Sentença de Julgado de Paz
Processo: 115/2016-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: AÇÃO REFERENTE A LITÍGIO ENTRE PROPRIETÁRIOS DE PRÉDIOS - RECONHECIMENTO DA PROPRIEDADE DE MURO CONTIGUO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS
Data da sentença: 05/31/2017
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

Processo n.º 115/2016-J.P.

RELATÓRIO:
Os demandantes, M. A. R. e M. I. Ferreira R., com os NIFS. xxxxxxxxx e xxxxxxxxx, abos residentes na rua do L. da B. V., n.º --- A e B, no concelho do Funchal.
Requerimento Inicial: Alegam em síntese que são proprietários do prédio urbano, sito na freguesia de Stª ---, inscrito na matriz sob art.º ----, com a área coberta com 87m2 e o logradouro com 213m2, conforme documentos que juntam. O prédio possui um muro cuja parte de baixo é em pedra, e a parte de cima em blocos, e do qual pagam IMI sobre os 10m2 ocupados pelos demandados. Os demandados são proprietários de um prédio contiguo, inscrito na matriz sob art.º --- da referida freguesia de Stª ---, com a área coberta com 47m2 e a descoberta com 77m2. Sucede que os demandados ocuparam o muro que lhes pertence, junto á partilha e alargaram a esquina do muro para a frente do pagão da respetiva moradia, ocupando cerca de 10m2 da propriedade. Na sequência das obras que aqueles têm vindo a realizar, violaram as regras urbanísticas, ocupando o muro e substituíram a vedação metálica que ali se encontrava por pilares. Ao fazerem essas obras os demandados perfuraram a parede de partilha, enchendo o muro com massa, o que causou danos ao muro e também originou infiltrações na propriedade dos demandantes, nomeadamente na arrecadação sita junto ao muro. Na arrecadação tinham um motor, ferramentas, e respetiva mala, fechaduras e cadeados, os quais devido ás infiltrações ficaram danificados, o que lhes causou um prejuízo no valor de 3.335€, pois não têm reparação. Também o telhado da arrecadação está danificado, custando a sua reparação 1.500€. Para além disso, retiraram o esgoto e alargaram-no para cima do pagão, o que causa constrangimentos ao nível de segurança e salubridade. Os demandantes ficaram esclarecidos, com o processo do cadastro geométrico n.º3/2009/160, que o muro em causa foi implantado na respetiva propriedade, pelo que têm vindo a reclamar dessa situação junto de varias entidades nomeadamente a C.M.F., junto da provedoria de justiça e da Procuradora da República. Mas as reclamações têm sido arquivadas, pois deviam socorrer-se da via processual civil, com vista á tutela do direito que invocam, o reconhecimento do direito de propriedade sobre a parcela de terreno onde está implantado o muro. Em Julho/2015 interpelou os demandados, por carta registada, para desocuparem o muro, repondo-o na situação que estava, e cumprirem com as regras urbanísticas. Na realidade são proprietários do muro em questão pois encontra-se construído dentro da propriedade dos demandantes, fazendo parte integrante do respetivo prédio, pelo que pretendem que restituam a conformidade ao muro, como se encontrava antes das intervenções, nomeadamente demolindo os pilares e repondo a vedação metálica, reparando os danos e as perfurações efetuadas. Reclamam, também, os danos patrimoniais que sofreram, mediante o pagamento de indemnização no valor de 4.835€. Concluem pedindo que: A) restituam o muro á propriedade dos demandantes, repondo-o na situação que estava antes das suas intervenções, demolindo os pilares e repondo a vedação metálica e reparando os danos causados no muro, reconhecendo o direito de propriedade sobre a parcela de terreno onde se encontra implantado o muro e sobre este, pedido a que atribuem o valor de 5.000; B) pagar indemnização por danos patrimoniais referente aos bens danificados que se encontravam dentro da arrecadação no valor de 3.335€; C) pagar indemnização por danos patrimoniais referente ao telhado da arrecadação, no valor de 1.500€; D) retirarem o esgoto que alargaram para cima do pagão, e colocarem em prumo a esquina em frente ao pagão, pedido a que atribuem o valor de 150€; E) caso não cumpram o requerido no prazo de 20 dias, sejam condenados no pagamento da quantia de 10€ por cada dia de atraso, a título de sanção compulsória. Juntam 69 documentos.

