DGPJ

Cláusulas Abusivas
Processo: 2481/10.5YXLSB
Tribunal 1ª instância: COMARCA DE LISBOA
Juízo ou Secção: INSTÂNCIA LOCAL - 20º JUÍZO CÍVEL
Tipo de Ação: AÇÃO INIBITÓRIA
Tipo de Contrato: CONTRATO DE MÚTUO - CRÉDITO AO CONSUMO - TAXA VARIÁVEL
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO
Réu: DEUTSCHE BANK AKTIENGESELLSCHAFT - SUCURSAL EM PORTUGAL
Data da Decisão: 06/04/2013
Descritores: PRINCÍPIO DA BOA FÉ
IMPOSIÇÃO DE FICÇÕES
IMPOSIÇÃO DO FORO COMPETENTE
REPARTIÇÃO DO ÓNUS DA PROVA
Texto das Cláusulas Abusivas: Por todo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência:
a) Declaro nulas as seguintes cláusulas do contrato denominado "CONTRATO DE MÚTUO - CRÉDITO AO CONSUMO - TAXA VARIÁVEL", junto com a petição inicial como documento n.° 2 que a Ré DEUTSCHE BANK (PORTUGAL), SA. apresenta aos interessados que com ela pretendem contratar:
. Cláusula 8.3. sob a epígrafe "Processaimento":
«O DB PORTUGAL fica desde já autorizado a movimentar a Conta para os
efeitos previstos no número anterior, e, bem assim, a debitar quaisquer contas junto dos seus balcões de que qualquer dos CLIENTES seja ou venha a ser titular ou cotitular, para efectivação do pagamento de quaisquer dívidas emergentes do presente contrato, podendo ainda proceder à compensação dessas dívidas com quaisquer saldos credores dos CLIENTES e independentemente da verificação dos pressupostos da compensação legal.»
. Cláusula 10.2., sob a epígrafe "Titulação Adicional".
«O DB PORTUGAL fica desde já expressamente autorizado pelos CLIENTES
e pelos AVALISTAS a preencher o título referido no número anterior, à sua melhor conveniência de lugar, tempo e forma de pagamento, pelos montantes correspondentes à totalidade ou parte das responsabilidades que para si emergem do presente contrato, em caso de não cumprimento de qualquer das obrigações decorrentes do presente contrato ou se, por qualquer motivo contratualmente previsto, vier a ser decretado o vencimento antecipado do contrato nos termos do artigo 13 infra.»
. Cláusulas 13.1.(b), 13.1.(c), 13.1.(d), 13.1.(e), 13.1.(f) e 13.2., sob a epígrafe "Vencimento Antecipado".
«13.1. Sem prejuízo de quaisquer outros direitos que lhe sejam conferidos por lei, pelo presente contrato e pelo Contrato de Depósito a Prazo, o DB PORTUGAL poderá considerar automaticamente vencidas todas as obrigações ora assumidas pelos CLIENTES, e exigir o seu cumprimento imediato, sempre que se verifique qualquer uma das seguintes situações:
13.1.(b) Se os CLIENTES não cumprirem ou entrarem em mora no cumprimento de qualquer outra obrigação para si decorrente do presente contrato;
13.1.(c) Se as declarações e garantias prestadas pelos CLIENTES nos termos do artigo 11 supra se revelarem ou tomarem falsas ou inexactas, por acção ou omissão, no todo ou em parte;
13.1.(d) Se a garantia constituída ou a constituir nos termos previstos no
presente contrato deixar de constituir garantia válida, eficaz ou suficiente para o DB PORTUGAL e os CLIENTES não procederem ao respectivo reforço nos termos do artigo 14 infra;
13.1.(e) Se os CLIENTES entrarem em mora no cumprimento de quaisquer
obrigações pecuniárias resultantes de outros empréstimos contraídos junto do sistema financeiro português ou estrangeiro;
13.1. (f) Se o presente contrato deixar, por qualquer motivo, de constituir um
compromisso válido, nos seus precisos termos, para qualquer dos CLIENTES.
13.2. A falta de cumprimento integral e atempado de qualquer das obrigações
contratuais dos CLIENTES confere ao DB PORTUGAL a faculdade de considerar automaticamente vencidas as demais obrigações dos CLIENTES, resultantes deste contrato, bem como quaisquer outras obrigações por este assumidas perante o DB PORTUGAL, ainda que não vencidas.»
Recursos: S

Recurso TRIBUNAL RELAÇÃO LISBOA
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Data do Acórdão: 07/09/2015
Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar
improcedente a apelação interposta pela Ré Deutsche Bank ( Portugal )
S.A.;
parcialmente procedente a apelação interposta pelo Ministério
Público,
declarando, igualmente, a nulidade da cláusula 18.2. " Os
CLIENTES serão também responsáveis por todas as despesas judiciais e extrajudiciais em que o DB PORTUGAL venha a incorrer para garantia e cobrança dos seus créditos, relacionadas com honorários de advogados, solicitadores e outros prestadores de serviços ".
Na parte sobrante, confirma-se a decisão recorrida.

