Sentença de Julgado de Paz
Processo: 285/2017-JPCNT
Relator: ISABEL BELÉM
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
Data da sentença: 03/09/2018
Julgado de Paz de : CANTANHEDE
Decisão Texto Integral:
I-IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandantes: A, casada, e
B, solteiro.
Demandada: C - Companhia de Seguros, S.A.,

II - OBJECTO DO LITÍGIO

Os Demandantes instauram a presente ação declarativa com vista à assunção de responsabilidade emergente de acidente de viação, ocorrido a 14.02.2015 , entre o seu motociclo de matrícula 5X-JT-1X, conduzido, à data, pelo Demandante seu filho, e o veículo de matrícula 7X-BA-2X, seguro na Demandada, peticionando o pagamento global de € 4.719,00, sendo €1300,00, para a Demandante e €3.409,00 para o Demandante.

Para tanto, alegaram os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 1 a 11, cujo teor se dá por reproduzido, alegando que o acidente se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na Demandada. Juntou documentos.
Regularmente citada a Demandada contestou, por impugnação, alegando que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do Demandante, pugnando pela improcedência da ação. Juntou um documento.
No dia designado para a audiência de julgamento estavam presentes demandante e demandado, ambos acompanhados por advogados, a qual se realizou com obediência às formalidades legais, como da ata se infere.
Fixo o valor da causa em € 4.719,00
A alínea c) do nº 1 do artigo 60º da Lei nº 78/2001, de 13/7, alterada pela Lei 54/2013, 31/7, estatui que, nas sentenças proferidas, deve constar uma “sucinta fundamentação”, o que se procurará fazer de seguida.

III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
A - Factos provados:

1. A Demandante é dona e legítima proprietária do motociclo de matrícula 5X-JT-1X;
2. No dia 14 de Fevereiro de 2015, pelas 14h30, no cruzamento da Rua Dr. XX com a EN 234, na freguesia de Corticeiro de Baixo, em Cantanhede, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o motociclo de matrícula 5X-JT-1X, doravante designado por JT, propriedade da Demandante e conduzido, à data dos factos, pelo filho, e também Demandante, B e o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula 7X-BA-2X, doravante designado por BA, propriedade de MF e conduzido, à data dos factos pelo marido AP;

3. O local do acidente configura um cruzamento da Rua Dr. Luís Rosete com a EN 234, sendo que, atento o sentido Corticeiro de Baixo-Vilamar, antes do cruzamento da Rua Dr. Luís Rosete com a EN 234, a via configura uma ligeira curva à direita, de visibilidade reduzida, uma vez que não se vê a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de, pelo menos, 50 metros;

4. No sentido contrário, ou seja, no sentido Vilamar-Corticeiro de Baixo, e imediatamente antes do aludido cruzamento, existe uma Rua – Rua Joaquim Vila Ramos - que entronca à esquerda da Rua Dr. Luís Rosete;

5. Quer o cruzamento quer o entroncamento supra identificados são regulados por sinalização semafórica que se encontrava, à data do acidente, em condições de perfeito funcionamento;

6. Na altura o tempo estava de chuvisco e o piso escorregadio;

7. A velocidade máxima permitida no local é de 50 Kms/hora, tratando-se de uma via situada dentro de uma localidade, ladeada por casas de habitação e estabelecimentos comerciais;

8. Nas circunstâncias de tempo e lugar acima referidas, o Demandante circulava na Rua Dr. Luís Rosete, no sentido Corticeiro de Baixo-Vilamar pela hemifaixa de rodagem direita, atento o referido sentido de trânsito;

9. O veículo BA, seguro na Demandada, circulava na Rua Dr. Luís Rosete na localidade Corticeiro de Cima, no sentido Vilamar / Carapelhos, desconhecendo-se, porém se o mesmo provinha da acima referida Rua Joaquim Vila Ramos - que entronca à esquerda da Rua Dr. Luís Rosete, ou se de Vilamar;

