verificando-se pela mera consulta do CIRC que o seu art. 131.º (que tem como epígrafe «Garantia de observância das obrigações fiscais») não respeita a prazos de reclamação graciosa, fácil é concluir pela ocorrência de lapso, tanto mais que do teor literal da informação retira-se que o art. 131.º do CIRC pretendia referir-se ao prazo de reclamação graciosa a que alude a subalínea II) da alínea b) do n.º 3 do art. 59.º do CPPT, o que permitia à ora Recorrente saber que a intenção era a de referir o prazo de reclamação graciosa da autoliquidação de IRC do ano de 2008, matéria regulada no art. 131.º do CPPT.
Portanto, o mencionado lapsus calami integra-se na previsão do art. 249.º do Código Civil (CC) – «O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta» –, norma que acolhe e exprime na nossa ordem jurídica um princípio geral de direito, aplicável a todos os erros de cálculo ou de escrita juridicamente relevantes, o qual permite a rectificação desses lapsos desde que sejam ostensivos, ou seja, conhecidos do declaratário – o que, aliás, surge na linha da solução prevista no art. 236.º, n.º 2, do CC.
O mesmo princípio é acolhido no art. 174.º do CPC Novo, que corresponde ao anterior art. 148.º (Em anotação a esse artigo, DIOGO FREITAS DO AMARAL et alia, no Código do Procedimento Administrativo Anotado, Coimbra, Almedina, 1992, pág. 225, dizem: «Trata-se da correcção do chamado “lapsus calami”, quando sejam evidentes as divergências entre a vontade real e a vontade declarada do órgão. Os efeitos jurídicos do acto originário mantêm-se, havendo apenas lugar à correcção de erros ou imprecisões na sua expressão […]».
Por outro lado, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e JOÃO PACHECO DE AMORIM, no Código do Procedimento Administrativo Comentado, volume II, Coimbra, Almedina, 1995, pág. 212, salientam que, embora pareça «resultar do regime estabelecido na lei que, só após a rectificação, o acto pode ser tomado no sentido manifestamente certo», esse entendimento constituiria uma «solução desajustada e que não protege nenhum interesse digno de registo, nem o da certeza jurídica. O erro manifesto do acto administrativo deve, pois, como acontece com os desvalores graves e flagrantes do ordenamento jurídico (seja, por exemplo, o caso de nulidade) considerar-se sujeito a um regime de livre declaração (ou desaplicação) por qualquer órgão».).
Temos, pois, que tal lapso de escrita deve ter-se por corrigido e, seguramente, dele não resulta de modo algum qualquer restrição ou compressão do direito à tutela jurisdicional efectiva, que a Recorrente, alias, não concretiza.
Também quanto a esta questão, a sentença recorrida não merece censura.

2.2.3 CONCLUSÕES

Por tudo o que ficou dito, o recurso não merece provimento e, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - No caso de conversão do projecto de decisão da reclamação graciosa em decisão definitiva por o interessado não ter exercido o direito de audiência prévia ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 60.º da LGT, não pode ver-se a fundamentação da decisão na invocada falta de exercício desse direito, mas antes no projecto de decisão que, por seu turno, remete para a informação prestada em ordem à decisão da reclamação graciosa, tudo como permitido pelo n.º 1 do art. 77.º da LGT, que autoriza a fundamentação dos actos tributários por remissão.
II - A declaração de substituição para correcção de erros ou omissões imputáveis aos sujeitos passivos e de que resulte imposto de montante inferior ao liquidado com base na declaração, só pode ser apresentada até ao termo do prazo legal de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, como prescreve a subalínea II) da alínea b) do n.º 3 do art. 59.º do CPPT.
III - O tribunal pode relevar os manifestos lapsos de escrita verificados na fundamentação dos actos tributários (art. 249.º do CC e art. 174.º do CPA).


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 15 de Novembro de 2017. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Casimiro Gonçalves.