Sentença de Julgado de Paz
Processo: 430/2017-JPSNT
Relator: GABRIELA CUNHA
Descritores: INDEMNIZADA PELOS DANOS OCORRIDOS EM VIRTUDE DE ACIDENTE DE VIAÇÃO
Data da sentença: 12/07/2017
Julgado de Paz de : SINTRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

RELATÓRIO: A, melhor identificada a fls. 1, intentou contra B, melhor identificada a fls. 1, e contra a C, também melhor identificada a fls. 1, dos autos, a presente ação declarativa de condenação, enquadrável na alínea h), do nº1, do art. 9º, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei nº 54/2013 (LJP), de 31 de julho, pedindo que seja declarado o condutor da viatura ambulância como único responsável pelo sinistro ocorrido em 02.02.2017, e pedindo também que seja a segunda Demandada condenada a pagar-lhe o montante global de € 7.038,96 (sete mil e trinta e oito euros e noventa e seis cêntimos), resultante da cumulação dos seguintes pedidos: € 5.288,96 (cinco mil duzentos e oitenta e oito euros e noventa e seis cêntimos) por indemnização correspondente ao valor de reparação do veículo e € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida dos respectivos juros de mora contados desde a data da citação para a presente ação à taxa legal em vigor, até integral pagamento.-----------------------------------------------------------------------Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, de fls. 1 a 3, dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, dizendo, em síntese, que conduzia o veículo ligeiro de passageiros de sua propriedade, com a matrícula ….ZR (adiante designado ZR), vinda da Estrada do …, sentido norte para sul, após imobilização no sinal de stop existente no final da via, e se encontrava em marcha em direção à Rua do M…, quando a viatura de matricula …NN (adiante designada NN), conduzida por D, funcionário da primeira Demandada, vinda da Rua de S…, sentido norte para sul, em …, veio embater na lateral esquerda do ZR, que se encontrava já a meio do cruzamento entre as vias identificadas, uma vez que ao entrar no cruzamento deslocava-se a uma velocidade acima da legalmente permitida para via em questão (50 km/h), não parou no sinal de Stop colocado no final da artéria em que circulava; em consequência do embate, a sua viatura foi projectada vários metros, acabando imobilizada junto do passeio; do embate resultaram danos no referido ZR reparados no montante de 5.288,96 (cinco mil duzentos e oitenta e oito euros e noventa e seis cêntimos); quantia que, acrescida de danos não patrimoniais e juros de mora à taxa legal, aqui peticiona. Juntou os documentos de fls. 4 a 19, dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, e procuração forense.

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Regularmente citada, a primeira Demandada apresentou contestação, nos termos plasmados a fls. 30 a 39, que aqui se dá por reproduzida, na qual suscitou a exceção de ilegitimidade, uma vez que à data do acidente a proprietária do veículo NN havia transferido a sua responsabilidade civil automóvel para a segunda Demandada, e alega que, à data do acidente, a viatura NN circulava em marcha de urgência, dirigindo-se para uma ocorrência de atropelamento. Juntou documentos de fls. 41 a 48 dos autos, que aqui se dão por reproduzidos, e procuração forense.

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Regularmente citada, a segunda Demandada apresentou contestação, nos termos plasmados a fls. 57 a 61, que aqui se dá por reproduzida, impugnando a versão fáctica do acidente alegando pela Demandante, dizendo em síntese que o veículo NN circulava com a marcha de urgência sonora e luminosa ligada, pois dirigia-se para uma ocorrência de um atropelamento, tendo tomado todas as precauções que lhe eram exigíveis antes de avançar para o cruzamento com a Estrada do …, ao contrário do veículo ZR, que não parou no sinal de Stop que se encontrava na via de onde provinha, nem cedeu passagem ao veículo prioritário NN, provocando assim o acidente, pelo que a culpa para o mesmo é única e exclusivamente sua; que procedeu a uma peritagem ao veículo ZR, tendo resultado um relatório de perda total; que os danos morais alegados pela demandante são descabidos de fundamento pelo que não devem ser indemnizados, concluindo pugnando pela sua absolvição. Juntou documentos de fls. 62 a 79 dos autos, que aqui se dão por reproduzidos e procuração forense.

