Sentença de Julgado de Paz
Processo: 98/2018-JPCSC
Relator: SÓNIA PINHEIRO
Descritores: AÇÃO DE CONDENAÇÃO
Data da sentença: 01/16/2019
Julgado de Paz de : CASCAIS
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
I. RELATÓRIO
As partes e o objecto do litígio
Nos presentes autos, a Demandante, A., NIF ......, residente na Rua ....., Caparide, São Domingos de Rana, propôs a presente acção declarativa, enquadrada na al. h) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho (doravante LJP) contra, a aqui Demandada, B., Lda, NIPC ..... com sede na Rua São Domingos de Rana, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €99,00 (noventa e nove euros), bem como os custos inerentes à acção.
Alega, para tanto e em resumo, que a Demandada tem estabelecimento comercial aberto na Rua .... – Tires. No dia 3 de Junho de 2017 dirigiu-se a esse estabelecimento e contratou com a Demandada a realização de depilação a laser na zona das pernas, axilas e virilhas, em cinco sessões mensais, mediante o pagamento da quantia de €99,00. Que na altura pagou esse montante. Que o primeiro tratamento ficou agendado para a semana seguinte, mas por acordo foi alterado para o início de Setembro, uma vez que os tratamentos não eram compatíveis com a exposição solar. Que após a realização da primeira sessão, no início de Setembro, ficou agendada a segunda para o mês seguinte. Que a segunda sessão foi desmarcada e remarcada por diversas vezes pela Demandada, invocando avaria de equipamento. Que por volta do dia 03 de Janeiro de 2018 e por achar que não era normal tanta remarcação pelo mesmo motivo, a Demandante solicitou que terceiras pessoas telefonassem para a Demandada a fim de se fazerem passar por novo cliente. Assim fizeram e foram informadas que podiam passar pelas instalações, para marcar tratamentos, e mesmo dizendo que sabiam que tinham estado com o equipamento avariado, informaram que já estava tudo bem. Que nesse mesmo dia telefonou para tentar marcar o segundo tratamento, o qual foi agendado para o dia 06 de Janeiro, mas nesse dia recebeu telefonema a desmarcar duas horas antes. Que se deslocou às instalações da empresa para pedir esclarecimentos pessoalmente e aí disse que pretendia anular os serviços e pediu o reembolso do valor, o que desencadeou uma alteração no comportamento da Demandada. Voltou a reforçar que pretendia o reembolso do valor pago, o que lhe foi negado e de modo arrogante disseram-lhe que esperasse que o equipamento estivesse bom. Solicitou o livro de reclamações e fez participação. Junta dois documentos.
Válida e regularmente citada a Demandada não apresentou contestação.
A Demandada faltou à sessão de pré-mediação e não justificou a falta.
Designado o dia 19 de Dezembro de 2018 para audiência de julgamento a Demandada faltou e não justificou a falta. Designada a presente data e notificada a Demandada, esta reiterou a falta.
*
Fixo à acção o valor de €99,00 - cfr. artºs 306º nº 1, 297º nºs 1 e 2, 299º nº 1, todos do CPC, ex vi artº 63º da LJP.
O Tribunal é competente (artigo 7º da LJP).
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam excepções, nulidades ou incidentes processuais que impeçam o conhecimento do mérito da causa.
Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Considerando o teor dos documentos juntos aos autos de flªs 3 e 4, que se dão por reproduzidos, e a falta de contestação da Demandada – que, conjugada com a falta injustificada à audiência de julgamento equivale a confissão dos factos articulados pela Demandante, ao abrigo do disposto no nº2 do artigo 58º da Lei nº 78/2001, de 13.07, alterada pela Lei 54/2013, de 31.07 – cabe considerar provada toda a factualidade invocada no requerimento inicial e que acima se deixou enunciada.
Dos factos apurados retira-se que a Demandante celebrou com a Demandada um contrato de prestação de serviços de depilação a laser na zona das pernas, axilas, e virilhas, em 5 sessões mensais, mediante o pagamento da quantia de €99,00.
Estamos, assim, perante um contrato de prestação de serviços, com previsão no artigo 1154º do Cód. Civil, que dispõe que o “Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”. Trata-se de um contrato celebrado ao abrigo da liberdade contratual (artº 405 do Cód. Civil), para o qual a lei não prescreve qualquer forma específica para a sua celebração (artº 219º do Cód. Civil), pelo que basta a mera convergência de vontades para que o contrato seja válido e eficaz entre as partes.
À relação jurídica em causa, atenta a natureza e qualidade das partes (consumidor e prestador de serviços, ou seja, quanto a este último, pessoa que exerce com carácter profissional a actividade económica em causa), é aplicável a Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31.07, na redacção actual com as alterações introduzidas pelos Decreto-Lei nº 67/2003, de 08.04, e Decreto-Lei nº 84/2008, de 21.05 – doravante LDC).
A referida LDC define no seu artigo 2º, nº1, consumidor como “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.”
O referido diploma legal é aplicável aos contratos de fornecimento de bens e de prestação de serviços ou da transmissão de quaisquer direitos, apenas no âmbito dos contratos de consumo, ou seja, aqueles que envolvem actos de consumo, que vinculam o consumidor a um profissional (designadamente, produtor, fabricante, empresa de publicidade, instituição de crédito).