MATÉRIA: Ação referente a litígio entre proprietários de prédios, relativo a muros, enquadrada no art.º 9, n.º1 alínea d) da L.J.P.
OBJETO: Reconhecimento da propriedade de muro contiguo, pedido de indemnização por danos patrimoniais.
VALOR DA AÇÃO:9.985€.

Os demandados, M. C. P. M. S., NIF. xxxxxxxxx, P. M. S., e J. F. M. S., todos residentes na rua do L. da B. V., n.º -- C, no concelho do Funchal, representados por mandatária constituída.
Contestação: Alegam em suma que desconhecem os pormenores do prédio dos demandantes. Adquiriram o respetivo prédio em 2011, e desde aí que nada fizeram para alterar a configuração dele ou a sua área. A parede ou muro que os demandantes referem confronta com o prédio\ deles, e já existia neste prédio com aquela configuração, há dezenas de anos. Na realidade o muro pertence ao respetivo prédio, o tipo de construção é o mesmo que se encontra noutros locais deste prédio, sustentando em toda a largura o quintal ou logradouro do prédio dos demandados, fazendo parte integrante deste. Quando adquiriram o prédio já existia uma rede metálica, mas como ameaçava ruína, com autorização da C.M.F., no ano de 2012, substituíram os suportes metálicos por betão e trocaram a rede por outra de melhor qualidade, mas exactamente com as mesmas dimensões, quer em extensão, quer em altura. Não tendo feito quaisquer perfurações no prédio dos demandantes, nem provocaram infiltrações. No relatório da C.M.F. que os demandantes apresentaram até refere que se trata de obras de consolidação da rede, pelo que nada fizeram para os prejudicar. Quanto ao muro foi revestido de cimento e pintado, mantendo a configuração que tinha, ficando melhor. Nessa ocasião não tocaram no telhado da arrecadação, nem alteraram os tubos dos esgotos. Pelo que, os prejuízos referidos pelos demandantes são imaginários. Para além disso, a haver qualquer prejuízo, se é que há, já prescreveu o prazo de o reclamar, pois tiveram conhecimento das intervenções que foram realizadas, conforme se vê dos documentos que juntaram. Quanto á reposição da rede pela antiga era impossível fazerem-no pois já não existe. Por último, o muro em causa só tem a área de 1,275m2. Concluem pela total improcedência da ação. Juntam 2 documentos.

TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré-mediação, por ausência dos demandados.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º1 da L.J.P. sem obtenção de consenso entre as partes. Seguindo-se para produção de prova com inspeção ao local. Na 2ª sessão continuou-se com a prova testemunhal, e junção de documentos pelos demandados. Na 3ª sessão continuou-se a audição de testemunhas, terminando com alegações finais dos mandatários das partes, conforme consta das atas de fls. 149 a 151, 162 a 165, e 187 a 189.

-FUNDAMENTAÇÃO-
I- DO FACTO ASSENTE (Por Acordo):
A)Os demandados são proprietários de um prédio contiguo ao dos demandantes, localizado na freguesia de Stª ----., concelho do Funchal, inscrito na matriz sob art.º ----- da referida freguesia, na rua do L. da B. V. n.º ---C, com a área coberta com 47m2 e a descoberta com 77m2.

