Sentença de Julgado de Paz
Processo: 203/2018-JPLSB
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DERIVADA DA PRESTAÇÃO DE GARANTIA – INDEMNIZAÇÃO
Data da sentença: 11/30/2018
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Processo n.º 203/2018 JPLSB
Objeto: cumprimento de obrigação derivada da prestação de garantia – indemnização.

Demandante: A.

Demandada: B.


RELATÓRIO:
A demandante, devidamente identificada nos autos, intentou contra a demandada, também devidamente identificada nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta seja condenada a executar as obras necessárias de reparação do telhado do edifício, bem como as obras de reparação dos danos existentes na sua fração, a pagar-lhe indemnização por cada mês que a sua fração se encontre desabitada e, por último, a “assumir mediante declaração de responsabilidade, eventuais riscos de curto circuito passíveis de ocorrer (…)” na sua fração. Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 4 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que em março de 2017 adquiriu à demandada, que se dedica à compra e venda de imóveis, a fração autónoma designada pela letra “…, correspondente ao … andar direito do prédio sito na Rua …., em Lisboa, tendo a demandada prestado garantia no sentido de se responsabilizar pelos danos a ocorrer no telhado e no interior da fração, conforme documento que juntou aos autos. Alega que em setembro de 2017, alertou a demandada dos problemas existentes na claraboia do prédio, que originavam sujidades e infiltrações nas escadas do prédio, conforme carta que também juntou aos autos, nada tendo sido feito. Alega que em maio de 2017 arrendou a sua fração, pela renda mensal de € 600 (seiscentos euros), conforme contrato de arrendamento que também juntou aos autos, tendo a sua inquilina, em 5 de janeiro de 2018, lhe comunicado existirem infiltrações na sua fração, facto que de imediato deu conhecimento à demandada, que se deslocou à fração e, apesar de assumir a responsabilidade de reparar os danos, nunca o fez. O estado da fração tem-se degradado e a demandada, conhecedora da situação, nada faz. Acresce que desde 22 de janeiro de 2018 a fração está desabitada, na sequência do arrendatário ter denunciado o contrato de arrendamento, sendo que essa renda era o único rendimento da demandante. Juntou 7 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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Regularmente citada, a demandada contestou (de fls. 21 a 23 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas), aceitando a venda e a prestação da garantia a fls. 6 dos autos, alegando que desde a data em que a demandante lhe comunicou existirem infiltrações tomou as diligências devidas, imediatamente deslocando um arquiteto e que, como já comunicou à demandante, aguarda a existência de bom tempo para reparar o telhado e, de seguida, os danos existentes na fração da demandante, como já transmitiu à demandante. Mais alega que a demandante não lhe facilita o acesso à fração e, no demais impugna a factualidade alegada. Juntou 5 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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Realizadas três sessões de mediação, as partes não lograram obter qualquer acordo. Em consequência procedeu-se à marcação de data para realização da audiência de julgamento, tendo as partes sido devidamente notificadas.
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Em 20 de março de 2018 a demandante juntou aos autos o requerimento a fls. 44 e 45 dos autos que, por inadmissível, se considera como não escrito.
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Da ampliação do pedido:
Em 3 de agosto de 2018 a demandante juntou aos autos o requerimento de fls. 50 a 54 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, requerimento de difícil leitura e compreensão que, no decorrer da audiência de discussão e julgamento, a Juíza de Paz se apercebeu consubstanciar uma ampliação do pedido (condenação da demandada no pagamento de € 15.000), alegadamente ocorrido com base em factos novos, mas a maioria dos quais ocorridos em data anterior à entrada da ação neste Julgado de Paz com base, sendo o único facto novo a demandante ter vendido a fração em 11 de Maio de 2018.
Ouvida a demandada sobre a ampliação do pedido a mesma disse não a aceitar.
Cumpre decidir:
Prescreve o artigo 260.º do Código de Processo Civil, que "Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei", sendo a alteração do pedido numa modificação objetiva da instância e, consequentemente, uma exceção ao princípio da estabilidade consagrado neste artigo. Neste âmbito, prescreve o n.º 2 do artigo 265.º do Código de Processo Civil, que “O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”,
Assim, na falta de acordo das partes, é permitido a alteração ou ampliação (terminologias utilizadas pelo legislador na epígrafe e no n.º 2 do citado art.º 265.º) do pedido se essa alteração ou ampliação significar um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, ou seja, um pedido que podia e devia ter constado do requerimento inicial, mas, por alguma razão (seja ela desconhecimento, mero lapso, ou outra) não o foi; ampliar significa assim um acrescento, um aumento, do pedido primitivo requerido pela parte demandante.
