Sentença de Julgado de Paz
Processo: 78/2014-JP
Relator: SANDRA MARQUES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL - REPARAÇÃO E INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS
RESULTANTES DE INFILTRAÇÕES
Data da sentença: 12/09/2014
Julgado de Paz de : SEIXAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
(n.º 1, do artigo 26.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho,
na redação que lhe foi dada pela Lei N.º 54/2013, de 31 de Julho,
doravante designada abreviadamente LJP)


Processo N.º 78/2014-JPSXL
Matéria: Responsabilidade civil extracontratual (enquadrada na alínea h), do n.º 1, do art.º 9.º, da LJP).
Objeto do litígio: reparação e indemnização por danos patrimoniais, resultantes de infiltrações.
Demandantes (2): A, e Herança Jacente por óbito de B, representada pelo outro Demandante na qualidade de cabeça de casal, com morada para notificação na Praceta C, Amora.
Demandado: D, solteiro, titular do cartão de cidadão n.º ------, emitido em ----, natural da Amora, Seixal, nascido em 1975-10-01, contribuinte fiscal n.º ------, beneficiário da Segurança Social n.º ------, com últimas moradas conhecidas na Praceta E Amora e na F Loures.
Defensora Oficiosa: Dr.ª G, advogada, com domicílio profissional na Rua ----- Seixal.
Valor da ação: €1845 (mil oitocentos e quarenta e cinco euros).
Do Requerimento Inicial:
Os Demandantes alegam que são proprietários da fração designada pela letra “D”, correspondente ao primeiro andar esquerdo do prédio sito na Praceta C , Amora, Seixal, sendo o Demandado proprietário da fração designada pela letra “F”, correspondente ao segundo andar esquerdo do mesmo prédio. Alegam ainda que em 2013 começaram a aparecer na sua fração infiltrações, na casa-de-banho. Acrescentam que, logo que a situação surgiu, foi reportada ao Demandado, que disse sempre que iria enviar alguém à fração dos Demandantes para fazer as reparações, mas que nunca o fez. Mais dizem que a sua fração sofreu e sofre danos, no teto da casa de banho, com origem nas canalizações da casa-de-banho do Demandado, mas que este, apesar das promessas, não realiza nem as obras para reparar as suas canalizações, nem repara os danos existentes na fração dos Demandantes. Acrescentaram ainda inicialmente que as reparações da sua fração orçam no montante de €181 (cento e oitenta e um euros), acrescidos de IVA. Posteriormente, em sede de audiência de julgamento, alegaram que a reparação da fração do Demandado e da sua orçam num total de €1845 (mil oitocentos e quarenta e cinco euros).
Pedido:
Requerem a condenação do Demandado a executar a reparação nas canalizações da casa de banho da sua fração, bem como a executar as obras no teto da casa de banho dos Demandantes, ou, caso a tal se recuse, ser o Demandado condenado no valor da reparação, orçamentada em €1845 (mil oitocentos e quarenta e cinco euros).
Contestação:
Não foi apresentada contestação.
Tramitação:
Os Demandantes recusaram a utilização do Serviço de Mediação.
Após diversas dificuldades de citação, e por impossibilidade da mesma, foi nomeada ilustre patrona oficiosa ao Demandado (cfr. fls. 65), a qual foi regularmente citada por via postal em 2 de Outubro de 2014 (cfr. fls. 71), pelo que, tendo em consideração o prazo de que dispunha para apresentar contestação, e por indisponibilidade anterior de agenda, foi agendada audiência de julgamento para o dia 27 de Novembro de 2014, à qual o Demandante e a ilustre defensora oficiosa, em substituição, Dr.ª G, compareceram, tendo sido concedido prazo ao Demandante para juntar documentação que contemplasse o valor dos pedidos efetuados – cfr. ata de fls. 80 a 81 -, tendo sido desde logo agendada a presente data para continuação da audiência de julgamento, à qual compareceram o Demandante e a ilustre defensora oficiosa nomeada ao Demandado, tendo sido ouvidos os presentes, e efetuada prova documental pelos Demandantes, após o que foi suspensa a audiência por cerca de 15 (quinze) minutos, para redação da presente, que refletisse a prova hoje produzida. Retomada a audiência, na presença apenas do Demandante, foi proferida a presente sentença – cfr. ata de fls. anteriores.
Factos provados:
Com base nas declarações da parte e documentos juntos, dão-se como provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:
1 - A e B são os proprietários registados predialmente da fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao 1º andar esquerdo, do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Praceta C, Amora, Seixal;
2 - B faleceu em 23 de Dezembro de 2010,
3 – Sendo a herança jacente por óbito da mesma representada pelo viúvo A;
