Sentença de Julgado de Paz
Processo: 318/2015_JPCBR
Relator: MARTA NOGUEIRA
Descritores: AÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO
Data da sentença: 04/24/2018
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
OBJETO DO LITÍGIO
A Demandante, N, Unipessoal, Lda., veio intentar, em 00-00-0000, a presente ação, com fundamento na alínea h) do n.º 1 do art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho (LJP), pedindo a condenação da Demandada no pagamento da quantia de € 2.111,29 (dois mil cento e onze euros e vinte e nove cêntimos), correspondente à reparação do veículo 00-00-00, bem como aos juros de mora vencidos e vincendos, até ao efetivo e integral pagamento, e ainda nas custas do processo.
Para tanto alegou os factos constantes do seu requerimento inicial de fls. 1 a 5, que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Juntou: 11 (onze) documentos, que se dão por integralmente reproduzidos.

TRAMITAÇÃO
A Demandada foi regularmente citada, cfr. fls. 22 dos autos, tendo apresentado a contestação de fls. 24 e segs., na qual se defende por impugnação.
Juntou: 1 (um) documento, que se dá por integralmente reproduzido.

Foi designado o dia 09-05-2016, pelas 14h00m, para realização da audiência de julgamento, a qual se realizou com todas as formalidades legais, cfr. da respetiva ata se alcança. Foi a mesma suspensa para continuar no dia 16-05-2016, pelas 10h30m, a qual se realizou, cfr. da respetiva ata se alcança. Por motivos de serviço e acumulação de funções da Juiz de Paz titular do processo foi ordenada a notificação da sentença por via postal.

Verificam-se os pressupostos processuais de regularidade e validade da instância, inexistindo questões prévias ou nulidades que invalidem totalmente o processo ou obstem ao prosseguimento dos autos.

Cumpre apreciar e decidir.

Importa saber se a Demandada tem, ou não, obrigação de indemnizar a Demandante.

FUNDAMENTAÇÃO
Da prova carreada para os autos, resultaram provados os seguintes factos:
A - No dia 29 de novembro de 2014, em virtude da ocorrência de um sinistro, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Renault, modelo Grand Espace e de matrícula 00-00-00 foi transportado para as instalações da Demandante a fim de proceder à sua reparação;
2 – A 02 de dezembro de 2014 a pedido da Demandada foi dado início ao respetivo processo de peritagem, através da empesa UON Consulting;
3 – A 12 de dezembro de 2014 o relatório de peritagem elaborado indicava como valor total de reparação o de € 7.013,35, já deduzido da respetiva franquia;
4 - Montante este já pago;
5 – Iniciada a reparação verificou-se que as calhas existentes no veículo não correspondiam ao modelo dos bancos adquiridos em estado de uso, originando a substituição das mesmas;
6 – A Demandada elaborou novo relatório de peritagem em 12 de março de 2015;
7 – Este relatório indicava o valor de reparação de € 2.029,50;
8 – A 15 de março de 2015 a Demandante emitiu a fatura n.º 00/00, no valor de € 2.029,50;
9 – Tendo procedido ao seu envio à Demandada;
10 – Fatura que a Demandada devolveu à Demandante em 06 de maio de 2015;
11 – A Demandada indicou à Demandante que o valor correto a faturar era € 664,20;
12 – Correspondente ao aditamento efetuado às calhas e ao elevador do vidro da porta;
13 – Em 05 de maio de 2015 foi elaborado um relatório de peritagem pela mesma empresa que procedeu à elaboração dos anteriores, onde constava a quantia de € 664,20;
14 – Em 27 de maio de 2015 é enviada uma carta registada à Demandada no sentido de esta proceder à liquidação da fatura n.º 00/00, bem como esclarecer qual o motivo de a mesma ter sido devolvida e justificar o porquê de ser colocada à disposição da Demandante a quantia de € 664,20, quando não existe qualquer relatório nesse valor;
15 – Em 03 de junho de 2015 a Demandada envia uma carta à Demandante a informar que o relatório efetuado no montante de € 2.029,50 não foi assumido pois nele estava incluído o valor duplicado das forras, que já estava incluído no primeiro relatório, no montante de € 7.381,93, pelo que foi corrigido o segundo relatório e efetuado um novo relatório com o montante de € 664,20;
16 – Por contrato de seguro titulado pela Apólice n.º 00000000, a N Unipessoal, Lda. transferiu para a C, S.A., a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da circulação do veículo, bem como o seguro facultativo com as coberturas de choque, colisão, capotamento, e incêndio, raio e explosão, relativas a danos próprios sofridos pelo veículo seguro de matrícula 00-00-00;
17 – Data da peritagem: 02-12-2014;
18 – 1º Relatório de peritagem: 12-12-2014, situação condicional, no valor de € 7.013,35;
19 – Considerava os danos no tablier, radio, porta direita vidro, friso, bancos traseiros e forras;
20 – Jogo de bancos recondicionados com cintos orçamentado neste relatório em € 2.750,00;
21 – Forrar bancos e interiores x7 orçamentado neste relatório em € 2.450,00;
22 – 2º Relatório de peritagem: 13-03-2015, situação condicional, no alor de € 2.029,50;
23 – 3º Relatório de peritagem: 05-05-2015, no valor de € 664,20.

Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.

Motivação da matéria de facto provada e não provada:
Tiveram-se em conta os factos admitidos pelas partes nos seus articulados, os documentos juntos aos autos, as declarações das partes e os depoimentos das testemunhas apresentadas prestados em sede de audiência final.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.

DO DIREITO
Pela presente ação, pretende a Demandante efetivar a responsabilidade civil emergente de um sinistro, ocorrido em 00-00-0000, que teve como interveniente o veículo ligeiro de passageiros da marca Renault, modelo Grand Espace, com a matrícula 00-00-00.

Ora, não se trata aqui de apreciar a responsabilidade pela produção do sinistro, porquanto dos autos, resulta provado que o mesmo existiu e que a Demandante havia transferido para a Demandada a responsabilidade civil emergente da circulação do referido veículo, incluindo danos próprios.

Alicerça a Demandante o seu pedido no facto de as calhas existentes no veículo não corresponderem ao modelo dos bancos adquiridos em estado de uso, originando a substituição das mesmas, e ainda no facto de as forras indicadas no 1º relatório não corresponderem, nem poderem ser as mesmas, emitidas no 2º relatório.

Em sede de contestação a Demandada vem confessar-se devedora apenas da quantia de € 664,20 referente a um aditamento efetuado às calhas e ao elevador do vidro da porta, que a Demandante não aceitou, e não da quantia de € 2.029,50 peticionada, porquanto este 2º relatório contemplava a quantia de € 800,00 para as forras dos bancos, as quais já estavam contempladas no 1º relatório, na quantia de € 2.450,00.

Vejamos.

A regra vigente na responsabilidade civil é a da reparação integral dos danos resultantes do facto ilícito – arts. 562º e 566º n.º 1 do Código Civil. A restauração natural é, sem dúvida, a forma mais perfeita de reparar um dano, seja através da reintegração pura ou da indemnização em forma específica. Por isso, foi erigida como princípio geral da obrigação de indemnizar, como resulta do próprio texto do art. 562º do CC: «Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.».
Pode, todavia, acontecer que a referida reintegração ou reposição específica se apresente inviável: ou porque não existe possibilidade material de reconduzir as coisas à situação exata ou aproximada em que estariam se a lesão se não tivesse verificado; ou porque desse modo se não reparam integralmente os danos; ou ainda porque a ordem jurídica a não admite, designadamente por considerá-la demasiado onerosa para o devedor. Nestes casos tem de se optar por uma indemnização ou restituição por equivalente, traduzida na entrega de uma quantia em dinheiro que corresponda ao montante dos danos. É isto mesmo que nos diz o art. 566º n.º 1 do CC: «A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor».

Relativamente ao veículo da Demandante ficou provado que, em consequência do sinistro, sofreu, entre outros, estragos nos bancos, sendo necessário adquirir novos bancos, calhas para os mesmos e forrá-los. Mais ficou provado que foi elaborado em 12-12-2014 um relatório de peritagem, que ficou em situação condicional, e no qual foram admitidos danos no tablier, rádio, porta direita vidro, friso, bancos traseiros e forras, no valor de € 7.013,35 (sete mil e treze euros e trinta e cinco cêntimos), que a Demandada pagou à Demandante, como resulta de confissão da própria no art. 3º do seu requerimento inicial. Ficou igualmente provado que a aquisição de um jogo de bancos recondicionados com cintos foi orçamentado em € 2.750,00 e que a forra dos bancos e interiores (x 7) foi orçamentada em € 2.450,00. Provou-se também que em 12-03-2015 foi elaborado um relatório separado de danos, que igualmente ficou em situação condicional, que contemplava quantia de € 100,00 para o elevador usado da porta direita, a quantia de € 750,00 para as calhas dos bancos traseiros usadas e a quantia de € 800,00 para forras dos bancos traseiros bege, tudo no valor global de € 2.029,50, já com IVA. Provou-se ainda que em 05-05-2015 é elaborado um novo relatório de peritagem que aditou as calhas e o elevador do vidro da porta, no valor de € 664,20, quantia esta que a Demandada colocou à disposição da Demandante, que não a aceitou.