Sabendo-se que toda a ação é delimitada pela causa de pedir e pelo pedido, ou seja, pelo facto jurídico do qual emerge o direito da parte demandante e que fundamenta a sua pretensão (a causa de pedir) e pelo efeito jurídico que se pretende obter com a ação, que, no caso do pedido em apreço é a condenação da demandada na realização de obras no telhado do edifício e na fração da demandante, o facto da demandante ter vendido a fração em causa não lhe permite ampliar o pedido nos termos que requereu, uma vez que não alegou ter feito qualquer uma das obras peticionadas, facto que no decorrer da audiência nos apercebemos não ter ocorrido, já que a demandante fez qualquer obra na fração. Acresce que todos os factos que alegou nesse requerimento relativamente ao termo do arrendamento são anteriores à data de entrada da presente ação neste tribunal.
Assim, o peticionado no supra identificado requerimento, não pode ser considerado um mero desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, pelo que deveria ter sido peticionado no requerimento inicial, e não foi. O ora peticionado não desenvolve, nem especifica o que já foi pedido. Assim sendo, a ampliação de pedido ora formulada depende da aceitação da demandada.
E, não tendo a demandada aceitado a ampliação de pedido, indefere-se o requerido por inadmissível.
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Foi realizada a audiência de julgamento, na presença das partes, tendo a Juíza de Paz procurado conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artº 26.º, da LJP, diligência que não foi bem sucedida.
Foi realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da respetiva ata, que aqui se dá por integralmente reproduzida, tendo sido ouvidas as testemunhas apresentadas pela demandada.
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Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 600 (seiscentos euros).
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 – Em 3 de março de 2017 a demandante comprou à demandada a fração autónoma designada pela letra “…”, correspondente ao …. andar … do prédio sito na Rua …., em Lisboa.
2 – A demandada garantiu à demandante, durante cinco anos, das reparações no telhado e das remodelações efetuados no interior do apartamento, nos termos do documento a fls. 6, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
3 – A demandada dedica-se à compra e venda de imóveis.
4 – Por contrato celebrado em 19 de maio de 2017 a demandante arrendou a sua fração, pela renda mensal de € 600 (seiscentos euros) – (Cfr. Doc. de fls. 10 a 12 dos autos). 5 – Em 1 de setembro de 2017, a demandante remeteu à demandada a carta a fls. 9 dos autos.
6 – Em dia não apurado de janeiro de 2018, a demandante comunicou à demandada a existência de infiltrações na sua fração.
7 – A demandada fez deslocar à fração um arquiteto e assumiu a reparação do telhado, bem como dos danos existentes na fração.
8 – A demandada comunicou à demandante que seria necessário aguardar pelo tempo seco para proceder à reparação do telhado e, de seguida, dos danos existentes na fração da demandante.
9 – A arrendatária do contrato referido em 4 supra denunciou o contrato por carta de 20 de novembro de 2017 (a fls. 27), nada sendo referido quanto ao estado do locado.
10 – Em 11 de Maio de 2018 a demandante vendeu a fração (Doc. fls. 152 a 157).
11 – Dão-se aqui por reproduzidas as comunicações da demandada a fls. 28 e 29 dos autos, dirigidas à demandante.
12 – Dão-se aqui por reproduzidas as comunicações tocadas entre demandante e demandada de fls. 55 a 69, 71 a 76, 78 a 80, 82 a 91, 96 a 110, 117 a 123, 147 a 151 dos autos.
13 – No decorrer do verão de 2018 a demandada executou as obras no telhado do edifício.
14 – A demandada não executou as obras de reparação da fração por os novos proprietários não o pretenderem.
Não ficou provado:
Não se provaram mais nenhuns factos alegados com interesse para a decisão da causa, designadamente que a demandante tenha protelado as obras, que não as pretendia executar ou que não as tenha executado.
Motivação da matéria de facto:
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram os factos admitidos, os documentos juntos aos autos e o depoimento das testemunhas apresentadas pela demandada.
Quanto ao depoimento das testemunhas apresentadas pelas demandadas cumpre esclarecer que as duas prestaram depoimento de modo seguro e convincente, demonstrando terem conhecimento directo dos factos sobre os quais depunham, tendo sido peremptórias ao afirmar que desde o momento em que a demandante comunicou à demandada a existência de infiltrações que a demandada tomou medidas, tendo de imediato se deslocado à fração da demandante e só não fez logo as obras no telhado devido ao estado do tempo, mas sempre lhe assegurou que iria fazer as obras não só no telhado como também na fração da demandante. O que fez, logo no início do verão. Contudo, nessa data a demandante já tinha vendido a sua fração e os novos proprietários, que a demandada contactou, não quiseram que ela realizasse obras na fração, por terem já feito obras de remodelação da sua fração. Mais disseram que a demandante, por várias vezes, não deu acesso à fração.