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Cumpre antes de mais apreciar e decidir da exceção de ilegitimidade passiva suscitada pela Demandada B (adiante designada …).

Veio a primeira Demandada suscitar a sua ilegitimidade alegando que transferiu a sua responsabilidade civil automóvel referente ao veículo NN para a segunda Demandada mediante contrato de seguro com a apólice nº …... Vejamos:

Ora dispõe o nº1 do art 64º do Decreto-Lei 291-2007 que “As ações destinadas a efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer exercidas em processo civil quer o sejam em processo penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente a) Só contra a seguradora quando o pedido formulado se contiver dentro dos limites fixados para o seguro obrigatório”.

Assim, existindo contrato de seguro válido, titulado pela apólice nº … e inserindo-se o valor peticionado pela Demandante nos limites do seguro obrigatório (art 12º do mesmo diploma), deve a presente ação ser proposta apenas contra a Companhia de Seguros.

Assim, tendo sido Demandada a Seguradora, coloca-se a questão da ilegitimidade da primeira Demandada.

A ilegitimidade constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso (alínea e) do art 577º e art 578º do C.P.C.) e dá lugar à absolvição da instância (alínea d) do nº1 do art 278º e nº2 do art 576º do C.P.C).

Face ao exposto e de harmonia com os preceitos legais supracitados, declara-se a Demandada B parte ilegítima nos presentes autos e, em consequência, absolva-se da instância, devendo os autos prosseguir os seus termos contra a Demandada C.

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Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil fixa-se à causa o valor de € 7.038,96 (sete mil e trinta e oito euros e noventa e seis cêntimos).

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O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território. Não existem nulidades que invalidem todo o processado. As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídicas, e são legítimas. Não existem outras exceções que cumpra conhecer e ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa.

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Aberta a audiência, e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no artº 57º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei nº54/2013, de 31 de Julho, tendo-se explorado todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no nº1, do artº 26º, do mesmo diploma legal, o que não logrou conseguir-se, tendo-se procedido à Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal como da ata se infere, tendo sido ouvida a Demandante em declarações de parte e ouvidas as testemunhas apresentadas pela Demandante, pela primeira Demandada e as chamadas pelo Tribunal.

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OS FACTOS:

Com interesse para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos:

1. No dia 2 de Fevereiro de 2017, cerca das 18h10m, no cruzamento entre a Rua do M.. e a Rua de S…, …, Concelho de …, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros de matrícula ZR, propriedade e conduzido pela Demandante, e a ambulância de matrícula NN, conduzido por D, ao serviço da primeira demandada, B;

2. A Rua do M… é uma estrada sem separador e com circulação nos dois sentidos;

3. Na data e hora do acidente encontravam-se boas condições atmosféricas;

4. Na interseção entre a Estrada do … e a Rua do M… existe um sinal de STOP para quem provem na direção Estrada do /Rua do M…;

5. A viatura ZR provinha da Estrada do … e encontrava-se já a circular na Rua do M…, sentido Sul para Norte;

6. A viatura NN circulava na Rua de S… em direção à Rua do M;

7. No final da Rua de S…, sentido Norte para Sul, existe um sinal de Stop;

8. O condutor do veículo NN não parou no sinal de STOP colocado na via de onde provinha;

9. O veículo NN deslocava-se para uma ocorrência de atropelamento;

10. O embate entre os dois veículos ocorreu na Rua do M…, na via de circulação do veículo ZR;

11. O veículo NN embateu com a sua parte frontal esquerda com a lateral esquerda da viatura ZR;

12. Em consequência a viatura ZR foi projectada vários metros acabando imobilizada junto ao passeio,

13. com a condutora encarcerada no seu interior;

