Sentença de Julgado de Paz
Processo: 81/2018-JPCLD
Relator: LUÍSA SARAIVA
Descritores: AÇÃO DE CONDENAÇÃO
Data da sentença: 12/05/2018
Julgado de Paz de : CALDAS DA RAINHA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Proc.º 81/2018-JPCLD

DEMANDANTE: A, residente na Rua XX, Caldas da Rainha.
DEMANDADO: B., residente na Rua XX, Caldas da Rainha.
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OBJECTO DO LITÍGIO
O Demandante, intentou contra o Demandado a presente acção enquadrável na alínea a), do n.º1, do artº 9º da Lei 78/2001 de 13 de Julho, peticionando a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 712,00 (setecentos e doze euros), sendo € 464,00 correspondente à aquisição de uma máquina fotográfica ZZ, € 198,00 a título de Juros; 35,00 € a título de taxa de justiça paga e € 15,00 de despesas de correspondência nos termos plasmados no requerimento Inicial de fls 3 e 4.
Juntou quatro documentos de fls. 5 a 8.
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O Demandado apresentou contestação, nos termos plasmados a fls. 25, admitindo a compra da máquina fotográfica ao Demandante, mas impugnando a versão dos factos alegados pelo Demandante, alegando em síntese que na altura eram amigos e que o pagamento foi feito pela sua então esposa, em numerário, não tido sido pedido nem entregue recibo. Mais alegou a prescrição da dívida.
Juntou o documento de fls. 26.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, estando as partes devidamente notificadas para o efeito e com observância do legal formalismo consoante resulta da respectiva Acta de fls. 69 e 70.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor que se fixa em € 712,00 – art.ºs 297º nº1 e 306º nº 2, ambos do C.P.Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e são legítimas.

DA INVOCADA EXCEÇÃO PERENTÓRIA DA PRESCRIÇÃO:
Na sua contestação o Demandado defende que o crédito do Demandante deve considerar-se prescrito. A alínea b), do artigo 317º do Código Civil, determina que prescrevem no prazo de 2 anos os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou não os destine ao seu comércio.
Estamos perante uma prescrição presuntiva, conforme dispõe o artigo 312º do Código Civil, fundando-se as prescrições presuntivas na presunção de cumprimento. Tal presunção só pode ser ilidida por confissão do devedor, judicial ou extrajudicial e expressa ou tácita.
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Reunidos os pressupostos de estabilidade da instância, cumpre proferir sentença. A alínea c) do nº 1 do artigo 60º da Lei nº 78/2001, de 13/7, alterada pela Lei 54/2013, 31/7, estatui que, nas sentenças proferidas, deve constar (entre outros) uma “sucinta fundamentação”.

FACTOS PROVADOS:
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1 – O Demandante é um empresário em nome individual, proprietário do estabelecimento comercial designado por “KK” e que se dedica à atividade de fotografia e venda de material fotográfico.
2 – No exercício da atividade do Demandante, e no seu estabelecimento o Demandado comprou uma máquina fotográfica ZZ.
3 – O Demandado levou a referida máquina fotográfica tendo sido acordado o posterior pagamento da mesma.
4. – Foi acordado um valor inferior ao valor real da máquina, decorrente das relações de amizade que existiam entre ambos.
5 – O Demandante, quando se encontrava na loja, estava ao balcão e por regra não fazia cobranças, sendo as colaboradoras a emitir a factura.
6 – Demandante e Demandado mantinham uma relação de amizade, frequentando as respectivas casas.
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FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA:
A fixação da matéria dada como provada resultou da audição das partes, nomeadamente do Demandante, dos factos admitidos, da prova testemunhal apresentada pelo Demandante C., que resultou credível e que confirma a ida do Demandado à loja e aquisição da máquina fotográfica, que levou sem pagar. Conhecia o Demandado porque era amigo do Demandante e ia muitas vezes à loja. A testemunha do Demandado, D. apesar de ter sido casada com o Demandado prestou um testemunho credível e confirmou a relação de amizade que tinham com o Demandante, que adquiriram a máquina por um valor inferior ao real, tendo pago o preço em data posterior à ida à loja e não pediram o recibo, dos documentos juntos aos autos devidamente conjugados com regras de experiência comum e critérios de razoabilidade, o que alicerçou a convicção do tribunal. Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou insuficiência de prova nesse sentido.

