Sentença de Julgado de Paz
Processo: 103/2014-JP
Relator: FERNANDA CARRETAS
Descritores: INDMCIVELACIDVIAÇÃO-IMPROCEDÊNCIA
Data da sentença: 10/28/2016
Julgado de Paz de : ÓBIDOS
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
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RELATÓRIO:
A CONSTRUÇÃO CIVIL, LDA., identificada a fls. 1, intentou, em 28 de julho de 2014, contra B, S.A., melhor identificada, também, a fls. 1, a presente ação declarativa de condenação, fundada em responsabilidade civil pedindo a condenação desta a pagar-lhe o valor de 4.852,61 € (Quatro mil, oitocentos e cinquenta e dois euros e sessenta e um cêntimos), relativa ao valor da reparação dos danos no veículo de sua propriedade (3.352,61 €) e à privação de uso do mesmo (1.500,00 €). Mais pediu a condenação da Demandada no pagamento de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação, até efetivo pagamento.
Para tanto, alegou os factos constantes do seu douto Requerimento Inicial de fls. 1 a 11, que se dá por reproduzido.
Juntou 4 documentos (fls. 13 a 25) que, igualmente, se dão por reproduzidos.
A Demandada foi, pessoal e regularmente, citada para contestar, no prazo, querendo, tendo apresentado a douta contestação de fls. 33 a 40, que se dá por reproduzida, na qual impugna a versão dos factos trazida aos autos pela Demandante e rejeita qualquer responsabilidade da sua segurada na produção do acidente. Termina pedindo que se declare a ação improcedente, por não provada e a sua absolvição do pedido.
Juntou 6 documentos (fls. 41 a 49), que, igualmente, se dão por reproduzidos.
Tendo em consideração que o Relatório de Averiguação não tinha sido junto aos autos, apenas partes do mesmo, foi ordenada a sua junção aos autos por se afigurar importante para a boa decisão.
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Cabe a este tribunal decidir se a culpa na produção do acidente pertence ao veículo segurado na Demandada e, na afirmativa, decidir sobre a quantia indemnizatória.
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Tendo a Demandante afastado o recurso à Mediação para resolução do litígio (fls.11) e tendo sido apresentada douta contestação, foram os autos conclusos, em 20 de agosto de 2014, para designação da data para a realização da Audiência de Julgamento. Todavia, devido aos constrangimentos graves quanto à disponibilidade de recursos humanos, apenas em 6 de setembro de 2016 foi possível proferir despacho, designando para o efeito o dia 28 de setembro de 2016 e não antes, devido ao facto de a signatária estar em exercício de funções, em acumulação, também com o Julgado de Paz do Seixal (fls. 55).
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Aberta a Audiência e estando presente o representante legal da Demandante – Sr. C - acompanhado da sua Ilustre Mandatária – Sra. Dra. D – e a Ilustre Mandatária da Demandada – Sra. Dra. E,- com substabelecimento que lhe foi outorgado pela Sra. Dra. F -, foram estes ouvidos, nos termos do disposto no Art.º 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho (LJP), tendo-se explorado todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no n.º 1 do Art.º 26.º do mesmo diploma legal, o que não logrou conseguir-se, pelo que se procedeu à Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal, conforme da respetiva ata melhor se alcança.
Devido ao adiantado da hora e à necessidade de ponderação da prova produzida, foi a audiência suspensa, designando-se, de imediato, a presente data para a sua continuação, com prolação de sentença e não antes pelos motivos já expostos, os quais, entretanto, se agravaram exponencialmente.
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Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir:
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A convicção probatória do Tribunal, de acordo com a qual selecciona a matéria dada como provada ou não provada, ficou a dever-se ao conjunto da prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomados em consideração os documentos juntos por ambas as partes; o Relatório de Averiguação junto aos autos, por iniciativa do tribunal; as declarações do legal representante da Demandante, condutor do veículo, e os depoimentos das testemunhas apresentadas pela Demandada.
Ponderaram-se os depoimentos das seguintes testemunhas, as quais revelaram credibilidade e conhecimento direto dos factos sobre os quais testemunharam. Assim:1.ª – Sr. G, que, aos costumes, declarou ser o participante do sinistro, não conhecendo nenhuma das partes. Conquanto não se recordasse do acidente, por efetuar participações de vários sinistros, a testemunha foi esclarecedora quanto à interpretação do Auto de Participação e bem assim quanto ao seu modo de operar.
2.ª – Sra. H, que, aos costumes, declarou ser a condutora do veículo segurado na Demandada e interveniente no acidente.
3.ª Sr. I , que aos costumes, declarou perito averiguador, efetuando, por conta da sua empresa, averiguações para a Demandada.
O tribunal não responde aos artigos que contêm matéria conclusiva, de direito ou meras conclusões.