II- DOS FACTOS PROVADOS:
1)Os demandantes são proprietários do prédio urbano, sito na rua do L. da B. V. com os n.º ---A e B, no concelho do Funchal, inscrito na matriz sob art.º ---, a freguesia de Stª ------.
2)O muro, compõe-se na parte de baixo em pedra e em cima em blocos.
3)Os demandados fizeram obras no muro, ocupando a sua totalidade, substituindo a vedação metálica que tinha e colocaram pilares.
4)Ao colocarem os pilares perfuraram o muro e colocaram massa.
5)Os demandantes tiveram infiltrações numa arrecadação, que fica junto ao muro.
6)Dentro da arrecadação têm ferramentas, fechaduras, cadeados e um motor.
7)Alguns destes bens estão enferrujados.
8) Os demandantes têm vindo a reclamar a diversas entidades do muro.
9)Os demandantes reclamaram junto da C.M.F, dos serviços da Procuradoria da República do Tribunal administrativo e Fiscal do Funchal, provedoria da Justiça e da P.S.P.
10)As reclamações têm sido arquivadas.
11)Numa dela foi respondido pelo Procurador da República, junto do Tribunal administrativo e Fiscal do Funchal, que deveria lançar mão da via processual civil, com vista a alcançar a tutela jurisdicional do direito que invoca, seja quanto ao reconhecimento do direito de propriedade sobre a parcela de terreno em causa, onde está implantado o muro, seja quanto aos prejuízos que referem ter sofrido com as obras executadas.
12)Em Julho de 2015 o demandante interpelou os demandados, por carta registada com aviso de receção, para desocuparam o muro, e para cumprirem com as regras urbanísticas, designadamente em matéria de afastamentos, bem como para procederem ao pagamento de indemnização pelos danos causados.
13)No ano de 2011, a demandada adquiriu o prédio urbano situado no L. da B. V. n.º ---C.
14)O que sucedeu por meio de escritura pública realizada a 29/04/2011, no cartório Notarial Privado do Funchal, outorgada no livro ----A, de fl. 8 a 9.
15)Desde que adquiriu o prédio a demandada não alterou a sua área.
16)O muro já existia no local há dezenas de anos.
17)O muro sustenta em toda a largura o quintal ou logradouro do prédio da demandada.
18)Há data da aquisição do prédio, o muro tinha uma rede metálica.
19)No ano de 2012 os demandados substituíram os suportes metálicos por suportes em betão, trocaram a rede por outra, mas com a mesma altura e extensão.
20)Os demandados executaram obras de consolidação.
21)Mantiveram a configuração do muro, e revestiram-no com cimento e pintaram-no.

MOTIVAÇÃO:
O Tribunal sustentou a decisão na inspeção judicial realizada aos imóveis das partes, coadjuvado com a prova documental, e testemunhal, bem como nas regras da experiencia comum.

Na inspeção realizada verificou-se que a rua onde os imóveis estão implantados é bastante inclinada, encontrando-se o prédio dos demandados numa cota superior face ao prédio dos demandantes, sendo prédios contíguos.
Constatou-se que, do prédio ---C, provem um cano com um pequeno buraco, que se encontra aberto, o qual está junto ao candeeiro municipal e junto ao pilar do portão de acesso ao prédio com os n.º ---A e B.
No logradouro do prédio n.º ---A e B, junto ao muro em litígio, situa-se uma pequena arrecadação, cujo telhado é em chapa de zinco, a qual é sustentado por uma estrutura em madeira, estando uma parte desta embutida no referido muro. Esta estrutura, precisamente na zona junto ao muro, possui os barrotes a apodrecerem, com manchas de humidade e com pedaços ocos. Também o próprio, muro na zona junto às chapas de zinco possui manchas de humidade. Mais se verificou que o muro faz de parede da arrecadação.
Esta arrecadação está cheia de utensílios, nomeadamente fechaduras, parafusos, pregos, verificando-se que alguns estão enferrujados.
Pelo exterior, na rua do L. da B. V., verificou-se que a parte de baixo de muro, objeto dos autos, é em pedra e revestido em cimento, o que se constatou a olho nu, pois a parte do muro que deita para a via pública não tem cimento.
No logradouro do prédio ---C, verificaram-se as alterações realizadas no muro. Nomeadamente viu-se que atualmente possui uma rede metálica de cor verde, que foi colocada entre os 5 pilares de cimento que foram colocados ao longo do muro. No entanto, na parte final do muro, aquela que deita para a via pública, não sofreu qualquer alteração.
A testemunha, J. C. A. C. e S., residiu na casa que é atualmente dos demandantes, tendo conhecimento de como era quando lá viveu. Auxiliou na prova dos factos 1,2,3, 16,17.
A testemunha, M. M. A. C., é vizinha das partes, residindo no local há anos. Tem conhecimento pessoal dos factos, tendo um depoimento claro e isento. Auxiliou na prova dos factos n.º1,2,3,4, 16, 18, 19,
A testemunha, R. R. G. C., realizou trabalhos de construção civil aos demandantes antes dos factos e também na altura das obras de alteração do muro. Conhecendo pessoalmente o local, teve um depoimento esclarecedor e isento. Auxiliou na prova dos factos com os n.º1, 2, 3,4, 5, 6
A testemunha, A. E. de S., frequenta a casa dos demandantes Auxiliou na prova dos factos n.º2,3, 4, 5, 6, 7.
A testemunha, R. M. M. M., é técnico de construção civil, e conhece o local por passar nele diariamente. Conheceu os demandados em 2011 quando lhe pediram a opinião profissional e auxilio na área da construção devido á compra deste imóvel, acompanhado de perto as alterações que realizaram no muro. Auxiliou na prova dos factos com os n.º 19, 20 e 21.
A testemunha, R. M. M. T., é engenheiro civil, sendo o autor do relatório técnico que os demandados juntaram aos autos, de fls. 177 a 186. Auxiliou na prova dos factos com os n.º 17, 20, 21.
A testemunha, N. F. C., é morador no local há muitos anos. Tem conhecimento pessoal dos factos, tendo um depoimento claro. Auxiliou na prova dos factos n.º1, 2, 16,18,19 e 21.
A testemunha, R. C. V., é colega de profissão de um dos demandados, sendo visita habitual da casa, tendo presenciado as alterações que foram executando, tendo conhecimento pessoal dos factos. O seu depoimento foi isento. Auxiliou na prova dos factos com os n.º11, 15, 18, 19, 21.
Os factos complementar de prova com o n.º 13 e 14, resultam do documento junto de fls. 169 a 172.
Os factos não provados resultam da ausência de prova, nomeadamente que os demandados tenham construído o muro na propriedade dos demandantes, que tivessem retirado e alargado o esgoto.

