Sentença de Julgado de Paz
Processo: 233/2017-JPCSC
Relator: MARIA ASCENSÃO ARRIAGA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
RESOLUÇÃO
MORA DO CREDOR
Data da sentença: 03/09/2018
Julgado de Paz de : CASCAIS
Decisão Texto Integral: --- SENTENÇA ----
I – RELATÓRIO (Identificação das partes e objeto do litígio)
Nos presentes autos de ação declarativa de condenação, a aqui Demandante, XXX, LDA., com o NIPC 000, pede que a aqui Demandada, XXXX, LDA., com o NIPC 000, seja condenada a reconhecer a licitude da resolução do contrato celebrado entre a A. e a R. com efeitos a 25.agosto.2017; seja condenada a pagar-lhe €9.669,35, a título de restituição da prestação paga e de indemnização pelos prejuízos sofridos pela A. e, ainda, condenada no pagamento de juros de mora a partir da citação à taxa aplicável às operações comerciais.
Alegando matéria enquadrável em sede de incumprimento e responsabilidade civil contratual (artigo 9º, nº1, alíneas h) e i), da Lei 78/2001, de 13.07, alterada pela Lei 54/2013, de 31.07., doravante LOFJP) diz, em resumo, que em fevereiro.2017, adjudicou à Demandada o fornecimento e montagem de caixilharias de PVC e estores para uma moradia sita em Sassoeiros, Cascais, pelo preço global de €13.000 acrescido de IVA. De acordo com as condições de pagamento ajustadas, o Demandante pagou 40% com a adjudicação da obra o que correspondeu a €6.396,00. O prazo de execução era de 30 a 60 dias mas a Demandada não cumpriu este prazo nem os prazos sucessivos que adiantou. Após ter sido acertado como último prazo para início da obra o dia 08.agosto.2017, a Demandada voltou a falhar e a Demandante enviou-lhe carta registada datada de 08.agosto.2017, fixando-lhe um prazo derradeiro de 12 dias para executar a obra findo o qual resolveria o contrato. A Demandada não realizou a obra e por carta de 24.agosto.2017, a Demandante declarou resolvido o contrato por incumprimento da Demandada. Após, a Demandante contratou a sociedade ZZZZZZZ para realizar os trabalhos a que a Demandada se obrigara, suportando um preço de €19.262,35. A Demandante está desembolsada do valor que pagou à Demandada e suportou um preço mais caro no montante de €3.272,35. Com o requerimento inicial junta 7 documentos (cf. fls. 10 a 18) e procuração forense.
Regularmente citada a Demandada contestou a fls. 32 e seguintes. Por impugnação, sustenta que após o orçamento de dezembro.2016, a Demandante solicitou alterações em fevereiro e o orçamento foi fechado pelo valor de €13.000 mais IVA com previsão de montagem para 20.abril.2017. Por razões atinentes à obra que a Demandante estava a executar na vivenda, só em 17.maio.2017 a Demandada pôde retificar medidas no local. Entretanto, a Demandante pediu novas alterações e foi informada que estas poderiam comprometer os prazos de entrega para 60 dias. A Demandante veio a efetuar outros pedidos de alterações à proposta inicial e só em 25.julho.2017 foi fechada a cotação para a obra nos termos da proposta XX e fixado o dia 08.agosto como data de início dos trabalhos. Em 26.julho.2017, a Demandada enviou à Demandante, para assinatura, o documento final e esta, em resposta, apresentou alterações e recusou-se a manter as condições de pagamento acordadas o que levou a Demandada a recusar-se a entrar em obra no dia 08.agosto.2017. Após, ainda decorreram algumas conversas entre as partes sem que tenha sido possível qualquer acordo. A Demandada respondeu à Demandante através da carta de 23.agosto.2017 imputando-lhe a responsabilidade por não ter dado início à obra cujo material se encontrava e encontra pronto para ser instalado. Invoca abuso de direito da Demandante. Conclui pela improcedência da ação. Junta sete documentos (fls. 41 a 69) e procuração forense. Requereu produção de prova pericial.
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A Demandante afastou a mediação.
A audiência de julgamento desenrolou-se em três sessões nos dias 15 e 28.fevereiro e na presente data. Foram ouvidas as partes e tentada, sem sucesso, a sua conciliação. A Demandante juntou os documentos de fls. 128 a 216 (1ª sessão) e de fls. 221/222 (2ª sessão), a Demandada desistiu da produção de prova pericial e foi produzida prova testemunhal. As partes apresentaram breves alegações orais após as quais a audiência foi interrompida para continuar na presente data para prolação de sentença.