Quanto aos factos dados como não provados tal ocorreu devido à ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos, após a análise dos documentos juntos aos autos e da audição da parte e testemunhas apresentadas pela demandada, já que a demandante não apresentou qualquer testemunha.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
A questão a resolver é daquelas que, se houvesse maior espírito de compreensão e tolerância, teria sido resolvida pela via conciliatória. Aliás, dúvidas não temos que a conciliação teria sido o meio ideal, útil, e único de, no caso em apreço, se conseguir conciliar as partes e solucionar o litígio. Contudo, uma vez que as partes não perfilharam esse caminho há que apreciá-la sob o prisma da legalidade.
Debruçando-nos, assim, nesse prisma, sobre o caso em juízo.
Em primeiro lugar, esclareça-se que um dos princípios basilares da nossa lei processual civil é o princípio do dispositivo, segundo o qual comete às partes, em exclusivo, definir objeto do litígio, cabendo-lhes alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções (n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Civil), nos quais o juiz funda a decisão, exceto nos casos previstos no n.º 2 do mesmo artigo, que permite que o tribunal considere também factos instrumentais que resultem da instrução da causa, factos que sejam complemento ou concretização dos alegados e resultem da instrução e factos notórios.
Em segundo lugar, esclareça-se ainda que nos termos do disposto do nº 1 do artigo 342º, do Código Civil, que prescreve “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, é sobre a parte demandante que recai o ónus da prova, competindo-lhe provar os factos que constituem a causa de pedir, ou seja, fazer prova da verificação dos factos constitutivos do direito que alega. No caso concreto, e conforme por várias vezes alega no requerimento inicial, que demandada não executou as obras de reparação do telhado do edifício e da fração então da demandante.
E, produzida prova resultou apurado que a partir do momento (janeiro de 2018) em que a demandante comunicou à demandada a existência de infiltrações na sua fração, a demandada assumiu responsabilidade de realização das obras no telhado e na fração, então, da demandada. Contudo, comunicou à demandante que só poderia iniciar essas obras no início do verão imediato, considerando a necessidade de primeiro se realizarem as obras no telhado do edifício e, de seguida, as obras na fração da demandante. Facto que a demandante, por razões que não nos logrou explicar, não aceitou. Tendo ficado provado que no início do verão de 2018 a demandada executou as obras no telhado do edifício e, de seguida, não executou por os novos proprietários da fação não o pretenderem por já executado obras de remodelação da sua fração. Ora, não temos qualquer dúvida que a demandada tinha a obrigação de realizar as obras no telhado do edifício, bem como na fração então da demandada. Assim como a demandada também não as tem, tanto que as fez.
Dispõe o artigo 334.º, do Código Civil, que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. No caso em apreço, temos, por um lado, e existência de um direito (à reparação) por parte da demandante, direito que desde sempre a demandada reconheceu, assumindo a sua obrigação de realizar as reparações devidas; por outro lado, atento as obras em causa (no telhado) a necessidade de se aguardar por condições climatéricas adequadas à execução dessas obras, facto que a demandante não aceitou e; ainda por outro lado, que no início do verão de 2018 a demandada executou as obras no telhado do edifício e, de seguida, não executou por os novos proprietários da fação não o pretenderem por já executado obras de remodelação da sua fração. E, aqui aportados, urge considerar como ilegítimo o uso do direito pretendido pela demandante, pelo que a sorte da presente ação terá de ser a sua improcedência.
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DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada e, consequentemente, absolvo a demandada do pedido.
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CUSTAS
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, declaro a demandante parte vencida, indo condenada no pagamento das custas processuais, que ascendem a € 70 (setenta euros), devendo proceder ao pagamento dos € 35 (trinta e cinco euros) em falta, no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no número 9 da mesma portaria, em relação à demandada.
Decorridos vinte dias sobre o termo do prazo acima concedido, sem que se mostre efetuado o pagamento, emita-se a respetiva certidão para efeitos de execução por falta de pagamento de custas, e remeta-se aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo Local Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa, pelo valor das custas em dívida, acrescidas da respetiva multa, com o limite previsto no n.º 10 da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, com a redação que lhe foi atribuída pela Portaria nº 209/2005, de 24 de fevereiro.
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A presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária – art.º 18.º da LJP) foi proferida e notificada às partes, nos termos do artigo 60.º, da LJP, que ficaram cientes de tudo quanto antecede.
Registe.
Após trânsito, e encontrando-se as custas processuais integralmente pagas, arquivem-se os autos.
Julgado de Paz de Lisboa, 30 de novembro de 2018
A Juíza de Paz,
(Sofia Campos Coelho