Sentença de Julgado de Paz
Processo: 146/2015-JP
Relator: ELISA FLORES
Descritores: USUCAPIÃO
Data da sentença: 11/27/2015
Julgado de Paz de : CARREGAL DO SAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Demandantes:
A, e B;
Demandados:
1ºs- C, e D, casados entre si, no regime da comunhão geral de bens;
2ºs- E, e F, casados entre si, no regime da comunhão de adquiridos;
3ºs- G, e H, casados entre si, no regime de comunhão de adquiridos;
4ºs- I e mulher, J.
RELATÓRIO
Os demandantes propuseram contra os demandados supra identificados, a presente ação declarativa que se enquadra na alínea e) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo, com os fundamentos constantes do requerimento inicial, que: Se declare que a parcela dos demandantes se autonomizou por via da usucapião, atenta a demarcação de facto alegada, situada YYYYY, concelho de Carregal do Sal, com a área de 914m2, composta de terra de cultura, a confrontar a Norte com caminho, a Poente com caminho e com o segundo demandado, E (Parcela D), a Sul também com este e a Nascente com K, a qual passou a ser um prédio autónomo e distinto do identificado no artigo 1º da petição inicial e do qual se destacou; Se reconheça os demandantes como donos e legítimos proprietários do prédio que efetivamente possuem, identificado na alínea c) do art.º 4º da petição inicial e no levantamento topográfico junto; Se condene os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência de tais prédios como autónomos e distintos, assim como o direito de propriedade dos demandantes sobre os mesmos; e, em consequência, se ordene a atribuição de artigo matricial e registo do mesmo a seu favor.
Para o efeito, juntaram dez documentos, que aqui se dão por reproduzidos. Os demandados foram pessoal e regularmente citados e não apresentaram contestação não compareceram à Audiência de Julgamento, nem justificaram as respetivas faltas.
Valor da ação: € 2 501,00 (dois mil quinhentos e um euros).

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos:
1.º- Os demandantes são casados, no regime de bens de comunhão de adquiridos, desde 04 de janeiro de 1992;
2.º- Encontra-se inscrito na Matriz Predial sob o artigo xxxx, com a área de 2.794m2 e em nome dos demandantes, e do segundo demandado, E, o prédio rústico sito YYYYY, concelho de Carregal do Sal, composto de terra de cultura com videiras em cordão, com casa de arrecadação, a confrontar a Norte e a sul com caminho, a Nascente com K e herdeiros de L e M a Poente com caminho e C e D e serventia, também descrito na Conservatória do Registo Predial de Carregal do Sal sob o nº xxxx/xxxxxx520 (recentemente corrigidas área e confrontações);
3.º- A titularidade do mesmo adveio à posse dos primeiros demandados por compra a N e mulher, O e P, realizada no ano de 1993;
4.º- Em agosto de 1995, os primeiros demandados, doaram verbalmente o referido prédio aos seus quatro filhos: I, o demandante, E, G e A;
5.º- Nesse mesmo ano procederam à divisão material do referido prédio, em quatro parcelas completamente autónomas e distintas, devidamente demarcadas, com estacas de madeira que cravaram no solo, ao longo das linhas divisórias de cada uma:
a) A parcela A, com a área de 850m2, composta por terra de cultura, ficou a pertencer aos quartos demandados, a confrontar atualmente do norte com G e H (Parcela B), a Sul com caminho e M, a Poente com os primeiros demandados, com os quartos demandados e com caminho e a Nascente com M;
b) A parcela B, com a área de 1281m2, que ficou a pertencer aos terceiros demandados, composta por terra de cultura e casa de arrecadações para alfaias agrícolas com 31m2, a confrontar a Norte com o segundo demandado (Parcela D), a Sul com os quartos demandados (Parcela A), a poente com os primeiros demandados e serventia, a nascente com K e Herdeiros de L;
c) A parcela C, com a área de 914m2, que ficou a pertencer aos ora demandantes, composta de terra de cultura, a confrontar a Norte com caminho e Poente com caminho e com o segundo demandado (Parcela D), a Sul com este último e a Nascente com K;
d) A parcela D, com a área de 1030m2, composta de terra de cultura e casa de arrumações para alfaias agrícolas com 25m2, que ficou a pertencer ao segundo demandado, E, que confronta a Norte com os demandantes, (Parcela C), a Sul com os terceiros demandados (Parcela B) e serventia, a Poente com caminho e a nascente com K;