14. Do embate resultaram danos em ambos os veículos;

15. A segunda Demandada procedeu a uma peritagem dos danos sofridos pelo veículo ZR, sendo que dela resultou um relatório de perda total, tendo em conta a reparação orçada em € 5.338,52 (cinco mil trezentos e trinta e oito euros e cinquenta e dois cêntimos), o valor venal de € 3.550,00 (três mil quinhentos e cinquenta euros) e o salvado avaliado em € 1.160,00 (mil cento e sessenta euros);

16. O valor de reparação do veículo ZR contabilizou-se em € 5.228,96 (cinco mil duzentos e vinte e oito euros e noventa e seis cêntimos), cfr. factura a fls. 17 e 18 dos autos;

17. A Demandante suportou o referido custo de reparação do veículo ZR;

18. Em consequência dos danos sofridos, a Demandante ficou impedida de utilizar o veículo ZR desde o dia do acidente, 02-02-2017, até ao dia 04-08-2017, dia em que efectuou o pagamento da reparação e levantamento da viatura ZR junto da oficina;

19. A Demandante é professora reformada, vive sozinha, autónoma, fazendo as suas compras, indo ao café, visitando amigos, dando os seus passeios, utilizando o ZR para o efeito;

20. Em consequência do acidente, a Demandante sofreu alterações na sua rotina diária, ficando impossibilitada muitas vezes de sair de casa e de se deslocar, dependendo de terceiros,

21. O que lhe causou desânimo e tristeza:

22. O veículo NN transferiu a sua responsabilidade civil automóvel para a segunda Demandada, C, mediante apólice de seguro nº ….

Factos não provados:

Não ficaram provados outros factos alegados pelas partes relevantes para a decisão da causa, nomeadamente:

I. O veículo NN circulava os com alarmes luminosos e sonoros ligados;

II. O veículo NN circulava em excesso de velocidade;

III. O local possui visibilidade reduzida devido à existência de edifícios;

IV. A Demandante não parou no sinal Stop nem cedeu passagem ao veículo NN.

Motivação da matéria de Facto:

Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos, do depoimento testemunhal e declarações de parte prestados em sede de audiência final, sendo que, a matéria constante dos números 1, 4, 6, 7, 12 e 22 dos factos provados, consideram-se admitidos por acordo, nos termos do nº2 do art 574º do CPC.

Resultam dos documentos juntos aos autos os factos descritos nos n.ºs 2,3, 14,15, 16, 17 e 18.Foram tidas em conta as declarações de parte da Demandante que, no geral, se consideraram credíveis. Foi também relevante o depoimento da testemunha chamada pelo Tribunal, E, Agente que elaborou o auto, que confirmou o seu teor e a situação de urgência para onde o veículo NN se deslocava.

Foram considerados os depoimentos das testemunhas F e G, tendo ambos presenciado o acidente a poucos metros de distância. Ambos disseram que, ainda antes do embate, ficaram surpresos com o ruído de um veículo a circular a grande velocidade (referindo-se ao veículo NN, depois identificado), tendo em conta a estrada em que circulava e as circunstâncias envolventes. Dizem não se recordar de terem ouvido qualquer barulho de sirenes nem visto quaisquer luzes intermitentes próprias de uma ambulância. Quando se viraram avistaram o veículo ambulância NN a embater e a arrastar o veículo ZR, o qual dizem, só se ter imobilizado junto ao sinal de Stop que se encontra junto à entrada para a Estação de Comboios. As mesmas testemunhas confirmaram o local de embate, servindo-se da referência a uma tampa de esgoto, e a posição dos veículos quando imobilizados após o sinistro. Os seus depoimentos mostraram-se credíveis e fundamentais para a convicção do Tribunal acerca da dinâmica do acidente.

