Sentença de Julgado de Paz
Processo: 28/2014-JP
Relator: ELISA FLORES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Data da sentença: 06/26/2014
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE PAIVA
Decisão Texto Integral:
II ATA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Aos vinte e seis dias do mês de junho de dois mil e catorze, pelas 16h15m, realizou-se Julgado de Paz de Vila Nova de Paiva a Audiência de Julgamento relativa ao Processo nº x, em que são partes:
Demandante: A
Demandada: B
Realizada a chamada verificou-se que se encontrava presente apenas o ilustre mandatário da Demandante, o Dr. C.
Aberta a Audiência, a Senhora Juíza de Paz Dra. Elisa Flores proferiu a Sentença que se encontra em anexo e explicou-a ao presente.
Nada mais havendo a salientar, a Sra. Juíza de Paz deu como encerrada a presente sessão.
Para constar se lavrou esta Ata que vai ser devidamente assinada.
A Juíza de Paz, Elisa Flores
O Técnico, Paulo Gomes
SENTENÇA
RELATÓRIO
A, propôs contra B, a presente ação declarativa, enquadrada na alínea h) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de julho, pedindo que a mesma seja condenada a pagar-lhe o montante de € 4.000,00 (quatro mil euros) proveniente do furto da viatura kk, nos juros legais e mais de Lei.
Para o efeito, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 e 2 e juntou 4 documentos, que aqui se dão por reproduzidos.
A demandada contestou nos termos constantes de fls. 16 a 22 dos autos, declarando não aceitar a ocorrência do sinistro descrito na petição inicial e, por conseguinte, a obrigação de indemnizar, concluindo pela improcedência da ação. Juntou dois documentos.
O litígio não foi submetido a mediação.
Em Audiência de Julgamento ambas as partes apresentaram prova testemunhal.
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
1.º- A demandante é uma sociedade por quotas que tem por objeto a comercialização de veículos automóveis, novos e usados, bem como suas peças e acessórios. Comércio a retalho de vestuário e calçado;
2.º- Em 17/10/2011 celebrou com a demandada, B, um contrato de seguro, com a Apólice nº 00;
3.º- Transferindo a responsabilidade para a demandada, nos termos das respetivas Condições Gerais e Particulares, por qualquer furto ou roubo da viatura ligeira de mercadorias, de cor x, com a matrícula KK, marca x, modelo x, de dois lugares e do tipo “todo o terreno” e pelo valor venal, à data da celebração do contrato, de €4.000,00;
4.º- Viatura registada a favor da demandada, em .../.../..., embora a tenha adquirido, para revenda, pelo menos um ano antes;
5.º- Em 18 de janeiro de 2012, pelas 22:08h, no posto da Guarda Nacional Republicana, um dos representantes legais da demandante, D, participou que entre as 21.00h e as 21.30h desse mesmo dia, no XXX, da freguesia e concelho de WW, ocorreu o furto daquele veículo, por desconhecidos;
6.º- Declarou que no veículo não se encontravam os documentos do veículo, que não havia vidros partidos e que não existia seguro que cubra o furto/danos;
7.º- Não trazendo também consigo os documentos, contactou a outra representante legal, E, igualmente sua companheira, que se deslocou ao Posto com os documentos do veículo;
8.º- O Auto de denúncia então elaborado deu origem ao Inquérito nº 00/12 junto dos Serviços do Ministério Público, contra desconhecidos, por factos que são suscetíveis, em abstrato, de integrar um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº1, alínea a) do Código Penal;
9.º- No dia 20-02-2012 foi o denunciante notificado de que foi proferido despacho de arquivamento do Inquérito, nos termos do artigo 277º, nº 2 do Código de Processo Penal, porque as diligências de investigação efetuadas “….se revelaram infrutíferas no que diz respeito à identificação do (s) autor (es) do ilícito criminal”;
10.º- Entretanto, em 19 de janeiro de 2012, a demandante interpelou a demandada do sucedido para a regularização dos prejuízos;
11.º- Dado que o contrato de seguro invocado na petição inicial tinha, a essa data, apenas cerca de três meses de existência a demandada ordenou a imediata averiguação aos factos que lhe foram relatados;
12.º- E, por comunicação datada de 15 de Março de 2012, a demandada informava a demandante que “….após análise aos elementos que integram o nosso processo, nomeadamente ao relatório de averiguação desenvolvido pelos nossos serviços técnicos, concluímos que o sinistro de furto do veículo não ocorreu conforme participado. Assim sendo, não é da nossa responsabilidade a regularização dos prejuízos reclamados.”
13.º- O local indicado fica junto de uma Igreja, no centro da vila, e é um parque de estacionamento, não taxado e aberto, com iluminação pública, onde os habitantes de inúmeras habitações ali existentes ao seu redor, parqueiam todos os dias as respetivas viaturas;
14.º- O veículo em causa não tem as características dos veículos furtados para a prática de assaltos, nem possui qualquer interesse para o comércio de peças, em caso de desmantelamento na sequência de furto, pois é uma viatura sem qualquer mercado em Portugal;
15.º- Além disso, estava pelo menos um ano na posse da demandada, para venda, sem que esta tivesse obtido colocação para ela no mercado de usados;
16.º- Apesar de se encontrar em bom estado de conservação;
17.º- Por força dos factos participados à demandada, esta, através dos averiguadores que designou, procurou no mercado automóvel viaturas da mesma marca, modelo e idade da viatura em causa e puderam aperceber-se que valia à data da celebração do contrato a quantia de cerca de €1.000,00 (mil euros).
