Sentença de Julgado de Paz
Processo: 290/2017-JPCNT
Relator: ISABEL BELÉM
Descritores: DIFAMAÇÃO - RESPONSABILIDADE CIVIL
Data da sentença: 04/10/2018
Julgado de Paz de : CANTANHEDE
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA
II- OBJECTO DO LITÍGIO
O Demandante intentou contra as Demandadas a presente ação declarativa, pedindo a condenação destas a pagarem, cada uma delas, a quantia de €500,00, referente a danos não patrimoniais e de se absterem de falar mal do Demandante.
Alegou, para tanto, que as Demandadas o acusaram publicamente de ter matada o canídeo da 1º Demandada, proferindo tal acusação perante a tia do Demandante e uma vizinha daquela, o que ofendeu a sua honra e integridade pessoal.
As Demandadas foram regularmente citadas, tendo apenas a 2ª Demandada apresentado contestação, impugnando a versão dos factos apresentada no requerimento inicial
Procedeu-se de julgamento Audiência, com a realização de duas sessões, com obediência às formalidades legais, como das atas se infere.
Fixo o valor da causa em € 1.000,00

Cumpre apreciar e decidir
A alínea c) do nº 1 do artigo 60º da Lei nº 78/2001, de 13/7, alterada pela Lei 54/2013, 31/7, estatui que, nas sentenças proferidas, deve constar uma “sucinta fundamentação”, o que se procurará fazer de seguida.

III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
A - Factos provados:
Com interesse para a causa, resultou provado:
1) O Demandante e a 1ª Demandada mantiveram um relacionamento amoroso;
2) As Demandadas são amigas;
3) Após o Demandante e 1ª Demandada terminarem o relacionamento, em data não concretamente apurada, mas depois do dia 3 de maio de 2017, no período da primavera/ verão, a 1º Demandada, dirigindo-se a uma tia do Demandante, disse que este matou o seu cão, a pontapé;
4) Nesse mesmo período, a 2º Demandada dirigiu-se a uma vizinha da tia do Demandante, dizendo que o Demandante matou o canídeo da 1ª Demandada, a pontapé;
5) O Demandado tomou conhecimento de tais acusações em setembro de 2017;
6) Com tais acusações o Demandante sentiu-se ofendido na sua honra, bom nome e integridade moral, tendo ficado revoltado;
7) O Demandante, durante o período que manteve o relacionamento com a 1ª Demandada chegou a levou os seus cães a passear;
8) O canídeo faleceu a 5 de maio de 2017, por paragem cardio-respiratória, apresentando as lesões melhor descritas no relatório de fls. 23, que se dá por integralmente reproduzido;
9) As Demandadas ao atuarem da forma descrita em 3) e 4) representaram como consequência possível das suas condutas a ofensa do Demandante na sua honra e integridade moral, conformando-se com tal realização.

B - Factos não provados:
Com interesse para a causa, não se provaram quaisquer outros factos, dada a inexistência ou insuficiência de prova nesse sentido, nomeadamente que o canídeo tenha falecido vítima de maus tratos.

C- Convicção:
A convicção do Tribunal para a factualidade dada como provada foi adquirida através da análise crítica e ponderada, à luz das regras da lógica e das máximas da experiência de vida, das declarações prestadas pelo Demandante e pelas Demandadas, do teor do documento de fls. 23, bem como da prova testemunhal inquirida em Audiência.
Mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa.
Assim, os factos das alíneas 1) e 2) resultam da admissão dos mesmos pelas partes, nos articulados.
O facto sob o nº 3) resulta da confissão da Demandante e do depoimento da testemunha T1. Com efeito, a 1ª Demandante admitiu em audiência de julgamento, em sede de declarações de parte, que depois da morte da sua cadela contou à tia do Demandante (testemunha T1) que este a tinha matado a pontapé. Tal testemunha confirmou tal acusação que a 1ª Demandada fez em relação ao seu sobrinho Demandante.
O facto sob o nº 4) resulta do depoimento da testemunha T2, conjugado com o documento de fls. 47 a 51, o qual não foi impugnado. A testemunha T2 não obstante ter demonstrado ao longo do seu depoimento alguma desorientação e confusão em relação a datas foi credível em relação à imputação que a 2º Demandada fez sobre o Demandante, prestando, no essencial, um depoimento espontâneo e convincente, sem que se tenha produzido prova do contrário.
O facto descrito em 5) resultou das declarações do Demandante;
O Facto sob o nº 6) resultou da conjugação das declarações do Demandante com o depoimento da testemunha T1.
O facto 7) resultou da conjugação do depoimento da testemunha T3, conjugado com as declarações do Demandante.
O facto sob o nº 8) resultou da conjugação do depoimento da testemunha T4, conjugado com o documento de fls. 23.
O facto nº 9) resultou do que apurou em sede de audiência de julgamento lido à luz das regras da experiência comum e da normalidade das coisas. É legítimo concluir que as Demandantes ao dirigirem-se a terceiros, imputando ao Demandante o facto descrito (ter matado o canídeo a pontapé) representaram como possível que a sua conduta fosse ofensiva da honra e consideração do Demandante, conformando-se com tal realização, até porque a expressão “matar”, contém em si uma carga negativa e intensamente ofensiva que um qualquer cidadão comum não pode desconhecer.
Quanto ao facto não provado resultou da ausência de prova quanto ao mesmo. Foi ouvida em audiência de julgamento a testemunha T4, médica veterinária que atendeu o canídeo em 3 de maio de 2017 num episódio de urgência, o qual, em 5 de maio, acabou por falecer, tendo procedido a uma necropsiada ao animal e à elaboração do relatório de fls 23. Esta testemunha prestou um depoimento isento e credível.
No essencial esta testemunha após esclarecer as lesões que o canídeo apresentava, referiu que as mesmas são compatíveis com um traumatismo acentuado, mas que também podem resultar de outras causas, sendo que o exame por si realizado não lhe permitiu determinar a causa concreta que conduziu às lesões apresentadas e consequentemente à morte do canídeo.
As Demandadas indicaram ainda como testemunha T5, sobrinha da 1ª Demandada, que no essencial referiu que no dia 3 de maio estava no interior de uns anexos da casa da 1º Demandada, dizendo ter visto pelo “buracos dos estores” um vulto a espancar o cão, que não consegui reconhece, porém, mais à frente no seu depoimento já diz não ter dúvidas de que o agressor era o Demandante. De um modo geral, o depoimento da testemunha foi incoerente e contraditório, com hesitações e orientado.
Foi ainda ouvido a testemunha T6, que assinou a declaração de fls. 46, disse, no essencial, que o Demandante o acompanhava com alguma frequência nas deslocações que faz pelo país, quer em trabalho, quer noutras ocasiões, não conseguindo confirmar em que dias do mês de maio o Demandante esteve no Algarve. Esta testemunha prestou um depoimento isento e imparcial, porém os factos sobre os quais depôs não contribuíram para o esclarecimento dos factos.