A testemunha H, chamada pelo Tribunal, encontrava-se no local do acidente. O seu depoimento foi coincidente com o das testemunhas acima identificadas, revelando-se isento e credível. Os depoimentos das testemunhas I e J, amigas e colegas de profissão da Demandante, que se encontravam dentro do Café …, sito na Rua onde ocorreu o sinistro, não tendo estas assistido ao acidente, afirmam não terem ouvido as sirenes do veículo NN. Estes depoimentos foram relevantes, em particular, para dar como provados os factos assentes em 19. a 21. Relativamente aos depoimentos das testemunhas D e K, condutor e tripulante, respectivamente, do veículo NN, ao tempo do acidente, revelaram-se contraditórios entre si, contudo, o depoimento de D foi considerado na parte em que o mesmo admitiu não ter parado no sinal de Stop que estava colocado na via de onde provinha antes de entrar no cruzamento. Os seus depoimentos foram considerados no que não foi contraditório entre si e como depoimento das restantes testemunhas.

Quanto aos factos não provados em (I) resultam da contradição entre os depoimentos das testemunhas da primeira demandada, sendo que nenhuma das testemunhas presenciais, quer as apresentadas pela demandante quer a chamada pelo Tribunal se recorda de ouvir qualquer barulho das sirenes e/ou ver os sinais luminosos ligados do veículo NN.

Assim, não obstante ter ficado provado que o veículo NN se deslocava para uma emergência, todavia, não ficou o Tribunal convencido de se deslocava em marcha de urgência, ou seja, com os sinais sonoros e luminosos ligados. ---Quanto à fixação da restante matéria dada como não provada a mesma resultou da ausência de mobilização de prova credível, que permitisse ao Tribunal aferir da veracidade desse facto. Para fixação da factualidade assente não se considerou matéria de teor conclusivo ou de Direito.

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O DIREITO:

Vem a Demandante na presente ação peticionar o direito a ser indemnizada pelos danos ocorridos em virtude de acidente de viação. Assim, o objecto do litígio dos presentes autos remete para o regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual, por factos ilícitos.O art.º 483º, n.º 1, do Código Civil (CC) determina o seguinte: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”

ara que se conclua pela existência de responsabilidade civil por factos ilícitos é, então, necessário um facto corporizado num comportamento humano dominável pela vontade; ilicitude, ou seja, a violação de direitos subjectivos absolutos, ou normas que visem tutelar interesses privados (o caso, por exemplo, das normas estradais); um nexo de imputação que una o facto ao lesante; a culpa como elemento de imputação psicológica do facto ao lesante, sob a forma de dolo ou de mera culpa (incluindo o juízo de censura ou reprovação que o direito faz ao lesante por este ter agido ilicitamente, quando podia e devia ter agido com observância formal e material do preceituado pela ordem jurídica, segundo a diligência de “um bom pai de família”); e um nexo causal que, de acordo com as regras normais de adequação e experiência comum, ligue o facto à produção dos danos que sejam susceptíveis de serem reparados ou quantificados.

Por fim, resta referir que a lei civil consagra a teoria da diferença, como critério normativo de avaliação da indemnização pecuniária para os danos patrimoniais, valendo para os não patrimoniais critérios de equidade.

Os referidos elementos da responsabilidade civil por factos ilícitos têm de ser objetivamente adquiridos no âmbito do processo, de acordo com os critérios de distribuição do ónus da prova, conforme decorre da regra geral contida no nº1 do artigo 342º do CC “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado” e da regra do nº2 “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita, tendo em atenção que nos termos do nº 1 do art 344º do CC, existe inversão do ónus da prova sempre que haja presunção legal.