Motivação dos factos provados:
Atendeu-se aos documentos juntos aos autos, sendo que aos que foram impugnados só na medida em que foram corroborados pelos depoimentos dos representantes legais da demandante e das testemunhas, em especial o do agente da GNR, F, que foi o autuante e que prestou um depoimento isento e credível sobre os factos em que interveio.
Igual credibilidade se verificou no depoimento das restantes testemunhas, a do demandante, G, que lhe presta serviços de mecânica e que conheceu o veículo e depôs sobre o seu estado, de que tinha conhecimento direto (não sendo de valorar o que depôs sobre o que lhe haviam contado) e as da demandada, H e I, respetivamente seu Perito averiguador e seu Coordenador do Setor de Averiguações, que apesar da relação profissional, testemunharam de um modo uniforme, peremptório e com isenção sobre os factos de que tinham conhecimento direto. Tudo, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil.
Mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do CPC, factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa, e relativamente aos quais todos tiveram a possibilidade de se pronunciar.
Factos não provados e respetiva motivação:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes por falta de mobilidade probatória ou prova minimamente credível e susceptível de convencer o Tribunal da pertinente factualidade, e assim, a verificação do ilícito criminal participado.
Na verdade, a demandante apresenta como prova a Participação de um dos representantes legais, no Posto da GNR e à demandada, e, em Audiência, o depoimento da outra representante e de uma testemunha, que é seu colaborador. Todavia, este depôs que só teve conhecimento um dia ou dois depois, por ele e sobre o que se passou só sabia o que lhe contou; Quanto aos dois representantes legais da demandada, em depoimento, contradisseram-se em factos essenciais para que se possa concluir que o mesmo tivesse ocorrido. Ou seja, viviam há data dos factos em economia comum e ambos disseram que ele saiu sozinho de casa, em Vila Nova de Paiva, para se dirigir à vila de Sátão, para onde pretenderiam mudar a sapataria, propriedade da demandada, a ver umas lojas para o efeito, mas enquanto ele depôs que jantou em casa e saiu a seguir, já era noite, ela disse que ele saiu depois do almoço e não jantou em casa. Nenhum dos depoimentos foram corroborados por outro tipo de prova e o Tribunal não pode sequer fazer apelo às regras da experiência comum para considerar os factos como verificados apesar das dúvidas que levanta, por força de “coincidências”que ressaltam da factualidade provada e que a demandada bem escalpelizou, nomeadamente o facto do registo da viatura e da contratação do seguro se terem verificado em data muito próxima da que a demandante refere como de verificação do ilícito, o empolamento do valor da viatura (no contrato de seguro e na Participação, valores nem sequer coincidentes), o pouco valor de mercado da viatura e o local central, e iluminado, e o período de tempo em que a demandante refere ter ocorrido.
Fundamentação de direito:
Entre as partes foi celebrado um contrato de seguro, previsto e regulado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de abril (cf. nº1 do artigo 2º, artigo 3º e artigo 7º, todos deste diploma e ainda fls. 5 da Apólice/Acta nº 00, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 15), através do qual a demandada se comprometeu a pagar uma indemnização ao demandante no caso de verificação de algum dos riscos cobertos.
Trata-se de um contrato bilateral, oneroso, formal, de execução continuada e de adesão, regulando-se pelas cláusulas previstas na respetiva Apólice, no respeito pelo princípio da liberdade contratual e desde que não proibidas por lei, e no que não estiver especialmente estipulado, pelas disposições daquele diploma, dos regimes gerais do Código Civil (doravante designado simplesmente C. Civ.) e Comercial e regimes comuns como a Lei das Cláusulas contratuais gerais e a Lei de Defesa do Consumidor (cf. artigos 3º, 4º, 11º, 12º e 13º do mesmo Decreto-Lei).
As partes não põem em causa que o risco de furto se encontra contemplado na Apólice do seguro que a demandante celebrou com a Seguradora demandada, ao abrigo do qual pretende aquele ser ressarcido.
De facto, a questão em litígio nos presentes autos, é a da própria ocorrência do sinistro, que a demandada contesta, e que tem de se ter verificado para que possa ser dado provimento ao pedido de ressarcimento do, consequente, prejuízo do demandante.
O facto participado seria de molde a ser enquadrado num furto qualificado de viatura, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº1, alínea a) do Código Penal, ou seja, subtração de coisa móvel alheia, com ilegítima intenção de apropriação para si ou outrem, de valor elevado, efetuada, neste caso, por desconhecido ou desconhecidos.
Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 342º do C. Civ., “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, ou seja, é sobre a demandante que recaía o ónus da prova, competindo-lhe provar os factos constitutivos do direito que alega ter de ressarcimento pela demandada.
Ora, dos elementos objetivos deste tipo de crime, que à demandante competia alegar e provar, apenas provou a existência da viatura, de valor elevado (nos termos legais) e que esta lhe pertencia, não conseguindo provar a subtracção e a apropriação por outrem.
Atento o exposto, e em conclusão, não resultando da factualidade assente a verificação do sinistro alegado pelo demandante como fundamento ao peticionado, e abrangido pelo contrato de seguro aqui em causa, não poderão proceder os pedidos formulados pela demandante.
Decisão:
Em face do exposto, julgo a ação improcedente, por não provada, e em consequência:
- Absolvo a demandada dos pedidos formulados;
- Declaro a demandante parte vencida, com custas totais a seu cargo;
Proceda-se ao reembolso à demandada, nos termos do artigo 9º da Portaria 1456/2001, de 28 de dezembro.
Registe e notifique.
Vila Nova de Paiva, 26 de junho de 2014
A Juíza de Paz, Elisa Flores
Processado por computador (art.131º, nº 5 do C P C)