Sentença de Julgado de Paz | ||||
Processo: | 937/2006-JP | |||
Relator: | MARIA MANUELA FREITAS | |||
Descritores: | INCUMPRIMENTO CONTRATUAL. | |||
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Data da sentença: | 03/28/2007 | |||
Julgado de Paz de : | VILA NOVA DE GAIA | |||
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Decisão Texto Integral: | SENTENÇA I – IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES Demandante: A Demandado:B II – OBJECTO DO LITÍGIO A Demandante veio propôr contra o Demandado a presente acção declarativa, enquadrada na alínea i) do nº 1 do art. 9º da Lei nº 78/2001 de 13 de Julho, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 2.200,00 (dois mil e duzentos euros), referente à devolução do montante pago pelo cão (€ 350,00), às despesas despendidas na clínica veterinária (€ 200,00), à quantia máxima de € 750,00 por cada membro posterior do cão, com vista à cirurgia (€ 1.500,00), a quantia para tratar o “criptorquidismo” (€ 150,00) e ainda, os juros vincendos, à taxa legal, até ao efectivo e integral pagamento, bem como as custas, procuradoria e demais de lei. Alegou, para tanto e em síntese, que em Junho de 2005 comprou ao Demandado, através de um anúncio que viu no jornal, um cão de raça “Retriever Labrador”, nascido em 06.05.2005, pelo preço de € 350,00. Logo nos dias seguintes à compra do cão, este começou a apresentar sinais de doença, nomeadamente nas pontas das orelhas e nos membros posteriores. Levado o cão ao veterinário, foi-lhe diagnosticado, em primeiro “sarna demodécica” e “criptorquidismo” e depois ao efectuar-lhe um exame ortopédico, uma displasia de grau C no membro direito. Todas estas doenças são de origem genética. Contactado o Demandado para assumir a responsabilidade, até à data tal não aconteceu. A Demandante já pagou ao veterinário a quantia de € 200,00 e necessita para tratar dos membros posteriores do cão a quantia de € 650,00 a € 750,00, por cada membro e de € 150,00 para o “criptorquidismo”. Valores estes que reclama, juntamente com a devolução do preço de € 350,00. Juntou documentos. O Demandado, devidamente citado, apresentou Contestação, onde alega que o cão adquirido pela Demandante era de boa qualidade e foi vendido com sinais de boa saúde; o pai era um cão premiado em várias exposições, obtendo excelentes classificações. Quando o cão foi vendido estava impecável. Juntou documentos. A citação foi efectuada regularmente. O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor. O processo não enferma de nulidades que o invalidem na totalidade. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há excepções, nulidades ou quaisquer questões prévias que cumpra conhecer. III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA Da prova carreada para os autos, resultaram provados os seguintes factos: A) Através de um anúncio num jornal, a Demandante teve conhecimento que o Demandado tinha um cão de raça “Retrievier Labrador”, para vender; B) Em Junho de 2005, a Demandante comprou ao Demandado o cão referido em A), de raça “Retrievier Labrador”, nascido em 6 de Maio de 2005, pelo preço de € 350,00; C) Logo, nos dias seguintes à compra do referido cão, este começou a apresentar sinais de doença, nomeadamente nas pontas das orelhas e pelo menos nos membros posteriores; D) A Demandante levou o referido cão ao veterinário onde lhe foi diagnosticado “sarna demodécica” e “criptorquidismo” (falta de um testículo); E) Para além do supra referido e após, ter anestesiado o aludido cão, o médico veterinário fez-lhe um exame ortopédico, onde lhe diagnosticou uma displasia grau C, no membro posterior direito; F) As doenças diagnosticadas ao cão referido em A) são de origem hereditária; G) O valor da cirurgia para tratar dos membros posteriores, a efectuar durante a fase de crescimento do cão, ou seja, antes dos doze meses de idade, é de € 750,00 por cada membro; H) Em tratamentos à “sarna demodécica” e ao diagnóstico do “criptorquidismo” diagnosticado ao referido cão, a Demandante pagou ao médico veterinário a quantia de € 200,00; I) O orçamento para tratar o “criptorquidismo”, é no montante de € 150,00; J) O Demandado por carta registada com aviso de recepção foi notificado pela mandatária da Demandante para assumir a responsabilidade dos danos no cão, mas sem qualquer resultado. Não ficou provado que: I- O cão vendido à Demandante não fosse portador de qualquer doença de origem hereditária; II- O cão vendido à Demandante fosse saudável. Motivação dos factos provados: Os