10. O veículo BA pretendendo mudar de direção no sentido de Carapelhos ocupou parte da hemifaixa de rodagem da esquerda por onde circulava o motociclo JT;

11. O Demandante quando se apercebe do veículo BA trava o motociclo e este desliza para a esquerda, invadindo a hemifaixa de rodagem da direita da Rua Dr. Luís Rosete, atento o sentido Vilamar-Corticeiro de Baixo;

12. Acabando o motociclo JT por embater na frente direita do veículo BA;

13. Após o embate o motociclo JT ficou imobilizado junto à frente do veículo BA;

14. Por sua vez, o veículo BA ficou atravessado na faixa de rodagem, com a traseira a ocupar parte da hemifaixa de rodagem direita da Rua Dr. Luís Rosete, atento o sentido Corticeiro de Baixo - Vilamar, e com as rodas dianteiras do veículo viradas para a esquerda, e com a traseira a pelo menos uma distancia de 2m da berma, e a frente a pelo menos uma distância de 1,30m;

15. A via de circulação onde se deu o acidente tem uma largura ente 6 a 6,5 metros, sem marcas a dividir a faixa de rodagem em duas partes;

16. Em consequência do embate sofrido, o motociclo FT ficou bastante danificado, danos esses que, de acordo com a peritagem efetuada pelos serviços técnicos da Demandada, determinaram a sua perda total, pois que, o valor estimado para a sua reparação (€ 1.722,00) era superior ao seu valor venal (€ 1.500,00), valendo o salvado cerca de € 190,00;

17. A Demandante, após a realização da peritagem ao seu motociclo, aguardou que a Demandada procedesse à regularização do sinistro, procedendo ao pagamento do valor comercial do veículo à data do acidente mas a Demandada não assumiu a responsabilidade pelo sinistro e não procedeu a esse pagamento;

18. O motociclo, à data do acidente, tinha um valor comercial de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) e aos salvados que ficou na posse da Demandante foi atribuído, pela Demandada, um valor de € 190,00;

19. Em consequência do acidente supra descrito ficaram ainda danificados os seguintes objetos do Demandante: um telemóvel, no valor de € 689, que o Demandante tinha adquirido pouco tempo antes do acidente, em 24.10.2014; umas calças e um capacete;

20. Na sequência do acidente, o Demandante foi transportado de urgência para o Centro Hospital e Universitário de Coimbra - EPE, onde, por apresentar equimose e dor na zona inguinal e dores no punho direito e pé esquerdo, foi submetido a RX à coluna cervical, à grelha costal, ao punho, ao pé, à anca e ao tórax, bem como a ecofast e a ecografia abdominal (à bacia e ao abdómen superior),e onde foi observado nas especialidades de cirurgia e ortopedia;

21. Após o que lhe foi diagnosticada equimose na zona inguinal com dor a adução, escoriações nas coxas, entorse do punho direito ao nível da rádio-ulnar distal, distensão/contusão de adutores das ancas, sendo a adução ativa ou flexão da anca incapacitante por dores;

22. Tendo tido alta hospitalar nesse mesmo dia com recomendação dos cuidados a observar e com orientação terapêutica, designadamente com a indicação de colocação de gelo local a cada 2-3 horas, durante pelo menos 2/3 dias, repouso, uso de tala amovível para beneficiar a imobilização do punho direito, mão elevada, e com prescrição de toma de medicação;

23. Nos dias que se seguiram ao acidente, o Demandante permaneceu em casa, em repouso absoluto, seguindo as indicações e as prescrições que lhe foram dadas pela equipa médica que o assistiu;

24. Como cerca de uma semana após o acidente as dores pélvicas se mantinham e como o Demandante passou a sentir dores no testículo esquerdo e dificuldade de micção, no dia 20.02.2015 deslocou-se ao Centro de Saúde de Cantanhede – Extensão USF As Gandras a fim de aí ser assistido;

25. Após observação, e uma vez que o Demandante apresentava dor intensa ao nível do períneo e dor à palpação testicular esquerda, havendo suspeitas de lesão da uretra e lesão pélvica, foi reencaminhado novamente para o Centro Hospital e Universitário de Coimbra – EPE ;

