Sentença de Julgado de Paz
Processo: 162/2017 - JPFNC
Relator: CARLOS FERREIRA
Descritores: DANOS DEVIDO A ATO ILÍCITO PRATICADO NO ÂMBITO DE UMA EMPREITADA CONTRATADA ENTRE TERCEIROS.
Data da sentença: 01/23/2019
Julgado de Paz de : JPFNC
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 162/2017 - JPFNC
Sentença
Relatório:
A, melhor identificada a fls. 1, instaurou a presente ação declarativa de condenação contra B; C; e D, também melhor identificadas a fls. 1, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 1 a 6, dos autos, que aqui se considera integralmente reproduzido, peticionando a condenação das Demandadas a procederem à reparação dos danos provocados no vidro e alucobond na fração da Demandante.
Para tanto, a Demandante alegou, em síntese, que é proprietária da fração autónoma designada pela letra “O”, correspondente ao 2.º andar, do Bloco B, do Edifício ---, sito à Avenida ---, n.º ---, freguesia de Santo António, concelho do Funchal.
Por sua vez, a demandada C foi condenada por decisão judicial a proceder à substituição dos vidros fissurados no referido edifício. Para dar cumprimento à referida decisão a C contratou as duas outras empresas demandadas nos autos.
No dia 8 de fevereiro de 2017, foram colocados andaimes até à fração da Demandante, e após, o vidro foi sujeito a intervenções preparatórias à sua substituição, em virtude das quais ficou danificado.
Anteriormente à referida intervenção, o referido vidro apenas tinha uma pequena fissura. No entanto, após a intervenção efetuada está totalmente rachado na diagonal, e abriram várias fissuras novas e enormes.
No dia 11 de abril de 2017, a administração do condomínio informou a Demandante que o seu vidro não iria ser substituído.
A Demandante interpelou as Demandadas para que as mesmas efetuassem a substituição do vidro.
No dia 19 de junho de 2017, foram retirados os andaimes colocados nas fachadas do edifício.
No entanto, o vidro da fração da Demandante não foi substituído.
A pedido da Demandante, a demandada B orçamentou o custo dos trabalhos de substituição do referido vidro. A estimativa do custo da substituição do referido vidro ascende ao montante de €4.668,70 mais IVA.
Pelo arrastar da referida situação no tempo, a Demandante tem tido perturbações no sono e preocupações constantes a nível pessoal, além de quebra de produtividade na sua atividade profissional.
A colocação dos andaimes no prédio durante vários meses causou à Demandante sentimento de medo, por estar sozinha em casa.
Mais alegou a Demandante que, passou a ter de ser medicada para conseguir descansar e dormir.
Juntou 8 documentos.
A fls. 183, a Demandante veio juntar procuração forense.
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Tramitação:
Regularmente citadas, as demandadas B e C apresentaram contestações separadas, respetivamente, de fls. 104 a 106; e 122 a 123 vr., respetivamente, que aqui se consideram integralmente reproduzidas.
A demandada B impugnou os factos alegados pela Demandante, aceitando que, no âmbito da sua atividade comercial, em março de 2016 foi-lhe solicitado pela C um orçamento para a substituição de chapas de alucobond no edifício onde a Demandante reside.
Que, por informação da C deveriam ser substituídos 5 (cinco) vidros, que se encontravam fissurados, incluindo o vidro da fração da Demandante.
Os trabalhos foram adjudicados em março de 2016, mas apenas tiveram início em fevereiro de 2017.
Com base na informação remetida pela C foram colocados os andaimes e realizados trabalhos preparatórios da remoção do vidro na fração da Demandante. Para o efeito, a B fez cortes laterais no alucobond que serve de junção do referido vidro à estrutura do prédio. No entanto, os referidos cortes foram efetuados sem qualquer contacto com o mesmo vidro.
Nos termos ajustados pelas partes, a substituição dos vidros seria realizada pela demandada Irmãos Caldeira, cabendo à B a colocação dos andaimes, bem como, os trabalhos preparatórios e de acabamento final, designadamente, no que respeita às placas de alocobond.
No decorrer dos referidos trabalhos preparatórios a Demandante deu indicação expressa para ninguém mexer no seu vidro.
Por indicação da C, a B não deu sequência à substituição do vidro da fração da Demandante.
