Sentença de Julgado de Paz
Processo: 439/2016-JPPRT
Relator: CRISTINA BARBOSA
Descritores: CONTRATO DE VIAGEM ORGANIZADA
Data da sentença: 12/18/2018
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral: OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante intentou contra a Demandada, a presente acção declarativa, enquadrada na als a) e i) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo a condenação desta:
a) a restituir-lhe a quantia de € 687,50, a título dos restantes 50% do valor do preço da viagem por esta já pago, acrescido de juros legais, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
b) a pagar-lhe a quantia de € 350,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros legais, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
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A Demandada apresentou contestação nos termos plasmados a fls.33 a 48.
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Procedeu-se à realização da Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal, consoante resulta da Acta.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor - que se fixa em € 1.037,50 – artºs 297º nº1 e 306º nº2, ambos do C.P.Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (a Demandada por representação – artº 25º nº1 do C.P.Civil) e são legítimas.
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FACTOS PROVADOS:

A. A ------- B ------- ----------, Viagens e Turismo, SA, organizou para a Paróquia de Santa Maria da Feira e respectivos paroquianos uma viagem à Alemanha e à Áustria, de 3 a 9 de Setembro de 2014.
B. Fê-lo a pedido do Pároco da Paróquia Santa Maria da Feira.
C. As viagens de grupo, são geralmente organizadas com bastante antecedência, a fim de se conseguirem, tarifas mais baratas, para um número mínimo de participantes.
D. A viagem da Paróquia de Santa Maria da Feira, começou a ser tratada entre o Pároco e a Demandada, em Dezembro de 2013.
E. Tendo a Demandada contactado com companhias aéreas, hotéis, transferes e guias, no sentido de ser elaborado o respectivo Programa Preliminar de Viagem.
F. O qual foi entregue em Fevereiro de 2014 ao Pároco, tendo o mesmo sido afixado na Paróquia, ainda durante o mesmo mês.
G. Tal como consta do Programa Preliminar de Viagem, as informações e inscrições realizar-se-iam junto da Paróquia de Santa Maria da Feira, na pessoa do Exmº Sr. Padre C
H. Na sequência dessa afixação, foi sendo distribuído aos interessados, à medida que ia sendo solicitado, o respectivo programa preliminar de viagem, em formato A4 dobrado, onde se informavam desde logo, as datas definitivas de viagem, companhia aérea contratada, locais a visitar, serviços incluídos e não incluídos e documentação necessária.
I. O Programa Preliminar de Viagem, contém o número de telefone da Demandada e contacto de e-mail.
J. No dia 19 de Julho de 2014, a Demandante contactou formalmente o Sr. Padre C, com o intuito de recolher informações e esclarecimentos da referida viagem.
K. Nesse mesmo dia a Demandante assinou o boletim de inscrição e entregou €250,00 ao Exmº Sr. Padre C, por conta da inscrição na viagem.
L. No dia 20 de Agosto de 2014, a Demandante entregou os restantes €1.125,00 para pagamento integral da referida viagem, já que o preço total estabelecido fora de € 1.375,00.
M. Esse pagamento ocorreu um dia após a data limite da entrega do mesmo, conforme previsto no Boletim de Inscrição.
N. A Demandante comunicou ao Sr. Padre C, o imediato cancelamento da viagem, já que ficou a saber que a sua filha estava a lutar pela vida.
O. Comunicação essa ocorrida em 21 de Agosto de 2014.
P. No dia 26 de Agosto de 2014, a Demandante, juntamente com o seu filho, contactaram presencialmente o Sr. Padre C e a Paróquia de Santa Maria da Feira, no sentido de obterem o reembolso da quantia respeitante ao preço da viagem efectivamente paga.
Q. Foi dito pelo Sr. Padre C, que apenas teria direito a metade do valor pago (€687,50), dado que a Demandante tinha cancelado a viagem.
R. Aí, também foi dito pelo Sr. Padre C, que poderia “subir” o valor para €800,00.
S. Nunca foi referida a existência (ou não) de seguro para o caso de cancelamento da viagem.
T. Sendo que, posteriormente, a Demandante apurou não existir nenhum seguro que pudesse acionar para o efeito.
U. Não obstante ter sido feita alusão ao mesmo nos documentos.
V. Face a esta situação, a Demandante não aceitou naquele momento o valor proposto de € 800,00.
W. Nessa sequência, o mandatário da Demandante enviou uma missiva a interpelar a Paróquia e o Pároco de Santa Maria da Feira, para que procedessem ao reembolso total da viagem paga.