26. Nessa unidade hospitalar o Demandante foi novamente observado e submetido a ecografia inguino-escrotal, tendo tido alta hospital nesse mesmo dia, com indicação de realizar analgesia em SOS e com possibilidade de ser orientado para consulta de urologia caso persistissem as queixas urinárias ;

27. As lesões sofridas pelo Demandante provocaram-lhe dores físicas tanto no momento do acidente como durante cerca de um mês após o acidente, designadamente ao nível do punho direito e das ancas, mas sobretudo ao nível da zona pélvica e em especial na zona dos testículos;

28. Dores essas que o impediram de fazer a sua vida normal, ou seja, de realizar por si as mais simples tarefas diárias, e que o obrigaram a ficar cerca de três semanas em casa, em repouso;

29. Durante os primeiros quinze dias após o acidente o Demandante, em virtude dos hematomas e das dores intensas na zona inguinal, sentiu dificuldades em movimentar o corpo, o que passou a ser fonte de limitação nos seus movimentos e atividades;.

30. Na mente do Demandante permanece até hoje a dúvida sobre se, na sequência das lesões sofridas, terá ficado infértil, já que os médicos que o assistiram não excluíram essa possibilidade, o que muito o perturba e afeta;

31. O Demandante, algum tempo após o acidente, não conseguiu andar de moto por medo e perturbação;

32. Assim, na sequência do acidente o Demandante teve e ainda tem medos, receios e apreensões;

33. O veículo BA, à data do acidente, tinha a responsabilidade civil inerente à sua circulação transferida para a ora Demandada, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº 7XXXXXXX1;

34. Das condições particulares da apólice suprarreferida consta como titular o condutor do veículo BA;

35. Na data do acidente em apreço, havia seguro válido.


B - Factos não provados:
Com interesse para a causa, não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa, nomeadamente que:
a) Que o condutor do motociclo JT circulava o mais próximo possível da berma direita, atento o referido sentido de trânsito, a velocidade moderada nunca superior a 40 Kms/hora, atentamente e no cumprimento de todas as demais regras estradais;

b) Ao aproximar-se do suprarreferido cruzamento, o Demandante reduziu a velocidade já de si moderada a que circulava e,

c) Após constar que o sinal semafórico ali implantado se encontrava com a cor verde, e uma vez que pretendia seguir em frente, prosseguiu a sua marcha à velocidade moderada a que a que circulava;

d) O condutor do veículo BA, que provinha da referida Rua Rua Joaquim Vila Ramos que entronca à esquerda da Rua Dr. Luís Rosete, ao invés de, nesse entroncamento, parar em obediência ao sinal vermelho que se lhe apresentava, prosseguiu a sua marcha, mudando de direção à esquerda, ou seja, em direcção a Corticeiro de Baixo, fazendo-o de forma oblíqua em relação ao eixo da via em que pretendia ingressar;

e) O condutor do veículo BA travessou-se inopinadamente à frente do motociclo FT conduzido pelo Demandante, cortando-lhe a sua linha de trânsito;

f) O condutor do veiculo BA, quando estava a terminar a manobra de mudança de direcção para a direita e a circular na sua faixa de rodagem, deparou-se com o veiculo JT a circular fora -de- mão, descontrolado e em excesso de velocidade;

g) O Demandante, face ao veículo que conduzia- motociclo – tinha espaço suficiente para prosseguir a sua marcha;

h) o condutor do veículo BA é funcionário da sua proprietária, Maria de Fátima Lopes Francisco e, à data dos factos, circulava no exercício das respectivas funções e em cumprimento de ordens emitidas pela própria entidade patronal, seguindo também por um itinerário por aquela previamente determinado.