6.º- Tudo conforme a configuração constante no Levantamento Topográfico junto aos autos;
7.º- Tendo daí resultado quatro prédios autónomos e independentes uns dos outros, sendo que os demandantes e os seus irmãos entraram logo na posse da parcela que lhes ficou a pertencer;
8.º- Respeitando rigorosamente as suas estremas e divisórias com total exclusividade, autonomia e independência;
9.º- O que sempre fizeram à vista e com o conhecimento de toda a gente, de forma contínua e ininterrupta, agindo e comportando-se, relativamente ao seu prédio como seus verdadeiros e exclusivos proprietários, na convicção de que, com a posse, não lesavam direitos de outrem;
10.º- Sem oposição de quem quer que seja;
11.º- Exercendo, assim, uma posse pacífica, pública, contínua, de boa-fé;
12.º- Sucede que, no ano de 2003, os primeiros e os segundos e terceiros demandados formalizaram a doação verbal ocorrida em 1995 por escritura de doação, outorgada no dia 30/12/2013, no Cartório Notarial de Carregal do Sal, de fls. X a fls. X do Livro número WW;
13.º- Escritura que só foi outorgada por dois dos filhos dos primeiros demandados, G e E, devido a problemas económicos que as partes atravessavam na altura;
14.º- Desta Escritura ficou a constar que os primeiros demandados doavam um quarto do prédio referido ao segundo demandado, E, e um quarto à terceira demandada, G;
15.º- O que na verdade não traduziu a realidade dos factos;
16.º- Pois que os metros doados na realidade e verbalmente a cada uma das partes, não correspondem proporcionalmente a essa quota doada por Escritura;
17.º- Conforme resulta do Levantamento Topográfico da divisão física/material do mesmo prédio, “prédio mãe”;
18.º- Tendo sido, no entanto, com base nessa escritura de doação que foi então atualizada a matriz, onde constava que o prédio mãe pertence na proporção de 1/2 aos 1ºs demandados, ¼ ao 2º demandado e ¼ à 3ª demandada;
19.º- A referida Escritura de Doação nunca foi registada na Conservatória de Registo Predial, ou seja, o referido prédio permanece ainda descrito na Conservatória de Registo Predial em nome dos primeiros demandados;
20.º- Por decisão transitada em julgado, no Processo n.º 73/2015-JPCSal deste Julgado de Paz, foi autonomizada a parcela B e ordenada a retificação de área e confrontações do restante artigo predial, conforme ponto 2.º supra;
21.º- O artigo encontra-se ainda em nome dos primeiros demandados o que não reflete a realidade fatual do prédio há 20 anos;
22.º- Assim, desde 1995, os demandantes por si ou interposta pessoa, tem possuído e usado a respetiva parcela identificada no ponto 5.º, alínea c), fruindo-a, melhorando-a, benfeitorizando-a;
23.º- Limpando-a de ervas e plantas, roçando o mato e as silvas que ali crescem;
24.º- O que sempre fizeram e fazem à vista e com o conhecimento de toda a gente, de forma contínua e ininterrupta, agindo e comportando-se relativamente à sua parcela como seus verdadeiros e exclusivos proprietários, na convicção de que com a sua posse não lesavam direitos de outrem;
25.º- Sem oposição de quem quer se seja, nomeadamente dos aqui demandados;
26.º- E sempre na convicção de que a mesma lhes pertencia como coisa própria e separada das outras parcelas que compõem o “prédio mãe”;
27.º- Continuamente, como coisa distinta e exclusivamente sua e retirando dali todas as utilidades em proveito próprio.
Motivação dos factos provados:
Atendeu-se aos documentos juntos aos autos, nomeadamente o Levantamento Topográfico (cujo original se encontra no processo deste Julgado de Paz com o nº 73/2015-JPCSal) e à não oposição dos demandados, consubstanciada na ausência de contestação e na falta injustificada à Audiência de Julgamento.
Fundamentação de direito:
Os demandados, pessoal e regularmente citados, não apresentaram contestação, não compareceram à Audiência de Julgamento e não justificaram as respetivas faltas, pelo que, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 58º da Lei 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, consideram-se confessados os factos articulados pelos demandantes.
Visam os demandantes com a presente ação adquirir, por usucapião, a parcela “C”, descrita no ponto 5.º, alínea c), por se ter autonomizado do “prédio mãe”.
