Sentença de Julgado de Paz
Processo: 135/2016JPCBR
Relator: DANIELA SANTOS COSTA
Descritores: ARRENDAMENTO. INCUMPRIMENTO CONTRATUAL. PAGAMENTO DA RENDA. USO IMPRODENTE DO LOCADO.
Data da sentença: 08/10/2018
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Proc. n.º 135/2016-JPCBR

I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES

Demandantes: A e B;
1ª e 2ª Demandadas: C e D.

II - OBJETO DO LITÍGIO
Os Demandantes vieram propor contra as Demandadas a presente ação declarativa, enquadrada na al. g) do n.º 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, adiante LJP, pedindo a condenação destas a pagarem-lhes a quantia 1.602,70 € (mil seiscentos e dois euros e setenta cêntimos) referentes à falta de pré-aviso e aos danos sofridos com a reparação e limpeza do locado.

Na impossibilidade de citar a 1ª Demandada e dada a inexistência de representante de Ministério Público, foi nomeado o Ilustre Defensor Oficioso, Dr. Josélito Martins Santiago, que ofereceu o merecimento dos autos, conforme consta a fls. 93, e que esteve presente em audiência de julgamento.
Regularmente citada, a 2ª Demandada contestou, conforme resulta a fls. 78 a 79, tendo impugnado os factos vertidos no requerimento inicial.

O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há exceções, nulidades ou quaisquer questões prévias que cumpra conhecer.

Valor da ação: € 1.602,70 (mil seiscentos e dois euros e setenta cêntimos)

II - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
FACTOS PROVADOS:
A. Os Demandantes são proprietários e legítimos possuidores do prédio sito em Quimbres, freguesia de São Silvestre, concelho de Coimbra, inscrito na matriz urbana da referida freguesia sob o artigo XXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº XXXX, correspondente ao r/chão e 1º andar, composto por três quartos, sala, cozinha e WC, e no rés-do-chão, por garagem e arrumos;
B. Em 01 de novembro de 2015, mediante contrato de arrendamento celebrado a escrito, os Demandantes deram de arrendamento à primeira Demandada, para habitação desta, o lº andar do prédio supra identificado;
C. Constando como terceira outorgante e fiadora do mesmo contrato a segunda Demandada;
D. O contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos, com início em 01 de Novembro de 2015 e com termo em 31 de Outubro de 2020, caso não fosse denunciado no seu termo;
E. Tendo sido convencionada uma renda anual de 6.000,00 euros (seis mil euros), a pagar mensalmente em duodécimos de 500,00 €uros (quinhentos euros);
F. A 1ª Demandada abandonou o locado a 08.04.2016, sem qualquer pré-aviso;
G. Quando o 1º andar lhe foi disponibilizado, o pavimento de toda a casa encontrava-se em excelentes condições;
H. Aquando da entrega do imóvel, os Demandantes depararam-se com o piso em madeira envernizada do corredor, do quarto e da sala, riscados por força do arrastamento de móveis;
I. O valor da limpeza e reparação do chão foi no valor de € 369,00 (trezentos e sessenta e nove Euros), serviço prestado pela E e pago pelos Demandantes;
J. A 19.04.2016, por intermédio de Advogado, os Demandantes enviaram uma carta registada com aviso de receção à 1ª Demandada, a solicitar o pagamento das rendas referentes ao pré-aviso, à limpeza e ao envernizamento do chão, mas que não foi por esta recepcionada;
K. Tendo os Demandantes reiterado o seu pedido, desta vez, dirigido à 2ª Demandada, também por carta registada, e que foi por esta recebida;
L. Quando a 1.ª Demandada deu entrada no imóvel, em Novembro de 2015, pagou adiantado o mês de Dezembro e um mês de renda a título de caução.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.

Os factos provados resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos, a fls. 4 a 12, 126 a 129, do depoimento de parte da Demandante mulher, das declarações de parte da 2ª Demandada e do depoimento testemunhal, todos prestados em audiência final de julgamento.
Quanto ao depoimento de parte da Demandante mulher, resultou confessado que “Quando a 1.ª Demandada deu entrada no imóvel, em Novembro de 2015, pagou adiantado o mês de Dezembro e um mês a título de caução”, conforme consta na respetiva ata de fls. 117.
No que concerne às declarações da 2ª Demandada, foram atendíveis pelo facto de ter sido constituída como fiadora do contrato de arrendamento, conhecendo com detalhe o seu cumprimento por parte da 1ª Demandada.
No que tange ao testemunho de F, indicada pelos Demandantes, foi decisivo para a descoberta da verdade material na medida em que foi responsável por entregar aos Demandantes a chave do locado, na presença da 1ª Demandada.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.