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Com interesse para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos:
1. A Demandante é proprietária do veículo, ligeiro de passageiros, com a matrícula "!FM" (adiante designado apenas por “FM”), da marca -----------, modelo ------- (Doc. n.º 1);
2. No dia 2 de setembro de 2013, pelas 16,00 horas, ocorreu um acidente de viação, na Rua Doutor Artur Figueiroa Rego, no concelho de Caldas da Rainha (Doc. n.º 2);
3. O “FM” era, no momento do sinistro, conduzido por Sr. J, sócio gerente da Demandante;
4. A artéria onde ocorreu o sinistro, dispõe de dois sentidos de trânsito, com uma via de trânsito para cada um deles (Doc. n.º 2);
5. O “FM” circulava no sentido Caldas da Rainha – Tornada;
6. Como pretendia mudar de direção à esquerda, para entrar no n.º 53 da referida artéria (do lado contrário, atento o seu sentido de marcha), imobilizou o veículo na berma direita, fora da faixa de rodagem e abriu o portão do referido prédio;
7. Após o que iniciou a manobra de mudança de direção para a esquerda;
8. Quando se encontrava na execução de tal manobra foi embatido pelo veículo com a matrícula “HG”, na sua lateral esquerda, com a frente direita daquele veículo (Doc. n.º 2 e de fls. 68 a 86);
9. Em consequência do embate, o “FM” sofreu danos na sua lateral esquerda, os quais foram orçamentados em 3.352,61 € (Três mil, trezentos e cinquenta e dois euros e sessenta e um cêntimos (Doc. n.º 3);
10. Com o prazo de 5 dias para reparação (idem);
11. O “HG” circulava no sentido Caldas da Rainha -Tornada (idem);
12. O tempo estava bom e o local tinha boa visibilidade (idem);
13. O pavimento da faixa de rodagem, no local do acidente, encontrava-se em bom estado de conservação, devidamente asfaltada, regular e não tinha buracos;
14. O “HG” circulava na sua mão de trânsito quando, subitamente, o “FM” decidiu retomar a sua marcha, pretendendo aceder ao imóvel do lado contrário da via, e inicia o atravessamento da faixa de rodagem, em toda a sua largura;
15. Numa linha perpendicular à própria faixa de rodagem (Doc. n.º 2, junto com a contestação e de fls. 68 a 86);
16. Cortando a linha de marcha do “HG” que circulava, nesse momento, na referida artéria e no sentido Caldas da Rainha -Tornada;
17. Pela via de trânsito da direita;
18. Perante a presença súbita do “FM”, atravessado na sua faixa de rodagem, a condutora do “HG” acionou os mecanismos de travagem do seu veículo;
19. Não tendo conseguido evitar a colisão, nos termos supradescritos em 8;
20. Tendo-se o “FM” imobilizado na via de circulação destinada ao trânsito no sentido Tornada - Caldas da Rainha;
21. Do sinistro resultaram danos na frente direita do “HG”;
22. O “FM” já foi reparado, em data e valor não apurados.
Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
Preliminarmente, importa referir, na questão de Direito, embora de modo sintético, que a obrigação de indemnizar, seja qual for a fonte de que provenha (responsabilidade por factos ilícitos, extracontratual ou aquiliana – Art.ºs 483.º e ss. do Código Civil; responsabilidade pelo risco ou objectiva - Art.ºs 499.º e ss.; responsabilidade por factos lícitos ou responsabilidade contratual - Art.ºs. 798.º e ss.) radica sempre num dano, isto é, na supressão ou diminuição de uma situação vantajosa que era protegida pelo ordenamento jurídico (cfr. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, II, 1986 – reimpressão, AAFDL, 283).
Além do dano, são comummente considerados pressupostos da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana (Art.º 483.º, n.º 1 e seguintes do C.C.): o facto, que se analisa numa conduta humana dominável pela vontade; a ilicitude, traduzida na violação de direitos subjectivos absolutos, ou de normas destinadas a tutelar interesses privados; a imputação psicológica do facto ao lesante, sob a forma de dolo ou de mera culpa e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, que pode afirmar-se, quando se prove, que a conduta do lesante, considerada ex ante (antes) e tendo em conta os conhecimentos concretos do mesmo, era adequada à produção do prejuízo efectivamente verificado, nos termos do disposto no Art.º 563.º do C.C. (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1, 4.ª ed., 471 e ss. e 578).
Os requisitos estabelecidos no n.º 1 do Art.º 483.º do C.C. para a obrigação de indemnizar são cumulativos.
Por seu turno, nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 11.º do Código da Estrada (C.E.) (Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de maio, com a redação que lhe foi dada pelas sucessivas alterações, a última das quais a do DL n.º 40/2016, de 29 de junho.), “Os condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quaisquer atos que sejam suscetíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança.”