IV - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
O objeto do litígio consiste em saber se as Demandadas imputaram aos Demandante a prático de um facto ofensivo da sua honra e integridade e, em, caso afirmativo, se o mesmo tem direito a ser ressarcido dos danos sofridos com tal imputação.
Estamos, assim, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual que visa transpor os prejuízos resultantes de uma atuação danosa para a esfera do agente, constituindo exceção ao princípio de que os danos ocorridos em certo património deverão ser suportados pelo seu titular. No entanto, esta transposição exige a verificação de certos requisitos.
Determina o artigo 483º do Código Civil (doravante CC) que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
Para que se conclua pela existência de responsabilidade civil por factos ilícitos é, então, necessário um comportamento voluntário do agente; a ilicitude, ou seja, a violação de direitos subjetivos absolutos ou normas que visem tutelar interesses privados; a imputação do facto ao agente ou um nexo causal que una o facto ao lesante, com a apreciação da culpa como regra em abstrato, segundo a diligência de “um bom pai de família”; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Analisando cada um dos pressupostos à luz do quadro factual dado como provado:
É incontornável a existência de um comportamento humano dominável pela vontade, porquanto as Demandadas ao imputarem ao Demandante a morte do canídeo fizeram-no por sua livre e espontânea vontade.
Já no que se reporta ao requisito da ilicitude, podemos enquadrar a imputação feita pelas Demandantes nas previsões particulares e especiais de ilicitude do artigo 70º do CC “a lei protege todos os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”; e ainda do artigo 484º do mesmo diploma, que prescreve: "Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados".
Tratam-se, assim, de normas que visam proteger bens jurídicos essenciais, com consagração constitucional (artigo 26º, nº 1, da constituição da Republica Portuguesa) e, precisamente por isso, tal violação pode dar origem a responsabilidade civil e também a responsabilidade penal. Com efeito, dispõe o artigo 180º do Código Penal, sobre a difamação, enquanto crime contra a honra:
“1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 - A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
(..)”
Neste último caso, como dispõe o artigo 129º do CP, "a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela Lei Civil." Impõe, assim, o recurso ao que está disposto no já acima indicado artigo 483° do CC.
Ora, tendo as Demandadas, dirigindo-se a terceiros, acusado o Demandante de ter matado o canídeo da 1ª Demandada, a pontapé, estão a imputar ao Demandante a prática de um crime, hoje p.p pelo artigo 387º do CP. Assim, dúvidas não há que estas praticaram um ato ilícito, porquanto, objetivamente, ofensivo da honra e dignidade e que, de acordo com a supra indicado norma do 180º CP, constitui ainda um ilícito penal.
Tais imputações, de modo objetivo, ofendem a honra e dignidade de uma pessoa.
Na verdade, a mera violação do direito ao bom nome de alguém, na medida em que este direito se impõe a todas as pessoas, é, por si só, necessariamente ilícito, a não ser que tal ilicitude esteja afastada por qualquer circunstância justificativa do facto praticado e da violação ocorrida.
O que poderia acontecer se estivesse em causa um interesse legitimo sobreponível ao direito violado, e, sobretudo, se a imputação feita correspondesse à verdade ou desde que feita na séria convicção séria de o ser, tendo, neste caso, o agente de fazer a prova da sua boa fé para reputar o facto como verdadeiro.
As Demandadas em sede de audiência de julgamento, tanto nas suas declarações de parte como através da testemunha Z, procuraram demonstrar a veracidade da imputação feita sobre o Demandante, isto é procuraram provar que o Demandante efetivamente matou o canídeo, o que não ficou minimamente demonstrado. De todo o modo, a ser verdadeira tal imputação – o que não se demonstrou, como se disse, necessário seria que tal imputação fosse feita para realizar interesses legítimos. Ora, dizer-se a uma tia do Demandante ou a uma vizinha daquela que uma determinada pessoa matou um canídeo ao pontapé não está, por princípio, a realizar qualquer interesse legítimo. Estaria a realizar um interesse legítimo se, por exemplo, acreditando na veracidade da imputação, apresentasse queixa contra o Demandante, pois aí estaria a exercer o direito de acesso aos tribunais, uma vez que deve assegurar-se a qualquer cidadão a possibilidade de denunciar factos que entende criminosos.
