Sentença de Julgado de Paz
Processo: 260/2016-JPCBR
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL/CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE VEÍCULO USADO/INDEMNIZAÇÃO POR DANOS.
Data da sentença: 04/20/2018
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
RELATÓRIO

O demandante, A., NIF. …, residente na rua …, no concelho de Coimbra, representado por mandatária.

Requerimento Inicial: O 1º demandado é antigo funcionário da P., também conhecido por exercer a actividade de venda de veículos semi-novos e em 2ª mão. O 2º demandado é o 1º proprietário do veículo em causa. A 12/11/2015, após alguns contactos, tomou conhecimento, através do sr. J., pessoa das relações dos dois demandos, que o 1º tinha um veículo para venda. O veículo em causa é da marca Ford, modelo Fiesta, a gasolina, do ano de 1996, que estava ser vendido pelo preço de 1.300€. Como necessitava de um veículo para si e para fazer face às necessidades familiares, uma vez que o preço se enquadrava na sua disponibilidade económica, solicitou informações sobre o estado do veiculo, sendo-lhe garantido que estava em ótimo estado, sendo um veiculo de garagem, com pouca utilização e só como um proprietário. Após o1º contacto com o veiculo, e tendo por referencia as indicações dadas, decidiu compra-lo. O negócio foi celebrado a 12/11/2015, por acordo verbal, entre o demandante e o 1º demandado, que agiu com conhecimento e autorização do 2 demandado, e tendo como intermediário do negócio do sr. J.. Foi-lhes entregue os documentos do veículo para procederem á alteração ao registo de propriedade, em simultâneo pagaram 1.300€ em numerário. A 16/11/2015 foi-lhes entregue a viatura. Para adquirir a viatura foi decisivo, não o peço apelativo, mas ter sido garantido que era um carro de garagem, com 1 só proprietário pouca utilização e em bom estado, pois só o preço não justificava. Passados poucos dias da aquisição, o demandante e pessoas que circulavam na viatura, começaram a aperceberem-se de barulhos estranhos. Inicialmente, o demandante ainda relevou, pois não conhecia bem o carro, mas com o passar dos dias os barulhos tornaram-se mais intensos, deixando-o apreensivo, fazendo-o temer pela segurança de quem circulava no veículo, razão pela qual solicitou ao sr. J. que reportasse tais factos ao 1º demandado, de forma a obter alguma solução. O veículo foi levado pelo sr. J. ao mecânico, mas permaneceu com o mesmo problema. Como precisava do veículo para transporte de família e ida para o trabalho, acabou por em janeiro/2016 pedir a um amigo que fosse com ele a uma oficina, sita em A.. Nessa ocasião expôs os seus receios e solicitou que fosse realizado uma análise ao veículo para perceber de onde vinham aqueles ruídos, após a mesma o mecânico referiu que o veículo tinha defeitos que representavam perigo de circulação, destacando o problema de sobreaquecimento, se não corrigisse, devendo substituir o cardam transmissão esquerdo, a torneira de sofagem, a correia, acessórios e o anticongelante. Como se tratava de uma oficina de confiança deu ordem de reparação, a qual foi concretizada a 11/02/2016, tendo despendido a quantia de 254,88€. Uma vez que os demandados nada disseram, o demandante com o conhecimento que tinha decidiu denunciar, por carta, que enviou a 22/02/2016, na qual exigiu o pagamento das despesas que pagou para corrigir os defeitos, contudo nada fizeram. A 27/05/2016 fez nova abordagem, por carta registada, que veio devolvida. Assim reclama os danos que sofreu, nomeadamente as despesas que suportou com a oficina no valor de 254,88€. Para além disso, as suas expetativas foram frustradas, pois confiou que a viatura tinha as qualidades que para si eram essenciais, designadamente que era veículo de garagem, em bom estado e com 1 só proprietário, pelo que pagou o preço de 1.300€. De referir que embora esteja bem-adaptado ao meio, tais factos fizeram despoletar mágoa e revolta, sentindo-se enganado face ao real estado da viatura, o que se agravou com a indiferenças dos demandados, que apesar dos contactos não deram qualquer solução para os problemas do veículo. Para além disso, teve despesas com advogados e outras despesas judiciais, pelo que entende que deve ser ressarcido em montante não inferior a 1.500€. Conclui pedindo que: A) sejam os demandados condenados solidariamente no pagamento da quantia de 254,88€ de danos patrimoniais; B) sejam os demandados condenados solidariamente no pagamento da quantia de 1.500€ de danos não patrimoniais, tudo acrescido dos juros de mora, á taxa legal, desde a citação, até efetivo e integral pagamento. Juntou 4 documentos.