Resulta da factualidade assente que o prédio a que se refere o ponto 2º dos factos provados, se encontra dividido, informalmente, em quatro prédios perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, há mais de quinze anos, desde 1995, passando demandantes e segundo, terceiro, e quarto demandados a explorar cada um deles exclusivamente a sua parte.
Os demandantes, que já eram casados à data desta divisão informal, têm exercido a posse, não titulada, por forma correspondente ao direito de propriedade, assumindo-se como legítimos proprietários;
O instituto da usucapião tem eficácia constitutiva, permitindo adquirir o direito sobre o qual foi constituída, e liga-se à posse, pública e pacífica, como um dos seus efeitos (cf. 1287º, 1297º e 1300º, todos do C. Civil);
E tem de se prolongar, de forma contínua, por um determinado prazo. Na situação dos autos, a mesma tem uma duração temporal largamente superior à legalmente exigida uma vez que, apesar de ser não titulada, foi exercida de boa-fé (cf. 1296º também do C. Civil).
A posse é pública se é exercida de modo a que todos aqueles que possam invocar um direito contraditório com a coisa possam ter conhecimento dela. E é pacífica se adquirida sem violência. No caso dos autos resulta que a posse dos demandantes preenche ambos os requisitos.
E presumindo-se que quem pratica os atos materiais, o “corpus”, tem igualmente o “animus possidendi”, presunção que não foi elidida pelos demandados, resulta do exposto que os demandantes reúnem, assim, os requisitos legalmente exigidos para o efeito de aquisição por usucapião, da referida parcela [cf. ainda 1722º, nº2, alínea b) a contrário].
Mas esta não opera, contudo, automaticamente, pelo mero decurso do prazo, necessita de ser invocada, o que pretendem os demandantes com a presente ação.
Assim sendo, o exercício efetivo e com carácter de reiteração, público e de boa-fé, da posse do direito de propriedade pelos demandantes, por mais de quinze anos, confere-lhe o direito de adquirir esse mesmo direito, nos termos do artigo 1287º e seguintes do C. Civil, por se encontrarem preenchidos os seus requisitos.
Por outro lado, é jurisprudência dominante que não são impedimento as regras que visam evitar o fracionamento excessivo de prédios rústicos, porque cedem perante os direitos adquiridos por usucapião, forma de aquisição originária da propriedade (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/01/2006, P. nº 0536437, in www.dgsi.pt).
E não prejudica os interesses e reais direitos de ambas as partes a constituição de novo artigo correspondente à parcela usucapida a favor dos demandantes.
decisão:
Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada, e em consequência:
a) Declaro que o prédio rústico, “prédio mãe”, sito YYYYY, concelho de Carregal do Sal, composto de terra de cultura com videiras em cordão, com casa de arrecadação, inscrito na Matriz Predial sob o artigo xxxx e descrito na Conservatória do Registo Predial deCarregal do Sal sob o nº xxxx/xxxx0520, “prédio mãe”, foi dividido em substância, desde há mais de 15 anos, dando origem, pelas regras da usucapião, a quatro parcelas autónomas, definidas, e identificadas no Levantamento Topográfico com a composição, área e limites aí descritos;
b) Declaro que o prédio rústico sito YYYYY, concelho de Carregal do Sal, composto por terra de cultura, com a área total de 914m2 (parcela C no Levantamento Topográfico), a confrontar, atualmente, a Norte com caminho, a Poente com caminho e com E, a Sul com E e a Nascente com K, pertence em exclusivo aos demandantes, por se ter autonomizado, por via da usucapião, do prédio originário;
c) Condeno os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência do prédio supra descrito, como autónomo e distinto do inscrito na matriz sob o artigo xxxx e descrito na Conservatória do Registo Predial de Carregal do Sal sob o nº xxxx/xxxx0520, bem como o direito de propriedade dos demandantes sobre o mesmo;
d) Em conformidade, ordeno a atribuição de artigo matricial e o registo do prédio autonomizado a favor dos demandantes, A e B, com a composição e da forma indicada, cessando a sua compropriedade no “prédio mãe”.
Dada a natureza do processo, custas a pagar pelos demandantes.
Registe e notifique.
Carregal do Sal, 27 de novembro de 2015
A Juíza de Paz
(Elisa Flores)
Processado por computador (art.131º, nº5 do C P C)