X. Bem como requereu o envio de toda a documentação relativa à viagem contratada.
Y. No dia 7 de Outubro, foi enviado à Demandante um cheque no valor correspondente a metade da viagem (€687,50).
Z. Já anteriormente a Demandante se tinha inscrito e participado numa viagem organizada pela Demandada.
AA. A Demandante é uma pessoa com pouca escolaridade e de fracos recursos financeiros.
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FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA

Os factos assentes em A., B., J, K., L., N., P., Q., R., S., T., U., V., W. e Y consideram-se admitidos por acordo, nos termos do nº2 do artº 574º do C.P. Civil.
Os factos constantes de C., D., E., F., H., M., O. e Z., resultaram provados do depoimento das testemunhas D, funcionário da Demandada e do Pároco, C, que demonstraram ter conhecimento directo destes factos e cujos depoimentos se revelaram isentos, seguros e credíveis.
Os factos constantes de G., I., e A.A., resultaram provados da conjugação do documento de fls. 13/14 e depoimento da testemunha E, filho da Demandante, cujo depoimento se revelou, seguro, isento e credível.
O facto constante de X, resultou provado do documento de fls. 15/16.
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Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou prova convincente.
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DIREITO
Resulta da matéria de facto provada, que a Demandada, organizou para a Paróquia de Santa Maria da Feira e respectivos paroquianos uma viagem à Alemanha e à Áustria, a realizar de 3 a 9 de Setembro de 2014, tendo para tal, contactado com companhias aéreas, hotéis, transferes e guias, no sentido de ser elaborado o respectivo Programa Preliminar de Viagem.
Tal como consta do Programa Preliminar de Viagem, as informações e inscrições realizar-se-iam junto daquela Paróquia, na pessoa do Exmº Sr. Padre C. Nessa medida, no dia 19 de Julho de 2014, a Demandante contactou formalmente o Sr. Padre, com o intuito de recolher informações e esclarecimentos da referida viagem, tendo procedido à sua inscrição com a assinatura do boletim de inscrição e entregado €250,00 por conta do preço de € 1.375,00.
O contrato de viagem organizada é um acordo de vontades entre uma agência de viagens e o turista, através do qual aquela assume a obrigação de planificar e realizar uma viagem organizada, na qual o turista participa mediante uma contraprestação pecuniária, regime definido no Dec-Lei nº 61/2011 de 6 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Dec-Lei nº199/2012, de 24 de Agosto.
O nº 2 do artº 15º do supra citado Dec-Lei, estabelece que: “São viagens organizadas as viagens turísticas que, combinando previamente dois dos serviços seguintes, sejam vendidas ou propostas para a venda a um preço com tudo incluído, quando excedam vinte e quatro horas ou incluam uma dormida:
a) Transporte
b) Alojamento
c) Serviços turísticos não subsidiários do transporte e do alojamento, nomeadamente os relacionados com eventos desportivos, religiosos e culturais, desde que representem uma parte significativa da viagem.
É assim, o contrato dos autos um típico contrato de viagem organizada.
Provou-se ainda, que no dia 20 de Agosto de 2014, a Demandante entregou os restantes €1.125,00 para pagamento integral da referida viagem, tendo esse pagamento ocorrido um dia após a data limite da entrega do mesmo, conforme previsto no Boletim de Inscrição e em 21 de Agosto, a Demandante comunicou ao Sr. Padre C, o imediato cancelamento da viagem, já que ficou a saber que a sua filha estava a lutar pela vida.
No dia 26 de Agosto de 2014, a Demandante, juntamente com o seu filho, contactaram presencialmente o Sr. Padre C e a Paróquia de Santa Maria da Feira, no sentido de obterem o reembolso da quantia respeitante ao preço da viagem efectivamente paga, tendo sido dito pelo Sr. Padre C, que apenas teria direito a metade do valor pago (€687,50), dado que a Demandante tinha cancelado a mesma.
A questão a apreciar, é pois, se a Demandante, face ao cancelamento da viagem, tem direito ao reembolso integral do preço pago.
A Demandada entende que não, invocando as Condições Gerais que junta a fls. 120, nos termos das quais, a anulação de participações num grupo já fechado, de 19 dias a 8 dias antes da partida, acarretará a penalização de 50% do valor total da viagem.
Por sua vez, a Demandante alega nunca ter tido conhecimento das referidas Condições Gerais, nem por sua vez, a Demandada a esclareceu s/a existência de qualquer seguro, consoante é obrigada nos termos legais.
Em matéria de responsabilidade, prescreve o artº 29º nº1 do supra referido Decreto - Lei, que as agências são responsáveis perante os seus clientes pelo pontual cumprimento das obrigações resultantes da venda de viagens turísticas.