4 - O Demandado é proprietário do 2º andar esquerdo, designado pela letra “F”, do mesmo prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Praceta C , Amora, Seixal;
5 – Pelo menos desde Fevereiro de 2013 que a fração propriedade dos Demandantes tem problemas de infiltrações na casa de banho;
6 – Pelo menos, em três vezes, entre Fevereiro de 2013 e Agosto de 2013, o Demandante informou o Demandado desses problemas;
7 - O Demandado disse sempre que iria enviar uma pessoa para fazer as reparações no teto da casa de banho;
8 - Porém, até à presente data, não fez qualquer reparação tanto na sua casa de banho (2º Esq.) como na casa de banho dos Demandantes (1º esq.);
9 - Em 26 de Novembro de 2013, o Demandante pediu uma vistoria junto da Câmara Municipal do Seixal;
10 - Realizada a vistoria, foi elaborado o Auto de Vistoria de Salubridade, datado de 10 de Dezembro de 2013, sob o n.º 135-H/13,
11 - onde consta que existem deficiências nas canalizações da casa de banho do 2º esquerdo,
12 - que provocam infiltrações para o interior do 1º esquerdo,
13 - o que causa deterioração dos revestimentos do teto dessa casa de banho,
14 - sendo necessária a revisão das canalizações da casa de banho do 2º esquerdo, para suprimir as infiltrações da casa de banho do 1º Esquerdo,
15 – Bem como serem necessárias a reparação e pintura dos revestimentos do teto da casa de banho do 1º andar esquerdo;
16 - A reparação nas canalizações da casa de banho do 2.º andar esquerdo e na casa de banho do 1.º Esquerdo estimam-se no valor aproximado de €1845 (mil oitocentos e quarenta e cinco euros).
Fundamentação:
Ao Demandado foi nomeada ilustre defensora oficiosa, que não contestou, mas compareceu à audiência de julgamento. Assim, não operam, nem a cominação constante do artigo 58.º, n.º 2 da LJP, nem é admissível confissão sobre os factos não impugnados nos termos do artigo 574.º, n.º 4 do Código de Processo Civil atual, por não se tratarem de factos do conhecimento pessoal da ilustre defensora oficiosa nomeada. Assim, cabe aos Demandantes o ónus de provar os factos que alegaram – conforme artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, o que estes fizeram, nos termos supra expostos.
A presente ação funda-se em responsabilidade civil extracontratual, enquadrando-se na alínea h), do n.º 1, do artigo 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.
A grande questão em apreciação respeita à origem das infiltrações e aos danos por estas causados. Relativamente aos danos, não existem dúvidas da existência dos mesmos, nem da sua origem, como acima exposto. Juridicamente, a questão principal de onde decorreriam todas as demais era a de saber se o Demandado é ou não responsável pela produção dos danos e daí retirar as legais consequências.
Estamos perante uma situação típica de responsabilidade civil extracontratual, relativa a danos causados por infiltrações de águas, sendo, nos termos do disposto no artigo 493.º, n.º 1 do Código Civil que quem tiver em seu poder coisa imóvel, com o dever de a vigiar, responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua. Com efeito, a par dos direitos de pleno uso, disposição e fruição que integram o conteúdo do direito de propriedade, das coisas que lhe pertencem, conforme o disposto no artigo 1305.º do Código Civil, ressalta expressamente a sujeição do proprietário aos limites da Lei, e à observância das restrições por ela impostas. Esse direito de propriedade deve ser exercido dentro dos limites impostos, de um lado, pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico, e por outro lado, pelas restrições, quer de interesse privado, quer de interesse público, que a Lei consagra, sendo que as restrições de direito privado são as que normalmente resultam das relações de vizinhança, e têm em vista regular os conflitos de interesses que surgem entre vizinhos. Além de estar sujeito às restrições ou limitações que a Lei impõe, o proprietário tem obrigação de adotar as medidas adequadas a evitar o perigo criado pela sua própria atuação ou decorrente das coisas que lhe pertencem.
