Sentença de Julgado de Paz
Processo: 182/2017JPCBR
Relator: DANIELA SANTOS COSTA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL. DANOS EM VEÍCULO AUTOMÓVEL. PRIVAÇÃO DE USO.
Data da sentença: 07/19/2018
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

Proc. n.º 182/2017 - JPCBR

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A;
Demandada: B.

I – OBJETO DO LITÍGIO
O Demandante intentou contra a Demandada a presente ação declarativa, enquadrável na alínea h) do nº 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, pedindo a condenação desta nos seguintes termos:
- Pagar ao Demandante os danos provocados no veículo AL, na quantia de € 1.086,27;
- Pagar ao Demandante os danos provocados pela paralisação do veículo AL, na quantia de € 300,00;
- Pagar ao Demandante os juros vincendos sobre a quantia indemnizatória total de € 1.386,27 à taxa de 4% ao ano, a contar da citação da Ré até integral pagamento;
- Pagar, ainda, as custas.

A Demandada apresentou contestação, conforme plasmado a fls. 22 a 24, tendo impugnado os factos vertidos no requerimento inicial.

O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor.
Não se verificam quaisquer exceções ou nulidades, nem quaisquer questões prévias, que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo consoante resulta da Ata.

Valor da ação: € 1.386,27 (Mil trezentos e oitenta e seis euros e vinte e sete cêntimos)

II - FACTOS PROVADOS:
A. No dia 2 de Junho de 2016, pelas 10:18 horas, na Rotunda do Almegue, em Coimbra, concelho de Coimbra, ocorreu um acidente de viação entre o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula xxxxx, propriedade do Autor e conduzido por C e o veículo pesado de passageiros matricula ---HMF, registado em Espanha, propriedade de D e conduzido por E;
B. À data do acidente, a proprietária do veículo HMF havia transferido a sua responsabilidade civil para a companhia de seguros espanhola “F”;
C. A Demandada responde por acidentes em território português, causados por veículos matriculados no estrangeiro e aderentes à Convenção Tipo Inter Gabinetes;
D. No dia e hora indicados, o veículo AL, circulava na via central da Rotunda, com velocidade reduzida, a menos de 40 km/ h, adequada para as condições da via e com atenção;
E. No local do embate a Rotunda é composta por três vias.
F. O veículo HMF de matrícula espanhola circulava numa via que acede à referida rotunda.
G. A condutora do AL, como tinha intenção de sair em direcção a Condeixa, accionou o seu pisca direito e iniciou a travessa da via central para a via direita.
H. Quando o estava a fazer, foi embatida pelo veículo HMF que se encontrava a entrar da rotunda naquele preciso momento;
I. A parte lateral frontal esquerda do HMF embateu na parte lateral direita do AL.
J. A reparação dos danos no veículo AL foi orçada pela Demandada na quantia de € 1.040,17;
K. Em virtude deste embate o AL ficou imobilizado um dia para peritagem e outros 2 para reparação;
L. Durante o dia destinado à peritagem, o Demandante circulou com um outro veículo automóvel que é titular, nas suas deslocações diárias e para o emprego;
M. O veículo AL é um Audi A4 Avant, de Janeiro de 1997 e tem cilindrada superior (1896).


FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.

Os factos provados resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos, a fls. 1 a 14, das declarações de parte do Demandante e do depoimento testemunhal prestados em sede de audiência final.
Quanto às declarações de parte, foram relevantes para a definição da matéria provada na medida em que foram prestadas de forma sincera e espontânea, tendo resultado a confissão de que o Demandante era, à data do sinistro, igualmente titular de um veículo automóvel destinado ao desenvolvimento da sua atividade comercial e que, nos dias em que o seu veículo interveniente no sinistro esteve na oficina, para efeitos de realização de orçamento, e, posteriormente, para uma reparação provisória, logrou fazer uso do veículo atrás mencionado para uso profissional, em substituição do dos autos, conforme consta na ata de fls. 47.
Teve-se, também, em conta o depoimento da testemunha C, indicada pelo Demandante e sua companheira em união de facto, que conduziu o veículo do Demandante, interveniente no sinistro, tendo explicado a forma como o mesmo se desenrolou, a localização dos danos na viatura e o local do embate.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.
De facto, o Demandante não logrou demonstrar que o condutor do veículo pesado estivesse a circular sob conta e direção do titular daquela viatura e no exercício das suas funções de motorista.

III - ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Mediante a proposição da presente ação, visa o Demandante a condenação da Demandada no pagamento de uma indemnização pela reparação do veículo AL e pela sua privação de uso, na sequência do embate cujo segurado foi totalmente responsável.
Foi dado como provado que o embate se deu quando a condutora do AL, acionando o seu pisca direito, iniciou a travessia da via central para a via direita, tendo sido embatida pelo veículo HMF que se encontrava a entrar da rotunda naquele preciso momento.
Ora, no domínio da responsabilidade civil extracontratual por atos ilícitos, a regra é de que a obrigação de indemnizar só existe quando haja culpa do agente, sendo excecionais os casos em que dela se prescinde – Art. 483º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil (adiante designado de C.C.).
Exige-se, para a imputação a título de culpa, por um lado, uma relação de desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado, e a possibilidade de formulação de um juízo de censura na imputação do facto, impendendo sobre o lesado o ónus da prova desses requisitos, maxime da culpa, salvo havendo presunção legal – cfr. Art. 487º, n.º 1, do C. C..
O juízo de culpabilidade é apreciado pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso, como estabelece o n.º 2 do mesmo Art. 487º.
Vale por isto dizer que se consagra o critério da culpa
in abstrato, a aferir pelo grau de diligência exigível do homem médio perante os condicionalismos da concreta situação ajuizada - neste sentido, Ac. STJ, de 08.07.2003, in www.dgsi.pt.
Tendo em conta a vertente do regime legal da circulação automóvel nas vias públicas, previsto no Código da Estrada (CE), estão violados os preceitos relativos aos Artigos 14º, n.º 1 al. a), 25º, n.º 1 al. h) e Art. 31º, n.º 1 al. c), segundo o qual nas rotundas, o condutor deve entrar na rotunda após ceder a passagem aos veículos que nela circulam, qualquer que seja a via por onde o façam; o condutor deve moderar especialmente a velocidade nas rotundas e deve sempre ceder a passagem o condutor que entre numa rotunda.
No caso em apreço, a manobra do condutor do XXXXX é uma manobra perigosa, tanto em termos abstratos como em concreto, já que constitui prova disso o acidente ocorrido. Na verdade, era dever seu moderar especialmente a velocidade antes de entrar na rotunda e ceder a passagem à condutora do AL, que estava a circular na rotunda, só entrando após ela passar.
Em face disso, o condutor do XXXXX violou as normas do CE atrás aludidas.