A intervenção da B não provocou qualquer nova fissura no vidro da Demandante. Apesar disso, a Demandante contactou posteriormente a demandada B a reclamar a responsabilidade desta por quebra do vidro da sua fração.
Juntou 7 documentos.
A fls., 147 juntou procuração forense.
Por impugnação, a demandada C alegou, em síntese, que:
A decisão proferida no âmbito do processo judicial invocado pela Demandante, não teve por objeto a reparação genérica de vidros fissurados do prédio onde a mesma reside, mas especificamente, e apenas, os vidros das frações localizadas no R/C, do Bloco B; e o 3.º andar do Bloco A, do edifício acima mencionado.
Que, para além do processo judicial acima referido, a Demandada foi também condenada à substituição do vidro da fração “J”, localizada o 4.º piso, do Bloco A, por decisão proferida noutro processo distinto, o qual correu termos sob o n.º 6879/15.4T8FNC, com decisão já transitada em julgado.
A C adjudicou às duas restantes demandadas os trabalhos de construção civil e os fornecimentos necessários à execução das referidas decisões judiciais, transitadas em julgado.
Designadamente, a C adjudicou às duas outras as sociedades demandadas a substituição dos vidros respeitantes, exclusivamente, às frações correspondentes ao R/C do Bloco B; bem como, ao 3.º e 4.º andares do Bloco A, do mesmo edifício.
A colocação dos andaimes não foi definida por qualquer ato da C.
A C não participou na execução de qualquer trabalho ou tomada de decisão respeitante à intervenção efetuada no vidro da fração da Demandante.
Que, a Demandante deixou caducar os seus direitos contratuais relativamente à exigência da substituição do vidro da sua fração, e também deixou passar a oportunidade para aproveitar o facto de os andaimes estarem montados no edifício e proceder à substituição do vidro, em condições mais vantajosas.
Sendo certo que, o vidro da Demandante estava fissurado e a necessitar de ser substituído, muito antes da intervenção alegadamente efetuada pelas restantes empresas demandadas nos presentes autos.
Que, à data dos factos, o vidro da Demandante estava fissurado, e que o facto desta ter solicitado um orçamento para a respetiva reparação implica o reconhecimento da assunção de responsabilidade pela reparação do mesmo.
Ambas as Demandadas contestantes concluíram pela improcedência da ação, e juntaram procuração forense.
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A Demandante manifestou-se no sentido de rejeitar a mediação.
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Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP).
Foi feito o esforço necessário e na medida em que se mostrou adequado, para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art. 2.º, e n.º 1, do art. 26.º, ambos da LJP, o que não logrou conseguir-se.
Frustrada a tentativa de conciliação, prosseguiu a realização da audiência de julgamento com a observância das normas de processo, como resulta documentado nas respetivas atas. (Fls.215 a 219; 230 a 233, dos autos).
Tal como consta da referida ata, que aqui se considera integralmente reproduzida, no início da audiência foram juntos os documentos constantes a fls. 221 a 229 e 234 a 244 vr.
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A demandada D juntou procuração a fls. 220.
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Saneamento:
Estão reunidos os pressupostos da estabilidade da instância.
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa.
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Valor: atribuo à causa o valor de €5.742,50 (cinco mil setecentos e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos). Cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 1; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi, art.º 63.º da LJP.
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Questões a decidir:
Na presente ação o objeto do processo é delimitado pela causa de pedir e pelo pedido, pelo que, as questões a decidir são as seguintes:
Se a Demandante sofreu os danos provocados pelos factos cuja autoria imputa às Demandadas, e se estas devem ser responsabilizadas por indemnizar tais danos.
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Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 78/2001, de 13/07, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP), a sentença inclui uma sucinta fundamentação.
