Sentença de Julgado de Paz
Processo: 79/2014-JP
Relator: ANTÓNIO CARREIRO
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL - DEFESA DO CONSUMIDOR - GARANTIA -
REPARAÇÃO OU SUBSTITUIÇÃO DE TELEMÓVEL
Data da sentença: 06/30/2014
Julgado de Paz de : SETÚBAL
Decisão Texto Integral: Sentença
(N.º 1, do art.º 26.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho,
alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho)
Matéria: Incumprimento contratual, excepto contrato de trabalho e arrendamento rural.
(Alínea i), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho).
Objecto do litígio: pedido de reparação de telemóvel ou substituição por outro da mesma gama, por avaria no período de garantia.
Demandante: A -, portadora de Cartão de cidadão nº xxxxx, residente na Rua xxxx, Setúbal.
Mandatária: B- Dr.ª xxxx, advogada, com escritório na Rua xxxxx, Setúbal.
Demandada: C- , NIPC xxxxx, Rua xxxx, Amadora.
Mandatária: D-, advogada, com escritório no xxxxxxxx Porto.
Valor da acção: 287,40€.
Dos articulados
O demandante vem requerer a condenação da demandada na reparação do seu telemóvel Smartphone, Samsung Blue Galaxy S III 19 300, ao abrigo da garantia ou, em alternativa, a sua substituição por outro em estado novo, de igual gama.
Alega os factos que fundamentam o seu pedido, conforme requerimento inicial, de fls 3 a 10, que aqui se dá como reproduzido.
A demandada contestou, conforme contestação de fls 21 a 25, que aqui se dá como reproduzida, tendo arguido a sua própria ilegitimidade e impugnado a matéria; concluindo pela absolvição do pedido.
A demandante respondeu à excepção e requereu a intervenção principal da E.
A demandante pronunciou-se sobre documento apresentado na audiência de julgamento pela demandada e esta respondeu.
Fundamentação
De facto
Com base nos depoimentos de parte e testemunhas e documentos, dão-se como provados e não provados os seguintes factos:
1 – A demandante, em 27-11-2012 adquiriu, para seu uso pessoal, um telemóvel Smartphone, Samsung Blue Galaxy S III 19 300 (IMEI n.º xxxxxxx) na loja E - pelo preço de 649,00 €.
2- A demandada tem contrato com a Samsung para assistência técnica em Portugal dos equipamentos desta marca.
3 – Em 21-12-2013, a demandante entregou o telemóvel para reparação ao vendedor, devido ao ecrã táctil ter deixado de funcionar correctamente, nomeadamente por funcionarem sozinhos os menus principais e bloqueando o ecrã, “fazendo a restauração do telemóvel dura 2 a 3 dias volta ao mesmo a bloquear”.
4 – A demandante foi informada que o telemóvel iria ser remetido à demandada para assistência técnica.
5 – Em 16-01-2014, a demandante foi informada que o aparelho apresentava humidade e do orçamento para reparação, no valor de 287,40€, a pagar pela demandante.
6 – A demandante recusou-se a pagar a reparação e não levantou o aparelho.
7 – A demandante sempre foi muito cuidadosa com o aparelho, usando inclusivamente capa de protecção.
8 – A demandada recebeu o aparelho em 26-12-2013.
9 – A demandada informou o vendedor de orçamento para reparação em 02-01-2014, referindo humidade no telemóvel.
10 – O aparelho apresentava oxidação na PBA MAIN e OCTA LCD.
11 – Não provado que a avaria que o aparelho apresentava resulte da oxidação.
12 – Não provado que a oxidação do aparelho resulte de mau uso da demandante.
Motivação
Além das declarações de parte e testemunhas, credíveis e consistentes, também se consideraram os documentos juntos ao processo.
De Direito
As questões da intervenção principal requerida e da ilegitimidade da demandada foram já decididas no despacho de fls 37,que aqui se dá como reproduzido, que indeferiu a requerida intervenção e considerou a demandada parte legítima, não havendo qualquer facto posterior que fundamente a reanálise da legitimidade da demandada.
Entre a demandante e E foi celebrado um contrato de compra e venda (artigos 874.º e seguintes do Código Civil) do telemóvel já acima identificado.
A esta relação jurídica, atenta a sua natureza e qualidade das partes de consumidor por parte da demandante, porquanto lhe é fornecido um bem destinado a uso não profissional e de vendedor por parte do estabelecimento comercial, que exerce com carácter profissional a actividade económica em causa e que com ela visa a obtenção de benefícios, é aplicável a legislação sobre defesa do consumidor, designadamente a Lei nº 24/96, de 31 de Julho, (Lei de Defesa do Consumidor - LDC), alterada pela Lei 85/98, de 16 de Dezembro, Lei 10/2013, de 28 de Janeiro, e nos seus artigos 4.º e 12.º, pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, que transpôs a Directiva n.º 1999/44/CE, por sua vez alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008 de 21 de Maio.
No artigo 4.º, da LDC prescreve-se que “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”.
“Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.” (N.º 1, do artigo 4.º, do DL 67/2003).
O consumidor pode optar por qualquer destes direitos, no caso de se verificar desconformidade do bem, tendo como limites ao seu exercício a impossibilidade ou o abuso de direito, nos termos gerais (N.º 5, do artigo 4.º, do mesmo diploma)
O prazo de garantia quer para os bens móveis quer imóveis está estabelecido no art.º 5.º, sendo respectivamente de 2 e 5 anos. O art.º 5.º- A, refere o prazo para exercício de direitos, nos n.ºs 1, 2 e 3, sendo o prazo de denúncia de falta de conformidade (defeitos) de dois meses no caso de bem móvel e de um ano no caso de imóveis. O prazo para o exercício do direito de acção é de dois anos ou de três anos conforme se trate de bens móveis ou imóveis.