factos dados como provados em A), B), C), D), E), F), G), H), I) e J) o Tribunal fundou a sua convicção no depoimento da testemunha C, médico veterinário, que foi quem diagnosticou as doenças ao cão. No seu depoimento coerente e credível e técnico referiu que foi contactado pela Demandante para ver o cão que na altura apresentava problemas de pele e inclusive zonas com perda de pêlo. Referiu também, que através de exames diagnosticou ao cão “sarna demodécica”, transmitida por via hereditária e “criptorquidismo” (falta de um testículo). Posteriormente, ao efectuar-lhe um exame ortopédico, detectou-lhe uma displasia grau C no membro posterior direito, sendo provável que o membro posterior esquerdo venha a ser afectado. Quanto a esta, a intervenção cirúrgica só é possível durante a fase de crescimento, pelo que tendo o cão já atingido a fase adulta, agora só é possível com uma prótese de anca metálica, que ronda o montante de € 2.500,00 por membro. Ainda, em relação à displasia da anca referiu que o cão tem de ter os genes marcadores da doença, que podem ser da mãe ou do pai. Quanto ao “criptorquidismo” (falta de um testículo), disse que era preciso retirá-lo, porque tem tendência a degenerar e tornar-se cancerígeno, sendo necessário castrar o cão, para ele não reproduzir. Todas as doenças diagnosticadas são de origem hereditária. Para os mesmos factos, também se teve em conta o depoimento das testemunhas D, E e F, cujos depoimentos coerentes e credíveis, referiram que a Demandante teve conhecimento da venda do cão de raça “Retrievier Labrador” através de um anúncio no jornal, quando veio para casa coçava-se muito e apresentava dificuldades em mover-se. Referiram, ainda, que a Demandante contactou várias vezes o Demandado que não colaborou, tendo inclusive faltado às reuniões nos locais combinados para se encontrarem. Teve-se ainda em conta para os mesmos factos, os documentos de fls. 5 e 12. Motivação da matéria de facto não provada: Resultou da ausência de mobilização probatória credível que permitisse o Tribunal aferir da veracidade dos factos após a análise dos documentos juntos pelas partes, bem como da inquirição das testemunhas arroladas. O Demandado não arrolou qualquer testemunha que corroborasse com o que alegou na sua Contestação. IV – O DIREITO A presente acção estrutura-se como acção declarativa respeitante a incumprimento contratual, enquadrada na al. i) do nº 1 do art.9º da Lei nº 78/2001 de 13 de Julho. In casu, temos de um lado a Demandante a comprar um cão e do outro o Demandado a vender, mediante um preço. Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço – art. 874º do C.C. Da definição dada pelo art. 874º do C.C., resultam as características fundamentais deste típico contrato, quais sejam, onerosidade, bilateralidade, prestações recíprocas e eficácia real ou translativa. O art. 879º do C.C., prescreve os efeitos essenciais deste contrato. Ao lado da sua natureza real, a transmissão da propriedade da coisa, o contrato de compra e venda tem também natureza obrigacional – art. 879º, als. b) e c) do C.C., surgindo por um lado a obrigação de entregar a coisa e por outro a de pagar o preço. Nos termos do art. 762º do C.C., o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, sendo certo que de acordo com o que dispõe o art. 406º do mesmo diploma legal, o contrato deverá ser pontualmente cumprido por ambos os contraentes. Entendemos e salvo melhor opinião, que não se aplica, a este caso, o regime de compra e venda de animais defeituosos, cuja matéria é regulada pelo Decreto de 16 de Dezembro de 1886, como lei especial ressalvada pelo art. 920º do Código Civil. Da matéria dada como provada consta que a Demandante comprou ao Demandado um cão da raça “Retrievier Labrador”, pelo preço de € 350,00. Logo, nos dias seguintes à compra do referido cão, este começou a apresentar sinais de doença, nomeadamente nas pontas das orelhas e pelo menos nos membros posteriores. A Demandante levou ao médico veterinário que acabou por lhe diagnosticar “sarna demodécica”, “criptorquidismo” e displasia grau C, no membro posterior direito. Do depoimento da testemunha C, médico veterinário, resultou que quer a “sarna demodécica” quer o “criptorquidismo” são doenças de origem hereditária e quanto à displasia da anca, o cão tem de ter os genes marcadores da doença, que podem ser da mãe ou do pai. Aquando do exame radiológico, o cão só evidenciava a displasia da anca num dos membros, o posterior direito, referindo aquela testemunha que o mais