Sentença de Julgado de Paz
Processo: 148/2017 JPLSB
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO – INCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DE RENDAS.
Data da sentença: 07/04/2018
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Processo n.º 148/2017

Objecto: Arrendamento urbano - incumprimento da obrigação de pagamento de rendas.
Demandante: A. SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, S.A.
Mandatário: Sr. Dr. B.

Demandados: C e D.


RELATÓRIO:
A demandante, devidamente identificada nos autos, intentou contra os demandados, também devidamente identificados nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que se decrete a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes e que os demandados sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 6.000 (seis mil euros), correspondente a rendas vencidas e não pagas, acrescidas da indemnização legal, acrescida das rendas que se vencerem na pendência da ação, bem como de juros de mora. Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 5 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que, por contrato de arrendamento que juntou aos autos, deu de arrendamento ao demandado C. a …. do prédio sito na Rua …., n.º …, em Lisboa, mediante o pagamento de renda mensal no valor de € 400 (quatrocentos euros), a ser paga até ao dia 5 (cinco) do mês a que respeitar, tendo o demandado D. subscrito o contrato de arrendamento na qualidade de fiador. Alega que desde agosto de 2016 as rendas não são pagas, peticionando a condenação dos demandados no pagamento das rendas em dívida, acrescidas da indemnização legal. Juntou 1 documento, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
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Regularmente citados, os demandados não contestaram.
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Foi marcada data para realização audiência de julgamento, tendo as partes sido devidamente notificadas. Nessa data os demandados faltaram, não tendo justificado a sua falta. Foi marcada nova data para realização da audiência de julgamento, da qual as partes, e mandatário, foram novamente devidamente notificadas. Os demandados reiteraram a falta.
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Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 6.000 (seis mil euros).
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 – Em 1 de agosto de 2015, demandante e demandados celebraram o contrato de arrendamento de fls. 6 a 8 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual a demandante deu de arrendamento ao demandado C. a … do prédio sito na Rua ……, n.º … concelho de Lisboa.
2 – Pelo prazo de dois anos, com início em 1 de agosto de 2015 e termo em 31 de julho de 2017, renovável por períodos de dois anos (cfr. cláusula 2ª do contrato). 3 – Mediante o pagamento da renda mensal de € 400 (quatrocentos euros), a ser paga no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito (cfr. cláusula 3.ª do contrato).
4 – A renda referente ao mês de agosto de 2016 e todas as vencidas posteriormente não foram pagas.
5 – O demandado D. assinou o contrato identificado no número 1 supra, referindo-se somente que o faz “na qualidade de fiador”.
Não ficou provado:
Não se provaram mais factos com interesse para a decisão da causa.
Motivação da matéria fática:
Para fixação da matéria fática dada como provada concorreram os documentos juntos aos autos e a cominação legal prevista no n.º 2, do artigo 58.º, da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, que prescreve: “Quando o demandado, tendo sido pessoal e regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita, nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
Da matéria fáctica provada resulta que, em 1 de agosto de 2015,a demandante, na qualidade de senhoria, e primeiro demandado, na qualidade de inquilino, celebraram o contrato de arrendamento de fls. 6 a 8 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual a primeiro deu de arrendamento ao demandado C. a …. do prédio sito na Rua ….., n.º … concelho de Lisboa, o qual está submetido às disposições previstas no Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado e anexo pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto (cfr. art,º 26.º e 59.º dessa lei).
O arrendamento é a locação de uma coisa imóvel, definido no artigo 1022.º, do Código Civil, como “(…) o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição. Como negócio bilateral que é, emergem do referido contrato direitos e obrigações para ambas as partes, consistindo uma dessas obrigações, a cargo do locatário (o aqui demandado C.), pagar a renda no montante e demais termos acordados, conforme estipulam a alínea a), do artigo 1038.º, e artigo 1039.º, ambos do Código Civil, obrigação esta que, a ser incumprida dá lugar à indemnização prevista no artigo 1041º, do Código Civil (“Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento”). Esta última disposição legal concede ao locador (e citando-se o acordão do STJ, de 11-10-2005, Proc. nº 04B4383, in www.dgsi.pt) “o direito à indemnização aí referida, desde a mora, sob condição (…) daquele não obter a resolução do contrato com base na falta de pagamento da renda, dependendo, porém, a verificação da condição da efectiva resolução com esse fundamento; não deriva (…) da lei que o pagamento da indemnização apenas seja obrigatório quando o locatário mantém ou pretende manter o arrendamento, pelo que o referido direito do locador se não extingue se o locatário voluntariamente, ainda que na pendência da acção de despejo, abandonar ou entregar o locado”) o direito a ser indemnizado sempre que haja uma situação de mora no pagamento de rendas, salvo quando o senhorio opte pela resolução do contrato com base nessa causa, e o contrato for resolvido com base em tal fundamento; ao invés, o locador mantém o referido direito à indemnização pela mora no pagamento de rendas, quando a resolução do contrato de arrendamento radica em acto eficaz de revogação unilateral da iniciativa do locatário. O senhorio pode resolver o contrato com fundamento na falta de pagamento das rendas acordadas por período igual ou superior a dois meses, sendo devida a desocupação do locado após o decurso de um mês a contar da resolução (cfr. art.ºs 1081.º, 1083.º e 1087.º do mesmo Código). Esta resolução opera por mera comunicação à contraparte onde “fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida” (art.º 1084.º do mesmo Código), sendo de admitir, por maioria de razão, que poderá operar por recurso aos tribunais, incluindo os julgados de paz. Por último refira-se que “Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida” e “Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro” (n.ºs 1 e 2 art.º 1045.º do mesmo Código).