No que diz respeito aos danos materiais do veículo AL, não ficou provado que o valor de € 1.086,27 correspondesse ao valor necessário para reparação dos danos emergentes do sinistro, por conseguinte, o Tribunal apenas considerou como idóneo, a esse título, o valor indicado no relatório de peritagem, pela quantia de € 1.040,17.
Donde resulta que estando preenchidos cumulativamente os pressupostos da responsabilidade civil (o facto, a ilicitude, a culpa e o nexo de causalidade entre o facto e o dano), será de responsabilizar a Demandada pelos danos causados na sequência do sinistro.
Por fim, no que diz respeito à privação de uso do AL, constitui entendimento jurisprudencial, embora não unânime, que a privação do uso do veículo, em virtude de acidente de viação, constitui, em si, um dano reparável, na medida em que ilicitamente, por ação do lesante, ficou o titular do veículo privado da possibilidade de o usar, de o desfrutar, de retirar dele as utilidades que pode propiciar como coisa sua (quer na vida profissional quer nos momentos de lazer).
Portanto, o simples uso constitui uma vantagem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária. Neste sentido, Ac. STJ de 09.05.02, págs. 125 a 129 do I volume de António Santos Abrantes Geraldes – Indemnização do Dano de Privação do Uso, 2ª Ed. Almedina, e, também, o Ac. RP de 19.03.2009, Proc. n.º 3986/06.8TBVFR.P1 in www.dgsi.pt : “A paralisação forçada da viatura é só por si um prejuízo indemnizável, não sendo pressuposto necessário de tal indemnização a alegação e prova de todas as despesas suportadas com transportes alternativos e/ou com veículos de substituição durante o período da paralisação, o que apenas contende com o “quantum” da indemnização, com a possibilidade de aceder a despesas acrescidas, mas não com o acesso à compensação devida pela privação do uso.”
No caso em concreto, não ficou demonstrado que o Demandante não pôde aceder à fruição normal do seu veículo automóvel, durante o dia necessário à sua peritagem, na medida em que circulou com um outro veículo automóvel que é titular, nas suas deslocações diárias e para o emprego, segundo confissão do próprio em plena audiência de julgamento.
Logo, apenas terá direito a ser ressarcido pelo tempo necessário à sua reparação, que corresponde a dois dias úteis. Consequentemente, o Demandante ficou privado de extrair as utilidades normais daquele bem durante o período temporal previsto, em sede de relatório de peritagem, para a sua total reparação na oficina.
Todavia, não obstante a factualidade apurada e dada por provada, não ficaram assentes quaisquer prejuízos concretos e quantificados, designadamente, não se provou que haja sido alugado um veículo de substituição ou que se recorrera a outros meios de transporte.
Em tal hipótese, de ausência de quantificação dos danos, deve a mera privação do uso ser ressarcida com recurso a juízos de equidade – na esteira deste entendimento, cfr. Acórdão da RP atrás citado ou, como foi proferido: “Mesmo não se tendo provado prejuízos efetivos, é possível determinar com o recurso à equidade, o valor dos danos da paralisação” – Ac. STJ, de 09.06.96, in BMJ457/325). No mesmo sentido, Ac. da RG de 28.04.2004 e Ac. RP de 20.06.2005, ambos em www.dgsi.pt.
Por seu turno, estabelece o Art. 566º, n.º 3 do Código Civil (CC) que “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
Tudo isto ponderado, em face do uso diário do AL, pelo facto de se tratar de um veículo com mais de 20 anos, embora de cilindrada superior (1896), e da sua imobilização pelo período de 2 dias, temos como justo e equilibrado fixar a quantia diária de € 25,00.
O montante global da indemnização a atribuir ao Demandante ascende, assim, a € 1.090,17 (€1.040,17 + € 50,00).
No que concerne aos juros de mora peticionados, estipulam as normas dos Arts. 804º e Art. 559º do CC, que sobre a obrigação de indemnizar incide também a obrigação de pagamento de juros a partir do dia da constituição em mora. A ser assim e tendo em conta o regime descrito no Art. 805º, n.º 3 do citado Código, serão devidos juros de mora, no caso em apreço, à taxa legal de 4%, sobre as indemnizações de reparação e de privação de uso, desde a data da citação até integral pagamento (Portaria nº 291/2003, de 08.04).

IV-DECISÃO
Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Demandada a pagar à Demandante a quantia de € 1.090,17 (mil e noventa Euros e dezassete cêntimos), a título de indemnização pela reparação e pela privação de uso do veículo AL, acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4%, desde a citação, que ocorreu a 10.08.2017, até integral pagamento.

Custas na proporção do decaimento que se fixam em 22% para o Demandante e 78% para a Demandada, o que equivale a que a Demandada efetue o pagamento de € 20,00, no prazo de 3 dias úteis, sob pena de ser aplicada uma sobretaxa de €10,00 por cada dia útil de atraso no seu pagamento, em conformidade com os Artigos 8º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria nº 209/2005 de 24 de Fevereiro.
Quanto ao Demandante, proceda-se ao reembolso de €20,00, em conformidade com o Artigo 9º da Portaria atrás mencionada.
A presente sentença foi proferida e notificada nos termos do n.º 2 do Art. 60º da LJP.
Coimbra, 19 de Julho de 2018
A Juíza de Paz,

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Daniela Santos Costa