Sentença de Julgado de Paz
Processo: 32/2015-JP
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ACTIVIDADE PERIGOSA - ENERGIA
DANOS
ÓNUS DA PROVA
LEGITIMIDADE.
Data da sentença: 11/10/2017
Julgado de Paz de : OESTE-BOMBARRAL
Decisão Texto Integral: Sentença

Demandantes: A, portador do NIF n.º …, residente na Rua …,
Demandadas: B com sede na ….
e
C, com o NIPC …, sede na Rua ….---------
Relatório:
O Demandante peticiona a condenação da demandada, no pagamento da quantia de 2.985,00€ a título de indemnização, despesas, danos patrimoniais e morais sofridos em consequência de um corte de fornecimento de energia eléctrica, bem como juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Para tanto, alegou os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 1 a 9, cujo teor se dá por reproduzido e juntou 10 documentos.

Regularmente citada, veio a demandada B apresentar a contestação de fls. 28 a 32 cujo teor aqui se dá por reproduzido, alegando a sua ilegitimidade para ser demandada na presente acção, na medida em que não cabe no seu objeto social o transporte, distribuição ou comercialização de energia eléctrica.

Notificado da referida contestação e alegação da ilegitimidade, veio o demandante a fls 42 e 43 requerer o chamamento da empresa C, por intervenção principal provocada.

Por despacho de fls. 55, foi admitida a requerida intervenção, pelo que regularmente citada a C apresentou a sua douta contestação de fls. 71 a 82, que aqui se dá por reproduzida pugnando pela improcedência da acção na medida em que realizou o corte de fornecimento de energia na habitação do demandante, em cumprimento do Regulamento das Relações Comerciais do Sector Elétrico ERSE. Juntou 3 documentos.

Marcada sessão de pré-mediação, a mesma não se realizou por falta das demandadas, razão pela qual, foi agendado dia e hora para a audiência de julgamento, que se não se realizou a requerimento do demandante que não prescindiu da presença da sua da sua Ilustre Patrona, que faltou. Marcada segunda data para realização da audiência de julgamento, esta realizou-se com observância das formalidades legais, conforme da acta que antecede se alcança.

QUESTÃO PRÉVIA – DA EXCEPÇÃO DE ILEGITIMIDADE

Cumpre antes de mais, decidir da alegada excepção de ilegitimidade da primeira demandada.

No artigo 30.º nº 1 do C.P.C., aplicável ex vi pelo artigo 63.º da Lei nº78/2001 de 13 de julho, alterada pela Lei 54/2013 de 31 de julho (doravante LJP), é-nos dado o conceito de legitimidade: “O autor é parte legítima quando tem interesse em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção, o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer”.
Com a redação introduzida no nº 3 do mesmo preceito legal, adoptou-se uma formulação de legitimidade assente na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor.
Assim, a ilegitimidade de qualquer das partes apenas ocorrerá quando em juízo não se encontrar o titular da alegada relação material controvertida, ou, quando legalmente não for permitida a titularidade daquela relação.
Ora, nos termos documentados nos autos (fls.29) a demandada B tem por objecto social “a promoção, dinamização e gestão, por forma directa ou indirecta, de empreendimentos e actividades do sector energético, tanto ao nível nacional como internacional, com vista ao incremento e aperfeiçoamento do desempenho conjunto das sociedades do seu grupo.” O referido objecto não inclui, portanto, o transporte e distribuição de energia elétrica que cabe a outra empresa do grupo D com personalidade jurídica distinta, no caso a segunda demandada.

Sendo a C a titular da relação material controvertida, procede a invocada excepção de ilegitimidade.

A ilegitimidade é uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no art 577ºe 578º do CPC.
As excepções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ( art. 278º n.º 1 al. e) e 576º n.º 2 do CPC).

Assim, decido pela absolvição da Instância quanto à primeira demandada, nos termos conjugados dos arts. 278º, 576 n.º 2 , 577 al. e) e 578º do CPC ex vi art. 63º da LJP.


***

Reunidos os pressupostos de estabilidade, regularidade e validade da instância, inexistindo questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa, e com observância do artº 60º alínea c) da Lei nº 78/2001, de 13/07, alterada pela Lei nº 54/2013, de 31/07 (doravante LJP), cumpre apreciar e decidir.

