Sentença de Julgado de Paz
Processo: 278/2016-JPCBR
Relator: MARGARIDA SIMPLICIO
Descritores: DIREITOS E DEVERES DOS CONDÓMINOS
Data da sentença: 12/22/2017
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
RELATÓRIO:

O demandante, A, NIF. xxxxxx, residente na Urbanização xxxx, 75, 1 Dtº, no concelho de Coimbra, representado por mandatário constituído.

Requerimento Inicial: Alega em suma que é proprietário da fração autónoma, destinada a habitação, correspondente ao 1º andar direito do prédio constituído em propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º xxx, sito na rua da xxx, na freguesia de S. Martinho do Bispo, o qual é composto por 16 frações. O condomínio deste prédio é administrado pela senhora B, a qual é também condómina e proprietária da fração autónoma sita no r/c direito, a qual foi eleita para exercer o cargo na assembleia de condóminos realizada a 29/01/20126, que se junta. O demandante, por diversas ocasiões, manifestou nas assembleias, que alguns condóminos estacionam os veículos nas zonas comuns existentes nas traseiras do edifício, assim como em frente às garagens aí existentes. O demandante também possui uma garagem nessa zona, e o facto de estar veículos nesse local, impossibilitam-no de utilizar a respetiva garagem, pois não tem espaço de manobra para o fazer. Por este motivo interpelou a administração, ora demandante, para elaborar e fazer aprovar o regulamento de condomínio, de forma a regular a utilização das zonas comuns, nomeadamente a zona frontal de aceso às garagens. Desta forma impedia-se o uso indevido dos espaços comuns, e até se podia colocar alguma penalidade para evitar violação do mesmo. Perante as insistências a administradora apresentou um projeto de condomínio aos moradores do edifício, que incluía o regulamento da garagem. Porém, não passou de um projeto pois não foi apresentado á assembleia de condóminos para o aprovar, não sendo do conhecimento dos outros condóminos. O demandante diariamente é confrontado com esta situação, o que o prejudica, e não pode chamar as autoridades, pois trata-se de um espaço de uso privado. A demandada foi interpelada através da mandatária do demandante, por meio de carta, e o próprio demandante requereu a realização de uma assembleia para esse mesmo efeito, mas até ao momento não obteve resultados, daí a presente ação. Uma vez que se trata de uma função da administração, e que lhe compete velar pelas partes comuns do edifício, impõe-se que o faça, de modo a que todos possam fruir dos espaços sem prejudicar o próximo. Assim, enquanto não o elabore impõe-se a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória no montante de 10€ por dia de atraso, de forma a regular convenientemente os espaços comuns do edifício e em concreto a zona frontal de acesso ás garagens, de modo a regular e a prevenir o uso indevido do espaço, estabelecendo penalidades para o caso de violações ao regulamento, e dando conhecimento a todos os condóminos da sua existência, fixando-o no hall do prédio. Conclui pedindo que seja condenada A) na elaboração de um regulamento de condomínio, de forma a regular o uso das zonas comuns e em concreto a zona frontal de acesso às garagens, para impedir o estacionamento nesse espaço, e prevendo a aplicação de multas no caso de violação; B) no pagamento de 10€ por cada dia de atraso no cumprimento desta obrigação, nos termos do art.º 829-A do C.C.,C) no pagamento das despesas e taxa de justiça. Junta 3 documentos.

MATÉRIA: Ação respeitante aos direitos e deveres dos condóminos, enquadrada no art.º 9, n.º1, alínea C) da L.J.P.

OBJETO: Elaboração do regulamento de condomínio, sanção pecuniária compulsória.

VALOR DA AÇÃO: 1.000€.

A demandada: Administração do Condomínio da Urbanização xxxx, sita na rua da xxx, n.º 75, Alqueves, em Coimbra.

Contestação: Alega que o regulamento de condomínio já estava elaborado, sendo do conhecimento do demandante muito antes da prepositura desta ação, conforme documentos que junta. Mas a ata de aprovação ainda não fora redigida, o que só ocorreu no dia 28/11/2016. Assim ocorre uma inutilidade originária da lide, o que se requer. Conclui pedindo: Que seja decretado a inutilidade originária da lide, condenando-se o demandante em custas. Junta 5 documentos.

TRAMITAÇÃO:

Não se realizou sessão de pré-mediação por falta reiterada da demandada.

O Tribunal é competente em razão da matéria, valor e território.

As partes são legítimas e dispõe de capacidade judiciária.

Os autos estão isentos de qualquer nulidade que o invalide na totalidade.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:

Foi iniciada constatando-se a ausência da demandada, não obstante estar notificada, do dia e hora da sua realização, a fls.63 e 64. Na 2ª data designada para realização da audiência de julgamento voltou a não comparecer, a fls. 68.

