Sentença de Julgado de Paz
Processo: 59/2014-JP
Relator: IRIA PINTO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
Data da sentença: 12/27/2014
Julgado de Paz de : TROFA
Decisão Texto Integral:


Sentença

Processo nº 59/2014-JP
Relatório
A demandante ..........., melhor identificada a fls. 5, intentou, em 27/2/2014, contra os demandados FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (FGA), melhor identificado a fls. 5 e ............, melhor identificado a fls. 5, ação declarativa com vista a obter o ressarcimento de prejuízos em consequência de acidente de viação, formulando o seguinte pedido:
- Serem os demandados condenados no pagamento à demandante da quantia global de €3.792,19, sendo €1.356,69 de valor de reparação do veículo -TG, além de juros vencidos de €95,50, além dos vincendos até integral pagamento, o valor de €72,00 de paralisação para reparação e de €2.268,00 relativo ao período de privação de uso.
Tendo, para tanto, alegado os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 5 a 12 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido. Juntou 2 (dois) documentos. Posteriormente juntou 1 (um) documento.
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Não se procedeu a realização de sessão de pré-mediação a solicitação da demandante (fls. 21).
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Regularmente citado o demandado FGA (fls. 46) apresentou a contestação, de folhas 33 a 43, que se dá por integralmente reproduzida, arguindo a exceção de ilegitimidade material do FGA, impugnando os factos constantes do requerimento inicial e peticionando, em suma, a procedência da exceção invocada e, sem conceder, a absolvição da demandada.
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Regularmente citado o demandado .......... (fls. 31) não apresentou contestação.
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Foi realizada, em segunda marcação, a audiência de julgamento, em 28/4/2014, não tendo estado presente o demandado ……………………………., apresar de devidamente notificado (fls. 83 a 85), como da respetiva Ata de fls. 89 e 90 se infere.

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QUESTÃO PRÉVIA

Da Legitimidade do Fundo de Garantia Automóvel

O demandado FGA veio em contestação arguir a exceção de ilegitimidade material, invocando o consignado no DL 291/2007, de 21/8, nomeadamente considerando o previsto no seu artigo 4º, respeitante a “obrigação de seguro”.

A legitimidade processual, pressuposto de cuja verificação depende o conhecimento do mérito da causa, não confunde com a denominada legitimidade substantiva, requisito da procedência do pedido, a qual se afere pelo interesse direto do demandante em demandar e pelo interesse direto do demandado em contradizer (artigo 30º do Código de Processo Civil), sendo certo que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante, para efeito da legitimidade, os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo demandante.

Donde se entende que, de acordo com a configuração da ação por parte da demandante, e, atendendo a que o velocípede, conduzido e propriedade de ..........., não se encontra abrangido pela obrigação de seguro de responsabilidade civil, nos termos dos artigos 47º e 48º do referido Decreto Lei nº 291/20017, será da responsabilidade do FGA satisfazer as indemnizações decorrentes de acidentes rodoviários originários por veículo cujo responsável pela circulação está isento da obrigação de seguro, em razão do veículo em si mesmo, sem prejuízo de eventual direito de regresso (artigo 54º do mencionado Decreto-Lei).

Pelo que se considera que o Fundo de Garantia Automóvel é parte legítima na presente ação.