O tribunal é competente (artigo 7º da LJP).
Cumpre apreciar e decidir.
Está em causa saber se a Demandada incumpriu, ou não, o prazo admonitório que lhe foi fixado pela Demandante para a realização da obra contratada e se assiste a esta o direito à restituição do adiantamento que pagou.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Com interesse para a decisão da causa, ficaram provados os seguintes factos:
1. Em dezembro.2016 a Demandante solicitou à Demandada orçamento para fornecimento e montagem de caixilharia em PVC, estores e alteração nas serralharias num imóvel sito em Sassoeiros;
2. A Demandada veio a apresentar o orçamento 00000, de 31.dezembro.2016, pelo valor global de €17.657,39 e, após negociações dos trabalhos e preços, veio a ser fixado o valor global de €13.000 mais IVA (cf. doc. 1 da contestação a fls. 41/43 que se dá por reproduzido);
3. Após pedido de alterações da Demandante por correio eletrónico de 20.fevereiro.2017, o orçamento veio a ser fechado por €13.000, mais IVA, o que corresponde a €15.990, e as condições de pagamento acordadas foram: 40% com a adjudicação da obra; 505 com a entrada da obra e 10% com a conclusão;
4. Com a adjudicação da obra, a Demandante pagou €6.396, em 22.02.2017, correspondentes a 40% do valor da obra adjudicada e a Demandada emitiu a correspondente fatura nº 000, datada de 17.03.2017 ( cf. doc. 1 e 2 do R.I. a fls. 10 e 11);
5. Mais ficou acordado que a montagem seria até 20.04.2017 (cf. doc. 1 da contestação a fls. 41/43 dos autos);
6. Após 20.04.2017, sem que a obra tivesse tido início a Demandante, através do seu gerente A, contactou diversas vezes a Demandada, nas pessoas de B e C, para que a obra se iniciasse (cf. doc. junto em audiência de julgamento pela Demandante, a fls. 128/207);
7. A Demandada veio a comprometer-se com a Demandante em iniciar as obras no dia 16.junho.2017;
8. No dia 15.junho.2017, um pedreiro contratado pela Demandante retirou da moradia todas as portas e janelas para que a Demandada pudesse fazer a instalação do PVC no dia seguinte;
9. No dia 16.junho.2017, pelas 08.43h, o colaborador da Demandada, C, enviou uma mensagem escrita ao gerente da Demandante, A, “ É para informar que o pessoal hoje não vai para a obra, uma vez que o tipo das montagens não veio trabalhar. Estamos lá 2 feira” “Telefono mais tarde” (doc. 3 junto com o R.I. a fls. 12 dos autos;
10. O gerente da Demandante, na mesma data, pelas 14.21h, respondeu com a seguinte mensagem escrita “ Boa tarde C, agradeço que me ligue para me dar uma solução. Se não conseguem instalar hoje, então que me entreguem todo o material e na segunda que venham instalar. Agradeço também que fale com o Heleno e eu lhe diga para atender as minhas chamadas ou que me ligue. Assim que puder ligue me então” (cf. idem);
11. No mesmo dia 16.junho.2017, pelas 14.33h, a Demandante, não conseguindo por telefone, enviou uma mensagem escrita ao colaborador da Demandada B dizendo-lhe “Boa tarde B o, À 1 semana que aguardo a sua chamada. Se bem se lembra da última vez que me ateneu o telefone, disse que já me ligava e desligou me na cara a chamada. Desde então nunca mais me atendeu as minhas chamadas. É inadmissível terem passado 4 meses desde que lhe adjudiquei o PVC e ainda não ter nada da vossa parte. Todas as semanas têm uma nova desculpa. Nunca falhei da minha parte, no acto de adjudicação paguei-lhe logo o que me pediu. No dia de hoje por volta das 9h00 era suposto terem entregue e instalado o material Mas uma vez, ouve uma desculpa, avisam me as 8h50 que afinal não podem. É muita falta de profissionalismo e falta de respeito para com o cliente. Aguardo URGENTEMENTE por um telefonema da sua Parte. A.” (cf. doc. 4 do R.I. a fls. 13 dos autos);
12. Na segunda-feira seguinte, dia 19.junho.2017, a Demandada voltou a não comparecer na obra e nem sequer avisou ou apresentou qualquer justificação;