Da responsabilidade dos intervenientes no acidente:

Relativamente à dinâmica do acidente, resulta da matéria provada que, no dia 2 de Fevereiro de 2017, por volta das 18h10m, o veículo ZR vinha da Estrada do …, e circulava já na Rua do M…, quando foi embatido pela ambulância NN que provinha da Rua de S…, tendo entrado na Rua do Moinho sem antes parar no sinal vertical de stop que se encontrava no final da Rua de onde seguia.

Assim, o veículo NN veio a invadir a via do veiculo ZR, arrastando o mesmo até este se imobilizar junto do passeio.

O embate ocorreu por colisão entre a parte frontal esquerda do veículo NN e a lateral esquerda do veículo ZR.

Ficou ainda provado que o veículo NN se dirigia para uma ocorrência, não tendo, contudo, ficado provado que seguia em marcha de urgência, ou seja, que a sua urgência se encontrava sinalizada com sinais sonoros e luminosos, próprios para advertir os outros condutores da sua presença.

Cabia às Demandadas, nos termos do nº 2 do art 342º do CC a prova de que o veículo NN levava as luzes e sirenes ligadas, sendo que, apenas o condutor e a tripulante afirmam, ambos, ter ligado, contrariando-se. Certo é que, nem a Demandante nem as testemunhas que presenciaram o acidente se recordam de ouvir qualquer sirene, o que não pode deixar de se estranhar, atento o grande ruído provocado, e que não passa, certamente, despercebido a quem se encontrar por perto.

Ora, no caso em apreço, uma vez que o condutor do veículo NN conduzia o veículo por conta da primeira Demandada, aplica-se a presunção de culpa prevista na primeira parte do nº3 do art 503º do CC “Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte”.

Dispõe o artigo 64º, nº1 do Código da Estrada (CE) que os condutores de veículos em prestação de urgência, como é o caso das ambulâncias, assinalando adequadamente a sua marcha de urgência, podem, quando a situação o exigir, deixar de respeitar as regras e os sinais de trânsito. No entanto, dispõe o nº2, alínea b) do mesmo artigo que esses condutores não podem, em situação alguma, colocar em perigo os demais utentes da via, tendo sempre de suspender a marcha perante o sinal de paragem obrigatória em cruzamentos ou entroncamentos.

Por sua vez, dispõe o art 65º, nº1 do CE que qualquer condutor deve ceder a passagem aos veículos que circulem em serviço de urgência, indicando como fazê-lo no nº2.

Ao não parar no sinal vertical de Stop (afirmação feita pelo próprio condutor do veículo NN em sede de audiência de julgamento), ainda que circulasse em marcha de Urgência, o condutor do veículo NN violou claramente o disposto no artº 64º, nº2, alínea b) do CE. Era sua obrigação ter parado no Stop, verificar que não havia perigo e só depois avançar para o cruzamento. Em sua defesa, o condutor do NN disse que o sinal de Stop estava mal posicionado. Entendemos que, apesar de o sinal de stop se encontrar inclinado para a direita, este continua perfeitamente visível aos condutores que circulem com atenção, o que foi confirmado pelas fotografias juntas aos autos e o depoimento da testemunha agente E que afirmou precisamente que o sinal, embora inclinado, seria visível. Disse, ainda, o próprio condutor ao Tribunal que conhecia a zona onde o embate ocorreu, o que reforça a ideia de que deveria ter sido mais diligente. Deste modo, o condutor do veículo NN devia ter sinalizado a sua situação de urgência, o que não ficou provado ter feito, e mesmo nesse caso, não poderia colocar em perigo os outros condutores.

Quanto à conduta da Demandante resultou provado que esta já se encontrava a circular na Rua do M…, na sua via, quando foi embatida pela ambulância, não tendo sido provado qualquer facto que indique que esta condutora, de algum modo, tenha adoptado um comportamento violador de um dever de cuidado estradal causal do acidente.

Deste modo, não se prova que a Demandante tenha contribuído com qualquer culpa para o acidente, nem se afasta a presunção de culpa do condutor do veículo NN, decorrente da primeira parte do nº3 do art 503º do CC, uma vez que este não parou no sinal de STOP circulando negligentemente.