Trata-se de um conjunto de obrigações de organização, as quais são de diversa natureza, nomeadamente, a obrigação de informação (artgs 16º, 21º), a obrigação de entrega ao cliente da documentação necessária à obtenção dos serviços integrados na viagem (17º) e a obrigação de assistência (artº 28º).
Nos termos do artº 21º, antes do início de qualquer viagem organizada, a agência deve prestar ao cliente, em tempo útil, por escrito ou por outra forma adequada, as seguintes informações: e) a possibilidade de celebração de um contrato de seguro que cubra as despesas resultantes da rescisão pelo cliente (...).
Tal como é referido em “O Contrato de Viagem Organizada” de Miguel Miranda – Almedina – pág. 206, a violação destas obrigações que recaem directamente sobre a agência organizadora após a celebração do contrato, conduzirá a situações de incumprimento contratual, acarretando a responsabilização subjectiva da agência, isto é, com fundamento na culpa, pela não execução de determinados serviços ou pela sua execução defeituosa.
O artº 26º do Dec-Lei nº 61/2011 de 6 de Maio, prescreve o direito de rescisão do cliente, nos termos do qual este pode rescindir o contrato a todo o tempo, devendo a agência reembolsá-lo do montante antecipadamente pago, deduzindo os encargos a que, comprovadamente, o início do cumprimento do contrato e a rescisão tenham dado lugar e uma parte do preço do serviço não superior a 15%.
Ora, é certo que, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no Código Civil ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver, nos termos do disposto no artº 405º nº1 do Cód. Civil, contudo, também é verdade, que o contrato em apreciação nos autos, engloba cláusulas que se subsumem nas cláusulas contratuais gerais, o que implica para a Demandada o ónus da prova de que as mesmas foram comunicadas à Demandante e que esta foi informada s/o respectivo conteúdo, nos termos previstos no Dec-Lei 446/85 de 25 de Outubro, designadamente artgºs 5º e 6º, o que não logrou fazer, pelo que a cláusula invocada pela Demandante s/a penalidade do cancelamento se tem de considerar não escrita.
Há no entanto, que aplicar o regime previsto no citado Dec-Lei 61/2011 ou seja, a Demandada poderia deduzir os encargos a que o início do cumprimento do contrato tenha dado lugar (desde que comprovados) e ainda uma parte do preço do serviço não superior a 15%.
Ora, não tendo sido comprovados quaisquer encargos, resta a dedução de 15% do preço do serviço, o que importa o montante de € 206,25, sendo, pois esta a quantia que a Demandada poderia reduzir ao reembolso do valor pago pela viagem.
Tendo em conta, no entanto, a responsabilização subjectiva da Demandada, pela falta de informação quanto à existência (ou não) do seguro de cancelamento da viagem, com clara violação das suas obrigações legais, não poderá reter qualquer importância, devendo reembolsar a Demandante do valor integralmente pago, neste caso, dos restantes 50%, no montante de € 687,50.
Peticionou ainda a Demandante a quantia de € 350,00, a título de danos não patrimoniais.
Aplicando-se também à responsabilidade contratual, o disposto no artº 496º do C. Civil, o certo é que este artigo determina que os danos não patrimoniais apenas serão indemnizáveis, se pela sua gravidade merecerem a tutela do direito, o que não o caso dos presentes autos, pelo que nesta parte, a pretensão da Demandante tem de improceder.
Sobre a quantia de € 687,50, serão devidos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento (arts 804º e 805º nº1 do C.P. Civil e Portaria nº 291/2003, de 08.04).
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Da requerida litigância de má-fé:
Os pressupostos da litigância de má fé encontram-se regulados no artº 542º do C.P. Civil, podendo distinguir-se entre aqueles que têm natureza subjectiva dos que têm natureza objectiva, havendo tal tipo de litigância quando estão reunidos os pressupostos das duas mencionadas naturezas.
Nos termos do citado artº 542º deve ser condenado como litigante de má fé todo aquele que, com dolo ou negligência grave, deduz pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar, devendo ainda ser condenado como tal quem tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa ou aquele que tiver violado gravemente os deveres de cooperação ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão – als. a) a d) do nº 2.
Nos presentes autos, não se vislumbra nos autos qualquer comportamento da Demandante, susceptível de ser considerado como litigante de má-fé, tendo em conta os pressupostos supra referidos.
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DECISÃO
Pelo exposto e nos termos referidos supra, julgo parcialmente procedente a presente acção e em consequência, condena-se a Demandada a devolver à Demandante a quantia de € 687,50 (seiscentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.
Custas na proporção do decaimento, que se fixam em 34 % para a Demandante e em 66% para a Demandada, em conformidade com os artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Registe e notifique.
Porto, 18 de Dezembro de 2018
A Juíza de Paz
(Cristina Barbosa