Fundamentação
Factos provados:
1. Em Julho de 2013 o demandante constatou que o interruptor do quadro geral da sua habitação se encontrava danificado.
2. Em 19 de Julho de 2013 o demandante contactou telefonicamente os serviços da demandada para que procedesse á substituição do equipamento.
3. Foi agendado com o demandante o dia 22 de Julho de 2013 para a devida reparação.
4. No dia 22 de Julho de 2013, a C fez deslocar equipa para reparação do equipamento, não se encontrando ninguém em casa que permitisse o acesso ao interior da habitação.
5. Os serviços da 2ª demandada programaram a intervenção para o dia 24 de Julho de 2013.
6. Os técnicos ao serviço da demandada deslocaram-se à residência do demandante em 24 de Julho de 2013, não encontrando ninguém em casa.
7. Os serviços da demandada reprogramaram a reparação para o dia 21 de Agosto de 2013.
8. No dia 21 de Agosto de 2013 não se encontraram ninguém em casa do demandante, tendo procedido ao corte de fornecimento de energia elétrica na habitação do demandante.
9. Em 23 de Agosto de 2013, pelas 11 horas o demandante contactou os serviços da C, dando conta que não tinha energia.
10. A segunda demandada procedeu à religação do fornecimento de energia no dia 23 de Agosto de 2013 pelas 13h23m.
11. A reparação do equipamento do quadro (DCP) foi efectuada no dia 28 de Agosto de 2013.
12. O demandante reclamou junto do serviço ao cliente do facto de ter sido suspenso o fornecimento de energia, alegando ter tido prejuízos, por email de 23 de Agosto de 2013, 26 de Agosto de 2013 e 30 de Agosto de 2013
13. A demandada, remeteu uma carta datada de 25 de Junho de 2014 ao demandante, em resposta dos dois primeiros emails referidos em 12, na qual não aceita a responsabilidade de eventuais prejuízos sofridos.
14. O demandante apresentou queixa junto da Deco.

Factos não provados
1. No dia 20 de Agosto de 2013, o técnico substituiu o interruptor sem estar alguém em casa.
2. Na data referida em 1, o demandante viajou para Espanha para visitar o irmão que lhe fora diagnosticado cancro dos pulmões.
3. Havia um cheiro nauseabundo na casa, quando o demandante regressou de Espanha.
4. O demandante solicitou à demandada, o ressarcimento de 385,00€ por email.
5. Em Setembro de 2013 o demandante foi contactado telefonicamente por uma colaboradora da demandada a informar que estavam a investigar o sucedido e posteriormente entrariam em contacto.
6. O demandante viu estragado no seu frigorifico iogurtes, queijo, fruta (uvas e maçãs), alface, tomates, salpicão e ovos.
7. O demandante tem uma família grande e detém sempre a sua arca congeladora repleta de comida.
8. O demandante recebe com regularidade visitas dos seus familiares.
9. No interior da arca congeladora encontrava-se um carneiro da sua criação que acabara de matar.
10. O valor dos alimentos do frigorífico e arca congeladora ascende a 385,00€
11. Para adquirir novos alimentos o demandante despendeu mais de 500,00€.
12. O demandante gastou 500,00€ em produtos de limpeza e serviços de limpeza por causa do cheiro.
13. Em diligências para resolução do problema, nomeadamente tempo despendido e dias de trabalho perdido, envio de cartas, telefonemas e reuniões, o demandante gastou 600,00€.
14. Em virtude da situação descrita nos autos, o demandante andou sem dormir, anda triste, vexado, enervado, sempre meditabundo, tendo de relembrar sempre a situação uma vez que ainda sente o cheiro de comida estragada no frigorífico e arca congeladora.
15. A demandada remeteu carta ao demandante datada de 26 de Julho, na qual solicita contacto para marcação de dia e hora para a devida reparação e onde refere que, se não for realizado exame ao equipamento de contagem e protecção, no prazo de 15 dias “(…) seremos forçados a interromper o fornecimento de energia eléctrica a esse local de consumo.”