provável era que o membro posterior esquerdo também viesse a ficar afectado. Mais referiu, que a intervenção cirúrgica rondaria os € 750,00 por cada membro, mas que tal já não é possível porque o crescimento do cão já parou, atingindo a fase adulta e que agora a única possibilidade, é uma prótese de anca metálica, cuja intervenção rondaria os € 2.500,00 por membro. Em tratamentos à “sarna demodécica” e ao diagnóstico do “criptorquidismo” diagnosticado ao referido cão, a Demandante pagou ao médico veterinário a quantia de € 200,00, cujo pagamento pede juntamente com a devolução do preço de € 350,00, pago pelo cão. A Demandante ao pedir a devolução do montante pago pelo cão, acrescido das despesas na clínica veterinária, tem subjacente, um pedido de resolução do contrato por incumprimento, por parte do Demandado. Resolvido o contrato a Demandante tem direito a exigir a indemnização respectiva. Esta só abrange o prejuízo que ela teve com o facto de ter realizado o contrato. In casu, a Demandante teve um prejuízo total de € 550,00, sendo € 350,00 do montante entregue pela compra do animal e € 200,00 pelas despesas pagas na clínica veterinária. Também, face à matéria provada, para tratar o “criptorquidismo” o orçamento é de € 150,00 e que segundo o depoimento do médico veterinário é preciso retirar o testículo que se encontra no abdómen, o qual não sendo funcional, tem tendência a degenerar e passar a cancerígeno, pelo que o Demandado também é responsável pelo seu pagamento à Demandante. Quanto à quantia de € 750,00 por cada membro posterior, no total de € 1.500,00, com vista à cirurgia dos mesmos, cabe dizer o seguinte: Do documento junto a fls. 7 a 8 verso dos autos, consta que ao cão foi diagnosticado uma displasia de grau C, no membro posterior direito e que a cirurgia deve ser efectuada durante a fase de crescimento ou seja, antes dos doze meses de idade. Actualmente, o cão já atingiu a idade adulta. A displasia é considerada uma doença recessiva em termos genéticos e aconselha-se que os animais que a possuem não cruzem de forma a evitar o aparecimento nos seus descendentes. Posto isto, “só é possível deixar para liquidação, em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora provada a sua existência, não existam elementos para fixar o montante, nem sequer recorrendo à equidade” – Ac. STJ, 4.6.1974: BMJ, 238º.-204. Foi detectado, aquando do exame radiológico uma displasia da anca de grau C no membro posterior do cão e a possibilidade do outro membro vir a ter é muito grande, pelo que quanto a este último, e caso se venha a concretizar, a exacta determinação do montante pelo qual deve ser ressarcida a Demandante fica relegada para execução de sentença. Quanto à cirurgia ao membro posterior direito do cão, o Demandado é responsável pelo seu pagamento, no montante de € 750,00, tal como foi pedido pela Demandante. Quanto aos juros peticionados, verificando-se um incumprimento imputável ao devedor, ora Demandado, constitui-se este em mora logo, na obrigação de reparar os danos causados ao credor, ora Demandante – art. 804º do Código Civil. Sendo obrigações pecuniárias, a indemnização corresponderá aos juros a contar do dia da constituição em mora – art. 806º do Código Civil. O devedor fica constituído em mora, nomeadamente, depois de ter sido judicialmente interpelado para cumprir – art. 805, nº 1 do Código Civil. V – DISPOSITIVO Face ao quanto antecede, julgo procedente a presente acção, e, por consequência, A) Considero resolvido o contrato de compra e venda, condenando o Demandado a devolver à Demandante a quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) correspondente ao montante pago pelo cão e a liquidar a quantia de € 1.100,00 (mil e cem euros) a titulo de despesas despendidas na clínica veterinária, ao valor da cirurgia ao membro posterior direito e para tratar o “criptorquidismo”. A estas quantias acrescem os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, contabilizados desde a citação até o efectivo e integral pagamento. B) Condeno o Demandado a pagar à Demandante o montante referente à cirurgia ao membro posterior esquerdo do cão, que se vier a liquidar em execução de sentença. Declaro o Demandado como parte vencida, correndo as custas por sua conta com o correspondente reembolso à Demandante, em conformidade com os arts. 8º e 9º da Portaria nº 1456/2001 de 28 de Dezembro. Registe. Vila Nova de Gaia, 28 de Março de 2007
A Juíz de Paz (Maria Manuela Freitas)
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