MATERIA: Ação de incumprimento contratual, enquadrada no art.º9, n.º1, alínea I) da L.J.P.

OBJETO: contrato de compra e venda de veículo usado, indemnização por danos.

VALOR DA AÇÃO: 1.754,88€.

Os demandados, A., residente na rua …, no concelho de Coimbra, representado por mandatária.

E, AA., residente na rua do …, no concelho de Coimbra.

Contestação: Aceitam os factos 2 e 3 do r.i. O negócio foi intermediado pelo referido J., que foi arrolado como testemunha, e deveria ser indicado como demandado. Na realidade ao tempo dos factos o dito senhor estava desempregado, sendo conhecido de JC., que era amigo do 1º demandado. Sucede que dias antes da realização do negócio, o dito J. contactou JC. perguntando se tinha conhecimento de alguma viatura que rondasse os 1.000€, que o informou do carro em questão. Na sequência, J. contactou o 1º demandado, deslocando-se a casa dele verificou o estado da mesma, levou-a, andou com ela e no dia seguinte entregou-lhe 1.000€ em dinheiro, sendo o negócio realizado por ele, por via disso considera-se que o 1º demandado é parte ilegítima na ação. Tanto o 1º como o 2º demandado foram alheios ao negócio, o 1º porque se predispôs a guardar o veículo, e o 2º embora proprietário, emigrou e como não precisava dela dispôs-se a vende-la por 1.000€, o que veio a suceder a 12/11/2016, sendo o dinheiro entregue ao pai do 2º demandado. No entanto, alega-se que foi vendida por 1.300€, ora a diferença de 300€ há-de ter revertido para o dito J., que intermediou no negócio, e não o demandado. Na altura dos factos o 2º demandado nem estava em Portugal. Não foram os demandados que garantiram o estado do veículo, esses argumentos não foram utilizados por nenhum deles, se alguém o assegurou só a essa pessoa podem ser imputados, ou seja do vendedor J.. Ademais, impugna-se que a viatura apresentasse os defeitos que refere, pois tinha sido inspecionada em setembro/2015, cujo relatório atesta sem anomalias. O carro foi entregue, com as chaves e os documentos necessários para realizar a transferência de propriedade, ao J. a 12/11/2015, e não a 16/11/2015, pelo que desconhecem em que local esteve, e que uso lhe foi dado no tempo em que mediou a entrega do carro ao J. e a entrega do mesmo ao demandante. Se a viatura passados 3 meses após a sua entrega, precisou de vários materiais, como anticongelante, torneira de sofagem, correia, acessória, cardam e ….. foi pelo desgaste natural, pelo que não deve ser ressarcido. Sabia de antemão que a viatura não era nova, tinha direção assistida, sendo um excelente negócio, considerando o seu preço e aquele que é praticado pelos stands, mas no caso foi vendido por um particular a outro, o dito J., não estando abrangido pela garantia do consumidor. Quanto aos 1.500€ de indemnização de danos não patrimoniais, não sabe como o demandante chegou a esse valor, nem que fundamentos subjazem á relação comercial, nem como os imputa aos demandados. Concluem pedindo a improcedência da ação, com a devida absolvição do pedido. Protestaram juntar o relatório de inspeção.

TRAMITAÇÃO:

Realizou-se pré-mediação, tendo as partes recusado a mediação.

O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.

As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária.

O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.

AUDIENCIA DE JULGAMENTO:

Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º1 da L.J.P., sem que as partes tenham chegado a consenso. Seguindo-se para produção de prova com declarações de parte, a audição das testemunhas presentes. Na 2ª sessão continuou-se com as declarações de parte do demandado, e terminou com breves alegações, conforme resulta das atas de fls. 90 a 93, e 95 a 96.

-FUNDAMENTAÇÃO-

I- DOS FACTOS ASSENTES (Por Acordo):

A) O 2º demandado é o 1º proprietário do veículo em causa.

B) No dia 12/11/2015, após alguns contactos, o demandante, tomou conhecimento, através do sr. J., pessoa das relações do 1º demando e do demandante, que o 1º tinha um veículo para venda, que lhe podia interessar.

II-DOS FACTOS PROVADOS:

1) O 1º demandado é antigo funcionário da P., também conhecido por exercer a atividade de venda de veículos semi-novos e em 2ª mão.

2) O veículo em causa é da marca XXXXX, modelo XXXXXXX, a gasolina, do ano de 1996.

3) Como o demandante necessitava de um veículo para si e para fazer face às necessidades familiares, uma vez que o preço se enquadrava na sua disponibilidade económica, o demandante, solicitou informações sobre o estado do veículo.