Ainda o n.º 2, do art.º 3.º do C.E., dispõe que “As pessoas devem abster-se de atos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança, a visibilidade ou a comodidade dos utilizadores das vias, tendo em especial atenção os utilizadores vulneráveis.”.
Finalmente, o n.º 1, do art.º 35.º do C.E., dispõe que “O condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.”, sendo certo que, quanto à mudança de direção para a esquerda, dispõe o n.º 1, do art.º 44.º que “O condutor que pretenda mudar de direção para a esquerda deve aproximar-se, com a necessária antecedência e quanto possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afeta a um ou ambos os sentidos de trânsito, e efetuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação.”.
É, assim, instituído um especial dever de cuidado quer na circulação quer na execução de manobras, estando o condutor adstrito à obrigação de tomar todas as precauções no sentido de evitar acidentes.
Neste caso, a Demandante imputa a responsabilidade do acidente à condutora do “HG” porque, a seu ver, violou, precisamente os supramencionados dispositivos e ainda o n.º 1, do art.º 24.º, do CE, que dispõe que ”o condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à preservação de outros utilizadores, em particular dos vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever, e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.”.
Ora, tomando em consideração todos os dispositivos suprarreferidos, é convicção do tribunal que o “FM” violou todas as regras estradais a cujo cumprimento estava adstrito quando pretendia mudar de direção, não se compreendendo mesmo porque encostou e se imobilizou na berma direita, se o que pretendia era mudar de direção à esquerda.
Parece-nos, aliás que não são necessárias grandes indagações para se chegar à conclusão de que o condutor do “FM” não observou nenhuma das suas obrigações, sendo certo que não é expetável a quem circule na sua retaguarda que, inopinadamente, reentre na faixa de rodagem, na perpendicular desta.
Tal procedimento facilitaria a entrada no imóvel do lado oposto da via? Facilitava, mas, ao optar por a realizar daquela forma, teria o condutor de “FM” de aguardar que não circulassem veículos na faixa de rodagem, os quais não são obrigados a contar com a negligência dos outros condutores nem tão pouco a dar-lhe passagem.
Por isso o facto alegado – mas que não resultou provado – de que observou todas as cautelas, incluindo o acionamento do sinal luminoso, quando reentrou na faixa de rodagem não o eximia de esperar que o “HG” passasse por si, prosseguindo a sua normal marcha e só, então, efetuar a manobra que pretendia efetuar.
Os danos sofridos por ambos os veículos, levam-nos a concluir por uma dinâmica do acidente que atribui toda a culpa na sua produção ao condutor do “FM”.
É certo que, no local, ficaram rastos de travagem com alguma dimensão, mas também não é mesmo certo que a condutora do “HG” se viu confrontada com uma manobra que não esperaria, de todo, e, por isso, provavelmente ao invés de reduzir a velocidade, recorrendo às mudanças (como o faria um condutor mais experiente ou menos nervoso), o fez travando, com vista a evitar o embate que adivinhava iminente.
A nosso ver, o facto de a condutora do “HG” não ter conseguido parar o veículo no espaço útil à sua frente, não iliba o condutor do “FM” da culpa que sobre si recai e que assenta na violação de todos os preceitos suprarreferidos.
Culpa que, aliás, sempre se presumiria, em caso de dúvida, nos termos do disposto no art.º 503.º, n.º 3, do CC, uma vez que é a própria Demandante quem reconhece que o condutor, seu sócio gerente, utilizava a viatura no desenvolvimento da sua atividade comercial.
Como assim, declarando-se o condutor do “FM” único e exclusivo culpado na produção do acidente, não pode deixar de improceder o pedido formulado, ficando prejudicada a análise dos pedidos de indemnização que a Demandante formulou contra a Demandada.
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DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, decido declarar a presente ação totalmente improcedente, porque não provada, e em consequência, absolver a Demandada do pedido contra si formulado pela Demandante.
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Custas a suportar pela Demandante, (art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro).
A Demandante deverá efetuar o pagamento da segunda parcela de custas de sua responsabilidade e em dívida, no valor de €35,00, no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de aplicação da sobretaxa de €10,00 por cada dia de atraso, e até um máximo de €140,00 (cf. nº 10 da referida Portaria 1456/2001, de 28.12, na redação dada pela Portaria 209/2005, de 24.02). Decorridos quinze dias sobre o termo do prazo, sem que se mostre efetuado o pagamento, será extraída certidão da presente sentença e da conta de custas e remetida ao Ministério Público junto do tribunal competente para promoção da execução.
Assim, notifique a Demandante para o pagamento suprarreferido e a Demandada para o reembolso da taxa paga com a apresentação da contestação, no montante de 35,00 € (Trinta e cinco euros).
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Registe.
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Óbidos, 28 de outubro de 2016
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 131.º/5 do C.P.C.)

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(Fernanda Carretas)