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Fundamentação – Matéria de Facto:
Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que:
1. A Demandante é proprietária da fração autónoma designada pela letra “O”, correspondente ao 2.º andar, do Bloco B do Edifício ---, sito à Avenida ---, n.º ---, freguesia de Santo António, concelho do Funchal, descrita na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º ---. Cf. fls. 7 a 25;
2. O vidro da fração da Demandante está rachado na diagonal, do chão até ao nível superior do móvel existente da lavandaria. Cfr., 223;
3. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, foi mantida na íntegra a sentença proferida no âmbito do processo comum ordinário, que correu termos nas (extintas) Varas de Competência Mista do Funchal, 1ª Secção, sob o n.º 400/10.8TCFNC. Cf. fls. 52 a 66;
4. Que, por efeito da referida decisão judicial a demandada C. (e outra), foi condenada a substituir dois vidros da fachada Sudoeste do prédio, um no R/C, do Bloco B; e outro, no 3.º andar, do Bloco A. (Idem);
5. A C foi também condenada à substituição do vidro da fração “J”, localizada o 4.º piso do Bloco A, por decisão judicial proferida no processo que correu termos sob o n.º 6879/15.4T8FNC, na (extinta) Comarca da Madeira, Instância Local do Funchal, Secção Cível – J2. Cfr. 234 a 241;
6. Para dar cumprimento às referidas decisões a C, contratou os serviços das demandadas B; e D;
7. Em 16-03-2016 a B apresentou o orçamento para a realização dos trabalhos ajustados com a C, no montante de €4.575,55. Cfr. 111 e 112;
8. Em 16-03-2017 a D apresentou o orçamento para a realização dos trabalhos ajustados com a C, no montante de €13.680,82. Cfr. fls. 229;
9. O referido orçamento especifica que são 3, a quantidade de vidros a fornecer para a realização da obra. (Idem);
10. A obra foi adjudicada pela C em março de 2016;
11. No dia 8 de fevereiro de 2017, a B colocou andaimes até à fração da Demandante;
12. Após a colocação dos andaimes, o pessoal em obra ao serviço da B procedeu à serragem da cobertura do vidro em alucobond na fração da Demandante;
13. No início de junho de 2017 a B repôs o acabamento de alucobond no vidro da Demandante;
14. O vidro da fração da Demandante não foi substituído;
15. A demandada B foi informada pelos serviços da C que o vidro da fração da Demandante era para substituir, no âmbito da empreitada adjudicada;
16. A demandada D foi informada pelos serviços da C que o vidro da fração da Demandante era para substituir, no âmbito da empreitada adjudicada;
17. O vidro da Demandante estava fissurado e a necessitar de ser substituído, pelo menos, desde 21 de abril de 2010. Cf. fls. 224;
18. No dia 11 de abril de 2017, a administração do condomínio informou a Demandante que o seu vidro não iria ser substituído;
19. Por carta datada de 21 de abril de 2017, a Demandante interpelou a demandada B, para que a mesma efetuasse a substituição do vidro. Cfr. fls. 77;
20. Por carta datada de 6 de junho de 2017, a demandada B respondeu à Demandante, indicando que o assunto deveria ser exposto à demandada C. Cfr. fls. 119;
21. No dia 19 de junho de 2017, foram retirados os andaimes que estavam colocados nas fachadas do edifício identificado nos autos;
22. A Demandante solicitou à demandada B a elaboração de um orçamento com a estimativa de custos dos trabalhos de substituição do referido vidro;
23. Em resposta à solicitação da Demandante, a B apresentou-lhe o orçamento constante a fls. 79 e 80, o qual ascende ao montante de €4.668,70, (valor antes de IVA).
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Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, que:
i) A C foi condenada, por decisão judicial, a proceder à substituição do vidro da fração da Demandante;
ii) A C informou a B que o edifício tinha cinco vidros fissurados, que eram para ser substituídos;
iii) Os colaboradores da B, realizaram medições e testes ao vidro da fração da Demandante;
iv) Em virtude das intervenções referidas no número anterior, o vidro da fração da Demandante ficou danificado;
v) Abriram várias fissuras na parte superior do vidro da fração da Demandante, pelo esforço a que foi sujeito por parte dos funcionários da B;
vi) Anteriormente à referida intervenção o vidro apenas tinha uma pequena fissura;
vii) A referida fissura media cerca de 0,50 m de comprimento;
viii) Todas as outras fissuras existentes no vidro apareceram durante o período em que os andaimes estiveram colocados no edifício;
ix) Na sequência da intervenção efetuada pelos colaboradores da B o vidro ficou com várias fissuras enormes, visíveis do exterior e do interior da fração;
x) A intervenção efetuada pelos colaboradores da B provocou o agravamento das fissuras existentes no vidro da Demandante;
xi) A intervenção efetuada pelos colaboradores da B provocou o aparecimento de novas fissuras no vidro da Demandante;
xii) Após a intervenção dos colaboradores da B o vidro da fração da Demandante apresenta uma fissura com cerca de 1,60 m a 1,80 m de comprimento e outra fissura na parte superior do vidro;
xiii) Pelo arrastar desta situação no tempo a Demandante tem tido perturbações no sono e preocupações constantes a nível pessoal e quebra de produtividade na atividade profissional;
xiv) A colocação dos andaimes no prédio durante vários meses causou sentimento de medo, por estar sozinha em casa;
xv) A Demandante passou a ter de ser medicada para conseguir descansar e dormir.