C- Convicção:
A convicção do Tribunal para a factualidade dada como provada foi adquirida através da análise crítica e ponderada, à luz das regras da lógica e das máximas da experiência de vida, do teor dos documentos juntos aos autos, da inspeção ao local e, ainda, das declarações do demandante e dos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência final.
Mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa.
Assim, os factos descritos em 2 a 7, 16 a 18 e 33 e 35 foram dados como provados com base na admissão dos mesmos pelas partes, nos articulados,.
Os facto assentes sob a os nºs 1, e 19 a 32 e 34 resultam do teor dos documentos de fls. 12 e 13 e de fls. 23, 24 a 29, 46 a 48 e 64 a 67 , conjugados com o depoimento das testemunhas Paulo Jorge Cruz Santos e Filipe Daniel Costa Santos, respetivamente pai e irmão do demandante e marido e filho da demandante, os quais depuseram, no essencial, sobre os danos sofridos pelos demandantes, e que se mostraram credíveis nessa parte.
Os factos dos pontos 8 a 14 resultam do depoimento das testemunhas e declarações do demandante, conjugados com a posição em que ficaram os veículos após o embate, e, parcialmente, com o croqui de fls. 17 e as fotografias de fls. 18 e 19.
A testemunha AP, condutora do veiculo BA, foi ouvida no local e sustentou a versão da Demandada declarando que vinha de Vilamar e estava a fazer a curva para virar em direção a Carapelhos quando foi embatido pelo motociclo JT, só se apercebendo deste quando já vinha descontrolado. Admitindo que ao fazer a curva pudesse estar a ocupar parte da hemifaixa de rodagem contrária, mas que ficou muito espaço para o Demandante passar.
Por sua vez o Demandante, sustentando, no essencial, a versão alegada no seu requerimento inicial, declarou ainda que quando se apercebeu do BA atravessado na sua faixa de rodagem, travou o motociclo e este continuou em deslocação, deslizando para a esquerda vindo a embater na frente do BA.
No local, a testemunha foi confrontada com a declaração do demandante, ambos mantendo as suas versões, divergindo quanto à dinâmica do acidente, incluindo quanto ao local exato do embate.
Pelo que, do confronta desses depoimentos com a posição em que ficaram os veículos após o embate, bem como dos documentos já referidos, apenas resultaram provados os factos descritos em 8 a 14.
A testemunha RL, amigo do Demandante, única testemunha que declarou ter presenciado o acidente, disse0 que se encontrava no interior de um veículo parado no semáforo na Rua com o sentido Carapelhos / EN324, e que viu o condutor do veículo BA a vir de frente, do lado de Cantanhede, atravessando a estrada sem fazer a perpendicular, e que o fez estando o semáforo vermelho, pois se o dele estava verde o do condutor do BA teria de estar fechado. Declarou ainda que o Demandante que seguia na sua faixa de rodagem a uma velocidade normal ao aperceber-se da carrinha à sua frente, travou, tendo o motociclo virado à esquerda e acabando por embater no BA. Quanta a esta testemunha o tribunal não ficou convencido que a testemunha estivesse no local que indicou e menos ainda que tivesse presenciado todo acidente, desde logo porque desse local a visibilidade é muito reduzida em relação ao condutor do BA e praticamente nula em relação ao demandante.
Acresce que no local o demandante e a testemunha AP não foram coincidentes quanto ao local do embate. Esta testemunha referiu que o embate se deu na curva de mudança de direção, o demandante disse ter sido uns metros abaixo e, se assim foi, então menos visibilidade tinha a testemunha Ricardo para ver a manobra levada a cabo por aquela testemunha.
Por outro lado, esta testemunha demonstrou envolvimento emocional e parcialidade pelo que tal depoimento, por si só não revelou grande credibilidade.
Os facto descrito em 15 resultou da inspeção ao local.
Quanto aos factos não provados, resultaram da falta de prova credível quanto aos mesmos ou da prova do seu contrário.
Refira-se que na inspeção ao local tentou-se determinar, com base no croqui de fls. 17, o local exato do embate, bem como o espaço ocupado pelo veículo BA na hemifaixa contrária, o que não foi possível uma vez que o mesmo não está feito à escala e os dados aí fornecidos não serem suficientes para esse efeito.
Acresce que o agente da GNR não compareceu para depor, pelo que não foi possível confrontá-lo com o croqui por si elaborado, com vista aos esclarecimento cabal do teor do mesmo.
Também por essa razão os documentos de fls. 68 a 77, no que se refere à posição dos veículos e às distâncias aí indicadas, feitos pela testemunha GO, com referencia ao croqui, também não se revelam rigorosos.