Estabelece a Lei no artigo 493.º, n.º 1 do Código Civil uma inversão do ónus da prova, ou seja, uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo a vigilância de coisas. É que tal modalidade de responsabilidade, delitual, cobrirá danos emergentes de anomalias ou avarias nos imóveis e respetivos equipamentos, cujo estado e funcionamento devem, pela sua natureza, estar sujeitos a inspeção com a frequência adequada, em ordem a prevenir eventos causadores de prejuízos a terceiros. Não se diga que tal proíbe a defesa do Demandado, enquanto proprietário do imóvel, pois a presunção legal de culpa pode ser afastada mediante a prova da inexistência da culpa conforme o n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil ou mostrando-se que os danos se teriam igualmente causado mesmo sem culpa. É que quando alguém tem contra si uma presunção de culpa, esta tem de ser ilidida pela prova do contrário, ou seja, de factos que a excluam. A responsabilidade assenta sobre a ideia que não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano, recaindo a presunção sobre a pessoa ou pessoas que detém a coisa com o dever de a vigiar. Presunção essa que o Demandado, na qualidade de proprietário da fração correspondente ao segundo andar esquerdo, não logrou ilidir, nada tendo sido alegado, muito menos provado, que afastasse a presunção legal de culpa.
Os Demandantes tinham o ónus de provar que existiu dano; o Demandado, de provar que o mesmo não procedeu de culpa sua. Ora, apenas os primeiros lograram provar os factos constitutivos do seu direito à indemnização, não tendo o segundo logrado afastar a presunção.
Como tal, o Demandado é responsável pelos danos causados na fração dos Demandantes, derivados das infiltrações cuja origem se encontra provado que radica na sua fração. Diga-se que não basta ser proprietário e arrogarmo-nos tal como gerador pura e simplesmente de direitos, esquecendo completamente os deveres que também aí radicam. O Demandado, apesar de interpelado sucessivamente, continua a negar-se a reparar os danos que sabe e reconhece como sendo da sua responsabilidade, pois no presente caso, ficou demonstrado que as infiltrações são provenientes de canalizações da fração do Demandado, que se verificam há vários meses e se mantêm, pelo que é da máxima urgência proceder à eliminação da causa das mesmas. Está também o Demandado obrigado a indemnizar os Demandantes pelos prejuízos sofridos, provocados pelas infiltrações, provenientes da casa de banho da fração do Demandado.
A obrigação de indemnizar tem por finalidade reparar um dano ou prejuízo, sendo que o obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – cfr. artigo 562.º do Código Civil. É a chamada reconstituição natural, fixada como regra na reparação. No entanto, caso a mesma se revele impossível, a indemnização pode ser fixada em dinheiro – cfr. artigo 566.º, n.º 1 do mesmo Código. Ou seja, a regra é a de que deveria ser o Demandado a proceder à reparação, quer da origem das infiltrações, quer dos danos por estas causados. Ora, não há dúvidas nem quanto à origem das infiltrações na fração do Demandado, nem quanto à existência dos danos na fração dos Demandantes por estas provocados. Também é de louvar a intenção de reparar a origem das infiltrações, sob pena de nenhuma utilidade provir da reparação dos danos, pois de nada serviria reparar a consequência se a causa se mantivesse.
Os Demandantes efetuaram três pedidos distintos.
Relativamente ao primeiro, procede, nos termos supra expostos, o da condenação do Demandado na reparação da causa das infiltrações na sua fração.
No que concerne ao pedido dos Demandantes de condenação do Demandado a efetuar as reparações na casa de banho propriedade dos Demandantes, ou, em caso de recusa, indemnizar os Demandantes pelos danos causados na sua fração, trata-se de dois pedidos, alternativos, a reparação pelo Demandado dos danos, ou, caso este recuse a reparação, ser o Demandado condenado a suportar os custos em que a mesma orçar, que os Demandantes estimam em €1845 (mil oitocentos e quarenta e cinco euros). O artigo 553.º, n.º 1 do Código de Processo Civil atual, aplicável por força da remissão constante do artigo 63.º da LJP, permite que sejam efetuados no mesmo processo pedidos alternativos, ou que possam resolver-se em alternativa. Assim, não tendo os Demandantes, até à data da presente sentença, efetuado qualquer opção relativamente aos dois pedidos que formulou, cabe analisar que estes efetuam um primeiro pedido, de condenação do Demandado na reparação dos danos, e que só formulam o segundo pedido, para o caso não do primeiro pedido não proceder, mas no caso de existir incumprimento por parte deste.
Em primeiro lugar, para que exista incumprimento, tem que ser fixado o prazo dentro do qual o Demandado poderá cumprir, não tendo os Demandantes indicado qual será esse prazo. Ora, tornando-se necessário o estabelecimento dum prazo, em virtude das circunstâncias acima elencadas, e não tendo sido indicado nenhum, nos termos do disposto no artigo 777.º, n.º 2 do Código Civil, fixa-se o prazo de 30 dias, contados da notificação da sentença para o Demandado, voluntariamente, cumprir com a reparação dos danos causados na casa de banho do primeiro andar esquerdo.

