Sentença de Julgado de Paz
Processo: 309/2009-JP
Relator: CRISTINA BARBOSA
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
Data da sentença: 12/30/2009
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral:
ACTA DE LEITURA DE SENTENÇA


Aos 30 de Dezembro de 2009 pelas 15.15h, no Julgado de Paz do Porto, teve lugar a leitura de sentença do Proc.º 309/2009-JP em que são partes:
Demandante: A
Demandado: B
Realizada a chamada, não se encontrava ninguém presente.
Reaberta a audiência, pela Mª Juíza, foi proferida a seguinte:
SENTENÇA
A Demandante propôs acção declarativa, enquadrada no artigo 9º, nº 1 alínea i) da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, contra o Demandado, pedindo a condenação deste:
a) Ao pagamento do sinal em dobro no valor de € 5.000,00;
b) Ao pagamento das custas que a demandante suportou com a entrada no Julgado de Paz do presente processo.
Alegou para tanto e em síntese, que fez ao Demandado uma proposta de aquisição de um imóvel no Porto, tendo a ficha de reserva sido assinada por ambas as partes a 18 de Junho de .../. Na referida ficha havia uma cláusula onde mencionava que, no caso de desistência por parte dos vendedores estes darão em dobro o valor da reserva aos interessados compradores. O valor da reserva foi de € 2 500,00.
Mais alegou que, em Setembro de .../ foi informada pelo Demandado que não estava em condições de vender o imóvel, tendo nessa altura proposto perdoar ao demandado o pagamento do dobro do sinal, caso o mesmo pagasse as despesas que efectuou no valor de 310;00, resultantes da avaliação para aprovação do empréstimo bem como despesas de transporte e telecomunicações, o que não obstante este ter aceitado, nada pagou.
O Demandado apresentou contestação, conforme plasmado a fls. 13 a a 16.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo consoante resulta da Acta.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há excepções, nulidades ou quaisquer questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
FACTOS PROVADOS:
A. O Demandado colocou à venda na C a sua casa sita na cidade do Porto.
B. Volvidos alguns meses, mais concretamente em Junho de .../, a Imobiliária referida em A. supra, através do vendedor D comunicou ao Demandado que tinha um interessado na compra do imóvel.
C. A Demandante fez ao Demandado uma proposta de aquisição desse imóvel.
D. A ficha de reserva foi assinada pela Demandante, na qualidade de compradora e Demandado na qualidade de vendedor, em 18 de Junho de .../.
E. Na referida ficha havia uma cláusula onde mencionava que, no caso de desistência por parte dos vendedores estes darão em dobro o valor da reserva aos interessados compradores.
F. O valor da reserva é de € 2 500,00.
G. Em Setembro de .../ foi a Demandante informada pelo Demandado que não estava em condições de vender o imóvel.
H. Nessa altura a Demandante propôs-se perdoar ao Demandado o pagamento do dobro do valor da reserva caso este pagasse as despesas efectuadas no valor de € 310;00, o que o Demandado aceitou.
I. Após vários contactos com o Demandado efectuados pela empresa imobiliária referida em A. supra, o Demandado sempre protelou a situação.
J. Em data que não foi possível apurar do ano corrente um empregado da empresa imobiliária contactou pessoalmente com o Demandado e proprietário do imóvel, tendo este recusado verbalmente o acordo estabelecido com a Demandante.
K. Em 23 de Março foi enviada ao Demandado carta registada com aviso de recepção solicitando o pagamento da quantia acordada, até 15 de Abril, findo o qual seria accionado o pedido do sinal em dobro, estipulado na ficha de reserva através das vias judiciais.
L. Á referida carta, a qual foi recepcionada, não obteve a Demandante no entanto resposta.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos e depoimento testemunhal prestado em sede de audiência final.
As testemunhas E e D, sendo ambos mediadores e intervenientes no negócio em questão, depuseram de uma forma esclarecedora, tendo esta última sido quem elaborou a ficha técnica de reserva junta a fls. 5. Os seus depoimentos foram seguros e isentos, sendo credíveis.
A testemunha F, namorado da Demandante, fez um depoimento um pouco confuso, pelo que não foi relevante.
A testemunha G, filho do Demandado e H, sua mulher, esclareceram quanto ao facto desta última não concordar com a venda do imóvel e por isso a sua recusa em assinar os registos provisórios. Os seus depoimentos revelaram-se coerentes e isentos, tendo merecido também credibilidade.
O DIREITO
Fixada a matéria de facto, cumpre agora fazer o seu enquadramento jurídico.
A Demandante fez ao Demandado uma proposta de aquisição do imóvel sito na cidade do Porto, que este tinha colocado à venda na C. Foi assinada por ambas as partes a 18 de Junho de .../ uma ficha de reserva, na qual constava uma cláusula em que, no caso de desistência por parte dos vendedores estes dariam em dobro o valor da reserva aos interessados compradores. O valor da reserva é de € 2 500,00.
Em Setembro de .../ foi a Demandante informada pelo Demandado que não estava em condições de vender o imóvel.