Dos factos provados resulta que a renda referente ao mês de agosto de 2016, assim como todas as vencidas posteriormente não foram pagas. Daqui resultando que o demandado C. incumpriu a sua obrigação de pagamento das rendas acordadas, indo, consequentemente, condenado no cumprimento desta sua obrigação, ou seja, no pagamento de todas as rendas vencidas e não pagas, referentes aos meses de agosto de 2016 até ao presente mês de julho de 2018 (ou seja, incluindo-se as vencidas na pendência da presente ação, nos termos do peticionado e conforme permitido pelo nº 1, do artigo 557.º, do Código de Processo Civil), na quantia total de € 14.400 (catorze mil e quatrocentos euros), correspondente a 36 (trinta e seis) meses de rendas [(€ 400 (quatrocentos)/mês].
Dos factos provados resulta também que o demandado incumpriu a sua obrigação de pagamento das rendas acordados por período superior a dois meses, sendo que a demandante direito a resolver o contrato de arrendamento, com esse fundamento. Contudo não o fez, peticionando-o agora. Ao optar por resolver o contrato de arrendamento com o fundamento na falta de pagamento de rendas, a demandante deixou de ter direito à indemnização prevista no artigo 1041º, do Código Civil.
Relativamente ao pedido de declaração de resolução do contrato, prevê o art.º 1047.º do Código Civil que a resolução dos contratos de arrendamento pode ser feita judicial ou extrajudicialmente, e ter como fundamento os previstos no artigo 1083.º, operando do modo especificado no artigo 1084.º, do mesmo Código. Assim, o senhorio tem o direito de resolver o contrato de arrendamento, com base no incumprimento da outra parte, sendo-lhe inexigível a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a dois meses no pagamento da renda (cfr. n.ºs 1 e 3 do citado artigo 1083.º). Ora, resultando provado que o demandado não pagou as rendas vencidas desde agosto de 2016, existindo assim mora há mais de dois meses, existe fundamento para resolução do contrato de arrendamento em apreço, o que se decreta.
Assim, operada a resolução do contrato deverá o demandado restituir o locado, nos termos do disposto no art.º 1043.º do Código Civil, sob pena de pagamento da indemnização prevista no art.º 1045.º do mesmo Código.
Pede, também, a demandante a condenação do demandado no pagamento de juros de mora. Verificando-se existir, como se disse, um retardamento da prestação por causa imputável ao devedor, constitui-se este em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados ao credor, ao demandante (artigo 804º do Código Civil). Tratando-se de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponderá aos juros a contar a partir do dia de constituição de mora (artigo 806º do Código Civil). Nos termos do nº 1 do artigo 805º do Código Civil, o devedor fica constituído em mora, após ter sido extrajudicialmente ou judicialmente interpolado ao pagamento, prescrevendo a alínea a), do nº 2, do mesmo dispositivo, que há mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo. É o caso dos autos. Deste modo, a demandante tem direito a juros de mora, à taxa de 4%, (nos termos do artigo 559º do Código Civil e Portaria nº 291/03, de 8 de Abril) desde a data de vencimento de cada uma das rendas até efetivo e integral pagamento.
Urge, por último, analisar o pedido de condenação do demandado D. que, como dissemos, assinou o contrato em apreço “(…) na qualidade de fiador”. Da análise do contrato de arrendamento celebrado entre as partes verificamos que, em momento (cláusula) algum, esse demandado declarou vontade de prestar fiança, ou seja, que se obrigou pessoal e solidariamente pelo cumprimento das obrigações decorrentes desse contrato para o demandado C. nos termos das disposições legais (artigo 627º e seguintes do Código Civil). Ora, a vontade de prestar fiança deve ser declarada expressamente e pela forma exigida para a obrigação principal (nº 1 do artigo 628º do Código Civil),o que não se verifica no caso em apreço. Por outro lado, o facto do demandado D. ser identificado no contrato como fiador e tê-lo subscrito, não é susceptível de determinar o objecto, e alcance, da obrigação que eventualmente se assume, por o simples facto de existir a ausência total de qualquer declaração, declaração essa que consubstanciaria a fonte da obrigação. Deste modo, há que concluir não ter sido prestada fiança, pelo que a pretensão do demandante relativamente à condenação do demandado D. tem que improceder.

DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e consequentemente, declaro resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre as partes em 1 de agosto de 2015 e condeno o demandado C. a pagar à demandante a quantia de € 14.400 (catorze mil e quatrocentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data de vencimento de cada uma das rendas até efetivo e integral pagamento, indo no demais absolvido.
Mais absolvo o demandado D. do pedido.
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CUSTAS
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, condeno demandado C., devendo proceder ao pagamento de € 70 (setenta euros), neste Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no número 9 da referida Portaria em relação à demandante.
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A presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária - artº 18º da LJP) foi proferida e notificada à demandante, e seu mandatário, nos termos do artigo 60.º, da LJP, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, que ficou ciente de tudo quanto antecede.
Remeta-se cópia aos demandados.
Registe.
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Julgado de Paz de Lisboa, 4 de julho de 2018
A Juíza de Paz,

(Sofia Campos Coelho)