-FUNDAMENTAÇÃO-

I- DOS FACTOS PROVADOS:
1) O demandante que é proprietário da fração autónoma, destinada a habitação, correspondente ao 1º andar direito do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, conforme escritura pública datada de 18/10/1989.
2) O referido prédio está descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º xxx, sito na rua da xxx, Alqueves, na freguesia de S. Martinho do Bispo, o qual é composto por 16 frações.
3)O condomínio deste prédio é administrado pela senhora B, a qual é também condómina e proprietária da fração autónoma sita no r/c direito, a qual foi eleita para exercer o cargo na assembleia de condóminos realizada a 29/01/20126.
5) O demandante, por diversas ocasiões, interpelou a administração do condomínio sobre o estacionamento de viaturas na zona comum existente na parte de trás do prédio.
6)As viaturas estacionadas na zona de trás do prédio ocupam o espaço comum.
7)O demandante possui uma garagem na referida zona.
8)O estacionamento de veículos no local referido no ponto 5 impossibilitam o uso das respetivas garagens, pois não há espaço para realização de manobras.
9)Daí que houvesse a necessidade de elaborar um regulamento de condomínio para regular o uso e utilização das zonas comuns.
10) A administradora acabou por apresentar um projeto de regulamento do condomínio e das garagens.
11)Mas, não passou de um projeto.
12)Pois não está aprovado pela assembleia de condóminos.
13)Nem foi afixado no hall do prédio para dar a conhecer aos condóminos.
14)O demandante diariamente é confrontado com a impossibilidade de aceder á sua garagem.
15)O que o prejudica.
16)As autoridades não intervêm nos espaços privados.
17)A administração foi interpelada pela mandatária do demandante para elaborar o regulamento do condomínio.
18)O que ocorreu por meio de carta registada, datada de 4/02/2016.
19)O demandante a 3/05/2015 requereu a realização de uma assembleia extraordinária.
20)Mas não se realizou.
21)A administradora do condomínio não cumpre com a sua obrigação.
22)Os outros condóminos continuam a estacionar os veículos fora das garagens, obstruindo a passagem do demandante.

MOTIVAÇÃO:

O Tribunal sustenta a decisão na análise crítica de toda a documentação apresentada pelas partes.

Foi ainda relevante, para efeitos de aplicação do art.º 58, n.º2 e 3, a falta reiterada da demandada á audiência de julgamento.

II- DO DIREITO:

Os autos referem-se á necessidade de existir num edifício, constituído sob regime de propriedade horizontal um regulamento de condomínio, situação regulada pelo disposto no art.º 1429-A e sgs do C.C.

Questões: Inutilidade da lide, aplicação de sanção compulsória.

Quanto á primeira questão, considera-se que a lide torna-se impossível de realizar devido á ocorrência de circunstâncias que inutilizem o pedido, em termos da sua procedência, uma vez que, o objetivo pretendido com a ação já fora atingido por outro meio, pelo que há uma manifesta desnecessidade na sua persecução, por ausência de efeito útil.

Em termos processuais trata-se de uma exceção dilatória, que obsta ao conhecimento de mérito da ação (art.º 576,n.º2 e 578 do C.P.C.).

Todavia, para que esta possa proceder é necessário analisar que o documento que a demandada juntou aos autos, de forma a verificar se reúne as caraterísticas essenciais para que se possa considerar procedente a referida exceção.

O regulamento de condomínio é uma das fontes de regulação das partes comuns do edifício.

Este pode ser elaborado logo no momento da constituição da propriedade horizontal, fazendo parte integrante do título constitutivo, e nesse caso deve constar do extrato da inscrição predial (art.º 95, alínea p) do C. Reg. Pred.).

Mas, se por acaso, não constar do título, e no edifício existir mais de quatro condóminos, deve ser elaborado á posteriori (art.º 1429-A do C.C.), o que sucede nos presentes autos.

Ao administrador, enquanto órgão executivo do condomínio, compete-lhe regular o uso das coisas comuns (art.º 1436, alínea g) do C.C.).

Para o efeito deverá proceder á elaboração do regulamento de condomínio, e posteriormente, deve sujeitá-lo a escrutino da assembleia de condóminos (art.º 1433 do C.C.).

Por sua vez, este é um órgão, eminentemente deliberativo, competindo-lhe aprovar (ou rejeitar) as deliberações referentes às partes comuns do edifício. No caso concreto o regulamento, deve expressar a vontade do grupo, os proprietários de frações autónomas de um determinado edifício, no que diz respeito á forma de regular o uso e administrar as partes comuns do edifício.

Para o efeito há que atender ao disposto no art.º 1432 do C.C., o qual estabelece os requisitos legais necessários ao funcionamento da assembleia de condóminos.

Assim, a reunião dos condóminos em assembleia, deve ser precedida de uma convocatória, dirigida aos condóminos, por carta registada ou através livro de protocolo, a qual deve conter os assuntos que serão discutidos e votados em assembleia. Deve, ainda, referir, se for o caso, quais os assuntos que necessitam de 2/3 dos votos para serem aprovados. E, para facilitar deverá, ainda, prever a possibilidade de reunir em 2ª convocatória, caso não tenha o número suficiente de condóminos para poder reunir.