13. No dia 19.junho.2017, pelas 12.11h, o gerente da Demandante exasperado, após várias tentativas de contacto telefónico frustradas enviou uma mensagem escrita a C dizendo “C uma vez mais passam mais dias, tenho a casa aberta e vocês não aparecem. Nem sequer dão justificação. O que passou desta vez ?? A carrinha avariou?? Ou enganaram se no material?? Ou o serralheiro foi despedido ?? Ou …????? Agradeço que me ligue” (cf. doc. 5 junto com o R.I a fls. 14 e doc. junto pela Dte. em audiência de julgamento a fls. 128/207);
14. A Demandada não respondeu às interpelações da Demandante e o tempo foi passando com várias tentativas frustradas de contacto e promessa da Demandada de que brevemente voltariam ao contacto para agendar nova data para o início dos trabalhos;
15. A Demandada veio a comprometer-se com o início da obra para o dia 08.agosto.2017 e nesta data não a iniciou; 16. Nesse dia 08.agosto.2017, a Demandante remeteu à Demandada, por correio registado com aviso de receção, uma carta concedendo-lhe um prazo de doze dias para a execução e advertindo-a de que “Findo aquele prazo, é nossa intenção resolver o contrato celebrado com V. Exas. e avançar judicialmente para reclamar da “ZZZZZ, Lda.”, o montante já entregue (€6.396,00), assim como uma indemnização por todos os prejuízos causados pela vossa mora (e que já são elevados)” (cf. doc. 6 junto com o R.I a fls. 17 e 17 verso dos autos);
17. A Demandada não iniciou os trabalhos no prazo concedido e no dia 24. agosto.2017, a Demandante enviou à Demandada a carta de fls. 18 cujo teor se dá por integralmente reproduzido, comunicando-lhe a resolução do contrato e solicitando-lhe a devolução do valor entregue (cf. doc. 7 do R.I a fls. 18 dos autos);
18. Após a resolução do contrato, a Demandante contratou a sociedade ZZZZZ, S.A. para realizar trabalhos de fornecimento e montagem de caixilho PVC e estores pelo que pagou €19.262,35 incluindo IVA (cf. docs. juntos pela Demandante, a fls. 208/216 e 221/222);
19. No dia 17.maio.2017 a Demandada procedeu à retificação das medidas em obra (cf. doc. 3 junto com a contestação a fls. 45/51);
20. No dia 25.julho.2017 ocorreu uma reunião em obra, com acerto de todos os pormenores, foi entregue à Demandante o orçamento final e termo de adjudicação e foi fixado o dia 08.agosto.2017 para início da obra;
21. No dia 26.julho.2017, a Demandada enviou à Demandante por correio eletrónico o orçamento final nº 000 e respetivo termo de adjudicação devidamente preenchidos para que esta os confirmasse e assinasse (cf. doc. 5 junto com a contestação a fls. 56/60);
22. A Demandante respondeu à Demandada através de correio eletrónico, de dia 26.julho.2017, apresentando-lhe algumas alterações àquele orçamento, incluindo as condições de pagamento, pretendendo pagar 60% apenas no final da obra ao invés de pagar 50% com a entrada em obra e 10% no final (cf. doc. 6 junto com a contestação a fls. 62/65);
23. A Demandada não aceitou a alteração das condições de pagamento, o que comunicou, por telefone, ao gerente da Demandante, e não entrou em obra no dia 08.agosto.2017;
24. Após, ocorreram conversas telefónicas entre as partes tendo a Demandada dito que não montava a obra em tais condições de pagamento e informado a Demandante que o custo do fornecimento do material sem montagem seria de cerca de €11.000, o que esta não aceitou;
25. Com data de 24.agosto.2017 mas remetida sob registo postal e por correio eletrónico em 28.agosto.2017, a Demandada enviou à Demandante uma carta na qual lhe comunicava que não havia entrado em obra porque não aceitava a alteração das condições de pagamento pretendidas pela Demandante (cf. doc. 7 junto com a contestação, a fls. 66/69);
Com interesse para a decisão da causa, não ficaram provados os factos que não se deixam enunciados, os que têm teor contrário aos provados e, em particular, os seguintes:
A. A Demandante solicitou algum tempo para preparar o local onde a caixilharia iria ser instalada e por esse motivo só em 17.maio.2017 é que foi possível à Demandada proceder à retificação das medidas em obra;
B. Na sequência da visita do Sr. C em 17.maio.2017 a Demandante pediu alterações e foi alertada de que estas podiam comprometer os prazos estimados de montagem entre 30 a 60 dias por coincidirem com as férias dos colaboradores da Demandada e de encerramento dos seus fornecedores;