IV – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Os Demandantes moveram a presente ação contra a Demandada pedindo a condenação desta no pagamento de indemnização que cifram em €4.719,00, por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, em consequência do acidente de viação relatado.
Estamos, assim, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, pelo que incumbe aos Demandantes o ónus da prova de todos os respetivos pressupostos previstos no art. 483º do Código Civil (doravante CC), designadamente da verificação dos danos que invocam e do nexo de causalidade entre eles e o acidente dos autos, por forma a poder concluir-se que os mesmos tiveram origem no referido acidente
De acordo com aquele citado artigo "Aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”
A responsabilidade civil extracontratual assenta, assim, numa conduta humana, violadora do direito de outrem ou de qualquer disposição legal que vise proteger interesses alheios — comportamento ilícito. Para que desse facto resulte a consequente responsabilidade, necessário se torna, à partida, que o agente possa ser censurado em razão precisamente de não ter agido como podia e devia de outro modo, isto é que tenha agido com culpa.
O art. 487º, nº 1 do CC faz recair sobre o lesado o ónus da prova da culpa do lesante, salvo havendo presunção legal de culpa. Ora, o artigo 503º, nº 3 do CC estabelece uma presunção legal de culpa do condutor de veículo por conta de outrem, invertendo, por isso, o ónus da prova.
A presunção de culpa prevista no artigo 503 n.3 do CC (condução de veículo " por conta de outrem ") exige uma relação de comissão, no sentido de serviço ou atividade por conta de outrem, facto que é constitutivo do direito do lesado, pelo que a este cabe a sua prova.
Porém, não resultou provado que o condutor do veículo BA é funcionário da sua proprietária, Maria de Fátima Lopes Francisco e, à data dos factos, circulava no exercício das respetivas funções e em cumprimento de ordens emitidas pela própria entidade patronal, seguindo também por um itinerário por aquela previamente determinado. Ao invés, apurou-se que o condutor do BA foi o tomador do contrato de seguro celebrado com a Demandada e que é marido da referida Maria de Fátima, pessoa em nome da qual se encontra registado o veículo.
Assim, fica afastada a presunção legal de culpa constante da 1ª. parte do nº. 3 do artº. 503º., do CC.
Isto posto, cabe apurar se o acidente é ou não atribuível a culpa (exclusiva ou concorrente) dos condutores nele intervenientes.
O ónus de prova dos factos integrantes da culpa no quadro da responsabilidade civil extracontratual, se não houver presunção legal da sua existência, cabe a quem com base nela faz valer o seu direito (artigos 342.º, n.º 1 e 487.º, n.º 1, do CC.
O artigo 487.º, n.º 2, do CC consagra um critério legal de apreciação da culpa conforme à diligência de um homem normal, medianamente prudente e cuidadoso, em face do condicionalismo próprio do caso concreto.
Assim, a diligência relevante para a determinação da culpa é a de uma pessoa normal em face do circunstancialismo do caso concreto, pelo que, no âmbito da atividade da condução automóvel, a pessoa normal há de ser aquela que atua no âmbito da condução de veículos automóveis.
A culpa, como já supra referido, exprime um juízo de censura em relação ao lesante, por, em face das circunstâncias do caso concreto, dever e poder agir de outro modo.
Importa não esquecer que a circulação rodoviária é uma atividade que comporta riscos elevados para os bens jurídicos próprios e de terceiros pelo que se compreende que o seu exercício esteja sujeito a uma regulamentação própria com vista, precisamente a diminuir tal grau de risco e de forma a que a mesma se faça com segurança para as pessoas e os bens.
Em matéria de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, tem sido entendimento da jurisprudência corrente, atribuir-se a culpa na produção do acidente , por presunção judicial (cfr. artigo 351º do Código Civil) ao condutor que violou regras de direito estradal, culpa presumida essa que só resultará afastada se o mesmo vier a provar que aquela contravenção se ficou a dever a circunstâncias anormais que determinaram tal facto, de modo a excluir a culpa, exigindo-se que a ação ou omissão do agente seja uma causa adequada ou provável do evento danoso ou ao seu desencadeamento.