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO:
O Demandante intentou a presente acção peticionando a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 712,00 (setecentos e doze euros), sendo € 464,00 correspondente à aquisição de uma máquina fotográfica ZZ, € 198,00 a título de Juros; € a título de taxa de justiça paga e € 15,00 de despesas de correspondência alegando em sustentação desse pedido a celebração com o Demandado de um contrato de compra e venda, que alegadamente não liquidou.
O Demandado, por sua vez, veio contestar invocando, nomeadamente, a prescrição presuntiva da dívida (artigo 317º do Código Civil) e que o Demandado pagou o preço da máquina fotográfica.
Estamos, assim, perante a figura jurídica do contrato de compra e venda que, segundo o artigo 874º do Código Civil “… é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço” No caso dos autos, constata-se que existiu a venda por parte do Demandante, na qualidade de profissional liberal e a compra pelo Demandado, este na qualidade de particular.
Ora, o Demandado invocou a prescrição e esta, prevista no artigo 317º, alínea c) do Código Civil, é de natureza presuntiva, ou seja, funda-se na presunção de pagamento, libertando desta forma o devedor do ónus da prova do pagamento, mas não de alegar que pagou, o que o Demandado fez.

Assim, o Demandado veio invocar a prescrição neste caso presuntiva, alegando o cumprimento da prestação, nos termos do artigo 317º do Código Civil. Importa ter em atenção que foi o Demandado que fez e subscreveu a contestação e muitas vezes, é necessário saber interpretar o discurso constante das peças, pelo que se entende que ao invocar a prescrição e o pagamento, efectivamente se refere à prescrição prevista no art.º 317º, do Código Civil, a prescrição presuntiva. Não seria justo assim não o entendermos, já que muitas vezes o homem comum não utiliza as expressões com carácter de juridicidade.
Estas prescrições fundam-se na presunção do cumprimento, que poderia ser ilidida pelo credor, nomeadamente existindo confissão do devedor. E o efeito da prescrição presuntiva é o da inversão do ónus da prova (artigo 344º do Código Civil) que deixa de onerar o devedor que, por isso, não tem de provar o pagamento, para ficar a cargo do credor, que terá de demonstrar o não pagamento – o que, in casu, não sucedeu.
A razão de ser da prescrição é que alegando o pagamento não tem de ser feita prova do mesmo. Deste modo o fundamento do instituto jurídico da prescrição assenta na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei, que faz presumir ter querido renunciar ao direito, ou pelo menos torna o respetivo titular indigno de proteção jurídica. Relevam ainda interesses de ordem pública ligados à certeza e segurança jurídicas, à proteção dos devedores, além de estímulo e pressão educativa sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efetivação, quando não queiram abdicar deles.
O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, nos termos do nº 1, do artigo 306º do Código Civil. Decorrido o prazo legal, no caso 2 anos, contados da compra e venda, presume a lei que o pagamento foi efetuado, ficando, assim, o devedor dispensado da sua prova.
Por ouro lado, considera-se que a mencionada presunção só pode ser ilidida por confissão do devedor, judicial ou extrajudicial e expressa ou tácita, o que não se verificou.
Pelo exposto, entende-se que deve proceder a invocada excepção da prescrição, conduzindo tal procedência à absolvição do Demandado do pedido.

DECISÃO:
Em face do exposto, julga-se a presente ação improcedente, por procedente a excepção de prescrição e, em consequência, absolve-se o Demandado B do pedido.

Custas pelo Demandante, que declaro parte vencida (artigo 446º, nº 1 do CPC e artigo 8º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro).
Devolva-se € 35,00 (trinta e cinco euros) ao Demandado.
O Demandante deverá efectuar o pagamento das custas da sua responsabilidade, no valor de € 35,00 (trinta e cinco euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de incorrer numa penalização de €10 (dez euros) por cada dia de atraso, não podendo exceder € 140,00, nos termos do nº 10 da Portaria 1456/2001 de 28 de dezembro.
Registe, notifique e arquive após trânsito em julgado.
Bombarral, Julgado de Paz do Oeste, 05 de dezembro de 2018

A Juíza de Paz
(Luísa Ferreira Saraiva)

Processado por computador Art.º 131º/5 do C.P.C.
Revisto pelo Signatário. VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz do Oeste