III- DO DIREITO:
O caso dos autos prende-se com o litígio sobre a propriedade de um muro, a realização de obras e danos.
Questões: propriedade do muro, esgoto, danos, prescrição e indemnizações.

No que diz respeito á primeira questão a propriedade não se encontra definida no C.C., mas sim caracterizada pelo seu conteúdo. Este é um direito real de gozo, incidindo sobre coisas corpóreas (art.º 1302 do C.C.).
Quanto ao seu conteúdo, o proprietário, goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa que lhe pertence, dentro dos limites da lei e com observação das restrições por ela impostas (art.º 1305 do C.C.).
Significa que os direitos do proprietário da coisa sofrem algumas restrições, derivadas do conteúdo do seu próprio direito, da lei e do direito dos vizinhos.
Na propriedade o direito real incide sobre a totalidade da coisa que constitui o seu objeto, que no caso em apreço será o imóvel, de natureza urbano (art.º 204, alínea a do C.C.).
Embora os demandados aceitassem que todos são proprietários do prédio com o número de polícia 34-C, a verdade é que resulta da escritura de compra e venda, que os próprios juntaram de fls. 169 a 172, que apenas a demandada é a proprietária, pois é assim que consta do título aquisitivo.
Ora a propriedade não é confundível com o facto de todos residirem no mesmo imóvel, como resulta da respetiva identificação no r.i. Não obstante, em nada afeta que o pedido possa ser dirigido a todos, uma vez que os actos individuais de qualquer pessoa, pode afetar a propriedade alheia, danificando-a, ou até, de forma abusiva aproveitar-se.