4)Foi garantido que se tratava de um veículo de garagem, com pouca utilização, só com 1 proprietário e em ótimo estado.

5) Após o primeiro contacto com o veículo, e tendo por referência as indicações dadas, o demandante decidiu compra-lo.

6)Tornando-se o proprietário do veículo da marca XXXXXXXX, modelo XXXXXXXXX, a gasolina com a matrícula HH.

7) O negócio foi celebrado a 12/11/2015, por acordo verbal, entre o demandante e o 1º demandado, tendo como intermediário do negócio do sr. J..

8) Foi entregue ao demandante os documentos do veículo para proceder a alteração ao registo de propriedade.

9)Em simultâneo o demandante pagou 1.300€, em numerário.

10)A 16/11/2015 a viatura foi entregue ao demandante, pelo intermediário do negócio, o sr. J..

11)Passado alguns dias após estar na posse do veículo o demandante apercebeu-se de barulhos estranhos no veículo.

12)Assim como outras pessoas que circulavam no veiculo.

13)Com o passar dos dias os barulhos tornaram-se mais intensos.

14)O demandante ficou apreensivo e temeu pela segurança dos ocupantes do veículo.

15) O demandante é invisual, e apesar de não poder conduzir tem maior perceção aos barulhos que o rodeiam.

16) O demandante solicitou ao sr. J. que reportasse o facto ao 1º demandado de forma a obter alguma solução.

17)O sr. João Soares, levou o veículo a um mecânico.

18)O problema do veículo não foi corrigido.

19) Como o problema no veículo continuava, e o demandante e família necessitavam da viatura para transportar ao local de trabalho e fazer face ás necessidades do quotidiano.

20)O demandante em meados de janeiro/2016 foi, com o veículo, conduzido por um amigo a uma oficina automóvel, C., Lda.

21)A oficina situa-se em A., no concelho de Coimbra.

22)O demandante expos a situação ao mecânico e solicitou que fizessem uma análise ao veículo, para perceber o problema dos ruídos.

23)Foi diagnosticado defeitos, dos quais se destaca o sobreaquecimento do veículo.

24)Para corrigi-lo necessitava de substituir o cardam da transmissão esquerdo, a torneira da sofagem, a correia, e o anticongelante.

25) O demandante mandou reparar e custeou a mesma, o que se concretizou a 11/02/2016, na quantia de 254,88€.

26) O demandante, sabendo a origem dos barulhos e consequências, denunciou por escrito, a 22/02/2016 os defeitos do veículo.

27) Solicitando ser ressarcido das despesas que pagou com a correção dos defeitos.

28)Contudo, as responsabilidades não foram assumidas.

29)Numa nova tentativa de abordagem, repetiu a denúncia por carta a 27/05/2016, que foi devolvida.

30)O demandante sentiu-se enganado, despoletando em si mágoa e revolta.

31)O negócio de compra e venda foi intermediado pelo referido J..

32)O J. era conhecido de JC., vendedor de automóveis, e amigo do 1º demandado.

33)Antes da realização do negócio, J. contactou o JC., para que o informasse se tinha conhecimento de alguma viatura á venda que rondasse os 1.000€.

34)Tendo-o informado que sabia de um carro.

35)Na sequência, J. contactou o 1º demandado, deslocando-se a sua casa, verificou o estado e levou-a.

36) No dia seguinte entregou-lhe 1.000€.

37)O 2º demandado, que estava emigrado, foi totalmente alheio ao negócio.

38)Este, como não precisava da viatura dispôs-se a vende-la.

39)O que sucedeu a 12/11/2015.

40)O intermediário do negócio J. ficou com 300€.

41)Na altura dos factos o 2º demandado não estava em Portugal.

42)Não foram os demandados que garantiram ao demandante que o veículo tinha pouca utilização, e estava em ótimo estado.

43)A viatura fora inspecionada em setembro/2015, cujo relatório referia sem anomalias.

44)O veículo foi entregue, com as chaves e os documentos necessários para a transferência de propriedade, ao J..

45) O demandante sabia que a viatura não era nova.

46)O negócio foi realizado entre particulares.

MOTIVAÇÃO:

O Tribunal baseou a decisão na analise critica da documentação apresentada pelas partes, a qual foi conjugada com a prova testemunhal e regras da experiencia comum.

