Sentença de Julgado de Paz
Processo: 187/2017JPCBR
Relator: DANIELA SANTOS COSTA
Descritores: COMPRA E VENDA. INCUMPRIMENTO CONTRATUAL. DEFEITO. PRIVAÇÃO DE USO.
Data da sentença: 07/27/2018
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA


Proc. n.º 187/2017 – JPCBR

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A;
Demandada: B.

OBJETO DO LITÍGIO
O Demandante intentou contra a Demandada a presente ação declarativa, enquadrável na alínea i) do nº 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, pedindo a condenação desta no pagamento de uma indemnização pelos danos morais por si sofridos, pela quantia de € 1.300,00, que corresponderam a transtornos psicológicos derivados da falta de computador alegadamente com defeito.

A Demandada apresentou contestação, conforme plasmado a fls. 131 a 146, impugnando os factos vertidos no requerimento inicial, tendo, ainda, deduzido pedido de intervenção provocada do Produtor do equipamento - a marca «C» e de «D», o qual não foi admitido, conforme despacho de fls. 196 e 197.

O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam quaisquer exceções ou nulidades, nem quaisquer questões prévias, que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo consoante resulta da Ata.

Valor da ação: € 1.300,00

FACTOS PROVADOS:
A. Em 4 de Dezembro de 2016, o Demandante adquiriu na loja da B sita no Centro Comercial Fórum Coimbra, um computador xxxxx, da marca C, pelo preço de € 1.199,99 (mil cento e noventa e noventa e nove euros e noventa e nove cêntimos);
B. Poucos dias após a aquisição do equipamento, o mesmo teve problemas de funcionamento, ficando com o ecrã azul;
C. Em Janeiro de 2017, o Demandante entregou o equipamento nos serviços do Produtor - a empresa C, tendo o equipamento sido sujeito a uma intervenção de reparação nesses estabelecimentos, sem qualquer intervenção e conhecimento da B, tendo sido devolvido no dia 24.01.2017;
D. Em 23 de Abril de 2017, o Demandante entregou o supra referido computador portátil para reparação na loja B, sita no Centro Comercial Centro Fórum Coimbra, tendo sido consequentemente elaborada a Guia de Reparação n.º 10C526267, na qual é descrita a seguinte anomalia: «Cliente reporta que o equipamento desliga-se sozinho, entra em BIOS sozinho, equipamento fica bloqueado e só restaurando é que se resolve, só reiniciando a máquina é que volta a ser possível funcionar com ela, não se liga à internet quando dá erro, equipamento mudou as cores de ecrã aleatoriamente»;
E. O equipamento foi remetido para o reparador oficial da marca - a empresa D;
F. A assistência técnica autorizada pela marca avaliou o equipamento e emitiu, no dia 28 de Abril de 2017, um relatório técnico onde se pode ler: «Reinstalação do Sistema Operativo e actualização dos respectivos drivers para a versão mais recente, que resolveu os problemas reportados causados por diversas anomalias no mesmo. Update Bios. Limpeza Equipamento. Testes OK»;
G. O equipamento foi entregue ao Demandante devidamente reparado;
H. Em 21 de Julho de 2017, o Demandante entregou o supra identificado computador portátil para reparação, na loja B sita no Centro Comercial Santa Catarina, no Porto, tendo sido consequentemente elaborada a Guia de Reparação n.º C538414.
I. Na referida guia de reparação é descrita a seguinte anomalia: «Reclamação mantém anomalias»;
J. Na mesma Guia de Reparação são referidos os seguintes danos estéticos visíveis: «Marcas de uso e sujidade por todo o equipamento».
K. O equipamento foi remetido para o reparador oficial da marca - D - que tendo apreciado o equipamento, procedeu à reparação do mesmo.
L. Conforme relatório técnico datado de 28 de Julho de 2017, foi substituída a placa mãe do equipamento («motherboard»), assim como a instalação da imagem mais atualizada do Sistema Operativo, activação do BIOS e limpeza do equipamento;
M. Após reparação, foi o Demandante informado que o equipamento se encontrava disponível para levantamento
N. No dia 2 de Agosto de 2017, o Demandante dirigiu-se à loja B do Centro Comercial Santa Catarina, tendo recusado o levantamento do equipamento, exigindo nesse momento a resolução do contrato.
O. No dia 05 de Outubro de 2017, após a entrada da presente ação, a Demandada emitiu a favor do Demandante uma nota de crédito, no valor de € 1.199,00.
P. Nos períodos em que o computador esteve a ser reparado, o Demandante não fez uso do mesmo para a realização de trabalhos académicos, em época de exames, e para contactar on line a família que se encontra a viver no Brasil;
Q. Por causa da falta do computador, o Demandante não pôde concluir em tempo os trabalhos académicos, tendo recorrido a empréstimo de computadores de outros estudantes e a computadores da biblioteca universitária;
R. O Demandante é cidadão com nacionalidade brasileira, tendo estado, à data da aquisição e reparações do computador, em Coimbra a frequentar um curso de Mestrado na área de Desporto;
S. Em virtude das anomalias e consequentes reparações sucessivas do computador, o Demandante ficou transtornado ao nível psicológico;
T. Ficando mais instável, ansioso e numa interrogação constante.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.