No caso em apreço, os prédios de ambas as partes estão descritos na Conservatória do Registo Predial do Funchal, conforme documentos juntos a fls. 18 a 20, e também de fls. 112 a 114.
Todavia, pela análise da descrição que consta no registo predial de cada um dos prédios, não consta qualquer referência ao muro, mas somente a área total de cada um dos prédios, bem como as áreas parciais referentes á parte coberta e ao respetivo logradouro, pelo que através destes não é possível aferir a propriedade do muro.
Para além disso, da notificação proveniente da autoridade tributária, junto a fls. 16, também não é possível extrair a conclusão que o muro pertence á propriedade dos demandantes, já que apenas consta o tipo de imóvel, com o número de pisos, área do terreno e área de implantação do prédio, elementos necessários para perceberem a avaliação efetuada ao imóvel, para efeitos de IMI.
Segundo foi apurado pelas declarações das testemunhas, J. C. A. C. e S., M. M. A. C. e N. F. C., os prédios das partes faziam parte de um grande prédio, o qual pertencia ao mesmo proprietário que identificaram como sendo A. da M. Mais acrescentaram que, o referido senhor foi construindo naquele terreno vários prédios urbanos para arredamento ou venda, e posteriormente foi desanexando algumas parcelas, o que se terá passado há mais de 60 anos.
Estas declarações foram consideradas como relevantes para a questão em litígio, pois vão ao encontro do documento junto aos autos a fls. 114, no qual consta as inscrições no registo predial referente ao prédio dos demandantes. Pela análise deste, pode ver-se que tem como primitivo proprietário o referido A. T. da M. e mulher S. da C. R. da M.
Para além disso, no mesmo documento pode verificar-se que o prédio dos demandantes foi desanexado de um outro, designado por prédio mãe, o qual seria um prédio misto, conforme parece resultar dos documentos a fls. 115.
Quanto ao prédio dos demandados, resulta, também, das declarações das mencionadas testemunhas, J. C. A. C. e S., M. M. A. C. e N. F. C., que provém também do mesmo prédio mãe, o que, se pode verificar ao analisar o documento junto a fls. 115, no qual consta que o prédio com a inscrição matricial sob o art.º 1912, atualmente propriedade da demandada, foi desanexado do prédio misto pela Ap. 20/---------.
Do exposto concluo que os destaques que foram feitos e que deram lugar às desanexações matriciais, não deviam ter obedecido a qualquer projeto ou ordem, pois terá ocorrido há pelo menos 60 anos. Na realidade, nessa época não era necessário preencher os mesmos requisitos legais que vigoram atualmente, pelo que por vezes há coincidência de áreas nas descrições dos prédios contíguos, sem que na prática isso se verifique, pois os prédios estão perfeitamente delimitados.
Parece ser isso que se verifica nas reclamações dos demandantes em relação á área total do prédio, pois na realidade não será aquela que consta da caderneta e do registo, embora o Tribunal não possa confirmar as áreas dos prédios, uma vez que não possui elementos para o fazer, nem tal lhe foi pedido.
Porém, daí atribuírem o facto aos demandados é um facto completamente diverso, sendo que é isso que transparece dos art.º 2 e 4 do r.i, ao referirem que ocuparam 10m2 do prédio deles, embora também não seja bem isso que consta das reclamações de áreas que apresentaram nas finanças, como se pode ver nos documentos juntos de fls. 23 a 26.
Na realidade, provou-se, ainda, que a demandada adquiriu o respetivo imóvel em 2011, e a descrição deste prédio não sofreu qualquer alteração até ao presente. Ora, os demandantes nem podiam desconhecer que as divergências de áreas nada têm que ver com algum facto praticado pelos demandados, pois a reclamação que apresentaram nas finanças terá que ser necessariamente anterior á data que consta do ofício n.º 757, a 11/03/2010, documento 7 junto a fls. 23, o qual já é a resposta daquela entidade a um pedido de correcção de áreas, conforme se verifica pela sua análise.
Mais se acrescenta que, o demandante terá pelo menos apresentado reclamação junto das Finanças a 30/01/2009, conforme se pode ver pelo documento 68 junto a fls. 110.
Ou seja, a haver alguma divergência de áreas na propriedade dos demandantes, derivará de um facto anterior á data de aquisição do prédio com o número de polícia ---C pela demandada, pelo que nada lhe pode ser imputado a esse respeito.

No que diz respeito ao muro, verificou-se na inspeção realizada ao local, que este é o único muro existente, o qual faz a separação dos dois prédios, sendo por isso os prédios confinantes.
Todavia, situa-se o prédio da demandada numa cota ligeiramente mais a cima, uma vez que a rua onde ambos se situam é bastante inclinada, o que, também, se constatou.
Este muro tem como função delimitar a propriedade de cada uma das partes, por outro lado tendo em consideração a localização de cada um dos prédios face ao local onde se encontram implantados é, igualmente, de considerar que tem a função de suporte de terras.
Tendo em consideração as declarações das testemunhas referidas, ao que acresce o que o próprio Tribunal constatou na inspeção realizada aos imóveis, não existe qualquer outro muro que sirva de delimitação da propriedade de cada uma das partes, depois porque a pessoa que construiu, ou mandou construir, os imóveis das partes era a mesma, o primitivo proprietário do terreno, e por fim porque não existe no referido muro qualquer sinal que permita conclui que o mesmo pertence a uma propriedade em concreto, pelo exposto terei de concluir que se está face a um muro comum, atendendo ao facto que nenhuma das partes conseguiu elidir a presunção legal, constante do art.º 1371, n.º1 do C.C.
Acrescenta-se que, o próprio demandante, numa das reclamações que efetuou junto da Procuradoria da República, reconheceu que o muro até será comum, veja-se o documento 24, junto a fls. 57, e também referiu o mesmo na 2ª reclamação apresentada junto da C.M.F. datada de 25/07/2012, conforme consta do documento junto de fls. 54 a 55.