C. Na reunião de 25.julho.2017 a Demandante solicitou novas alterações à proposta inicial.
Motivação dos factos provados e não provados
Após ponderação de toda a prova produzida, o tribunal fundou a sua convicção de veracidade dos factos provados na ponderação das declarações das partes, no teor dos documentos juntos aos autos e que se deixaram enunciados e na apreciação dos depoimentos das testemunhas. A testemunha E, que vive em união de facto com o gerente da Demandante e que disse ter interesse na ação, afigurou-se, não obstante, ter deposto com verdade revelando ser conhecedora direta das negociações, de que sucessivos prazos que foram sendo indicados pela Demandada e de que após as alterações iniciais feitas pelo A houve várias alterações impostas pela Demandada seja porque os valores reais das portas eram muito altos para o orçamento, seja mandando anular o “redondo” da porta da cozinha e dizendo que não era possível pôr o painel escolhido na porta de entrada. Disse que a partir de 15.junho.2017 a casa ficou sem portas nem janelas porque estava marcada a montagem para o dia 16.junho.2017 e a Demandada faltou e que o colaborador da Demandada, C, foi lá algum tempo depois e viu a casa assim. Sabe que houve conversas, em agosto, para o material ser fornecido pela Demandada e ser aplicado por outra entidade o que não aceitaram porque o preço era muito elevado. As testemunhas E e F, respetivamente pintor e empresário de construção civil, estiveram a efetuar trabalhos na vivenda dos autos, tendo sido a segunda testemunha quem indicou a Demandada. Os seus depoimentos afiguraram-se verdadeiros e baseados no conhecimento direto que tinham dos factos, referindo que B, esteve na obra em dezembro.2016 e que C foi lá umas vezes, pelo menos, em fevereiro.2017. A testemunha F referiu que “comecei a pressionar o Sr. A para pressionar o Sr. B e as janelas não apareciam” , “ o Sr. A disse-me que estava com alguns problemas de comunicação” e a própria testemunha disse ter falado com o Sr. B, o qual lhe disse que estava a fazê-las. Disse também que “apanhou” C noutra obra e que, em data que não conseguiu precisar, o levou para retificar medidas – o que é normal em obra - pois estava tudo pronto para os caixilhos. Ambas as testemunhas referiram que a casa esteve sem janelas e portas a partir de meados de junho. A testemunha B, chefe de produção da Demandada, cuja gerência e quotas pertencem a filhos da testemunha, declarou que está a ser prejudicado e prestou um depoimento que se afigurou menos consistente e não isento respondendo “não saber” a perguntas como, quando comprou o material para esta obra(?), quando é procedeu ao corte/transformação (?) quando é que teve condições de colocar o material na obra (?), o que se afigurou inverosímil, atento o facto de ser chefe de produção e tornou duvidosa a sua afirmação de que no dia 16.junho.2017 estava tudo pronto para entrar em obra. Disse ter falado com A após o email deste de 26. julho em que alterava as condições de pagamento dizendo-lhe “esqueça, eu não lhe monto a obra e apresento-lhe um instalador”, “com estas condições não lhe vou montar a obra” e afirmando que “deixei-lhe a sugestão de lhe fornecer o material”. Disse que o orçamento de julho era igual ao de dezembro, só tinha de diferente as alterações acordadas por telefone entre as partes. Confrontado com o orçamento junto aos autos apresentado por ZZZZ, disse que não tinha nada a ver com o seu, que era tudo em vidro laminado e que as portas também foram alteradas de painéis para vidros o que o tornava mais caro como se passasse de um “Z para um Z”. A testemunha C, colaborador da Demandada, faz orçamentos e preparação do trabalho/desenhos, depôs de forma que se afigurou credível quanto às negociações preliminares mas que não se considerou suficientemente clara e isenta no que respeita às razões dos atrasos na montagem dos materiais em face das sucessivas datas que foram sendo adiantadas. Em particular, no que respeita à data de 15.junho, a testemunha fez uma interpretação da mensagem que nada tem a ver o seu teor, referindo que se tinha comprometido a ir lá mas apenas para instruir o responsável da montagem dos caixilhos e não para efetuar a montagem e não sabendo explicar a razão para não ter ido à obra na segunda-feira seguinte. Mandou dar início à preparação do material para dar entrada em obra em meados de junho. Disse que a administração não permitiu realização da obra por não ter sido assinado o contrato final e haver alterações quanto aos pagamentos.