Cumpre apreciar e decidir

O Julgado de Paz é competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras exceções ou nulidades de que cumpra conhecer.
Fixo à causa o valor de €3.792,19.
Reunidos os pressupostos de estabilidade da instância, cumpre proferir sentença, sendo que a alínea c) do nº 1 do artigo 60º da Lei nº 78/2001, de 13/07 estatui que, nas sentenças proferidas, deve constar, entre outros, uma “sucinta fundamentação”.
Fundamentação da Matéria de Facto
Factos provados
Com interesse para a decisão da causa ficou provado que:
1 - No dia 24 de agosto de 2013, pelas 00.10 horas, no cruzamento entre a Rua ...... e a Rua ....., na freguesia de Covelas, concelho da Trofa, ocorreu um acidente de viação que envolveu o veículo de matricula-TG, propriedade da demandante e por si conduzido e o velocípede sem matricula, propriedade e conduzido por ...........
2- Na data e hora referida, o tempo encontrava-se bom e era de noite.
3 – Na mesma data e hora, a demandante circulava na Rua ....., sentido Covelas/S. Romão do Coronado, pela sua hemifaixa direita, atento o seu sentido de marcha.
3 – E ao aproximar-se do cruzamento da Rua ....... com a Rua ......., abrandou a marcha e verificando que podia atravessar o cruzamento em segurança, continuou a sua marcha, passando a circular no referido cruzamento.
4 – Quando, sem que nada o fizesse prever, súbita e inopinadamente, a condutora do veículo TG viu a sua marcha ser interrompida pelo condutor do velocípede sem matricula, a circular pela Rua da ........, em desrespeito pela sinalização vertical de STOP, sem ceder a passagem e a circular sem qualquer sinalização luminosa de presença;
5 – Tendo dessa forma o velocípede embatido com a respetiva frente contra a lateral direita do TG, cortando a linha de marcha do veículo da demandante e causando o acidente.
6 – Em consequência do acidente, o veiculo ligeiro de passageiros, de matricula "Z" sofreu danos na sua parte lateral direita, cujo valor de reparação importa a quantia de 1.356,69 (IVA incluído), relativa a mão de obra de chapeiro, pintura e material como porta usada, friso da porta, friso do painel e vidro da porta.
7 – Para visualização dos danos e para reparação do referido veículo TG são necessários 6 dias.
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A fixação da matéria dada como provada resultou da audição das partes, à exceção do demandado ........., dos factos admitidos, dos depoimentos das testemunhas do demandante e demandada, como a seguir se expõe, além dos demais elementos a seguir mencionados.
A testemunha da demandante, guarda principal da GNR, ......., na qualidade de participante, limitou-se a observar a participação de acidente de viação de fls. 13 a 18, reiterando o seu teor e recordando que o veículo automóvel foi embatido na parte lateral direito, não obstante não constar da dita participação, além de mencionar os circunstancialismos genéricos do local do sinistro, a testemunha da demandante, .......... dono de oficina automóvel, não presenciou o sinistro dos autos, tendo elaborado o orçamento relativo aos danos do veiculo conduzido pela demandante, os quais se localizavam na respetiva lateral direita, tendo exposto que o carro permaneceu na oficina durante 1 dia para dar orçamento de reparação, remetendo para o orçamento da sua autoria, salientando a respeito do material, nomeadamente referindo que a porta constante do orçamento é usada, que tem que proceder a desmontagem interior do painel da porta, além de outras intervenções no vidro e embaladeira e respetiva pintura, reiterando o valor orçamentado, ainda expondo que o carro circula e se mantém com os mesmos danos, dado ter estado entretanto na oficina a fazer revisão, a testemunha ........, foi presencial do acidente, indo ao lado da condutora, explicando o trajeto e a velocidade regular a que vinham e que sem se aperceber o veículo foi embatido na porta do seu lado, pela bicicleta conduzida por um homem que foi projetado, como se apercebeu mais tarde, ficando muito nervosa com a situação. Todas as testemunhas da demandante tiveram um depoimento isento e credível.
À prova mencionada acrescem os documentos de fls. 13 a 19, 80 e 81 juntos aos autos, o que devidamente conjugado com regras de experiência comum usadas pelo tribunal para apreciar a força probatória dos meios de prova e critérios de normalidade foi determinante para alicerçar a convicção do Tribunal.
--- Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou insuficiência de prova nesse sentido, nomeadamente não resultou provado que o veículo TG deixou de circular desde a data do acidente.
Fundamentação da Matéria de Direito
A demandante intentou a presente ação peticionando a condenação solidária dos demandados no pagamento da quantia global de €3.792,19, sendo €1.356,69 de valor de reparação do veículo, além de juros vencidos de €95,50 e vincendos até integral pagamento, o valor de €72,00 de paralisação e €2.268,00 relativo ao período de privação de uso, alegando em sustentação desse pedido a ocorrência de um acidente de viação, cuja responsabilidade pertenceria ao demandado ............. e ao demandado FGA, na medida em que o demandado conduzia um velocípede, que não tem seguro.
Determina o artigo 483º do Código Civil que "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação."
Para que se conclua pela existência de responsabilidade civil por factos ilícitos é, então, necessário um comportamento voluntário do agente; a ilicitude, ou seja, a violação de direitos subjetivos absolutos ou normas que visem tutelar interesses privados; a imputação do facto ao agente ou um nexo causal que una o facto ao lesante, com a apreciação da culpa como regra em abstrato, segundo a diligência de "um bom pai de família"; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Da prova produzida resulta que o demandado quando circulava pela Rua …………………., desrespeitou a sinalização vertical de STOP existente no local, sem ceder a passagem e estando a circular sem qualquer sinalização luminosa de presença. Ora, a sinalização de paragens e a obrigatoriedade de as fazer em determinados locais, cria fundadas expectativas nos demais condutores em circulação, de que esses veículos respeitem as sinalizações, para aquele efeito. E a não paragem perante um sinal de STOP, em desrespeito pela sinalização existente no local traduz uma incompreensível falta de cuidado, além de violação das mais elementares regras estradais (artigos 5º a 7º, 59.º, 93.º do Código da Estrada), perpetrada pelo condutor de um velocípede sem motor, ora demandado. Pelo que é de concluir que o demandado ………………. foi o único culpado na produção do acidente, além de que não foi invocado facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado pela demandante.
Donde a responsabilidade pelo acidente deve ser unicamente imputada ao condutor do velocípede sem motor, uma vez que, seria à lesada que incumbia a prova a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa, conforme os artigos 487º e 342º, n°1, do Código Civil. Existindo contra-ordenação ao código da estrada, existe uma presunção «juris tantum» contra o seu autor. A culpa é apreciada em abstracto. Na falta de outro critério legal é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso, ou seja do homem médio. A culpa traduz-se num juízo de censura ao agente por não ter adotado um comportamento conforme a um dever, que podia e devia ter tido, de modo a evitar o acidente, quer porque não o previu, quer porque confiou em que ele se não verificaria. A culpa deve ser aferida pelos cuidados exigíveis a um homem médio - medianamente prudente, diligente e capaz - colocado na posição do agente. A culpa pode resultar não só da indevida violação de uma norma estradal, como ainda de simples, mas censurável, falta de atenção, de prudência e de cuidado. Donde resulta que o velocípede sem motor interveniente no acidente, propriedade do demandado e único responsável pela sua ocorrência, não se encontra abrangido pela obrigação de seguro de responsabilidade civil, nos termos do art. 131.º do Código da Estada e dos artigos 47º, nº1 e 48.º, nº1, al. c) do Decreto-lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto. É pois da responsabilidade do Fundo de Garantia Automóvel satisfazer as indemnizações decorrentes do acidente rodoviário e originado por veículos cuja responsável pela circulação está isenta da obrigação de seguro.
Considera-se, assim, que, face ao que ficou previamente exposto, existe uma solidariedade entre FGA e responsável civil perante o lesado, sem prejuízo de eventual direito de regresso que o FGA possa exercer sobre esse responsável civil (artigos 48º, nº 2 e 54º da DL 291/2007).