A regra geral do regime contratual português é a da autonomia da vontade, segundo a qual, podem as partes fixar livremente o conteúdo dos contratos e até, adoptar formas contratuais diferentes das legalmente previstas, desde que não violem os limites da lei (artigo 397º e 405º do Código Civil).
A relação negocial estabelecida entre as partes consubstancia um contrato atípico, no âmbito do qual foi ainda estabelecida uma cláusula penal para o caso de incumprimento das partes.
Com efeito, a cláusula inserta no contrato em que, no caso de desistência por parte dos vendedores estes dariam em dobro o valor da reserva aos interessados compradores, trata-se de uma convenção pela qual as partes fixaram previamente critérios para o cálculo do montante da indemnização exigível e devida pelo incumprimento das obrigações contratuais, em parte com a função de indemnização predeterminada ligada à violação dos contratos e em parte com a função compulsória ou repressiva (art.º 810º do C. Civil).
Esta convenção é permitida no âmbito da liberdade contratual afirmada no já referido art.º 405º do Código Civil.
E realça-se ainda que o negócio jurídico é, precisamente, apontado como instrumento principal da realização da autonomia privada, princípio este que se encontra constitucionalmente tutelado e liga-se ao valor da autodeterminação da pessoa, à sua própria liberdade.
Por sua vez, prescreve o nº1 do artº 406º do citado código que o contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
Ora, resulta da matéria de facto provada que em Setembro de .../ foi a Demandante informada pelo Demandado que não estava em condições de vender o imóvel, o que equivale à declaração de que não vai cumprir o contrato celebrado.
Veio o Demandado alegar na sua contestação, que o bem em questão se trata de um bem próprio seu que lhe adveio por herança dos pais e quando assinou o documento a Demandante não se encontrava presente e o negócio ficou pendente da aceitação da esposa do Demandado. Todavia, quando foi colher a assinatura daquela, recusou-se a assinar o documento.
Ora, certo é que a ficha de reserva não foi assinada em simultâneo, contudo tal torna-se irrelevante, mas nada mais resultou provado. Com efeito, as partes intervenientes na ficha de reserva, foram-no apenas a Demandante e o Demandado. Apenas, quando foi necessário proceder ao registo provisório na sequência do empréstimo bancário concedido à Demandante, a esposa do Demandado se recusou a assinar os documentos necessários a tal registo, tendo seguidamente, sido pedido ao filho do demandado G para interceder junto da mãe no sentido daquela assinar, mas sem qualquer êxito.
Assim sendo, a declaração feita pelo Demandado, em Setembro de .../, consubstancia um incumprimento definitivo do contrato celebrado entre as partes, o que atribui o direito à Demandante de accionar a cláusula penal contratualmente estabelecida.
Vejamos agora o pedido efectuado pela Demandante na alínea a) do petitório: a condenação do Demandado ao pagamento do sinal em dobro no valor de € 5.000,00.
O pagamento do sinal em dobro seria a consequência do incumprimento de um contrato promessa caso existisse o pagamento do sinal nos termos definidos no artº 442º do Cód. Civil, enquanto o pedido a formular na presente acção, face à matéria de facto integradora da causa de pedir é o do pagamento do valor em dobro da reserva efectuada pela Demandante, que corresponde exactamente à quantia peticionada de € 5.000,00.
Tal consequência é, aliás, referida no artigo 4º do requerimento inicial: “o valor da reserva é de € 2.500,00, pelo que o dobro do valor é de € 5.000,00.”
E tal interpretação, tendo em conta o prescrito no artº 9º do Cód. Civil, não significará, qualquer violação do disposto no art. 661, nº 1 do Cód. do Proc. Civil, que impede a condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir, porque o erro na qualificação jurídica do efeito prático que a Demandante pretende obter na presente acção que é o pagamento da quantia de € 5.000,00, deve ser corrigido pelo juiz sem a mais ligeira ofensa do princípio dispositivo, tal como o art. 664º do Cód. Proc. Civil o concebe e o define.
Termos em que, tem a Demandante direito ao pagamento da importância referente à cláusula penal contratualmente estabelecida, no montante de € 5.000,00, correspondente ao valor em dobro da reserva.
Quanto ao pedido do pagamento das custas que a Demandante suportou com a presente acção, tal decorrerá, naturalmente, da procedência da acção.
DECISÃO
Face a quanto antecede, julgo a acção procedente e em consequência condeno o Demandado a pagar à Demandante a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), referente ao dobro do valor da reserva.
Declaro o Demandado como parte vencida, correndo as custas por sua conta, em conformidade com os Artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Registe e notifique.
Para constar lavrei a presente acta que, depois de lida e ratificada, vai ser assinada.
Porto, 30 de Dezembro de 2009
A Juíza de Paz
(Cristina Barbosa)
A Técnica de Apoio Administrativo
(Novais Organista)

Processado por computador Art.º 138º/5 do C.P.C.
Revisto pelo Signatário. VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz do Porto