O demandante prestou declarações, nos termos do art.º 57, n.º 1 da L.J.P., tendo relatado a sua versão dos factos, explicando como foi realizado o negócio a quem pagou os 1.300€, explicando com quem falava quando sentia barulhos no veículo, e o motivo por que mandou proceder á reparação do veículo. O seu depoimento, embora não isento, pois tem interesse direto na forma como termina os autos, ainda assim, foi relevante para prova de factos, na medida em que foram ao encontro da restante prova realizada em audiência. Auxiliou na prova dos factos com os n.º 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 44, 45 e 46.

A testemunha, A., é mulher do demandante, tendo conhecimento direto da maioria dos factos, pois foi ela que pediu ao intermediário para procurar um veículo. Explicou que é ela quem habitualmente conduz o veículo, do qual necessitavam para deslocações ao hospital com o filho e levar o demandante ao trabalho. Explicou que foi o demandante que se apercebeu dos barulhos, pois tem ouvido mais apurado, pelo que falaram com o J. para resolver a situação e comunicar ao vendedor o que se passava. Referiu que nunca viu, nem falaram com o antigo proprietário, nem com o intermediário dele no negócio, esclarecendo que admite que o J. terá transmitido tudo o que os apoquentava em relação ao veículo. Teve um depoimento claro, embora não isento, o seu depoimento auxiliou na prova dos factos com os n.º 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11,12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 23, 24, 25, 26, 27, 30, 31, 35 e 45.

A testemunha J., foi o intermediário do negócio da parte do demandante. Explicou que teve conhecimento do veículo através de um vendedor seu conhecido, e que os 300€ era a comissão dele para o negócio, mas devido aos vários problemas que o veículo teve, desde o inicio, entendeu que devia suportar alguns problemas, como por exemplo com a bagageira, pelo que a comissão foi toda para pagar os problemas que foram surgindo. Foi dando conhecimento destes problemas ao vendedor, que apenas em relação às luzes lhe disse para ir a uma oficina, em relação aos restantes sempre se descartou, pelo que deixou de lhe dizer o que se passava pois ele não queria saber, chegando a ser mal educado. O seu depoimento foi coerente e esclarecedor, sendo relevante para prova dos factos n.º 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 15, 16, 17, 18, 19, 20,21, 25, 30, 31, 32, 34, 35, 36, 37, 40, 44, 45 e 46.

A testemunha, PG., é amigo e colega de trabalho do demandante. Conduziu o veículo algumas vezes a pedido deste, motivo pelo qual tem conhecimento direto dos problemas do veículo, pois foi ele que o acompanhou á oficina. O seu depoimento apenas relevou nesta parte, uma vez que em relação ao negócio, e contactos entre as partes nada sabe. Assim, auxiliou na prova dos factos n.º 2, 15, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25.

O 1º demandado, A., prestou declarações nos termos do art.º 57, n.º da L.J.P. Explicou como se processou a venda do veículo, e os motivos porque estava na posse do mesmo. Quanto aos problemas do veículo admitiu que recebeu alguns telefonemas do J., referindo-lhe sempre que quando vendeu tinha conhecimento do real estado do veículo, pois até levou o carro, com sua autorização, para verificar. Esclarecendo que nunca atestou que estivesse em ótimo estado. Mesmo assim, suportou o custo do problema das luzes, mas advertiu logo que não suportaria mais nada, por isso descartou-se dos outros telefonemas. O seu depoimento, embora não isento, foi relevante para esclarecer os factos n.º 2, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45 e 46.

FACTOS NÃO PROVADOS:

Que o antigo proprietário do veículo, o 2º demandado, tivesse conhecimento dos factos, o qual á data dos factos já estava emigrado, pelo que não interveio no negócio, nem teve conhecimento se houve ou não problemas com o veículo.

Que o demandado A. tivesse intervindo como vendedor profissional, pois provou-se que o veículo estava na sua garagem guardado, mas era para venda com autorização do proprietário que tinha deixado a declaração de transferência do registo já assinada.

Também não se provou que o demandado A. tivesse intervindo como intermediário, pois se adiantou dinheiro pelo veículo, o que reconheceu nas declarações que voluntariamente prestou em audiência, e ficou na posse do mesmo, pode dizer-se que atuou, no negócio da venda, como sendo o legitimo proprietário do mesmo.

Também não se provou que fosse o demandado A. que tivesse garantido ao demandante que o veículo estava em ótimo estado de conservação, aliás este nunca falou com o demandante, os contactos foram todos realizados com o intermediário do negócio J., e foi este que deu essa garantia ao demandante.

Quanto ás denuncias dos defeitos, apurou-se que o demandante transmitiu os barulhos que ouvia ao seu intermediário do negócio, o qual algumas vezes telefonou ao 1º demandado, o que fez na presença do demandante.