Motivação
A matéria dada como provada e não provada resulta dos documentos juntos aos autos a fls. 11 a 16, 83 e 84 bem como do depoimento da testemunha arrolada pela demandada, que com conhecimento directo dos factos depôs com credibilidade e clareza.
Os factos considerados não provados 1 a 14 resultam de total ausência de prova.
Por outro lado, a falta de prova que infirmasse o envio do documento referido em 15 – impugnado pelo demandante -, conduziu à consideração do facto como não provado.

O DIREITO
Vejamos se da matéria assente, a demandada pode ser responsabilizada pelos prejuízos sofridos pelo demandante, quer patrimoniais, quer não patrimoniais.
Da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana
São pressupostos desta responsabilidade:
- a ocorrência de um facto, ou seja, uma acção humana sob o domínio da vontade;
- a ilicitude, isto é, a violação de direitos subjetivos absolutos ou de normas que visem tutelar interesses privados;
- a culpa do agente que praticou o facto, ou seja, o juízo de censura ou reprovação que o Direito faz recair sobre o lesante porquanto agiu ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma
- e, por fim, um nexo de causalidade entre esse facto e o dano provocado, de acordo com a teoria da causalidade adequada.
A responsabilidade civil, em regra, pressupõe a culpa, a qual se traduz numa determinada posição, actuação ou omissão do agente perante o facto. Para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade, é necessário que o agente tenha agido com dolo ou mera culpa, como dispõe o art.º 483º, n.º 1 do Código Civil.
Neste tipo de responsabilidade baseada na culpa - responsabilidade subjectiva - cabe ao lesado a prova dos seus factos integradores, salvo havendo presunção legal (art.º 487º,n.º1do C.Civil).
O art.º 493º, n.º 2 do Código Civil estabelece uma presunção legal de culpa ao dispor que “quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.
O que qualifica uma actividade como perigosa será a sua especial aptidão para causar danos, aptidão que tanto pode radicar na sua própria natureza como na natureza dos meios utilizados.
O exercício de actividades perigosas cria por definição um perigo de danos que o legislador entendeu que, a ocorrerem, devem ser reparados por quem exerce essa actividade, excepto se demonstrar que tomou todas as providências exigidas pelas circunstâncias. Não basta ter sido mais ou menos diligente. Tratando-se de actividades que pela sua natureza exigem a observância dum conjunto de medidas técnicas, são estas que têm de ser tomadas integralmente - o preceito fala em "todas" - Ou, por outras palavras, a culpa do lesante é equiparada à falta de demonstração pelo próprio de que agiu com total competência.” cit. Ac.STJ de 1-06-2006 in www.dgsi.pt.
Por outro lado, a par da responsabilidade subjectiva, a lei admite, embora excepcionalmente, a obrigação de indemnizar independentemente de culpa, - responsabilidade objectiva ou pelo risco, cuja teoria se baseia no facto de dever suportar os riscos da actividade quem tira dela aproveita.
A lei impõe assim que, quem beneficia de certas atividades, suporte – objetivamente os respetivos riscos, por entender que estas “como auferem o principal proveito da sua utilização é justo que suportem os respetivos riscos”, Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 3ª, Edição, Pág. 586.
Nos termos da Portaria n.º 596/2010, de 30 de Julho - Anexo II, “Os operadores de redes de distribuição, por intermédio de técnicos por si designados e devidamente identificados, têm o direito de livre acesso aos locais das instalações, ligadas àquelas redes, onde estão instalados os equipamentos e os sistemas de medição, de contagem de energia e de registo e transmissão de dados, para acções relacionadas com leitura, conservação ou substituição de equipamentos de sua propriedade, verificação do sistema de protecção e realização de ensaios.”