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Motivação da Matéria de Facto:
Os factos provados resultaram da conjugação das declarações de parte, dos documentos constantes dos autos, e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento.
Relativamente aos documentos juntos pela Demandante a fls. 222 2e 222 vr.; bem como, os documentos juntos demandada C a fls. 242 e 243, por se tratarem de comunicações efetuadas entre Ilustres Advogados, e por conterem nota de confidencialidade, as mesmas estão abrangidas por sigilo profissional, previsto no Estatuto Ordem Advogados.
Efetivamente, o artigo 113.º, da Lei n.º 145/2015, de 19 de setembro, confere confidencialidade às comunicações entre advogados desde que exista nota dessa confidencialidade nessas comunicações, o que é o caso dos referidos documentos, pelo que, nos termos do referido artigo 113.º, no seu n.º 2, os mesmos não podem constituir meios de prova, não tendo por isso sido considerados pelo tribunal.
Relativamente à prova documental, há ainda a referir que, os documentos juntos não foram impugnados por qualquer das partes, nos termos do art.º 444.º, do CPC, relativamente à letra assinatura, exatidão da reprodução, bem como, outros elementos respeitantes à respetiva origem e genuinidade.
No entanto, em sede de contestação a demandada B impugnou os efeitos probatórios dos documentos juntos pela Demandante com o seu requerimento inicial, e no exercício do contraditório, a demandada C impugnou o valor probatório do documento a fls. 223, junto em audiência, por não se poder aferir a data em que o mesmo foi produzido e a correspondência da ilustração com o objeto dos autos.
Relativamente ao conteúdo dos documentos juntos aos autos, o tribunal apreciou a prova, segundo o seu prudente arbítrio, nos termos e para os efeitos do art.º 607.º, n.º 5, do CPC. A este respeito, refira-se que as testemunhas da Demandante reconheceram que a fotografia constante a fls. 223, corresponde ao estado atual do vidro da fração da Demandante, mostrando-se os testemunhos isentos e credíveis nesta parte.
Considera-se provado por confissão da demandada B o facto respeitante ao número 12, da matéria provada.
O facto respeitante ao número 17, considera-se provado por confissão da Demandante, expressa no documento a fls. 224.
Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, do CPC, aplicável ex vi, art.º 63.º, da LJP, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes nos números 6; 14; e 22, que constituem matéria assente.
Pela prova documental consideram-se provados os factos indicados de forma especificada e respetivamente, na enumeração da matéria assente, supra.
Houve uma grande imprecisão quer da Demandante, quer das suas testemunhas em descrever com exatidão o número e extensão das fissuras, bem como, a exata ocorrência das mesmas e suas alterações.
A testemunha E, sobrinha da Demandante, confirmou a existência de fissuras no vidro, identificou o mesmo através da imagem de fotografia constante a fls. 223, identificou a primeira fissura à esquerda da imagem, e que a mesma estava lá há muito tempo. O tribunal considerou o seu testemunho credível e isente nesta parte. No restante, o seu depoimento correspondeu a testemunho, por adesão à versão da Demandante que lhe contava o desenrolar do assunto.
As restantes testemunhas da Demandante, para além de reconhecerem a imagem do vidro a fls. 223, não afirmaram razão de ciência sobre qualquer outro facto relevante.
A restante matéria, em especial a constante dos números 2; 10; 11; 13; 15; 16; 18; e 21, resulta provada pela análise conjunta da prova, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias a relação jurídica estabelecida e vivenciada pelas partes.
Os factos não provados resultam da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos, incumbindo o respetivo ónus à Demandante, nos termos do art.º 342.º, do CC.
Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados ou dos depoimentos das testemunhas com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito.
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Fundamentação – Matéria de Direito:
A causa de pedir na presente ação respeita a danos alegadamente provocados à Demandante, devido a ato ilícito praticado no âmbito de uma empreitada contratada entre terceiros.
