Sentença de Julgado de Paz
Processo: 73/2015-JPBBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: ENTREGA DE COISA CERTA
DANOS
INDEMNIZAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data da sentença: 11/28/2017
Julgado de Paz de : OESTE-BOMBARRAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
RELATÓRIO:
A, identificada a fls. 1, propôs, em 29 de Junho de 2015, contra B e C, melhor identificadas, também, a fls. 1, a presente ação declarativa de condenação, fundada em responsabilidade civil, pedindo a condenação destas a entregar-lhe os bens que desapareceram do arrendado ou a pagar-lhe a quantia de 1.884,13 € (Mil oitocentos e oitenta e quatro euros e treze cêntimos), relativa à indemnização pelos danos sofridos pelo desaparecimento de bens de sua propriedade e 750,00€ a título de danos não patrimoniais.

Para tanto alegou os factos constantes do douto Requerimento Inicial de fls. 1 e respectivo aperfeiçoamento, que se dá por reproduzido dizendo que: as demandantes são proprietárias de uma moradia sita na Rua ……. que tomou de arrendamento em 1 de Janeiro de 2014 e que terminaria em 30 de Junho de 2015. Após se ter ausentado uns dias no mês de Maio de 2015 deparou-se com os seus pertences na rua e com as portas trancadas. Reparou, entretanto, que se encontravam em falta vários dos seus pertences que elencou e pretende reaver. Tendo confrontado as senhorias com a situação, estas insultaram-na.
Juntou os documentos de fls 2 a 30.
Citadas as demandadas para contestar, querendo a presente acção, apresentaram a sua contestação de fls. 66 defendendo-se por excepção - ineptidão do requerimento inicial, contradição entre a causa de pedir e o pedido e cumulação de pedidos incompatíveis - e por impugnação, que se dá aqui por integralmente reproduzida.
Não juntaram documentos.
Tendo a Demandante optado pelo recurso à Mediação para resolução do litígio, foi a sessão agendada para o dia 20 de Julho de 2015 sem que as partes tenham logrado chegar a acordo quanto ao peticionado, apesar de terem sido entregues à demandante três prateleiras de vidro e um conjunto de suporte para atoalhados de cor branca cfr. Declaração de fls. 64.
Por transferência dos processos pendentes no Julgado de Paz de Óbidos para o Julgado de Paz do Oeste, foi agendado o dia 18/10/2017, e desmarcado a pedido dos Mandatários das partes, sendo reagendado para o dia 8 de Novembro de 2017.
Aberta a Audiência e estando apenas presente a Demandante e a sua Ilustre mandatária – Sra. Dra. D – e as demandadas acompanhados do seu Ilustre mandatário Sr. Dr. E - portanto, estando todos presentes, foram as partes ouvidas, nos termos do disposto no art.º 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho (LJP), tendo-se efetuado a tentativa de conciliação que resultou infrutífera. Assim, procedeu-se à Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal, conforme da respetiva acta melhor se alcança.
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Em face do aperfeiçoamento do requerimento inicial, do qual resultou a redução do pedido para a quantia de 2.634.13€, fixo o valor da acção nessa mesma quantia, nos termos do disposto no art. 296º e 306º do CPC.
Por despacho de fls. encontram-se decididas as excepções invocadas, pelo que estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir: ---
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A convicção probatória do Tribunal, de acordo com a qual seleciona a matéria dada como provada ou não provada, ficou a dever-se à falta de prova, para os factos não provados e ao conjunto da prova produzida nos presentes autos, quanto aos factos provados, tendo sido tomadas em consideração as declarações da partes em Audiência de Julgamento e os documentos juntos pela demandante.
Foi, ainda considerado o depoimento das testemunhas apresentadas pela Demandante, sendo que a testemunha F, não conseguiu identificar quaisquer bens que diz ter visto à porta da moradia em causa e G revelou apenas saber aquilo que lhe foi relatado pela demandante, não tendo conhecimento directo dos factos. Nenhuma das testemunhas revelou ter conhecimento dos bens cuja entrega a demandante peticiona. Quanto aos danos não patrimoniais limita-se a referir que a demandante “pensa muito” nesta situação e que se torna “repetitiva”.
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Com interesse para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos:
1. As demandadas, C, na qualidade de usufrutuária e B na qualidade de proprietária celebraram com a demandante um contrato de arrendamento que tinha como objecto uma moradia sita na Rua …. pelo período de um ano renovável por iguais períodos.
2. Em 4 de Dezembro de 2014 as demandadas remeteram por carta registada, a comunicação de denúncia do contrato de arrendamento, com efeitos em 30 de Junho de 2015.
3. A demandante, por carta registada datada de 14 de janeiro aceitou o terminus do contrato na referida data.
4. Em 22 de Maio de 2015, a empresa transportadora contratada pela demandante para o efeito, transportou a maior parte dos pertences da demandante para outra casa, sita em ….
5. Na casa ficaram alguns pertences da demandante, que seriam levados mais tarde.
6. Alguns bens da demandante, que não se lograram determinar estiveram depositados no exterior da moradia.
7. A demandante não pagou o valor correspondente a duas rendas vencidas às demandadas alegando compensação por prejuízos sofridos com a ruptura da canalização.
Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão da causa;