Assim, as Demandadas não alegaram nem demonstraram qualquer factualidade que excluísse a ilicitude dos seus atos, donde, a atuação das mesmas é em princípio culposa.
Para que se afirme a responsabilidade civil extracontratual necessário se torna ainda que as Demandadas tenham agido com culpa.
Age com culpa quem adota uma conduta ilícita que poderia e deveria ter evitado, que pode revestir a forma de dolo (representação do resultado danoso, sendo o ato praticado com a intenção de produzi-lo, ou apenas aceitando-se reflexamente esse efeito) ou de negligência (culpa não intencional caracterizada por uma omissão da diligência devida).
O artigo 487.º, n.º 2, do CC consagra um critério legal de apreciação da culpa conforme à diligência de um homem normal, medianamente prudente e cuidadoso, em face do condicionalismo próprio do caso concreto.
Assim, a diligência relevante para a determinação da culpa é a de uma pessoa normal em face do circunstancialismo do caso concreto.
A culpa, como já supra referido, exprime um juízo de censura em relação ao lesante, por, em face das circunstâncias do caso concreto, dever e poder agir de outro modo, sendo que o dever de indemnizar não está dependente da intencionalidade ofensiva, bastando a simples censura da conduta. Sendo certo que agir com dolo ou mera culpa apenas releva para a graduação da indemnização.
Dos factos provados resultou que as Demandadas representaram como possível que a sua conduta fosse ofensiva da honra e consideração do Demandante, conformando-se com tal realização.
Pelo que não se pode deixar de considerar que a atuação das Demandadas é também culposa, a título de dolo, ainda que eventual.
Quanto ao dano, a obrigação de indemnização é determinada nos termos do artigo 562º do CC, o qual prescreve que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, sendo, segundo o artigo 566º, nº 1, do CC, “ é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor”.
No entanto, “a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, pelo prescrito no artigo 563º, do CC e de acordo com a teoria da causalidade adequada.
Por sua vez, ao abrigo do disposto no artigo 496º nº1 do CC serão indemnizáveis os “danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”. Gravidade que será avaliada segundo critérios objetivos, devendo ser de tal ordem que em última análise justifique a atribuição de uma indemnização ao lesado, acrescentando o nº 3 que "o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.
Dos factos provados resultou que em consequência da conduta das Demandadas o Demandante se sentiu atingido na sua honra e integridade moral, sentindo-se revoltado, danos estes cuja gravidade merecem, pois, a tutela do direito.
Impõe-se, assim, concluir que a conduta das Demandadas são geradoras da obrigação de indemnizar pelos danos causados com a sua condutas supra descritas, nos termos dos artigos 483º, 487º e 562º, do Código Civil.
O Demandante peticiona um pedido de indemnização de € 500,00, a pagar por cada uma das Demandadas, montantes que afiguram-se, porém, exagerados, porquanto para além de sentir-se ofendido na sua honra e integridade e revoltado, não resultaram provadas quaisquer outras repercussões, designadamente sociais. Assim, utilizando um juízo de equidade, entende-se como valor justo a fixar a título de indemnização, a pagar por cada uma das Demandadas a quantia de 100,00€.

V - DECISÃO:
Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência, decido:
Condenar cada uma das Demandadas no pagamento ao Demandante da quantia € 100,00 e a absterem-se de falar mal do Demandante, absolvendo-as do demais peticionado.

Custas: Na proporção do decaimento que se fixa em 20% para as Demandada e 80% para o Demandante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a Demandada B, devendo o Demandante e efetuar o pagamento da quantia € 21,00 (vinte e um euros) e a Demandada C efetuar o pagamento da quantia de € 7,00 (sete euros), num dos 3 dias úteis subsequentes a notificação da presente decisão, sob pena de incorrer na sobretaxa de 10€ (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento desta obrigação legal.

Registe e notifique, as partes que não estiveram presentes na leitura.

Cantanhede, 10 de abril de 2018

A Juíza de Paz Coordenadora
(Processado por meios informáticos e
revisto pela signatária.
(Artigo 18º LJP
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(Isabel Belém)