Tratando-se de coisa móvel usada, o prazo de garantia pode ser reduzido a um ano, por acordo das partes.
O n.º 1, do art.º 2.º, estabelece que “o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda”, explicitando no seu nº 2, “que os bens de consumo presumem-se não conformes com o contrato, se se verificar algum dos seguintes factos:
a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor, ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;
b) Não serem adequados ao uso especifico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;
c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;
d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.”
O diploma é também aplicável aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços bem como à locação de bens de consumo (art.º 1.º-A).
Em consequência, o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento da entrega do bem, presumindo-se existentes já nessa data as faltas de conformidade que se manifestem no prazo de garantia, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade (art.º 3.º do DL 67/2003).
O Consumidor pode optar por instaurar acção contra o vendedor ou o produtor. No caso de demandar o produtor ficam os direitos do consumidor limitados à reparação ou substituição do bem e à escolha do produtor (artigo 6.º, do DL 67/2003). É considerado representante do produtor “qualquer pessoa singular ou colectiva que actue na qualidade de distribuidor comercial do produtor e ou centro autorizado de serviço pós-venda” (artigo 1.º - B, alínea e), do DL 67/2003).

No caso em apreço, o telemóvel apresentou defeito, no período de garantia, o ficou provado.
Competia à demandada, representante do produtor, fazer a prova de que tais defeitos não lhe eram imputáveis, uma vez que a lei presume que os defeitos que se manifestem no período de garantia já existiam à data da venda. Provou a demandada que o telemóvel apresentava oxidação na PBA MAIN e OCTA/LCD. Deduziu por este facto que tal se deveu a mau uso, num aparente raciocínio simplificado de que tal se deveu a humidade e que esta se terá devido a imprudência do utilizador. Contudo o facto de o telemóvel apresentar oxidação não permite concluir, só por si, que tal se deveu a mau uso do utilizador.
Em primeiro lugar teria também de ser feita a prova de que a avaria do telemóvel era (é) resultante desta oxidação. Não foi feita qualquer prova deste facto. Partiu-se implicitamente de que tal facto é causal da avaria apresentada (Até poderá ser. Contudo o julgador não pode dar tal facto como adquirido sem que esta prova seja feita). Aliás do que decorre dos documentos juntos, é uma séria dúvida que a avaria verificada - da qual se refere que “fazendo a restauração do telemóvel dura 2 a 3 dias volta ao mesmo a bloquear” - esteja relacionada com a oxidação detectada. Com efeito não se compreende, sem que haja explicação técnica para o efeito, como é que a oxidação que naturalmente interrompe os circuitos (o que provocará avarias) permite que o aparelho funcione um ou dois dias. Põe-se de imediato a questão pertinente de saber se não é apenas um defeito de software.
Por outro lado seria necessário que a demandada provasse o efectivo mau uso por parte da demandante e desta prova resultasse que desse mau uso resultou a oxidação e a consequente avaria (se fosse o caso). Ou seja a prova que se pretendeu fazer assenta no raciocínio inverso da relação de causalidade adequada. Não é da oxidação que se conclui o mau uso pelo consumidor mas da prova deste mau uso que se concluirá que a avaria a este se deve. A oxidação pode também resultar doutras causas, como de defeito de fabrico, e nada permite concluir que o não seja, porquanto também não foi, pelo menos, afastada esta hipótese.
Por outro lado ainda, os aparelhos têm de ter robustez que lhes permita suportar as humidades normais do dia-a-dia, por ser uma qualidade esperada. Não fará sentido ter um aparelho - com garantia de dois anos - se o mesmo não suporta as humidades, às vezes elevadas, que normalmente existem no ambiente que nos envolve. Isto porque não bastará alegar que o telemóvel tem humidades, o que será fácil de verificar. Mas resultantes de quê? A questão do nexo causal coloca-se neste aspecto.
Não fez a demandada prova de que a avaria do telemóvel tenha resultado de mau uso da demandante, o que lhe competia.
A acção procede por provada, impendendo sobre a demandada, enquanto representante do produtor, a obrigação de reparar o telemóvel ou de proceder à sua substituição (a substituição pressupõe que se trate de aparelho igual. A demandante referiu no pedido “outro de igual gama” o que pressupõe a sua disponibilidade para aceitar aparelho diferente mas de igual gama).
À demandada assiste direito de regresso sobre o produtor da prestação que efectuar por efeito desta sentença, nos termos dos artigos 7.º e 8.º do DL 67/2003.
Decisão
Em face do exposto, condeno a demandada C- Sistemas de Informação, S.A, enquanto representante do produtor, a reparar o telemóvel ou a proceder à sua substituição.
Custas
Nos termos dos n.ºs 8.º e 10.º, da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, a demandada é declarada parte vencida para efeitos de custas, pelo que deve efectuar o pagamento de 35,00 €, relativos às custas, neste Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação para o efeito, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de 10,00 € por cada dia de atraso.
Reembolse-se a demandante nos termos do n.º 9.º, da mesma Portaria.
Esta sentença foi proferida nos termos do art.º 60.º, n.º 2, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.
Envie-se cópia aos que faltaram.
Julgado de Paz de Setúbal (Agrupamento de Concelhos), em 30-06-2014
O juiz de Paz
António Carreiro