Sumário:
I - O controlo a exercer sobre o conteúdo das cláusulas contratuais gerais parte da fundamental premissa de que há que distinguir, cindindo-as claramente, as circunstâncias que envolvem a concretização de um acordo negocial pessoalizado, encetado entre sujeitos situados no mesmo plano, com igual liberdade para discutir e impor os seus interesses particulares, e em que os respectivos termos são devidamente caracterizados, escalpelizados e explicados aos destinatários, relativamente ao que acontece nas cláusulas não negociadas, traduzidas na densa inserção de estipulações abstractas - prosseguidas exclusivamente a favor e em benefício do proponente -, no âmbito dos denominados contratos de adesão, propagandeados em massa e pré-elaborados de maneira a gerarem notórias dificuldades quanto ao completo e esclarecido entendimento do seu verdadeiro alcance por parte do aliciado consumidor.
II - É válida a cláusula contratual que estipula: "OS CLIENTES desde já se confessam devedores ao DB PORTUGAL da totalidade da quantia mutuada, juros e demais encargos resultantes do presente contrato."
III - o cliente do banco, ao solicitar os respectivos serviços, sabe perfeitamente que passa a ser devedor no que tange à obrigação de restituição das verbas mutuadas, a que acrescem os juros contratualmente previstos e os encargos inerentes ao funcionamento de qualquer instituição bancária, sendo que a determinação concreta do valor dos serviços a que o cliente terá acesso resultará naturalmente das condições particulares do negócio e de toda a documentação de natureza comercial que o banco se encontra especialmente obrigado a facultar-lhe.
IV - É nula a cláusula contratual geral que estipula " O DB PORTUGAL fica desde já autorizado a movimentar a Conta para os efeitos previstos no número anterior, e, hem assim, a debitar quaisquer contas junto dos seus balcões de que qualquer dos CLIENTES seja ou venha a ser titular ou co-titular, para efectivação do pagamento de quaisquer dívidas emergentes do presente contrato, podendo ainda proceder à compensação dessas dívidas com quaisquer saldos credores dos CLIENTES e independentemente da verificação dos pressupostos da compensação legal ".
V - A possibilidade genérica, conferida à instituição bancária Ré, de operar automaticamente a compensação, com afectação, sem restrições, dos titulares, seus clientes, de uma conta solidária, impondo-lhes nestes termos a obrigação de pagamento de uma dívida que podem não haver contraído e nela integrando parte do depósito que só com base numa presunção lhes pertencerá, afronta o princípio geral da boa f é e constitui uma faculdade negocial desproporcionada, que pressupõe uma ilimitada responsabilização do aderente (e porventura de terceiros) - cujos efectivos pressupostos cumpriria previamente demonstrar -, colocando nas mãos do proponente da cláusula um eficaz poder de afectação do património alheio, de cariz relativamente incondicional e particularmente gravoso.
VI - São nulas as cláusulas contratuais gerais que "30.2. Como forma adicional de titulação do crédito, os CLIENTES entregam nesta data ao DB PORTUGAL uma livrança em branco por si devidamente subscrita e avalizada pelos AVALISTAS.
10.2. O DB PORTUGAL fica desde já expressamente autorizado pelos CLIENTES e pelos AVALISTAS a preencher o título referido no número anterior, à sua melhor conveniência de lugar, tempo e forma de pagamento, pelos montantes correspondentes à totalidade ou parte das responsabilidades que para si emergem do presente contrato, em caso de não cumprimento de qualquer das obrigações decorrentes do presente contrato ou se, por qualquer motivo contratualmente previsto, vier a ser decretado o vencimento antecipado do contrato nos termos do artigo 13 infra."
" Sem prejuízo de quaisquer outros direitos que lhe sejam conferidos por lei, pelo presente contrato e pelo Contrato de Depósito a Prazo, o DB PORTUGAL poderá considerar automaticamente vencidas todas as obrigações ora assumidas pelos CLIENTES, e exigir o seu cumprimento imediato, sempre que se verifique qualquer uma das seguintes situações:
(b) Se os CLIENTES não cumprirem ou entrarem em mora no cumprimento de qualquer outra obrigação para si decorrente do presente contrato;
(c) Se as declarações e garantias prestadas pelos CLIENTES nos termos do artigo 11 supra se revelarem ou tomarem falsas ou inexactas, por acção ou omissão, no todo ou em parte;
(d) Se a garantia constituída ou a constituir nos termos previstos no presente contrato deixar de constituir garantia válida, eficaz ou suficiente para o DB PORTUGAL e os CLIENTES não procederem ao respectivo reforço nos termos do artigo 14 infra;
(e) Se os CLIENTES entrarem em mora no cumprimento de quaisquer obrigações pecuniárias resultantes de outros empréstimos contraídos junto do sistema financeiro português ou estrangeiro;
(f) Se o presente contrato deixar, por qualquer motivo, de constituir um compromisso válido, nos seus precisos termos, para qualquer dos CLIENTES.