O livre acesso tem, no entanto, algumas condições legais, nomeadamente dispõe a alínea b) do art. 1.8.2 do citado diploma: “No caso de instalações de utilização doméstica, o livre acesso pode ser exercido nos dias úteis, no horário das 9 às 18 horas, desde que o consumidor, ou um seu representante, se encontre presente. No caso de ausência deste, o acesso será realizado em horário previamente acordado ou, quando não seja possível esse acordo, em horário previamente comunicado, por escrito, pelo operador de rede.”(sublinhado nosso)
Ainda nos termos da mesma portaria, (art. 1.8.3. al. a) e b)) quando o consumidor não permita o exercício do direito de acesso , o operador poderá interromper a entrega de energia eléctrica nas seguintes condições: “a) A interrupção da recepção de energia eléctrica será efectuada mediante pré -aviso com uma antecedência mínima de vinte e quatro horas;
b) A interrupção da entrega será feita nos termos estabelecidos no Regulamento de Relações Comerciais. (remissão para os art. 33º, 69º e 75º do Regulamento n.º 561/2014 de 22 de Dezembro)
Expostas estas regras, é tempo de fazer a subsunção jurídica do presente caso.
Ora, resulta provado, nos autos, que existiu apenas um agendamento para reparação do equipamento sendo certo que as restantes datas nas quais se deslocaram os técnicos á habitação do demandante, foram por estes programadas sem comunicação e acordo daquele.
Por outro lado, não resulta provado que a demandada tenha, por escrito, avisado o demandante da possibilidade de interrupção do fornecimento de energia caso não contactasse os serviços com vista ao agendamento da reparação.
Assim, não podemos considerar, como alega a demandada, que o corte de energia eléctrica tenha ocorrido em cumprimento de disposições legais. Pelo contrário resulta dos autos que a demandada não cumpriu, como lhe cabia, o agendamento das datas de deslocação dos técnicos ou o pré-aviso de corte de fornecimento.
Assim, verifica-se a ilicitude da conduta da demandada, requisito da responsabilidade civil nos termos explanados.
O corte de energia ocorrido desde 21 de Agosto de 2013 a 23 de Agosto de 2013, é causa adequada da produção de danos (nos que respeita alimentos perecíveis) por desligamento dos equipamentos de frio, em plena época de Verão.
No entanto, nos termos do disposto no art. 342º do CC, caberia ao demandante provar, em concreto a verificação dos danos que alega ter sofrido, pois, apesar de resultar da experiência comum que um frigorifico e arca desligados durante dois dias, poderão conduzir ao perecimento de alimentos ali existentes, o que é certo é que tal facto necessitaria de ser provado. Ou seja, caberia ao demandante apresentar prova - documental ou testemunhal - de quais os elementos que detinha e os valores que alega ter despendido na sua reposição. Não o fazendo a acção está votada ao insucesso.
Quanto aos restantes danos alegados não resultaram provados por qualquer forma, nomeadamente despesas de limpeza, com diligências efectuadas e danos não patrimoniais, pelo que tais pedidos haverão igualmente de improceder.
Ora, para a procedência de uma acção fundada em responsabilidade civil, o demandante deverá alegar e provar factos que consubstanciem os requisitos acima explanados, sendo absolutamente essencial que prove a produção de um dano, de um prejuízo derivado da conduta de outrem.
O exposto aplica-se no âmbito da responsabilidade subjectiva como no regime da responsabilidade objectiva ou pelo risco, porquanto nenhum dos regimes dispensa o preenchimento dos requisitos cumulativos da responsabilidade civil aquiliana.
Por tudo quanto foi dito, não poderá a presente acção proceder, pelo que desnecessárias se tornam maiores considerações, nomeadamente quanto aos restantes requisitos da responsabilidade civil.
No que diz respeito ao pedido de condenação do Demandante, por litigância de má-fé, dispõe o art.º 542.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, litiga de má-fé quem, “com dolo ou negligência grave: a)Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; e c) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Na litigância de má-fé, é necessário que se deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento as partes não ignoram, se tenha conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais, ou que se tenha feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal ou de entorpecer a ação da justiça ou de impedir a descoberta da verdade.” entre muitos outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-09-2013.
Ora, ainda que os valores peticionados pudessem, em abstracto, considerar-se desajustados, não nos parece que tal facto se possa enquadrar no citado dispositivo legal, para além de que não se poderá penalizar o demandante pela falta de prova evidenciada nos autos, para além da improcedência da acção.

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DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente ação totalmente improcedente, por não provada, decido absolver a demandada C do pedido contra si deduzido na presente acção.
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As custas serão suportadas pelo demandante, sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário a fls.17 a 20 dos autos (Art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro), tendo as demandadas B e C direito ao reembolso da quantia de 35€ nos termos do art. 9º da citada portaria.
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Registe.
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Bombarral, 10 de Novembro de 2017
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.)
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(Cristina Eusébio)