Sentença de Julgado de Paz
Processo: 941/2014-JP
Relator: DR.ª CRISTINA BARBOSA
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE E ALOJAMENTO ORGANIZADOS- REEMBOLSO
Data da sentença: 12/10/2015
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

Proc.º 941/2014-JP em que são partes:

Demandante: A
Demandada: B
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OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante intentou contra a Demandada, a presente acção declarativa, enquadrada nas al.s a) e i) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo a condenação desta a devolver-lhe a quantia de € 4.275,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a propositura da acção até efectivo e integral pagamento.
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A Demandada apresentou contestação nos termos plasmados a fls.34 a 39.
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Procedeu-se à realização da Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal, consoante resulta da Acta.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor - que se fixa em € 4.725,00 – artºs 297º nº1 e 306º nº2, ambos do C.P.Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (a Demandada por representação – artº 25º nº1 do C.P.Civil) e são legítimas.
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FACTOS PROVADOS:
A. Em Agosto de 2013 a Demandante solicitou à Demandada, uma reserva para 3 pessoas para Istambul e Capadócia de 14 a 18 de Agosto desse ano.
B. Cujo preço importou a quantia de € 4.725,00.
C. A Demandada efectuou a respectiva reserva.
D. A Demandada efectuou o Check Inn Online com a TAP.
E. A Demandante no dia 14/08/2013 procedeu ao pagamento da quantia referida em B. supra.
F. Quando a Demandante foi buscar a documentação à agência, foi-lhe dito pela funcionária da Demandada, Cristina Rito que o Chek in já estava feito.
G. Por forma a que a Demandante na viagem Porto/Lisboa/Istambul, não tivesse que sair, em Lisboa, da sala de embarque e efectuar novo check in.
H. No entanto, ao balcão da C, no aeroporto Francisco Sá Carneiro, foi dito à Demandante que havia problemas com os bilhetes.-----------------------------------
I. Tendo, a operadora do balcão, após cerca de 30 minutos, dito para os passageiros embarcarem para Lisboa e no aeroporto da Portela ir ao balcão central para resolver o problema.
J. Em Lisboa, a Demandante dirigiu-se ao balcão central, tendo sido encaminhada para a porta de embarque da Turkish Airlines.
K. Quando chegaram à porta de embarque, já estava fechada.
L. Dirigiu-se de seguida ao balcão da Turkish Airlines onde lhe foi dito que nada podiam fazer.
M. A Demandante entrou de imediato em contacto com a Demandada, na pessoa de D, a qual disse para a Demandante se dirigir ao balcão da C .----
N. No balcão da C foi-lhe dito que o check in não tinha sido feito.
O. Disseram-lhe ainda que lhe arranjavam um voo para o dia seguinte.
P. A Demandante não aceitou a alternativa dada pela companhia aérea C.
Q. Tendo ficado em Lisboa até às 17.00h e sem transporte para casa.
R. A Demandante foi contactada pela Demandada através de e-mail enviado em 16.08.2014.
S. A Demandada procedeu ao envio de diversos emails aos hotéis e aos fornecedores para tentar os reembolsos dos hotéis e transferes.
T. Tendo sido reembolsada pela C, bem como de um dos transferes.
U. A Demandante enviou à Demandada uma carta registada em 12.05.2014, à qual esta não respondeu.
V. A Demandante contactou a C por carta, da qual não recebeu resposta.
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FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA

Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos e depoimento testemunhal prestado em sede de audiência final.
Foram considerados os depoimentos das testemunhas E, uma das acompanhantes da Demandante na viagem e D, funcionária da Demandada, ambas com conhecimento directo dos factos em apreciação nos presentes autos.
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Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou prova convincente.
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DIREITO
Resulta dos autos que em Agosto de 2013, a Demandante contratou com a Demandada uma viagem para 3 pessoas para Istambul e Capadócia de 14 a 18 de Agosto desse ano, combinando os serviços de transporte e alojamento.
O preço acordado e pago foi de € 4.725,00.
O contrato de viagem organizada é um acordo de vontades entre uma agência de viagens e o turista, através do qual aquela assume a obrigação de planificar e realizar uma viagem organizada, na qual o turista participa mediante uma contraprestação pecuniária, regime definido no Dec-Lei nº199/2012, de 24 de Agosto.--------------------
O nº 2 do artº 15º do supra citado Dec-Lei, estabelece que: “São viagens organizadas as viagens turísticas que, combinando previamente dois dos serviços seguintes, sejam vendidas ou propostas para a venda a um preço com tudo incluído, quando excedam vinte e quatro horas ou incluam uma dormida:
a) Transporte
b) Alojamento
c) Serviços turísticos não subsidiários do transporte e do alojamento, nomeadamente os relacionados com eventos desportivos, religiosos e culturais, desde que representem uma parte significativa da viagem.
É assim, o contrato dos autos um típico contrato de viagem organizada.
Da matéria de facto provada, resulta ainda, que a Demandante e acompanhantes não embarcaram no voo Lisboa/Istambul, por a porta de embarque já se encontrar fechada. Ainda no aeroporto Francisco Sá Carneiro, foi-lhes dito no balcão da C que havia problemas com os bilhetes e para embarcarem para Lisboa e no aeroporto da Portela irem ao balcão central para resolver o problema.
Em Lisboa, assim o fizeram, dirigindo-se ao balcão central, mas o que é certo, é que, quando chegaram à porta de embarque, esta já estava fechada e no balcão da Turkish Airlines, foi-lhes dito nada poderem fazer. A Demandante entrou de imediato em contacto com a Demandada, na pessoa de D, a qual disse para a Demandante se dirigir ao balcão da C, tendo-lhe aqui sido dito que o check in não tinha sido feito. Como alternativa, a C disse ainda que lhe arranjavam um voo para o dia seguinte, mas a Demandante não aceitou.
Em matéria de responsabilidade, prescreve o artº 29º nº1 do supra referido Decreto - Lei, que as agências são responsáveis perante os seus clientes pelo pontual cumprimento das obrigações resultantes da venda de viagens turísticas.
Trata-se de um conjunto de obrigações de organização, as quais são de diversa natureza, nomeadamente, a obrigação de informação (artgs 16º, 21º), a obrigação de entrega ao cliente da documentação necessária à obtenção dos serviços integrados na viagem (17º) e a obrigação de assistência (artº 28º).
Tal como é referido em “O Contrato de Viagem Organizada” de Miguel Miranda – Almedina – pág. 206, a violação destas obrigações que recaem directamente sobre a agência organizadora após a celebração do contrato, conduzirá a situações de incumprimento contratual, acarretando a responsabilização subjectiva da agência, isto é, com fundamento na culpa, pela não execução de determinados serviços ou pela sua execução defeituosa.
No caso dos autos, é certo que a Demandante e acompanhantes perderam o voo Lisboa/Istambul, por facto que lhes não é imputável e que se prendia com os bilhetes (boarding cards), in casu, com o respectivo check in.
A Demandada alegou ter efectuado o respectivo check in correctamente, por forma a que a Demandante na viagem Porto/Lisboa/Istambul, não tivesse que sair, em Lisboa, da sala de embarque e efectuar novo checkin, mas na realidade não foi isso que aconteceu.
Analisando o documento de fls.97: “Na verdade, o bilhete com que a passageira tinha feito ckin online para o percurso da Turkish era um bilhete void, por isso a colega que estava no balcão do Porto agiu correctamente ao retirar esse talão à passageira. O que normalmente se passaria…a agente de ckin teria retirado um novo talão de embarque associando o nr de bilhete ao segmento de voo mas sendo um voo em codeshare com a TK não é permitida a associação manual de tkts. Assim a solução teria sido sempre o contacto com o balcão de ckin Turkish em Lisboa para obtenção de um novo talão de embarque.”
VOID é um termo usado para bilhetes inválidos, nulos.
Nos termos do nº2 do citado artº 29º, quando se tratar de viagens organizadas, as agências são responsáveis perante os seus clientes, ainda que os serviços devam ser executados por terceiros e sem prejuízo do direito de regresso.
Face às circunstâncias apuradas, terá a Demandada de assumir, nos termos legais a responsabilidade pelo incumprimento da prestação.
Prescreve o nº2 do artº 27º do citado Dec-Lei: Quando se mostre impossível a continuação da viagem ou as condições para a continuação não sejam justificadamente aceites pelo cliente, a agência deve fornecer, sem aumento de preço, um meio de transporte equivalente que possibilite o regresso ao local de partida ou a outro local acordado. Acrescentando o nº3: Nas situações previstas nos números anteriores, o cliente tem direito à restituição da diferença entre o preço das prestações previstas e o das efectivamente fornecidas, bem como a ser indemnizado nos termos gerais.
Ora, a Demandante recusou-se a aceitar um voo para o dia seguinte. Será justificável?
A viagem em causa, destinava-se a visitar Istambul e Capadócia, entre 14 de 18 de Agosto. Embarcando no dia seguinte, perderia um dia da viagem, o que era significativo, atendendo ao curto período de realização da mesma, daí que, se entenda ser justificável a sua recusa.
Por sua vez, terá direito a Demandante a ser reembolsada do valor que despendeu na íntegra, uma vez que se considera não terem sido prestadas quaisquer das prestações previstas, pois a Demandante não chegou ao destino – Istambul.
Assim sendo e atendendo à legislação aplicável e supra referida, terá de proceder a pretensão da Demandante.
Sobre a quantia de € 4.725,00 serão devidos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a propositura da acção, conforme peticionado (não obstante a interpelação ter ocorrido em data anterior), até efectivo e integral pagamento (arts 804º e 805º nº1 do C.P.Civil e Portaria nº 291/2003, de 08.04).
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DECISÃO
Pelo exposto e nos termos referidos supra, julgo procedente a presente acção e em consequência, condena-se a Demandada a devolver à Demandante a quantia de € 4.725,00 (quatro mil, setecentos e vinte e cinco euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, a partir da data da propositura da acção até efectivo e integral pagamento.
Custas a suportar pela Demandada, em conformidade com os artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Registe e notifique.
Porto, 10 de Dezembro de 2015
A Juíza de Paz
(Cristina Barbosa)
Processado por computador art.º 131º/5 do C.P.C
Julgado de Paz do Porto