Considerando o que dispõem os artigos 562º e seguintes do Código Civil, a obrigação de indemnizar, exigindo um nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e os danos, obriga o lesante a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação; além de que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
Neste caso, conclui-se que existem os requisitos de responsabilidade civil que geram a obrigação de indemnizar, na medida em que resultou provado que o condutor do velocípede contribuiu para a produção do sinistro, por desrespeito pelas regras estradais, bem como por desatenção e imperícia, dando causa ao acidente dos autos.
Dos Danos
A demandante alegou e provou que em consequência do acidente teve danos patrimoniais com a reparação do veículo TG, constantes do orçamento, de fls. 19, emitida por ........, no valor de €1.356,69, com IVA incluído, coincidindo ao nível dos danos existentes na parte lateral direita do veículo TG, dada a colisão frontal do velocípede, como consta da participação de acidente de viação (fls. 13 a 18), nomeadamente constando no ponto "características do acidente", a fls. 15. Ainda se diga, que resultou demonstrado que o veículo ainda não foi reparado por falta de meios económicos para custear a reparação.
Veio ainda a demandante peticionar a título de paralisação do veículo TG, 6 dias, sendo 1 para peritagem e 5 dias para reparação. Ora, da prova produzida, nomeadamente através do depoimento do dono da oficina reparadora, constata-se que durante 1 dia o carro foi vistoriado na oficina a fim de obter orçamento de danos, expondo ainda a necessidade de 5 dias com vista à reparação do veículo TG, pelo que se concede que a demandante seja ressarcida pela paralisação do veículo em causa pelo período de 6 dias, julgando-se razoável o valor de €72,00, correspondente a um custo diário de €12,00 pela paralisação da viatura.
Quanto à privação de uso, resultou claramente provado que o veículo TG continuou a circular, não obstante o acidente, pelo que não tem a demandante qualquer direito a título de privação de uso do veículo, pelo que improcede totalmente essa pretensão da demandante.
Face ao exposto, devem os demandados ressarcir a demandante no valor total de €1.428,69.
Quanto aos juros peticionados, verificando-se um retardamento da prestação por causa imputável ao devedor, constitui-se este em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados ao credor, a ora demandante (artigo 804º do Código Civil). Tratando-se de obrigações pecuniárias, considera-se que deverão os juros vencidos ser contabilizados à taxa legal de 4%, desde a citação dos demandados - 6/3/2014 - até integral pagamento. Deste modo, tem a demandante direito a receber juros de mora vencidos e vincendos desde a data de citação, 6/3/014, à taxa legal de 4% (artigo 559º do Código Civil e Portaria nº 291/2003), até efetivo e integral pagamento.
Decisão
Em face do exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condeno os demandados FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL e ………………………… a pagar à demandante o valor de 1.428,69 (mil quatrocentos e vinte e oito euros e sessenta e nove cêntimos), além de juros vencidos e vincendos à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento, indo no mais absolvidos.
Custas
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, condeno demandante e demandados no pagamento das custas totais do processo, no valor de €70,00 (setenta euros), na proporção aproximada de responsabilidade para a demandante de 60%, na quantia de €42,00 (quarenta e dois euros) e na proporção aproximada de responsabilidade para os demandados de €28,00 (vinte e oito euros).
Pelo que tendo a demandante pago de taxa de justiça o valor de €35,00, deve ainda a demandante pagar o valor de €7,00 (sete euros) em falta, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de €10,00 (dez euros) por cada dia de atraso.
Devolva-se ao demandado FGA o valor de €7,00 (sete euros), uma vez que pagou a taxa inicial de €35,00.
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A Sentença (conforme A.O., processada em computador, revista e impressa pela signatária) foi proferida nos termos do artigo 60º da Lei nº 78/2001, alterada pela Lei 54/2013.
No dia e hora da leitura de sentença - 27/5/2014, pelas 17h00 - não estiveram presentes partes e/ou mandatários.
--- Notifique e Registe.

Julgado de Paz da Trofa, em 27 de maio de 2014
A Juíza de Paz (em acumulação de serviço)

    (Iria Pinto)