Requerem, ainda os demandantes, a reposição do muro na situação em que estava antes da intervenção efetuada pelos demandados, isto equivale á repristinação/reconstituição da situação primitiva.
A contiguidade e a proximidade existente entre prédios faz com que o exercício dos direitos reais se projecte ou se possa projectar sobre o prédio vizinho, ou melhor, sobre o interesse de quem sobre eles detém direitos.
Por esta razão a lei estabelece limitações ao exercício dos direitos que advém das relações de vizinhança.
No caso em apreço temos um muro que será comum às partes, conforme já se referiu. Este muro foi objeto de uma pequena alteração, mas apenas na parte de cima, o que terá sucedido em data não concreta do ano de 2012.
Essa alteração consistiu na colocação de pequenos pilares, onde existia anteriormente suportes metálicos, e substituíram a rede por outra, de malha diferente. Para além disso, revestiram essa parte do muro com cimento e pintaram-no, conforme assim admitem na contestação e se pode verificar que existia, na inspeção realizada.
Devido a estas alterações efetuadas pelos demandados, os demandantes apresentaram várias queixas a entidades destintas, conforme resulta da extensa documentação que juntaram aos autos, de fls. 45, 46, 54 a 55, e 83 a 84.
Porém, tal como também admitem, as reclamações foram arquivadas, e saliente-se que as obras realizadas foram consideradas de escassa relevância urbanística, documento 26 junto a fls. 60.
Não obstante, cumpre verificar melhor o teor do art.º 1371, n.º1 do C.C., pois a presunção legal funciona da seguinte forma, se os imóveis forem iguais o muro divisório presume-se comum em toda a altura, mas se os imóveis forem diferentes será comum até á altura do imóvel inferior.
Significa isto que a parede divisória será comum até á altura do edifício inferior, e daí para cima é de considerar como propriedade exclusiva do prédio mais alto.
Ora como os imóveis das partes não são iguais, encontrando-se o imóvel da demandada numa cota superior face ao dos demandantes, o que se constatou ao efetuar a inspeção ao local, é de considerar que a parte do muro onde efetuaram as alterações é propriedade exclusiva da demandada.
Perante o exposto conclui-se que nada tem a repor, uma vez que aquela parte do muro é propriedade dela, e como tal o proprietário pode dispor do que é seu desde que não prejudique o próximo, que no fundo são os seus vizinhos, ora demandantes.

Quanto á questão do cano, efetivamente na inspeção realizada aos prédios das partes o Tribunal constatou a existência de um cano, cuja parte final situa-se junto ao candeeiro municipal e ao portão de acesso ao imóvel dos demandantes, no entanto desconhece-se se apenas trata de escoamento de águas pluviais que provenham do logradouro do prédio da demandada ou se se trata de um cano de esgoto, como alegam os demandantes.
Porém, em relação a este não foi feita qualquer prova que os demandados tivessem colocado este cano nas obras que realizaram em 2012. Nenhuma das testemunhas apresentadas pelas partes fez referência ao cano, e como tal não se provou qualquer alteração de canalização.

Em relação aos danos patrimoniais, O princípio geral que rege a matéria da responsabilidade civil é o consignado no artigo 483° do C.C. segundo o qual “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, incumbindo ao lesado provar a culpa do autor da lesão, de acordo com o disposto no art.º 487, nº1, do C.C.

Assim, são pressupostos do dever de reparação: a existência de um facto voluntário do agente; a ilicitude desse facto; a existência de um nexo de imputação do facto ao lesante; que da violação do direito subjectivo ou da lei resulte um dano; que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima de forma a poder concluir-se que este resulta daquela, in Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I Vol., 1986, 477/478.

De acordo com o art.º 487, n.º 1, do CC, a prova da culpa do lesante na produção do evento danoso incumbe ao lesado.