Com efeito, a Demandante pretende responsabilizar as empresas envolvidas na empreitada de substituição de três vidros das fachadas do edifício onde reside por, alegadamente, as Demandadas terem realizado atos preparativos da substituição do vidro da sua fração, e que essa intervenção provocou danos no referido vidro, sem que, no entanto, concretizassem a efetiva substituição do mesmo, deixando o vidro danificado.
Esta matéria remete-nos para o conteúdo da responsabilidade civil por facto ilícito.
Sendo assim, a causa é enquadrável na alínea h), do, n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP).
Dos pedidos deduzidos pela Demandante extrai-se que pretende obter a condenação das Demandadas a procederem à reparação dos danos provocados no vidro e alucobond na sua fração, nos termos descritos no orçamento obtido junto da demandada B. Cfr. fls. 79 e 80.
Vejamos se lhe assiste razão:
O art.º 483º, do C.C. dispõe o seguinte: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Para que se possa declarar a existência da obrigação de indemnizar, resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos, têm de estar verificados os seguintes pressupostos: i) a existência de um facto voluntário do agente; ii) a ilicitude desse facto; iii) que se verifique um elemento subjetivo de imputação do facto à conduta culposa do lesante; iv) que da violação do direito subjetivo ou da lei derive um dano; e v) nexo de causalidade adequada entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pelo lesado, de modo a poder concluir-se que a natureza e extensão do dano resultam necessariamente daquele facto e não de outra causa, que lhe esteja na origem.
Os referidos pressupostos da responsabilidade civil, e da consequente obrigação de indemnizar são cumulativos.
Ora, o facto pode ser cometido por ação ou omissão. (Cf., 486.º, do CC).
No caso dos autos, convém fazer uma breve explicação preliminar sobre a abordagem técnico-jurídica subsequente.
A questão a esclarecer previamente decorre da narrativa factual que a Demandante imprimiu no seu requerimento inicial, no sentido em que, parece dar relevância jurídica ao facto de ter existido uma informação inicial sobre a inclusão do vidro da sua fração na empreitada, com a montagem de andaimes necessários para o efeito, e aliás, porque o alucobond que faz o acabamento do viro incrustado na fachada do prédio, foi serrado pelos funcionários da B que executaram a obra, ou seja, no decurso dos trabalhos da empreitada que ficou provada nos autos.
No entanto, pela prova produzida nos autos, nada permite afirmar que existia um vínculo relativamente a qualquer das Demandadas, no que respeita a uma obrigação assumida para proceder à substituição do vidro em causa nos autos.
De facto, não ficou provado que qualquer das duas sentenças judiciais, de outras tantas ações que decorreram em tribunais judiciais, tivesse condenado alguma das Demandadas à substituição do vidro.
Por outro lado, não foi estabelecido nenhum contrato para o efeito entre a Demandante e as Demandadas, quer no conjunto, quer isoladamente.
Ora, o facto de, por erro ou outra situação pontual ter sido referido durante o período de adjudicação da obra, ou mesmo, no decurso da empreitada ter havido informação ou a prática de atos que levassem a Demandante, ou terceiros, a concluir que o vidro da fração em referência nos autos também seria substituído no decurso dos trabalhos, não é suscetível de criar a correspondente obrigação de assim proceder, nem de, por si mesmo, causar os danos que são reclamados na presente ação.
Não há dúvida que, a atuação das Demandadas, designadamente, com a montagem dos andaimes até à fração da Demandante, bem como, todo o contexto dos factos - remontando à interposição da ação no tribunal judicial em 2010 -, podem ter sido adequados a formar a convicção da Demandante que o seu vidro estava contemplado para substituição.
De facto, são também elucidativas as comunicações constantes dos autos a este respeito, como elementos reveladores que as próprias (todas) Demandadas – ou quem nas respetivas organizações, atua ao nível de responsabilidade na tomada de decisões -, estariam direcionadas para essa solução (Fls. 228).
No entanto, mesmo que a expectativa de substituição do vidro da fração da Demandante tivesse sido criada por atos ou informações dos responsáveis das Demandadas, designadamente, da demandada C, tal facto não é suscetível de desencadear o surgimento dos pressupostos da responsabilidade civil, nos termos peticionados. Cfr. art.º 485.º, n.º 1, Código Civil (CC).
Por um lado, porque não foram alegados factos que permitam enquadrar ou subsumir a causa na previsão do art.º 485.º, n.º 2, do CC; e por outro lado, a situação jurídica que se configura nos autos está fora do âmbito contratual ou pré-contratual. (Cfr., art.º 227.º do CC).