Perante tais factos, resulta evidente pela dinâmica do acidente que o mesmo ocorreu devido a violação de regras estradais por parte do condutor do veículo NN, pelo que se entende que a culpa é exclusivamente deste.

Da obrigação de indemnizar:

Verificados que estão os pressupostos de responsabilidade há, consequentemente, lugar à obrigação de indemnização, que fica a cargo da segunda Demandada, considerando que a proprietária do veículo NN transferiu para esta a sua responsabilidade civil automóvel, por efeito de contrato de seguro, válido à data do acidente.

Os Danos:

Dispõe o artº. 562º, do CC que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Deste modo, são indemnizáveis tanto os danos de carácter patrimonial como os de carácter não patrimonial.

Os danos de carácter patrimonial incluem quer os prejuízos emergentes, quer os lucros cessantes, sejam danos presentes ou futuros, como estabelece o artº. 564º, nº1 e nº2 do CC.

Por sua vez, os danos não patrimoniais só serão indemnizáveis se merecerem a tutela do direito, nos termos do artº. 496º, nº1 do CC.

Analisando separadamente os danos peticionados:

a) Indemnização dos Danos e perda total do veículo ZR:

Está assente que o veículo sofreu os danos que se encontram discriminados em documentos juntos aos autos.

A demandante procedeu à reparação do veículo tendo despendido a quantia de € 5.288,96 € (cinco mil duzentos e oitenta e oito euros e noventa e seis cêntimos).

Os referidos danos constituem danos emergentes do acidente ocorrido, tendo a demandante direito a ser indemnizada pelos mesmos, em virtude da culpa exclusiva atribuída pela ocorrência do acidente ao condutor do NN. A regra vigente na responsabilidade civil é a da reparação integral dos danos resultantes do facto ilícito, nos termos dos artigos 562º e 566º do CC.Estipula a alínea c) do n.º 1 do art.º 41.º do DL n.º 291/2017, de 21 de agosto de 2007, que “entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se constante que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100% ou 120% do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos.”.

Neste âmbito, não podemos deixar de referir que aderimos à posição do Supremo tribunal de Justiça (Acórdão de 04-12-2007, Proc. 07B4219, in www.dgsi.pt) que defende que “Em matéria da obrigação de indemnização por danos o princípio, a regra, é a restauração natural; a exceção é a indemnização por equivalente. 2 - Aplicando à situação as regras básicas do ónus da prova, ao Autor cabe a prova do princípio, à Ré cabe a prova da exceção. 3 - Ao autor, que viu o seu automóvel danificado em acidente de viação, cabe a prova do em quanto importa a sua reparação, restaurando in natura o veículo danificado; à Ré seguradora, que acha essa reparação excessivamente onerosa, cabe a prova disso mesmo - que a reparação é não apenas onerosa, mas excessivamente onerosa. 4 - Um dos pólos da determinação da excessiva onerosidade é o preço da reparação; o outro não é o valor venal do veículo mas o seu valor patrimonial, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado. 5 - Se a ré seguradora quer beneficiar da exceção não lhe basta «encostar-se» ao valor venal; antes precisa de alegar e provar que o autor podia adquirir no mercado, e por que preço, um outro veículo que igualmente lhe satisfizesse as suas necessidades «danificadas»”. Ou seja, na obrigação de indemnização a regra é a reparação, sendo a indemnização a exceção, cabendo à Demandante provar a regra e à Demandada a exceção.

Assim, à segunda Demandada cabia a prova que reparação era excessivamente oneroso para si própria, que era flagrantemente desproporcionado o custo que ia suportar em relação ao interesse do lesado na reparação, o que teria de fazer pela diferença entre o preço da reparação e o valor patrimonial que o veículo representa dentro do património do lesado.