Os factos provados resultaram da conjugação dos documentos de fls. 5 a 122 e 202, da aceitação expressa pela Demandada, em sede de contestação, da celebração do contrato de compra e venda do computador dos autos e dos depoimentos testemunhais prestados em sede de audiência final.
Quanto aos factos instrumentais descritos nos itens P, Q, R e T da matéria provada, tal resultou da instrução da causa, conforme possibilita a al. a) do n.º 2 do Art. 5º do CPC.
No que concerne ao testemunho de E, indicado pelo Demandante, foi considerado relevante porque demonstrou estar ao corrente da factualidade em debate, na medida em que vive na mesma residência universitária que o Demandante e assistiu ao desenrolar da questão dos autos, tendo revelado espontaneidade e credibilidade.
Quanto às declarações prestadas por F, indicado pelo Demandante, também foram tidas em consideração porque vive na mesma residência universitária, ajudando aquele no uso de meios informáticos, além do computador dos autos, o que mereceu o crédito probatório deste Julgado de Paz.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.

ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Nos termos do previsto nos Artigos 3º, al. a), e 4º da Lei do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de julho, atualizada pelo DL n.º 47/2014, de 28 de Julho), o consumidor tem direito à qualidade dos bens, que devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem.
Assim como, de acordo com o n.º 1 do Art. 2º do DL n.º 67/2003, de 8 de abril, alterado pelo DL n.º 84/2008 de 21 de maio, o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens conformes com o contrato de compra e venda.
Nos termos da lei civil, designadamente do Art. 913º do Código Civil, haverá uma venda de coisa defeituosa sempre que a coisa vendida sofra de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim.
E, dispõe o Art. 3º, nº 1, do DL n.º 67/2003, que o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, dispondo o Art. 4º, nº 1, do mesmo diploma, que em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato (vejam-se também os Artigos 908º, 915º e 905º por força do Art. 913º, todos do Código Civil).
Regula, ainda, o n.º 1 do Art. 12º da Lei do Consumidor que o consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens defeituosos.
No caso em concreto, o Demandante pretende ser indemnizado pelos danos não patrimoniais ou morais que resultaram das anomalias sucessivamente detetadas no computador dos autos e das consequentes reparações, que determinaram a impossibilidade de uso do mesmo.
Importa a este respeito dizer que os danos não patrimoniais não podem ser avaliáveis em dinheiro, pelo que só é possível a sua reparação ou compensação. São exemplo disso, a vergonha, o sofrimento físico ou psicológico, a angústia, a depressão, o desgosto, as insónias, tudo situações em que não é possível atribuir, desde logo, um quantum em dinheiro mas apenas fixar uma compensação expressa em valor económico.
Dispõe o n.º1, do Art.º 496.º, do Código Civil que “ Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.”, o que quer dizer que o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão da indemnização pecuniária ao lesado, como ensina A. Varela, em Obrgações, p. 428.
Ora, tendo por base a factualidade dada como provada, o Demandante logrou demonstrar, como lhe competia, que, por causa da impossibilidade de utilização do seu computador para os fins académicos e pessoais a que se destinava, veio a sofrer transtornos psicológicos, ficando mais instável, ansioso e numa interrogação constante.

Ao demais, é relevante ponderar as circunstâncias em que o mesmo se encontrava à data dos factos: é cidadão com nacionalidade brasileira, que estava a frequentar, em Coimbra, um curso de Mestrado na área de Desporto, estando afastado da família e amigos. Assim, melhor se compreende a falta que o computador lhe fazia, tanto mais que carecia do mesmo para concluir em tempo útil trabalhos académicos, de forma a poder ser avaliado quanto ao seu desempenho discente, além de o usar para contactar, por via digital, a sua família.
Aliás, também se provou que o Demandante não pôde concluir em tempo útil os trabalhos académicos, tendo recorrido a empréstimo de computadores de outros estudantes e a computadores da biblioteca universitária, o que, a nosso ver, corresponde a um contexto de efetiva instabilidade psicológica face ao uso a que o mesmo se destinava.
De facto, se a frequência de um curso de Mestrado já é de si um acontecimento importante na vida académica de um qualquer estudante, acresce o facto de o Demandante estar deslocado do seu país de origem, não tendo os mesmos meios e condições para superar a falta que um computador faz a um aluno de ensino superior que se preze.
Consequentemente, tal factualidade dada como provada traduz-se num acervo de danos suscetíveis de colher a tutela do direito, dada a gravidade de que os mesmos revestem, motivo pelo qual se fixa, como justa e equilibrada, a quantia de € 250,00 a título de indemnização a ser paga pela Demandada ao Demandante.

DECISÃO:
Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Demandada a pagar ao Demandante a quantia de € 250,00 a título de indemnização por danos morais.


Custas na proporção do decaimento que se fixam em 81% para o Demandante e 19% para a Demandada, o que equivale a que o Demandante efetue o pagamento de € 22,00, no prazo de 3 dias úteis, sob pena de ser aplicada uma sobretaxa de €10,00 por cada dia útil de atraso no seu pagamento, em conformidade com os Artigos 8º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria nº 209/2005 de 24 de Fevereiro.
Quanto à Demandada, proceda-se ao reembolso de €22,00, em conformidade com o Artigo 9º da Portaria atrás mencionada.
A presente sentença foi proferida e notificada nos termos do n.º 2 do Art. 60º da LJP.
Coimbra, 27 de Julho de 2018


A Juíza de Paz,

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Daniela Santos Costa