A propriedade das coisas não foi contestada pelos demandados. No que diz respeito á chapa metálica que serve de cobertura á arrecadação, não se verificou na inspeção realizada ao local que estivesse danificada. Aliás o que se verificou foi que alguns barrotes de madeira que suportam a referida chapa estão a apodrecer, o que se verifica na zona junto ao muro comum, o qual serve de parede aquela arrecadação. Por outro lado, também não foi feita prova que a mesma tivesse sido danificada e entretanto tivesse sido reparada ou substituída pelos demandantes, pelo que não se pode dizer que tenha ocorrido danos.
Como não fizeram prova do dano que alegaram ter, terei de indeferir este pedido, pois não estão preenchidos todos requisitos legais, necessários á procedência deste pedido.
Quanto aos outros bens, existentes no interior da mesma arrecadação, na inspeção ao local pode-se verificar que efetivamente alguns bens encontram-se enferrujados. Contudo, não se contaram, nem foi provado em concreto, quantos objetos assim se encontram.
Para além disso, também, não foi provado em concreto qual o valor desses bens.
Por fim, para que se possa dizer que a ferrugem que se verificou existir em alguns desses objetos, nomeadamente nas fechaduras e pregos, é necessário que se estabelece e prove o nexo causal entre o dano (ferrugem) e o facto praticado pelos demandados, obras (art.º 563 do C.C.).
De facto, está provado que os demandados realizaram obras, para consistência do muro, o que sucedeu em data não concretamente apurada do ano de 2012.
Mais se provou que nas obras realizadas substituíram a rede metálica existente por outra, a qual foi colocada com recurso a pilares que embutiram no muro, tendo revestindo-o a cimento e pintaram-no.
Verificou-se que uma das parede da arrecadação é precisamente o muro comum, e neste muro está embutido uma parte dos barrotes de madeira que servem de sustentação á referida chapa, a qual encontra-se encostada ao muro.
Constatou-se, na inspeção realizada, que o muro que serve de parede da arrecadação tinha sinais de ter entrado água, pois notava-se a existência de uma marca de escorrimento de água na zona onde se encontram os barrotes embutidos.
Para colocarem os pilares de cimento, assim como para revestirem a parte superior do muro, necessariamente tiveram de usar água, cimento e areia, conforme decorre da experiencia comum.
Era possível que nessas obras pudesse ter entrado alguma água, assim como, também, é possível que entre água quando chove, o que deriva do facto de a chapa apenas se encontrar colocada por cima da estrutura e junto ao muro, sem grande preocupação de estanquicidade, permitindo assim a entrada de humidades, o que resulta da experiencia comum.
Porém, para que a realização da referida obra seja a causa em concreto de ter ocorrido a oxidação de alguns bens era necessário que tivessem provado que os bens na ocasião das obras estivessem no interior da arrecadação, bem como o seu estado antes e depois da realização das obras.
E, nada disto foi provado, motivo pelo qual se indefere a pretensão dos demandantes, já que não estão reunidos os requisitos legais exigidos para a sua procedência.
Mesmo que assim não se entenda, os demandados alegaram que a existir danos, ocorreu a prescrição do direito, cumpre assim verificar.
A prescrição é uma causa de extinção de um direito, por não ter sido exercido durante um período de tempo estabelecido por lei (art.º 298 do C.C.).
Tendo em consideração os danos alegados e o pedido de indemnização requerido, a lei estabeleceu o prazo de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito (art.º 498, n.º1 do C.C.).
Na realidade provou-se que as obras foram realizadas em data não concreta do ano de 2012, e que os demandantes desde essa altura que têm conhecimento desse facto, bem como dos danos, o que se conclui pelas reclamações que têm efetuado, algumas realizadas em 2012, conforme resulta dos documentos 11 e 17, de fls. 30 a 31, e 45.
Porém, só intentaram a ação a 2/05/2016, o que significa que o prazo de 3 anos já decorreu, pelo que se conclui que o direito de serem indemnizados prescreveu.
Quer isto dizer que a ação, quer de uma forma quer de outra, estaria sempre irremediavelmente destinada ao insucesso.

DECISÃO:
Nos termos expostos, julga-se a ação improcedente, absolvendo-se os demandados dos pedidos.

CUSTAS:
São da responsabilidade dos demandantes, devendo proceder ao pagamento da quantia de 35€ (trinta e cinco euros) no prazo de 3 dias úteis, sob pena da aplicação da sobretaxa diária na quantia de 10 (dez euros).
Em relação aos demandados cumpra-se o disposto no art.º da Portaria n.º 1428/2001 de 28/12.

Notificada nos termos do art.º 60, n.º2 da L.J.P.

Funchal, 31 de maio de 2017

A Juíza de Paz
(redigido pela signatária, art.º 131, n.º5 do C.P.C.)

(Margarida Simplício