Os factos não provados resultaram da falta de prova suficiente ou pata a criar convicção de veracidade, salientando-se que do doc. 4 junto com a contestação não resulta qualquer pedido de alteração da Demandante mas, antes, que em 15.maio.2017, a pedido da Demandante lhe estavam a ser enviados os catálogos das portas em PVC.

III - DO ENQUADRAMENTO DE FACTO E DE DIREITO
A relação estabelecida entre a Demandante e Demandada reconduz-se à figura do contrato de empreitada, que é uma modalidade típica do contrato de prestação de serviços e que se encontra regulado nos artigos 1207º e seguintes do Código Civil (diploma ao qual pertencerão as regras doravante indicadas salvo especificação em contrário). Impende sobre o empreiteiro o dever de realizar a obra de acordo com o convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato” (artigo 1208º). Ao contrato de empreitada são também aplicáveis as disposições que regulam a falta de cumprimento e mora no cumprimento das obrigações (artigos 798º e seguintes) bem como o princípio da boa-fé, nas negociações preliminares e na execução do contrato, e os da pontualidade que exige que o contrato seja cumprido nos exatos termos em que foi celebrado, ponto por ponto, e da integralidade (artigos 762º, 763º,406º, entre outros).
Para efeitos de fixar uma situação de incumprimento nos contratos bilaterais é necessário que o credor da obrigação, em caso de perda do interesse no cumprimento por causa da mora da contraparte, lhe fixe um prazo razoável para a realizar, dito admonitório, prazo este que, não sendo cumprido, faculta ao credor o direito de resolver o contrato e de exigir a sua contraprestação para além de indemnização por danos sofridos (artigos 808º, nº1, 798º e 801º, nº2).
No contrato objeto dos autos, a Demandada, na qualidade de empreiteira, comprometeu-se perante a Demandante, na qualidade de dono da obra, a fornecer os materiais e a realizar os trabalhos de caixilharia PVC e estores que ficaram acordados em 20.fevereiro.2017, que vieram a ser confirmados e cujas medidas foram retificadas em 17.maio.2017 e que vieram a ser objeto de especificações, quanto a duas portas, antes de 15.junho.2017, data na qual estava tudo definido em termos de materiais a aplicar e dimensões. Tanto é o que decorre dos factos provados.
Pela execução dos trabalhos, a Demandada receberia o preço de €15.990, IVA incluído, a pagar nas percentagens de 40%, 50% e 10%, respetivamente, nas fases de adjudicação, colocação em obra e finalização. Em conformidade a Demandante pagou à Demandada a quantia de €6.396,00.
As partes convencionaram também que a execução dos trabalhos seria iniciada em 20.março.2017. Após sucessivos atrasos, fixação de novos prazos e incumprimento destes, em particular o de dia 16.junho.2017, as partes vieram a estabelecer para efeito de início dos trabalhos, o dia 08.agosto.2017. Esta data foi fixada na sequência de uma deslocação ao imóvel, efetuada em 24.julho.2017, por C, colaborador da Demandada.
O incumprimento do prazo inicial e dos subsequentes, não pode deixar de imputar-se à Demandada em face da factualidade apurada. Na verdade, impendia sobre esta o dever de zelo e diligência quer em promover as necessárias retificações das medições iniciais dos vãos por si efetuadas, quer indicar eventuais obras de construção civil que reputasse necessárias quer promover a escolha, pela Demandante, das portas e outros acessórios facultando-lhe os competentes catálogos pois que estava a Demandada obrigada a fornecer todos os materiais da empreitada. Ora o que se apurou é que foi uma das testemunhas, que executava trabalhos de construção civil no imóvel, quem “agarrou” o colaborador da Demandada C para que em 17.maio.2017 este efetuasse a correção das medidas o que evidencia falta de interesse da Demandada. E, quanto à mudança do formato redondo para reto de uma ou duas portas nada ficou apurado que sustente a alegação de que a Demandante pretendia, após aquela data, efetuar quaisquer alterações. Salienta-se que tal prova era ónus da Demandada (artigo 342º, nº2).