IV - O DIREITO
Os presentes autos fundam-se no incumprimento de obrigações, principal e acessória, do arrendatário e que se traduz, por um lado, no pagamento atempado da renda convencionada, de acordo com o previsto na al. a) do Art. 1038º do Código Civil (adiante designado de CC), e, por outro lado, de não fazer uma utilização prudente do locado, segundo a al. d) do mesmo preceito legal.
Assim, quanto à obrigação de pagamento da renda, de natureza pecuniária e periódica, deve ser cumprida, na falta de convenção em contrário, no momento da celebração do contrato de arrendamento, no que diz respeito ao vencimento da 1ª renda, e no 1º dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito, no que se refere às rendas subsequentes – vide n.º 1 e n.º 2 do Art. 1075º do CC.
Quando se extinga por algum motivo o contrato, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.
Por outro lado, na questão ora controvertida, ficou provado que entre as partes foi celebrado um contrato de arrendamento para fins habitacionais com duração de 5 anos, com prorrogações de um ano.
Dispõe o n.º 3 do Art. 1098º do CC que decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima seguinte:
a) 120 dias do termo pretendido do contrato, se o prazo deste for igual ou superior a um ano;
b) 60 dias do termo pretendido do contrato, se o prazo deste for inferior a um ano.
Estatui o n.º 6 da mesma norma que a inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta.
No caso em análise, ficou provado que a 1ª Demandada não comunicou com antecedência de 60 dias que pretendia pôr termo ao contrato, que ocorreu a 08.04.2016.
Ora, face a isso, a 1ª Demandada e a 2ª Demandada, esta na qualidade de fiadora, estão obrigadas a pagar dois meses de renda, correspondente ao período de 60 dias de pré-aviso que a lei civil impõe.
Por fim, no que toca às alegadas condições do soalho e de limpeza em que o locado ficou, após a extinção do contrato de arrendamento, as Demandadas não lograram afastar a presunção de culpa que sobre elas recaíam quando haja lugar a uma tal violação do contrato – cfr. Art. 799º, n.º 1 do CC. Com efeito, estipula o Art. 1038º al. d) do CC que é obrigação do arrendatário “Não fazer dela uma utilização imprudente”.
Ora, com a denúncia do contrato, a arrendatária (1º Demandada) estava obrigada a devolver o locado aos Demandantes, no estado em que o tinha recebido, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização. Recaía, assim, sobre ela o ónus de demonstrar que restituíra o locado em boas condições higiénicas e de limpeza, o que não logrou fazer por nenhum meio.
Por conseguinte, ficou provado que após a sua saída, o soalho do imóvel locado apresentava riscos no corredor, quarto e sala, por força do arrastamento de móveis, além de não se encontrar limpo.
Quanto às despesas necessárias à reparação do soalho e limpeza do locado, ficou provado que os Demandantes pagaram a quantia total de € 369,00 (trezentos e sessenta e nove Euros) e não a quantia de €602,70, conforme alegado no requerimento inicial.
Sucede, no entanto, que a 1ª Demandada pagara adiantado o mês de Dezembro, quando deu entrada no locado, e, a título de caução, pagou um mês de renda, facto que resultou da confissão da Demandante mulher em plena audiência de julgamento, o que leva a concluir que as rendas dos meses seguintes foram pagas, sucessivamente, no mês anterior àquele a que diziam respeito. Assim, quando a 1ª Demandada saiu do locado a 08.04.2016, já se encontrava paga, desde Março, a renda referente ao mês de Abril.
Disto decorre que ao crédito dos Demandantes, relativo à reparação do soalho e limpeza do locado, deverá ser compensado o montante que a 1ª Demandada pagou a título de renda adiantada e da caução, pelo valor total de €1.000,00.
Assim, apenas devem as Demandadas a quantia de € 369,00, resultante da diferença entre o montante devido pelo não cumprimento do dever de pré-aviso e das despesas tidas pelos Demandantes (€1.369,00) e o valor que a 1ª Demandada pagou adiantadamente de renda e a título de caução (€1.000,00).

V – DISPOSITIVO
Face a quanto antecede, julgo parcialmente procedente a presente ação e, por consequência, condeno solidariamente as 1ª e 2ª Demandadas a pagarem aos Demandantes a quantia de € 369,00 (trezentos e sessenta e nove Euros), absolvendo-as do restante pedido.

Custas na proporção do decaimento que se fixam em 75% para os Demandantes e 25% para as Demandadas, o que equivale a que os Demandantes efetuem o pagamento de € 17,00, no prazo de 3 dias úteis, sob pena de ser aplicada uma sobretaxa de €10,00 por cada dia útil de atraso no seu pagamento, em conformidade com os Artigos 8º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria nº 209/2005 de 24 de Fevereiro.
A presente sentença foi proferida e notificada nos termos do n.º 2 do Art. 60º da LJP.
Registe e notifique.
Coimbra, 10 de Agosto de 2018
A Juíza de Paz,


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Daniela Santos Costa