Na circulação estradal é dever geral dos condutores/utentes adotarem uma condução prudente e antes de iniciarem qualquer manobra devem previamente certificar-se de que a mesma não compromete a segurança do trânsito e, . respeitar os limites gerais e especiais de velocidade, regulando-a de harmonia com as circunstâncias concretas. Feito o enquadramento legal e descendo ao caso concreto, considerando os factos dados como provados, há que convocar para a solução do caso as normas que regem a atividade de condução e se alguma, ou mais, foi violada pelos intervenientes no acidente.
Resulta dos factos provados que o veículo BA circulava na Rua Dr. Luís Rosete na localidade Corticeiro de Cima, no sentido Vilamar / Carapelhos, e, pretendendo mudar de direção no sentido de Carapelhos ocupou parte da hemifaixa de rodagem da esquerda por onde circulava o motociclo JT, cortando, pelo menos, parcialmente a linha de transito deste, e que este quando se apercebe do veículo BA trava o motociclo e este desliza para a esquerda, invadindo a hemifaixa de rodagem da direita da Rua Dr. Luís Rosete, atento o sentido Vilamar-Corticeiro de Baixo, vindo a embater no BA.
Ora, daqui decorre que o condutor do BA violou desde logo o disposto no art.13º do CE que dispõe que a posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, a menos que se torne necessário utilizar o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direção. Como violou o disposto no art. 35º do CE que impõe que “ O condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito”. Violou também o disposto no art. 43º que estatui que “O condutor que pretenda mudar de direção para a direita deve aproximar-se, com a necessária antecedência e quanto possível, do limite direito da faixa de rodagem e efetuar a manobra no trajeto mais curto”.
E se violou essas normas, violou também o dever objetivo de cuidado a que estava obrigado (art.3º do CE)
Impunha-se, pois que o condutor do BA ao pretender mudar de direção para a direita o fizesse sem ocupar a faixa de contrária e se não pudesse fazer tal manobra sem ocupar a hemifaixa contrária ainda que parcialmente (o que não logrou demonstrar) sempre estaria obrigado a só poder fazê-lo se daí não resultasse qualquer perigo, tomando as devidas cautelas. No sentido por onde circulava o BA o condutor deste sempre teria possibilidade de ver os veículos que circulavam na hemifaixa contrária, designadamente o motociclo JT, abstendo-se assim de fazer a manobra ou de a fazer com o necessário cuidado, atendendo, além do mais, às características da via e do local.
Daqui se conclui que o condutor do BA não só fez a manobra de mudança de direção ocupando parte da hemifaixa contrária, como o fez de forma desatenta, pois não se apercebeu do JT que circulava na hemifaixa contrária a quem cortou, pelo menos, parcialmente a via de trânsito com aquela manobra,
Assim, não existem duvidas da existência de culpa do condutor do veículo BA seguro pela demandada.
Quanto à conduta do Demandante lesado condutor do motociclo JT resulta dos factos provados que também ele desenvolveu uma atuação causal do acidente que lhe é imputável a título de culpa.
Resulta, em suma, dos factos provados que o condutor do JT circulava na Rua Dr. Luís Rosete, no sentido Corticeiro de Baixo-Vilamar pela hemifaixa de rodagem direita, atento o referido sentido de trânsito, quando se apercebe do veículo BA trava o motociclo e este continua em deslocação e desliza para a esquerda, invadindo a hemifaixa de rodagem da direita atento o sentido de marcha do BA, acabando o motociclo JT por embater na frente direita do veículo BA.
Donde se concluiu que violou as normas previstas nos art. 3º, 13º, nº 1, 24º, nº 1, 25º, nº 1, alíneas c) e h), 27º do CE.