Sucedeu que na última data aprazada, 08.agosto.2017, a Demandada voltou a não comparecer e, em consequência, a Demandante enviou-lhe, com data de 08.agosto.2017, uma carta na qual lhe fixou um derradeiro prazo de 12 dias para realizar a obra, sob pena de proceder à resolução do contrato.
A Demandada também não iniciou a obra no prazo fixado e por carta de 24.agosto.2017, a Demandante procedeu à resolução do contrato.
A Demandada veio a responder à carta de o8.agosto.2017 por carta de 24.agosto.2017 alegando que a Demandante havia alterado as condições de pagamento já acordadas e fundando neste facto a recusa de executar a empreitada.
Importa, então, aferir se a declaração de resolução, enviada por carta registada com aviso de receção e recebida pela Demandada, é eficaz.
Como se apurou, em 26.julho.2017, a Demandante reenviou à Demandada, o orçamento nº 00 e respetivo “termo de adjudicação”, o que fez com alteração dos vidros e das condições de pagamento em concreto, propondo-se pagar os restantes 60% no final dos trabalhos e concretização da montagem. Também se apurou que a Demandada deu a conhecer à Demandante, por contacto telefónico, que não aceitava colocar o material na obra sem o pagamento de 50% do valor da empreitada. A Demandante conhecia esta recusa e as partes chegaram a colocar a hipótese da Demandada colocar o material em obra sem proceder à respetiva montagem.
Ora a recusa da Demandante em proceder ao pagamento da quantia que havia sido acordada em simultâneo com a entrada do material em obra configura uma recusa de cumprimento da obrigação que sobre si impendia ou a omissão de um ato necessário ao cumprimento da obrigação pela contraparte.
Tal comportamento da Demandante configura uma situação de mora do credor nos termos definidos no artigo 813º e faz recair sobre si o risco da impossibilidade superveniente da prestação salvo se tal impossibilidade se dever a dolo do devedor (815º, nº1). Acresce que, estando em causa um contrato bilateral, como está, a Demandante, porque incorreu em mora, não fica desonerada da sua prestação, logo, por maioria de razão, não poderá pedir a restituição do que entregou em execução de um contrato que, a final, não foi cumprido por causa a si imputável (cf. artigo 815º, nº2).
Numa outra perspectiva, sempre poderia defender-se, em face da última posição assumida pela Demandante, que assistia à Demandada o direito de invocar a exceção de não cumprimento (cf. artigo 428º) recusando a sua prestação enquanto a Demandante não se prontificasse a executar a sua e que, não tendo anuído a esta solução – entrando em mora- a Demandante veio a impossibilitar o cumprimento pela Demandada, mediante celebração de contrato com a sociedade ZZZZ, dando azo à extinção do direito de pedir a resolução do contrato e a restituição da prestação que efetuou. Igualmente e por argumento de maioria de razão, lhe falece direito a pedir indemnização pelo valor pago a mais com a nova empreitada.

IV – DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo a ação improcedente e, em consequência, absolvo a Demandada do pedido.
Declaro responsável pelas custas do processo, a Demandante ( artigo 8º da Portaria 1456/2001, de 28.12).
Custas do processo: €70.
Tem a Demandada direito ao reembolso de €35.
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A Demandante deverá efetuar o pagamento das custas no valor de €35, no prazo de três dias úteis a contar da notificação desta decisão sob pena de incorrer numa penalização de €10 por cada dia de atraso e até um máximo de €140 (cf. nº 10 da referida Portaria 1456/2001, na redação dada pela Portaria 209/2005, de 24.02). Decorridos quinze dias sobre o termo do prazo referido sem que se mostre efetuado o pagamento, será extraída e remetida ao Ministério Público da Comarca de Lisboa Oeste – Cascais certidão das custas e penalidades em dívida (€175) para eventual execução.
Registe e dê cópia.
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Da sentença que antecede foram todos os presentes notificados.
Para constar se lavrou a presente ata, por meios informáticos, que, depois de revista e achada conforme, vai assinada, sendo entregue uma cópia da mesma a cada uma das partes. ----
Cascais, Julgado de Paz,
09 de março de 2018

A Técnica do Serviço de Atendimento
A Juíza de Paz