Sentença de Julgado de Paz
Processo: 160/2014-JPPRT
Relator: LUÍS FILIPE GUERRA
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Data da sentença: 01/29/2018
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
I. RELATÓRIO:
A, com os demais sinais identificativos nos autos, intentou a presente ação declarativa destinada a efetivar o cumprimento de obrigações contra B, melhor identificado a fls. 2, pedindo a condenação do mesmo a pagar-lhe o montante em dívida de 215,00 €, bem como a quantia indemnizatória de 500,00 € devida pelas deslocações a bancos, stress causado e não participação em atividades da faculdade.
Para tanto, o demandante alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 2 a 6, que aqui se dá por reproduzido, tendo juntado ao mesmo quatro documentos.
Regularmente citado, o demandado não apresentou contestação.
Não se realizou a sessão de pré-mediação, dado que o demandado faltou à mesma, afastando tacitamente essa possibilidade.
Foi, por isso, marcada e realizada a audiência de julgamento, segundo as regras legais.

II. SANEAMENTO DO PROCESSO:
Estão reunidos os pressupostos de regularidade da instância, nomeadamente:
O Julgado de Paz é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território (artigos 6º nº 1; 8º; 9º nº 1 a); e 12º nº 1, respetivamente, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras exceções, nulidades ou quaisquer questões prévias de que cumpra conhecer, pelo que se fixa o valor da presente causa em 715,00 €.
Assim, cabe apreciar e decidir:

III. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA:
Discutida a causa, ficaram provados os seguintes factos:
1. O demandante e o demandado são árbitros oficiais de futsal, inscritos na C com os n.º 00 e 000, respetivamente, e conhecem-se um ao outro por esse motivo.
2. Desde há cerca de três anos e durante os meses de Junho a Setembro, o demandante e o demandado costumam arbitrar torneios de futsal, a convite das equipas organizadoras, nos quais são remunerados.
3. Nesses anos, às vezes eram os clubes que pagavam diretamente a ambos e outras vezes pagavam a um dos árbitros e este distribuía pelos colegas.
4. Nos dias 26 a 28 de Julho de 2013, o demandado organizou os árbitros, em conjunto com D, também árbitro na mesma associação e agora colega de equipa do demandante, para um torneio organizado sob a égide da E.
5. No dia 27 de Julho de 2013, o demandante foi também convidado por intermédio do demandado para arbitrar um torneio organizado sob a égide do F
6. O demandante foi escalonado para arbitrar os seguintes jogos: no dia 26/06/2013, quatro jogos no primeiro torneio acima referenciado, cuja remuneração era de 11,25 € por jogo; no dia 27/06/2013, quatro jogos no segundo torneio acima aludido, cuja remuneração seria de 10,00 € por jogo; e no mesmo dia à noite até à madrugada do dia seguinte, mais oito jogos do primeiro torneio.
7. Os jogos foram realizados pelo demandante.
8. No mês de Setembro, o demandado contactou o demandante para arbitrar mais um torneio, organizado sob a égide do F, no fim de semana de 7 e 8 de Setembro, tendo este concordado em participar, mas apenas no dia 8, na condição de receber de imediato.
9. O demandante realizou quatro jogos completos de manhã, à razão de 10,00 € por cada jogo, tendo o quinto terminado a meio devido a conflitos entre o demandante e jogadores de uma equipa, posto o que o mesmo já não arbitrou mais nenhum.
10. O demandado disse que entregaria o dinheiro do primeiro torneio ao demandante após o pagamento por parte da coletividade.
11. O demandado recebeu o dinheiro do primeiro torneio, quer a parte dele quer a dos restantes elementos da arbitragem.
12. O demandante não chegou a receber o dinheiro dos jogos que efetuou, apesar de ter pedido o mesmo ao demandado e de este lhe ter prometido pagar.
Os factos provados assentam parcialmente no acordo das partes e no depoimento das testemunhas G, dirigente do F, D, árbitro de futsal, e H, dirigente da E, do conjunto dos quais se pôde perceber que o demandado recebeu a parte do demandante do torneio organizado sob a égide desta última coletividade, no total de 135,00 €, sem que a tenha pago até ao momento ao mesmo, mas que os árbitros foram pagos diretamente pelo F no final do torneio, não tendo o demandante recebido por se ter ido embora antes do fim, sem que o demandado tenha recebido a sua parte. Aliás, embora o demandante tenha alegado a realização de dois torneios por esta coletividade, a verdade é que as duas primeiras testemunhas se referiram apenas a um e, no caso da primeira, somente ao de Setembro, que foi aquele em que o demandante se viu forçado a interromper a sua participação abruptamente, não tendo, por isso, recebido a sua parte. No que diz respeita ao primeiro torneio desta coletividade, admitindo-se que o mesmo ocorreu, desde logo por falta de impugnação dessa factualidade, não se pôde concluir que o demandante não tenha recebido a sua retribuição ou que, pelo menos, tenha sido o demandado a ficar com ela.
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, nomeadamente que o demandado tivesse recebido o dinheiro correspondente aos torneios do F para distribuir pelos outros árbitros, incluindo o demandante, nem que lhe tivesse prometido pagar o mesmo, mas sim somente o do torneio da E. Além disso, também não se provaram quaisquer outros danos que o demandante tivesse sofrido por efeito da retenção indevida da sua retribuição por parte do demandado, designadamente aquele alegados pelo demandante, dado que nenhuma prova foi oferecida a esse respeito.

IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
Atendendo à prova produzida, ficou demonstrado que o demandante arbitrou doze jogos do torneio de futsal organizado sob a égide da E no final de Julho de 2013, tendo direito à retribuição de 11,25 € por jogo, no total de 135,00 €. Além disso, ficou ainda provado que o demandado recebeu do grupo organizador o dinheiro para os árbitros, tendo pago a alguns, mas não ao demandante.
Por sua vez, embora o demandante tenha arbitrado quatro jogos em cada um dos torneios de futsal organizados sob a égide do F, tendo direito à retribuição de 10,00 € por jogo, a verdade é que não se demonstrou que tenha sido o demandado a receber esse dinheiro. Na verdade, o presidente desta coletividade disse que no final do torneio (de Setembro) se pagou aos árbitros e que o demandante não recebeu porque não estava lá. Quanto ao torneio de Julho, nada se demonstrou que permita concluir que o demandante não tenha recebido a sua retribuição ou que tenha sido o demandado a ficar com a mesma, desde logo face ao procedimento seguido por esta coletividade.
Com efeito, como explicou a testemunha D, nestes torneios de fim ou início de época, dependendo do organizador, o pagamento pode ser feito a cada árbitro ou a um para dar aos outros. Ora, só a E é que seguiu este último procedimento, tendo o F adotado o primeiro, como se pôde depreender da prova produzida.
A atividade da arbitragem neste contexto configura um contrato de prestação de serviços atípico, cuja disciplina se rege, com as necessárias adaptações, pelas regras do mandato (cfr. artigos 1154º e 1156º do Código Civil). Nessa medida, tratando-se de uma prestação de serviços onerosa, o mandatário tem direito à retribuição, cabendo ao mandante pagar a mesma, no montante ajustado entre as partes (cfr. artigos 1167º do Código Civil). Neste caso, o mandante era a coletividade organizadora de cada um dos torneios, ainda que por intermédio de uma comissão organizadora ad hoc, como explicaram as testemunhas G e H, respetivamente dirigentes do F e da E. Porém, quer uma quer outra procederam ao pagamento aos árbitros, embora no primeiro caso tenha falhado o pagamento ao demandante por este ter estado ausente no final do torneio, e, no segundo caso, esse pagamento tenha sido efetuado através do demandado.
Contudo, nenhuma das duas coletividades foi demandada nestes autos, pelo que não está em causa o cumprimento da sua obrigação perante o demandante, salvo reflexamente, na medida em que isso possa responsabilizar o demandado.
Ora, tendo recebido a verba destinada ao demandante, nos termos previamente combinados entre as partes envolvidas, o demandado está obrigado a entregar-lhe a mesma (cfr. artigo 1181º, nº 1 do Código Civil), se mais não for por via do enriquecimento sem causa (cfr. artigo 473º do Código Civil).
Finalmente, a pretensão indemnizatória do demandante não pode ser atendida, dado que não se provaram os danos alegados nem o nexo de causalidade entre a conduta do demandado e os mesmos. Além disso, nas obrigações pecuniárias a indemnização devida pela mora toma a forma de juros, à taxa legal (cfr. artigos 804º a 806º do Código Civil). Neste caso, porém, o demandante não peticionou os juros moratórios, pelo que não pode o tribunal substituir-se-lhe (cfr. artigo 609º, nº 1 do CPC).

V. DECISÃO:
Nestes termos, julgo a presente ação parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condeno o demandado a pagar ao demandante a quantia de 135,00 (cento e trinta e cinco euros), absolvendo-o do demais peticionado.
Custas por demandante e demandado na proporção do respetivo decaimento, fixando as mesmas em 80% para o primeiro e 20% para o segundo (cfr. artigos 527º, n.os 1 e 2 do CPC e 8º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro).
Registe e notifique.
Porto, 29 de Janeiro de 2018

O Juiz de Paz,

(Luís Filipe Guerra)