A assembleia para que possa reunir de forma regular precisa de quórum de reunião, ou seja, de estarem presentes a maioria dos condóminos que perfaçam pelo menos 50% do capital. Se não estiverem, mas se estiver previsto reunir em 2ª convocatória no mesmo dia, aguarda-se pela hora designada, de forma a verificar o número exigido que deverá representar 25% do capital do prédio.

Após a verificação do quórum de reunião, iniciam-se os trabalhos, designando-se, por meio de votação maioritária, alguém para exercer a função de presidente da mesa e um secretário.

Seguidamente é discutido os assuntos, em geral pela ordem apresentada na convocatória, e depois o respetivo assunto é colocado a votação, sendo aprovado por maioria dos presentes. Note-se que a maioria necessária depende da assembleia reunir em 1ª ou 2ª convocatória.

Na realidade as deliberações que são proferidas nas assembleias de condóminos representam a vontade do condomínio, isto é, do grupo, na medida que em assembleia as deliberações são tomadas por maioria dos votos (art.º 1432, n.º 3 do C.C.).

Analisando o referido documento que a demandada juntou, e tendo em consideração que a ata deve reproduzir o que se passou numa dada assembleia, constato que não reúne as caraterísticas de uma assembleia, na medida em que apenas a condómina que exerce as funções de administradora estava presente.

A referida assembleia ter-se-á realizado na própria fração desta condómina e administradora, e não foi precedida de nenhuma convocatória, daí que o demandante, enquanto condómino desconhecesse a realização desta suposta assembleia. Mais verifico que, a única pessoa que votou foi precisamente quem esteve presente, a referida administradora, ora isto não é votar, como consta da ata, por unanimidade.

De facto esta, assembleia de condóminos, nem tinha quórum de reunião para que pudesse validamente funcionar.

Devido a todas às observações referidas, é evidente que este documento não pode ser considerado como um verdadeiro regulamento, pois não foi objeto de escrutino e aprovação da assembleia de condóminos, perante o exposto terei de concluir que a exceção é improcedente.

Para além disso, terei de concluir que, o documento ou projeto, não passa de um projeto de regulamento, que necessita de ser objeto de deliberação.

Assim, sendo o demandante tem razão ao alegar que há necessidade de proceder á regulamentação das partes comuns do edifício.

Tendo em consideração que a administradora exerce este cargo há cerca de 2 anos, e durante este período de tempo ainda não procedeu á elaboração e apresentação deste á assembleia de condóminos, está a faltar ao cumprimento de uma obrigação legal.

Com este comportamento, omissivo, prejudica o regular uso das zonas comuns do edifício, e no que concerne ao demandante, impede-o de aceder á sua garagem, uma vez que há algum desrespeito pelo próximo no seio deste condomínio, reinando alguma desordem na organização condominal.

Embora, reconheça que cada proprietário/condómino tem obrigação de saber qual o seu lugar de estacionamento e evitar estacionar em local que não lhe pertence, reconheço que o facto de não existir qualquer regulamento contribui para este estado de situação, e sentimento de impunidade pelos condóminos que optam por não se respeitarem mutuamente.

Para além disso, a administradora tem sido alertada para esta situação, e até ao presente momento nada fez.

Perante o exposto, dispõe o art.º 829-A, n.º1 e 2 do C.C. que pode ser requerido a atribuição de uma sanção económica, por cada dia de atraso no cumprimento da sua obrigação.

Esta sanção tem uma dupla função, por um lado visa compelir o faltoso a cumprir com a obrigação, e por outro tem a função moralizadora, por isso o montante a aplicar ao faltoso deve refletir estes aspetos, não sendo meramente simbólico.

Assim, entendo que a quantia de 10€ por dia, aplicada segundo critérios de razoabilidade, preenche essa dupla finalidade.

DECISÃO:

Nos termos expostos julga-se a ação procedente, por provada, condenando-se a demandada a elaborar e submeter a aprovação da assembleia de condóminos o regulamento do condomínio e do acesso ás garagens, condena-se, ainda no pagamento diário da quantia de 10€ pelo atraso na elaboração deste documento.

CUSTAS:

São da responsabilidade da demandada, devendo proceder ao pagamento da quantia de 35€ (trinta e cinco euros) no prazo de 3 dias úteis, sob pena de aplicação da sobretaxa diária na quantia de 10€ (dez euros), e eventual execução.

Em relação ao demandante proceda-se em conformidade com o art.º 9 da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12.

Notificada nos termos do art.º 60, n.º2 da L.J.P.

Envie-se cópia á demandada.

Coimbra,22 de dezembro de 2017

A Juíza de Paz

(redigido pela signatária, art.º 131, n.º5 c.p.c.)

Margarida Simplício