Do regime jurídico decorrem disposições destinadas a conferir um grau acrescido de protecção aos consumidores, nas suas relações com os agentes de mercado fornecedores de bens e serviços.
Desde logo, encontram-se plasmados no artº 3° da citada Lei, quais os direitos do consumidor, de entre os quais e no que aqui importa considerar, se incluem os insertos na alínea a): direito à qualidade dos bens e serviços.
Neste sentido, os artºs 4º e 12º, da LDC, impõem que os bens e serviços destinados ao consumo sejam fornecidos ou prestados de modo a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem de acordo com as normas legais ou, não existindo estas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor, caso contrário, o consumidor tem direito a ser indemnizado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou da prestação de serviços defeituosa.
Existe cumprimento defeituoso em todos os casos em que o defeito ou irregularidade da prestação – a má prestação – causa danos ao credor ou pode desvalorizar a prestação, impedir ou dificultar o fim a que este objectivamente se encontra afectado.
Os pressupostos da existência de responsabilidade civil e da correspondente obrigação de indemnizar verificam-se pela imputação do facto ilícito ao lesante, culpa, e nexo de causalidade adequada à produção dos danos.
Nos termos gerais (cfr. artºs 342º e 483º, ambos do Cód. Civil), incumbe ao lesado provar os factos essenciais constitutivos dos referidos pressupostos da responsabilidade civil, designadamente, que o facto é ilícito e culposo.
A ilicitude é um elemento objectivo, respeitante à violação do direito do lesado, relativamente ao qual deve sobrepor-se um elemento subjectivo, no sentido de imputar o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso ao devedor.
A culpa consiste na imputação do facto ilícito ao seu autor, traduzida num juízo de censura segundo o qual este poderia e deveria ter-se abstido de praticar o ato lesivo.
No domínio da responsabilidade contratual, como é o caso, presume-se a culpa do devedor – cfr. artº 799º do Cód. Civil - o que é dizer que cabe ao devedor, para afastar a presunção de culpa, alegar e demonstrar a existência no caso concreto de circunstâncias, especiais ou excepcionais, que eliminem a censurabilidade da sua conduta, provando que foi diligente, que se esforçou por cumprir, que usou de cautelas e zelo que em face das circunstâncias do caso empregaria um bom pai de família, ou pelo menos, que não foi negligente, que não se absteve de tais cautelas e zelo, que não omitiu os esforços exigíveis, os que também não omitiria uma pessoa normalmente diligente.
A referida presunção tem natureza ilidível, ou seja, admite prova em contrário (cfr. artºs 349º e 350º, ambos do Cód. Civil).
Ora, a Demandada não contestou a presente acção nem teve qualquer intervenção no processo, não logrando assim ilidir a presunção de culpa que sobre ela impende.
No caso sub judice resulta provado que a Demandada apenas realizou a primeira das cinco sessões de depilação a que se obrigou.
Marcada a segunda sessão, foi pela Demandada desmarcada sucessivamente, invocando avaria do equipamento, o que a Demandante veio a apurar não corresponder à verdade.
Ao desmarcar sucessivamente as sessões de depilação a Demandada impediu definitivamente a verificação do resultado pretendido, ou seja, a eliminação dos pelos existentes na zona das pernas, axilas e virilhas, como pretendido pela Demandante e ajustado entre as partes.
Nestas circunstâncias a Lei coloca na disposição do consumidor um leque de opções, nomeadamente a resolução do contrato, conforme refere o nº 1 do artº 4 da LDC, que no caso concreto foi a opção escolhida pela Demandante, não se verificando abuso de direito.
Nos termos do artº 433º do Cód. Civil a resolução do referido contrato é equiparada quanto aos efeitos à nulidade ou anulabilidade do negócio, o que implica a restituição do que tiver sido prestado, ou seja ao pagamento do preço acordado pelo serviço na quantia de €99,00, no qual a Demandada vai condenada.
Quanto às custas processuais, pronunciar-nos-emos na rubrica Custas infra.

III. DECISÃO
Face ao exposto, julgo a presente acção procedente por provada, e, em consequência, condeno a Demandada a pagar à Demandante a quantia de €99,00 (noventa e nove euros).
Custas: declaro a Demandada parte vencida, pelo que vai condenada no pagamento das custas.
Custas do processo: €70,00.
Tem a Demandante direito à devolução de €35,00.
*
A Demandada deverá pagar as custas no valor de €70,00 no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da presente data sob pena de incorrer numa penalização de €10,00 por cada dia de atraso e até um máximo de €140,00 (cfr. nº 10 da Portaria 1456/2001, de 28 de Dezembro). Decorridos 15 dias sobre o termo do prazo, sem que se mostre efetuado o pagamento, será extraída a competente certidão e remetida ao Ministério Público junto do Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste – Cascais, para efeitos de eventual execução por custas e penalidades em dívida (€210,00).
*
Registe, dê cópia aos presentes e envie cópia à Demandada que, na presente data, se considera notificada.
*
Para constar se lavrou a presente ata, por meios informáticos, que, depois de revista e achada conforme, vai ser assinada.
Cascais, Julgado de Paz, 16 de Janeiro de 2019
A Técnica do Serviço de Atendimento A Juíza de Paz