Sentença de Julgado de Paz
Processo: 778/2017-JPLSB
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: INDEMNIZAÇÃO – GARANTIA BOM FUNCIONAMENTO.
Data da sentença: 06/28/2018
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral:

SENTENÇA
Processo n.º 778/2017

Objecto: Indemnização – garantia bom funcionamento.

Demandante: A.

Demandada: B, S.L. – SUCURSAL EM PORTUGAL
Mandatária: Sr.ª Dr.ª C.


RELATÓRIO:
O demandante, devidamente identificado nos autos, intentou contra a demandada, também devidamente identificada nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 6.758,17 (seis mil setecentos e cinquenta e oito euros e dezassete cêntimos). Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, a folhas 1 e 2 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que no dia 29 de dezembro de 2014 comprou, através de site, uma F D750, a qual ao fim de pouco tempo apresentou uma avaria, tendo sido reparada, situação que se repetiu por duas vezes. À terceira avaria a demandada trocou a máquina, por outra do mesmo modelo. Porém, passados meses, surgiu o mesmo problema. Apesar das suas várias diligências a demandada não lhe devolve o preço pago, nem aceita a troca por modelo diferente com pagamento do diferencial. Peticiona a condenação da demandada no pagamento do valor da máquina (€ 1.757,90), acrescido do valor de nova máquina que teve de adquirir (€ 1.034,24), do trabalho em casamento que foi obrigado a recusar (€ 2.250) e oito sessões (€ 1.716). Juntou 5 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
***
Regularmente citada, a demandada contestou (de fls. 24 a 32 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas), impugnando a factualidade alegada pelo demandante, alegando que o mesmo comprou a máquina a empresa de Hong Kong, através de site na internet, e que apenas os produtos digitais distribuídos em Portugal pelo Distribuidor autorizado da F, é que estão cobertos pela garantia prestada pela demandada que, aliás, não produziu a máquina, nem a vendeu. Alega que sem obrigação para tanto, reparou por duas vezes a máquina e, por fim, substituiu-a, tendo o demandante, nove meses após esta substituição, solicitado nova intervenção, alegando aviso da marca. Apesar da máquina não estar abrangida pelo mesmo, a demandada procedeu a nova verificação, e a mesma não apresentava qualquer problema. Mais alega que o demandante utiliza a máquina para uso profissional, tendo a mesma uma garantia de 6 meses, pelo que o seu direito a intentar a presente ação há muito que caducou. Juntou procuração forense e 1 documento, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
***
As partes aderiram à mediação, tendo esta sido realizada em 18 de julho de 2017, durante a qual as partes não lograram obter qualquer acordo. Em consequência procedeu-se à marcação de data para realização da audiência de julgamento, tendo as partes, e mandatária, sido devidamente notificadas.
***
Foram realizadas duas sessões de julgamento, na presença das partes e mandatária, tendo a Juíza de Paz procurado conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artº 26.º, da LJP, não tendo esta diligência sido bem sucedida.
-- Foi realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta das respetivas atas, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, tendo sido ouvidas as testemunhas apresentadas por ambas as partes.
***
Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 6.758,17 (seis mil setecentos e cinquenta e oito euros e dezassete cêntimos).
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 - A demandada é uma sociedade por quotas que se dedica à assistência técnica de máquinas fotográficas da marca F e é distribuidor autorizado da F em Portugal.
2 - No dia 29 de dezembro de 2014 o demandante comprou, pela internet, à D, Ltd uma máquina fotográfica marca F, modelo D750 Nu Noir, pelo preço de € 1.757,90 (mil setecentos e cinquenta e sete euros e nove cêntimos).
3 - Por a máquina apresentar avarias e na sequência de pedido do demandante, a demandada reparou a máquina em março e maio de 2015 e em janeiro e março de 2016, culminando esta última reparação com a substituição da máquina por outra de igual (marca e modelo).
4 - Em outubro de 2016 a máquina apresentou nova avaria, tendo o demandante solicitado à demandada a sua substituição por outra de modelo diferente ou a devolução do preço pago.
5- O demandado é fotógrafo de profissão.
6 - Os históricos de disparos da máquina são os seguintes: em março de 2015, 9.332 disparos; em maio de 2015, 30.685 disparos; em janeiro de 2016, 67.701 disparos e em outubro de 2016 (já a segunda máquina), 38.876 disparos.
7 - Pelas reparações acima referidas o demandante não pagou qualquer preço.
8 - A demandada assumiu as reparações por existirem dois Alertas de Serviço para essa máquina e modelo.
10 - O número de série da primeira máquina constava no Alerta de Serviço.

Não ficou provado:
Não se provaram mais factos com interesse para a decisão da causa, designadamente:
1 -O demandante remeteu à demandada a comunicação a fls. 4 e 5 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
2 - O demandante perdeu e recusou trabalhos de fotógrafo, designadamente um casamento, com valor da retribuição de € 2.250 (dois mil duzentos e cinquenta euros) e oito sessões em estúdio e exterior, no valor de € 1.716 (mil setecentos e dezasseis euros).
3 - O demandante adquiriu nova máquina pelo preço de € 1.034,24 (mil e trinta e quatro euros e vinte e quatro cêntimos).