A falta de cumprimento integral e atempado de qualquer das obrigações contratuais dos CLIENTES confere ao DB PORTUGAL a faculdade de considerar automaticamente vencidas as demais obrigações dos CLIENTES, resultantes deste contrato, bem como quaisquer outras obrigações por este assumidas perante o DB PORTUGAL, ainda que não vencidas. ".
VII - Este regime contratual contempla um conjunto de previsões de incumprimento que, pela sua amplíssima generalidade, abarcando indiferenciadamente um enorme leque de situações, de grau de gravidade variado, gera uma situação de notório e desproporcional desiquilíbrio em desfavor dos interesses dos aderentes, com óbvio prejuízo para os seus direitos de defesa, ligando-se o vencimento antecipado do contrato, directa e automaticamente, a meras inexactidões das declarações ou das garantias, desde que imputáveis ao cliente, e ainda que por simples omissão ou negligência - não se exigindo qualquer tipo de dolo ou intuito de defraudar, como seria mister.
VIII - Trata-se da imediata exigibilidade de obrigações não vencidas, com o subsequente preenchimento de uma livrança entregue em branco pelos clientes/aderentes, que legitima o banco a, querendo, investir patrimonialmente contra estes, passando a dispor para o efeito de um título executivo, o que, desde logo, dá a perceber o carácter altamente gravoso - para o aderente - associado ao funcionamento prático que a cláusula contratual geral em crise proporciona.
IX- É válida a cláusula contratual geral que estipula "Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, o DB PORTUGAL poderá exigir aos CLIENTES o reforço das garantias constituídas e/ou a constituir nos termos do presente contrato, mediante a prestação de caução ou mediante qualquer forma a determinar pelo DB PORTUGAL, quando as mesmas deixarem de constituir garantias válidas, eficazes ou suficientes para o DB PORTUGAL ".
X - É perfeitamente comum e curial a exigência do reforço de garantias pelo banco Réu se as anteriores, num juízo valorativo objectivo, sério e rigoroso, se revelarem insuficientes para garantir o crédito de que o banco é titular, tratando-se do regime regra que, em termos gerais, flui do disposto nos artigos 701° (relativa à substituição ou reforço da hipoteca), aplicável à consignação de rendimentos (artigo 665°) e ao penhor (artigo 678°), do Código Civil.
XI - É nula a cláusula contratual geral que estipula " Os CLIENTES serão também responsáveis por todas as despesas judiciais e extrajudiciais em que o DB PORTUGAL venha a incorrer para garantia e cobrança dos seus créditos, relacionadas com honorários de advogados, solicitadores e outros prestadores de serviços ",por se verificar nela uma indefinição e uma ilimitação nos montantes a cobrar, torpeando as regras processuais, de natureza pública, vigentes nesta matéria.
XII - É válida a cláusula contratual geral que estipula "O presente contrato está sujeito à lei portuguesa e para a apreciação de todas as questões dele emergentes as partes elegem o foro do Tribunal da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro, salvo disposição legal imperativa em contrário ".
XIII - Não se vislumbra que tipo de inconvenientes graves podem, com seriedade e bom senso, impedir o estabelecimento do foro convencional na capital do país, sendo certo que o acórdão uniformizador n° 12/2007 de 18 de Outubro de 2007, publicado in www.dgsi.pt, (aplicáveis aos contratos anteriores 14/2006, de 26 de Abril), segundo o qual na acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, na indemnização pelo não cumprimento, ou pelo cumprimento defeituoso e na resolução do contrato por falta de cumprimento, se privilegia o domicilio do réu como critério de fixação da competência territorial do foro, limitou profundamente o âmbito desta cláusula, estabelecendo, por si só e desde logo, automaticamente, o reequilíbrio da situação em análise (se alguma vez tivesse existido desequilíbrio e se tal necessário fosse).
XIV - Em qualquer circunstância, tais ditos gravosos inconvenientes teriam que ser aferidos caso a caso, não justificando a declaração de nulidade da cláusula contratual geral em referência, como se a deslocação a Lisboa, para dirimir o pleito judicial, tomada abstratamente, sugerisse por si um acréscimo insuportável e altamente penalizador de encargos para quem quer que seja.

Recurso TRIBUNAL RELAÇÃO LISBOA
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Data do Acórdão: 02/02/2016
Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação, em conferência, em corrigir o lapso de escrita do acórdão, quando ai se refere que "se confirma a nulidade das cláusulas 10.1, 10.2 e 13.1., 13.1. b., 13.1.c., 13.1.c., 13.1.d., 13.1.e., 13.1.f. e 13.2 do contrato", devendo passar a ler-se que "se confirma a nulidade das cláusulas 10.2 e 13.1., 13.1.b., 13.1.c, 13.1.c, 13.1.d, 13.1.e., 13.1.f. e 13.2 do contrato", e, pelos motivos apontados, não suprir a nulidade parcial do acórdão invocada.

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Texto Integral: 2481_10_5YXLSB.pdf 2481_10_5YXLSB.pdf