E, sendo assim, a conduta do demandante é violadora do disposto do já acima referido artº 13º, nº 1 do CE, já que o embate ocorreu na hemifaixa de rodagem contrária, pelo que dúvidas não há que a conduta do demandante ao invadir a faixa de rodagem por onde circulava o BA foi causal do acidente.
Alegaram os demandantes que o condutor do veículo BA atravessou-se inopinadamente à frente do motociclo FT conduzido pelo demandante, cortando-lhe a sua linha de trânsito e que este na tentativa de evitar o embate o ainda travou e desviou-se para a esquerda mas, ainda assim, não conseguiu evitar o embate entre a frente do FT, porém tal matéria não ficou demonstrada.
Acresce que, é certo que o artigo 27.º, n.º 1, do CE impõe aos condutores limites máximos de velocidade também o é de que eles são estabelecidos “sem prejuízo do disposto nos artigos 24º e 25º de limites inferiores que lhes sejam impostos”, resultando do disposto no artigo 24.º, n.º 1, do CE “(…) o condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente”, acrescentando, por outro lado, o artigo 25.º, n.º 1, do citado diploma legal, que “ Sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade: (…) c) Nas localidades ou vias marginadas por edificações”; (…) h) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida.
Da conjugação destas normas resulta que a questão da velocidade e do seu excesso tem de ser analisada em face das circunstancias do caso concreto.
Ora, dos factos provados resulta que o Demandante quando se apercebe do BA travou, mas não conseguiu parar, antes deslizando para a esquerda, perdendo o controlo efetivo do motociclo.
Mais resultando provado que o tempo estava de chuvisco e, portanto com o piso molhado; que a zona do acidente é num entroncamento, numa localidade marginada por edifícios de habitação e comércio, com reduzida visibilidade atendendo ao sentido de marcha do JT.
Donde se conclui que o motociclo, além do mais, vinha a velocidade superior àquela que seria exigível, pois não adequou a velocidade ao estado da via e não moderando especialmente a velocidade como lhe era exigível considerando as circunstâncias concretas e dadas como provadas, não conseguindo, por isso, parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.
Impunha-se ao demandante que circulasse na direita da sua hemifaixa de rodagem e que adequasse a velocidade, o que se tivesse ocorrido, sempre poderia fazer uma travagem segura.
Assim, embora não provado que o demandante circulasse a uma velocidade superior a 50Km/hora, o mesmo seguia em excesso de velocidade face ao disposto nos art. 24º, nº 1 e 25º, alíneas c) e h).
Ao não lograr imobilizar o veículo em segurança, antes derrapando vindo a embater no BA na faixa de rodagem contrária, é de concluir com base nas presunções judiciais (artº 351º do CC) que circulava em excesso de velocidade, cometendo as infrações supra referidas as quais foram causais da colisão e, como, tal, reveladoras de um comportamento presuntivamente culposo, presunção esta não ilidida.
Assim, no caso concreto podemos verificar que ambos os condutores circulavam, no momento do acidente em violação das normas estradais supracitadas, reveladoras de comportamentos presuntivamente envolvidos de culpa, o que nos leva necessariamente a considerar a existência de concorrência de culpas na produção do acidente em questão.
Cabendo agora aferir da concreta repartição de culpas entre os intervenientes.
Decorre do disposto no art. 570.º, n.º 1, do Código Civil que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”
Em caso de concorrência de culpas (art. 570.º, n.º 1, do CC), na graduação dessas culpas, há que ter em conta, além do mais, a maior ou menor influência ou medida, em termos de causalidade adequada, da contribuição da conduta de cada um dos condutores intervenientes para a eclosão do sinistro em questão
Perante o quadro factual provado, ambos os condutores dos veículos intervenientes no acidente de viação em causa não tomaram todas as cautelas que lhes eram exigíveis perante as características da via e o estado do piso, ao contrário do que teria feito um condutor médio, colocado na mesma situação, sendo certo que deveriam ter-se certificado previamente que os seus atos de condução não comprometiam, como comprometeram, a segurança do trânsito, devendo e podendo proceder, em face das circunstâncias concretas apuradas, em termos de não a comprometer.