Quanto ao facto dos Demandantes terem peticionado, alternativamente, a indemnização correspondente ao valor da reparação da obra, caso exista incumprimento do Demandado, sendo tal valor estimado no montante de €1845 (mil oitocentos e quarenta e cinco euros), isso é admissível, caso se venha a verificar o incumprimento, conforme supra fixado. É que, quanto à obrigação do Demandado de indemnizar os Demandantes pelos danos patrimoniais que lhes causaram, nos termos previstos nos artigos 562.º e seguintes do Código Civil, “quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, a chamada “reconstituição natural”, aqui, a reparação a efetuar pelo Demandado. Mas, caso a reconstituição natural, isto é, a reparação dos defeitos pelo Demandado, seja por este afastada, ao não cumprir com a mesma no prazo de 30 dias ora fixado, deverá tal indemnização ser fixada em dinheiro – cfr. artigo 566.º do Código citado.

Assim, caso o Demandado não cumpra com as suas obrigações no prazo de 30 dias a contar da notificação da presente sentença, é o mesmo condenado a indemnizar os Demandantes no valor da reparação dos defeitos da obra estimado em €1845 (mil oitocentos e quarenta e cinco euros), os quais podem ser objeto de liquidação em sede de processo de execução da presente sentença, nos termos do disposto no artigo 716.º do Código de Processo Civil atual.
De ressaltar que os Demandantes foram diligentes no contacto com o Demandado para resolução do problema, assim que do mesmo tomaram conhecimento. Assim, os Demandantes não contribuíram por ação ou omissão para o ilegítimo agravamento da posição do responsável, arrastando no tempo o litígio que os opôs, com tal contribuindo para o agravamento dos danos, pelo que não há qualquer fundamento para redução da indemnização supra fixada.

Decisão:
O Julgado de Paz é competente, e não existem nulidades ou exceções de que cumpra apreciar ou conhecer.
Em face do que antecede:
a) considero o Demandado responsável pelas infiltrações relatadas nos autos;
b) Na sequência do reconhecimento supra efetuado, condeno o Demandado a proceder à reparação das canalizações da casa de banho da sua fração que estão na origem das infiltrações;
c) Bem como, a efetuar a reparação da casa de banho propriedade dos Demandantes no prazo de 30 (trinta) dias a contar do proferimento da presente sentença;
d) Ou, caso o Demandado se recuse a efetuar a reparação no prazo ora fixado, condeno ainda o Demandado a indemnizar os Demandantes do valor para reparação, orçamentados em €1845 (mil oitocentos e quarenta e cinco euros), a liquidar em sede de processo de execução da presente sentença.
Custas:
Nos termos dos n.ºs 8.º e 10.º, da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, o Demandado é declarado parte vencida, pelo que fica condenado no pagamento de €70 (setenta euros), relativos às custas, a pagar no prazo de três dias úteis, a contar da notificação desta decisão, neste Julgado de Paz, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de €10 (dez euros) por cada dia de atraso.
Reembolse-se os Demandantes, nos termos do disposto no n.º 9.º da mesma Portaria.
Esta sentença foi proferida oralmente e notificada ao presente, nos termos do artigo 60.º, n.º 2, da LJP, o qual declarou ficar ciente do seu conteúdo.
Notifique a ilustre defensora oficiosa da presente.
Registe.

Julgado de Paz do Seixal, em 9 de Dezembro de 2014
(processado informaticamente pela signatária)

A Juíza de Paz

Sandra Marques