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A Demandante ancora a sua pretensão no facto de as Demandadas terem retirado os seus pertences da casa em data anterior a cessação do contrato de arrendamento e que os deixaram no exterior, à mercê de quem por ali passava e que estes teriam desaparecido. Pretende a demandante que os referidos bens lhe sejam restituídos ou seja paga indemnização correspondente ao valor que lhe atribuiu, o que faz no âmbito da responsabilidade civil, por factos ilícitos, prevista no Art.º 483.º, do Código Civil (CC) e seguintes.
Como resulta do Art.º 483.º do CC, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Além do dano, são pressupostos da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana (Art.º 483.º, n.º 1 e ss do C.C.): o facto, que se analisa numa conduta humana dominável pela vontade; a ilicitude, traduzida na violação de direitos subjetivos absolutos, ou de normas destinadas a tutelar interesses privados; a imputação do facto ao lesante, sob a forma de dolo ou de mera culpa e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, que pode afirmar-se, quando se prove, que a conduta do lesante, considerada ex ante e tendo em conta os conhecimentos concretos do mesmo, era adequada à produção do prejuízo efectivamente verificado, nos termos do disposto no Art.º 563.º do C.C. (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1, 4.ª ed., 471 e ss. e 578) [sublinhado nosso].
Os requisitos estabelecidos no n.º 1 do Art.º 483.º do C.C. para a obrigação de indemnizar são cumulativos.
Analisando os factos provados da perspetiva do direito aplicável, ou seja dos requisitos da obrigação de indemnizar, verifica-se que resulta, desde logo que, os mesmos não são susceptíveis de preencher a previsão legal.

Ou dito de outro modo, a demandante, a quem incumbia a prova do que alegou, não provou a autoria dos alegados danos, nem mesmo que os bens que elenca estiveram no exterior da moradia e que desapareceram em sequência de qualquer conduta imputável às demandadas.
É, por isso, com a prova produzida, impossível proceder à imputação psicológica do facto ao lesante, sob a forma de dolo ou de mera culpa.
Cabia ao Demandante alegar e provar os factos constitutivos do seu direito à indemnização (n.º 1, do art.º 342.º, do CC) o que resulta com mediana clareza, não fez minimamente.
Sendo certo, ademais, que também quanto aos danos a prova produzida não foi suficiente para que o tribunal desse como provado o desaparecimento dos bens que a Demandante elenca nem o valor de cada um deles.
Pelo que, ainda que tais danos resultassem provados, o tribunal teria alguma dificuldade em estabelecer o quantum indemnizatório.
O mesmo sucede quanto aos danos não patrimoniais. A manifesta falta de prova conduzirá a pretensão ao insucesso.
Não se encontram, portanto reunidos os requisitos da obrigação de indemnizar.
Não pode o tribunal deixar de notar que a relação contratual se terá pautado por algum conflito, o que resultou das declarações das partes, mas a prova apresentada não permite concluir que tal conflituosidade tivesse conduzido ao desfecho relatado nos autos. O direito não se faz de incertezas ou suposições subjectivas, mas de provas.
Na verdade, a regra em direito é que, quem alega um determinado facto, tem a obrigação de prová-lo de forma inequívoca. Incumbia, pois à demandante provar factos que constitutivos do direito que se alega, isto é, aqueles que servem de fundamento e que substancialmente configuram uma determinada posição jurídica, o que não fez, motivo pelo qual a acção haverá de improceder na sua totalidade.

DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, decido declarar a presente ação totalmente improcedente, porque não provada, e em consequência, absolver as Demandadas dos pedidos contra si formulados pela Demandante.
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Custas a suportar pela Demandante (art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro). ---
Bombarral, 28 de Novembro de 2017

(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 131.º/5 do C.P.C.)

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(Cristina Eusébio)