Atendendo ao disposto naquela disposição legal e à gravidade da contribuição de cada uma das partes para a produção do facto danoso e nas consequências que delas resultaram, mostra-se adequado fixar essa contribuição, em 50% para o Demandante e em 50% para o condutor do veículo seguro pela Demandada.
Parece-nos, por isso, adequada a atribuição da proporção de 50% para o ligeiro de mercadorias e de 50% para o motociclo,
Determinada a responsabilidade civil da demandada nos termos atrás expostos, importa agora valorar os danos que resultaram do acidente dos autos e computar a indemnização devida pelo seu ressarcimento, para, seguidamente, fixar o montante pelo qual a mesma será responsável.
De acordo com o disposto nos artigos 562º a 564º e 566º do Código Civil, a obrigação de indemnizar, exigindo um nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e os danos, obrigam o lesante a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação; além de que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor e, não sendo possível averiguar o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Quanto aos danos patrimoniais resulta que em consequência do acidente o motociclo ficou bastante danificado que determinaram a sua perda total, pois que, o valor estimado para a sua reparação (€ 1.722,00) era superior ao seu valor venal (€ 1.500,00), valendo o salvado cerca de € 190,00 -, tendo a demandante peticionado o pagamento da quantia de €1.310,00.
Sendo, portanto tal dano indemnizável, tal como o dano no telemóvel no valor de € 689,00 que o demandante tinha adquirido menos de 4 meses antes do acidente.
Já quanto às calças e ao capacete, não foi feita qualquer prova do valor dos mesmos.
Quanto aos Danos não patrimoniais, sabe-se que apenas se deve atender aos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e que embora não possam anular o mal causado destina-se a proporcionar uma compensação moral pelo prejuízo causado.
Embora a lei não defina o que são os danos merecedores de tutela tem sido entendido unanimemente que integram tal ideia as dores e padecimentos físicos e morais, angústia e ansiedade produzidas pela situação de alguém que sofreu um acidente e as lesões decorrentes, os ferimentos e traumatismos, as dores sofridas que foram fortes nos primeiros dias, bem como os medos e perturbações tidas.
Na fixação do seu valor haverá que ponderar as circunstâncias e critérios definidos no art.º 496.º, n.º 3 ou seja deverá o respetivo montante ser fixado equitativamente tendo em atenção as circunstâncias referidas no art.º 494º C. Civil, a saber “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”.
Assim, considerando as circunstancias descritas e ainda que o montantes indemnizatórios devem ser ajustados sem serem valores meramente simbólicos mas antes reveladores de uma consideração pelo sofrimento dos lesados, considera-se adequado atribuir a este título, a quantia de € 1.500,00.
A responsabilidade da demandada, como seguradora, do veículo automóvel acima identificado é, como se viu, limitada a 50%.
Assim, o valor indemnizatório a cargo da seguradora fixar-se em € 655,00 a favor da Demandante XXXX, e €109.4,50 euros a favor do Demandante XXXXX.

V – DECISÃO

Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condeno a Demandada C, Companhia de Seguros, S.A. a pagar à Demandante XXXXX a quantia de €655,00, e a pagar ao Demandante B a quantia de €1.094,50.
Condena-se ainda a Demandada no pagamento ao Demandante da quantia que se vier a liquidar em decisão ulterior referente a indemnização pelos danos nas calças e no capacete, na proporção de 50%, indo no mais absolvida.

Custas: Na proporção do decaimento que se fixa em 50% para os Demandante, e 50% para a Demandada.

Registe e notifique.

Cantanhede,9 de março de 2018

A Juíza de Paz Coordenadora

(Processado por meios informáticos e
revisto pela signatária.
(Artigo 18º LJP)
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(Isabel Belém)