Assim a Demandada Seguradora teria que ter provado – e não apenas alegado - que o montante da reparação era excessivamente oneroso (e note-se, não apenas oneroso, ou muito oneroso) para si própria, que era flagrantemente desproporcionado o custo que ia suportar em relação ao interesse do lesado na reparação, o que teria de fazer pela diferença entre o preço da reparação e o valor patrimonial que o veículo representa dentro do património do lesado. Não o fez. Limitou-se a juntar aos autos um ofício remetido à Demandante no qual indica um valor venal, valor este apontado unilateralmente pela Demandada, sem qualquer outra prova, nomeadamente, testemunhal. Ficando, então, a regra, uma vez que a Demandada Seguradora não provou a exceção, e a regra é reparar, in natura, pagando a indemnização necessária à reparação integral do veículo, aliás em valor aceite pela demandada (cfr. teor da contestação).

Assim sendo, tem a Demandante direito de ser indemnizada no montante € 5.228,96 (cinco mil duzentos e vinte e oito euros e noventa e seis cêntimos) a título de custos com a reparação do ZR.

b)Danos não patrimoniais em resultado da privação da viatura ZR:

Peticiona a Demandante a quantia de € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros), por danos não patrimoniais que sofreu pela privação do uso da sua viatura durante o período em que a mesma esteve imobilizada, nomeadamente a impossibilidade de se deslocar e o declínio do seu estado de saúde, físico e mental.

Só são indemnizáveis os danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito, nos termos do artº 496º, nº1.

O montante das indemnizações por danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo Tribunal, nos termos do art. 496º, nº4 do CC.

Ora, resultou provado que a Demandante em virtude do acidente se viu privada de utilizar o seu veículo, forçada a alterar a sua rotina e a ficar dependente de terceiros para as suas deslocações, o que lhe causou desânimo e angústia, uma vez que sempre foi uma pessoa independente, apesar da sua idade. Assim sendo, não foi apenas uma alteração insignificante na rotina que a Demandante sofreu, esta estava totalmente dependente do seu veículo para conseguir sair de casa e realizar as tarefas mais básicas da sua vida. Com o veículo imobilizado, a Demandante teve sérias dificuldades para sair de casa e dar continuidade às suas rotinas, o que lhe causou grande angústia, o que se reflectiu, naturalmente, na sua saúde mental. Assim sendo, considera-se que os danos sofridos pela Demandante são merecedores de proteção jurídica devem ser indemnizados. Assim, entende-se o valor peticionado excessivo, fixando-se o montante de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), a título de indemnização, por se considerar um valor justo e adequado, atentas as circunstâncias supra descritas.

c) Juros de mora:

Peticiona, também, a Demandante a condenação da Demandada no pagamento de juros de mora à taxa legal, vencidos desde a citação até integral pagamento.Nos termos do artº 804º e artº 559º do CC, sobre a obrigação de indemnizar incide também a obrigação de pagamento de juros a partir do dia da constituição em mora.Neste caso, incidem juros de mora à taxa legal de 4% sobre a quantia global de € 3.390,00 (três mil trezentos e noventa euros), calculados nos termos supra, desde a data da citação até integral pagamento, nos termos do nº3 do artº 805º do CC e portaria nº 291/2003 de 08.04.


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DECISÃO


Nestes termos, e com os fundamentos invocados, julga-se:

a) A exceção de ilegitimidade passiva da Demandada – B- procedente e, consequentemente, é esta absolvida da instância.

b) A presente ação parcialmente procedente, por provada, e consequente, condeno a C, a pagar a A a quantia global de € 5.978,96 (cinco mil novecentos e setenta e oito euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, indo absolvida no demais peticionado.


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Custas na proporção do decaimento que se fixam em 15% para o Demandante e 85% para a Demandada C.

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Registe.

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Julgado de Paz de Sintra, 7 de dezembro de 2017

(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – art. 131/5, do CPC

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Gabriela Cunha