Motivação da matéria de facto:
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram os factos admitidos, os documentos juntos aos autos e o depoimento das testemunhas apresentadas.
Quanto ao depoimento da testemunha apresentada pelo demandante o mesmo disse ser amigo do demandante há cerca de 20 anos e que sabe que o demandante, há cerca de 3 ou 4 anos, comprou uma máquina na internet a qual passado cerca de um ano avariou (dava erro). Máquina que foi reparada, mas que voltou a avariar até a demandada lhe trocar a máquina. A nova máquina voltou a avariar.
Quanto ao depoimento das testemunhas apresentadas pelas demandadas cumpre esclarecer que as duas prestaram depoimento de modo seguro e convincente, demonstrando terem conhecimento directo dos factos sobre os quais depunham, tendo sido peremptórias ao afirmar que o demandante não comprou qualquer máquina à demandada e que, da última vez que apresentou a máquina (já a nova, após substituição) mais uma vez a mesma foi enviada para Espanha, para ser reparada e os técnicos não verificaram qualquer defeito na máquina. Aliás, a testemunha E refere que a máquina em causa é a que é utilizada na Finicon, já que não apresenta qualquer defeito. Refira-se ainda que estas duas testemunhas esclareceram o tribunal de todas as questões que lhes eram colocadas.
Não foram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes, dada a ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos, após a análise dos documentos juntos aos autos e da audição da parte e testemunhas.
***
FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
Pretende o demandante a condenação da demandada no pagamento de indemnização no valor de € 6.758,17 (seis mil setecentos e cinquenta e oito euros e dezassete cêntimos), correspondente à soma do valor da máquina fotográfica que comprou em dezembro de 2014 (€ 1.757,90), com o valor de outra máquina fotográfica que teve de comprar (€ 1.034,24), com trabalho de fotógrafo em casamento que teve de recusar (€ 2.250) e oito sessões de fotografia que também teve de recusar (€ 1.716). Vejamos se lhe assiste razão:
Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que considerando o teor do requerimento inicial, principalmente a alegação que a máquina fotográfica em causa era utilizada pelo demandante na sua actividade comercial ( cfr. art.ºs 7.º e 8.º do requerimento inicial ) não se aplica à relação jurídica em apreço a legislação de defesa dos direitos do consumidor, designadamente a Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de junho, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, e o Decreto-Lei n.º 143/2011, de 26 de abril, ambos com a redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio) legislação com importantes disposições a aplicar a situações análogas à dos presentes autos, mas que tem sempre o pressuposto do objecto do contrato ser um bem destinado ao uso não profissional, o que sabemos não ocorrer na situação em apreço.
Por outro lado, dos factos provados resulta claro que o demandante não comprou à demandada a máquina fotográfica em causa, pelo que sobre a mesma não recai a obrigação prescrita no artigo 921.º, do Código Civil, que estipula "Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador" (n.º 1), acrescentando o seu n.º 2 que "No silêncio do contrato, o prazo da garantia expira seis meses após a entrega da coisa, se os usos não estabelecerem prazo maior", e o n.º 3 que "O defeito de funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia e, salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecido".
Ainda por outro lado, dos factos provados resulta claro que a demandada, certamente na sua qualidade de distribuidor autorizado da F em Portugal, e por existirem dois Alertas Internacionais de Serviço para o modelo da máquina do demandante, assumiu, sem qualquer custo, e certamente em nome da F, a reparação da máquina em março e maio de 2015 e, posteriormente, em janeiro e março de 2016, culminando esta última reparação com a substituição da máquina por outra de igual (marca e modelo). Já em outubro de 2016, quando o demandante lhe reclama nova reparação/substituição/indemnização, alegando o mesmo defeito da máquina, a demandada não o reconhece, pelo contrário, refere que a máquina não apresenta qualquer defeito. Ora, independentemente da verificação da existência da obrigação, por parte da demandada, de reparação da máquina e/ou indemnização do demandante, e respectiva qualificação, competia-lhe sempre provar, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º, do Código Civil (que prescreve que "Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado"), que a máquina tinha/tem um defeito/avaria; o que não logrou provar.
Acresce que, não estando em causa o incumprimento de qualquer contrato celebrado com a demandada ( o demandante nem sequer alega ter celebrado algum contrato com a demandada, pois não celebrou ) e atentos os pedidos formulados pelo demandante, a questão a apreciar resume-se, basicamente, à verificação da existência dos pressupostos da responsabilidade civil, geradores da obrigação de indemnizar. Prescreve o artigo 483º, do Código Civil, que "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação", ou seja, são elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual: (1) a existência de um facto voluntário, (2) a ilicitude da conduta, (3) a imputação subjectiva do facto ao agente e (4) a existência de um dano, (5) o nexo de causalidade entre o facto e o dano, só surgindo o dever de indemnizar quando, cumulativamente, se verifiquem tais requisitos. E não tendo o demandado, como dissemos, provado a existência do dano não se verifica existir a obrigação de indemnizar.
Assim sendo, como é, a sorte da presente ação será a sua improcedência.
Consequentemente, fica prejudicada a análise dos remanescentes pedidos formulados pelo demandante porquanto a análise do mesmo dependia da procedência do pedido acima analisado), bem como fica prejudicada a análise das restantes questões colocadas pela demandada em sede de contestação (cfr. art.º 608.º, do Código de Processo Civil).
***
DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada e, consequentemente, absolvo a demandada do pedido.
***
CUSTAS
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, declaro o demandante parte vencida, indo condenado no pagamento das custas processuais, que ascendem a € 70 (setenta euros), devendo proceder ao pagamento dos € 35 (trinta e cinco euros) em falta, no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no número 9 da mesma portaria, em relação à demandada.
***
A presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária – art.º 18.º da LJP) foi proferida e notificada às partes e mandatária da demandada, nos termos do artigo 60.º, da LJP, que ficaram cientes de tudo quanto antecede.
Registe.
Julgado de Paz de Lisboa, 28 de junho de 2018
A Juíza de Paz,
______________________________
(Sofia Campos Coelho)