Perante esta factualidade e toda a que foi dada como provada, vamos cingir-nos à questão de saber se tem a Demandada de pagar à Demandante a quantia de € 2.029,50, peticionada pela Demandante.

No caso dos autos provou-se que foram furtados 5 bancos do veículo 00 e que foi orçamentada a compra de 5 bancos recondicionados e a forra de 7 bancos. Dúvidas então não restam que o 1º relatório contemplou a forra de 7 bancos, e que a quantia em causa foi colocada à disposição da Demandante, que a aceitou, cfr. art. 3º do seu requerimento inicial.
Nos termos das regras gerais do ónus da prova, tal como fixado no art. 342º do CC, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (n.º 1); por outro lado, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita (n.º 2). Competia então à Demandante provar os factos constitutivos do seu direito, nomeadamente que não existiu qualquer duplicação na faturação do material e que as forras indicadas no 1º relatório não correspondem, nem poderiam ser as mesmas do 2º relatório, o que não logrou fazer. Reitere-se que se deu como provado que o 1º relatório incluía a quantia de € 2.450,00 para a forra dos bancos e interiores (x 7), a qual foi paga pela Demandada à Demandante, o que, inclusive, esta confessa.

Assim, e quanto a este pedido, vai a Demandada absolvida, sob pena de a Demandante receber por duas vezes uma quantia destinada a forrar os 7 bancos da carrinha.

Quanto ao elevador da porta e as calhas, a Demandada admite ter de ressarcir a Demandante no montante de € 664,20, valor que a Demandante não aceitou.
Ora, no que respeita à obrigação de indemnizar, o princípio, a regra, é o da reconstituição natural; a exceção é a indemnização por equivalente. Mas a medida da indemnização em dinheiro deve refletir a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, e a que existiria nessa data se não fossem os danos (art. 566º n.º 2 do CC). Ora, como acima resulta provado, Demandante e Demandada não chegam a acordo quanto ao quantum indemnizatório do elevador da porta e das calhas.
Assim, nos termos do art. 566º n.º 3 do CC afigura-se razoável, justo e equitativo o montante de € 750,00 para reintegrar o património da Demandante. Atribui-se este valor equitativamente, tendo em conta as regras da experiência comum, os documentos juntos pelas partes e a prova testemunhal.

Vai assim a Demandada condenada no pagamento da quantia de € 750,00 (a acrescer o IVA).

Dos juros de mora
No que concerne aos juros de mora peticionados, estipulam as normas dos arts. 804º e 559º do CC, que sobre a obrigação de indemnizar incide também a obrigação de pagamento de juros a partir do dia da constituição em mora. No entanto, no caso em apreço resulta provado que a Demandante não aceitou a indemnização que lhe foi proposta, no valor de € 664,20, razão pela qual recorreu a tribunal para ver efetivados os seus direitos. Por outro lado, refere a Demandante ter direito a juros de mora à taxa legal de 8%, nos temos do disposto no art. 3º n.º 3 do D.L. n.º 291/2007, de 21 de agosto.

A este respeito diga-se que, estando em litígio o quantum indemnizatório, não nos parece ser de aplicar este artigo, porquanto a quantia de € 2.029,50 peticionada não se pode considerar devida.
Assim, e tendo em conta o regime descrito no art. 805º n.º 3 do citado Código, serão devidos juros de mora, no caso em apreço, à taxa legal de 4%, sobre a indemnização fixada, em € 750,00, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento (Portaria nº 291/2003, de 08 de abril).

DECISÃO
Face a quanto antecede, julgo parcialmente procedente a presente ação por provada e, em consequência, condeno a Demandada a pagar à Demandante a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação (em 18-09-2015) até efetivo e integral pagamento. Do demais peticionado vai a Demandada absolvida.

Custas: no valor de € 70,00 (setenta euros), a suportar pela Demandante e pela Demandada, atendendo ao decaimento, que se fixa em 65% para a Demandante e 35% para a Demandada.

A Demandante deverá efetuar o pagamento das custas em dívida, no valor de € 10,50 (dez euros e cinquenta cêntimos), num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, incorrendo numa sobretaxa de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação, conforme disposto nos números 8º e 10º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de dezembro. Decorridos catorze dias sobre o termo do prazo suprarreferido sem que se mostre efetuado o pagamento, será entregue certidão da não liquidação da conta de custas ao Ministério Púbico, para efeitos executivos, no valor então em dívida, que será de € 150,50 (cento e cinquenta euros e cinquenta cêntimos).

Cumpra-se o disposto no n.º 9 da referida Portaria em relação à Demandada, e devolva-se a quantia de € 10,50.

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Notifique.

Coimbra, Julgado de Paz, 24 de abril de 2018

A Juiz de Paz,

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(Marta Nogueira)