Efetivamente, a questão da procedência da ação passa pela responsabilização das Demandadas (em conjunto ou individualmente), por facto ilícito, alegadamente, por terem atuado de modo a causar os danos existentes no vidro da Demandante.
Assim, a prova de factos consubstanciadores dos pressupostos da responsabilidade civil, nos termos e para os efeitos do art.º 483.º, do CC, seria incontornável e um ónus que impendia, em exclusivo, à Demandante. Cfr., art.º 341.º; e art.º 342.º, ambos do CC.
Ora, adianta-se desde já que, não foram provados factos que atribuam a existência dos danos à conduta da Demandadas.
Efetivamente, ficou provado que a Demandada B serrou o encaixe de alucobond do vidro existente na fração da Demandante. Mas, ficou igualmente provado que, a mesma Demandada procedeu à reparação do referido material que danificou com a sua intervenção.
Relativamente ao vidro, por um lado já se encontrava fissurado, desde data muito anterior, conforme ficou provado, atenta a confissão da Demandante.
Efetivamente, mesmo que se admita que, após a retirada dos andaimes o vidro da fração da Demandante estava em pior estado do que anteriormente, no sentido de ter mais rachas ou ter aumentado a dimensão das existentes, tal facto não é suficiente para responsabilizar as Demandadas pelo facto.
A ação de quebra do vidro por ato cometido pelos funcionários da empreitada em curso teria de ter sido inequivocamente provada, o que não aconteceu nos autos, sendo certo que a prova de tal facto estava a cargo da Demandante. (Cfr., art.º 342.º, do CC).
Por outro lado, conforme resultou do depoimento da testemunha F, na qualidade de engenheiro de construção civil, o aparecimento das fissuras no vidro são progressivas, isto é, pela exposição aos elementos atmosféricos e variações climatéricas, o aparecimento de fissuras vai-se agravando com o decorrer do tempo. Pelo que, para além dos pressupostos da responsabilidade civil não serem suscetíveis de ser presumidos, é legítimo considerar que, o alegado (mas também não demonstrado) aumento das fissuras do vidro durante o período de colocação dos andaimes no edifício pode ter ocorrido por causas naturais, e a dúvida teria sempre de ser resolvida em sentido desfavorável à Demandante. Cfr. 414.º, do CPC.
Ora, já acima se referiu, mas repete-se que, não foi feita a prova inequívoca que se impunha, em como as fissuras atualmente existentes no vidro, na sua quantidade e extensão foram causadas pelas Demandados, designadamente, durante a intervenção da demandada B, ao ter serrado o alucobond.
Assim, não ficou provado o nexo de causalidade entre a intervenção dos colaboradores da B e o alegado agravamento do número e extensão das fissuras.
Por outro lado, a premência da substituição do referido vidro é muito anterior à intervenção das Demandadas. De facto, ficou provado que, pelo menos, desde 21 de abril de 2010, o vidro já estava com fissurado e a precisar de ser substituído. Pelo que, nada nos autos permite inferir que, só após a obra realizada pelas Demandadas os danos existentes no vidro são de molde a determinar a necessidade da respetiva substituição.
Deste modo, a Demandante não logrou carrear para os autos os meios probatórios capazes de sustentar a descrição dos factos constantes do seu requerimento inicial, não podendo ser imputada às Demandadas a responsabilidade pelos danos existentes no vidro da sua fração.
Donde resulta que, a ação deverá improceder totalmente.
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DECISÃO
Pelo exposto, e com os fundamentos acima invocados, julgo a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e consequentemente absolvo as demandadas B; C; e D, de todos os pedidos contra si formulados.
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Custas:
Nos termos da Portaria 1456/2001, de 28/12, declaro a Demandante parte vencida, condenando a mesma ao pagamento das custas do processo, no montante global de €70,00 (setenta euros), pelo que, a mesma deve proceder ao pagamento da segunda parcela de €35,00 (trinta e cinco euros) no prazo de três dias úteis e comprovar o facto no Julgado de Paz, sob cominação do pagamento de uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da referida obrigação.
Cumpra-se o disposto no art.º 9.º, da Portaria 1456/2001, de 28/12, relativamente à Demandada B.
Notifique e registe.
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Julgado de Paz do Funchal, em 23 de janeiro de 2019

O Juiz de Paz

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Carlos Ferreira