III-DO DIREITO:

O caso em análise refere-se ao contrato de compra e venda, celebrado entre particulares, que tem por objecto veiculo usado, sendo regulado pelos art.º 874 e sgs do C.C.

Questões em análise: posição dos demandados face ao negócio, pedidos de indemnização.

A compra e venda é um negócio jurídico de natureza obrigacional que consiste na transferência da propriedade ou outro direito, mediante o pagamento de um preço (art.º 874 do C.C.).

Este negócio jurídico gera obrigações reciprocas para as partes contratantes, do que deriva dois tipos destintos de efeitos, um de natureza obrigacional, o pagamento do preço pelo bem adquirido; e dois de natureza real, a transferência da propriedade da coisa e a entrega da mesma.

Quanto ao efeito de natureza real, a transferência da propriedade, de acordo com o art.º 406 do C.C. dá-se por mero efeito da celebração do contrato.

No que respeita á celebração deste negócio, e atendendo ao objeto do negócio em causa, veículo automóvel, a lei não exige que seja celebrado por qualquer forma específica (art.º 219 e 897 do C.C.), pelo que bastará o mero encontro convergente de vontades para que se considere o negócio realizado.

Quanto ao caso concreto o objeto do negócio trata-se de um veículo usado, á data dos factos com cerca de 19 anos, conforme resulta do certificado de matrícula, documento 1, junto a fls. 15 e 16.

Quanto ao primitivo proprietário do veículo, o 2º demandado, foi provado que não interveio no negócio em análise. Na realidade, foi apurado que há data dos factos, estava emigrado, tendo o seu pai deixado o veículo ao 1º demandado para o vender, e este até já lhe tinha adiantado o dinheiro, o que se soube através das declarações do próprio demandado, A.. Do exposto concluo que, afinal o proprietário do veículo já era o 1º demandado, pois já tinha ocorrido a entrega da coisa, e o pagamento de um preço, embora este (1º demandado) não tivesse registado a aquisição (art.º 406 do C.C.). Assim, a haver alguma responsabilidade quanto á venda realizada ao demandante, seria somente do 1º demandado, afastando-se logo a responsabilidade solidaria dos demandados, pois apenas existe quando derive dos termos do negócio, ou se a lei assim o estabelecesse, o que no caso concreto não sucede (art.º 513 do C.C.).

Segundo foi alegado, o veículo, á primeira vista estaria em bom estado. No entanto, poucos dias depois de estar na posse dele, o demandante começou a ouvir barulhos estranhos que se intensificaram, começando a temer pela segurança dos utentes do mesmo, o que foi confirmado pelas pessoas que conduzem o veículo, uma vez que o demandante é invisual. Estas, também, se aperceberam da perda de pressão no veículo, motivo pelo qual o demandante acabou por ir a um mecânico. Por sua vez, fizeram o diagnóstico ao veículo, confirmando assim os receios do demandante. Confirmaram a existência de defeitos, sobretudo de sobreaquecimento.

Tal facto, em termos jurídicos, constitui um defeito no bem, que impede a realização do fim a que é destinado (art.º 913, n.º 1 do C.C.), a circulação, o qual já existiria na altura da venda, note-se que o veículo tinha 19 anos e embora estivesse guardado em garagem (por período que se desconhece) estava parado, pois o seu primitivo proprietário estava emigrado.

Deriva das regras do senso comum, que a falta de circulação num veiculo usado, fazem colapsar alguns dos seus componentes, pois requerem lubrificação, por isso os relatórios de inspeção periódica que o demandado juntou aos autos, não são suficientes para abonar o bom estado do veículo na altura da venda, uma vez que nas inspeções técnicas não há uma inspeção á mecânica dos veículos, mas somente a alguns dos seus elementos, como travões, luzes, gases, de forma a garantir a segurança face a terceiros.

Quanto ao regime jurídico aplicável a esta situação defendo a posição perfilhada por Pires de Lima, Antunes Varela e mais recentemente de Luís Menezes Leitão, que consideram que deve ser enquadrada no regime do erro em sentido técnico.

Nestas circunstâncias, embora a lei lhe faculte várias opções, o demandante optou, apenas, por exigir um pedido de indemnização, quer por danos patrimoniais, quer por danos não patrimoniais.

Na realidade foi provado que, o demandante, quando começou a verificar que o veículo tinha problemas, os barulhos estranhos que ouvia, em vez de contactar diretamente com o demandado A., contactava com a pessoa que fez a intermediação do negócio, J.. Como a lei não exige forma específica para a denúncia, a intermediação da mesma, também, seria admissível (art.º 219 do C.C.), desde que cabalmente fique provado.

Assim, a pessoa que fez a intermediação do negócio, J., acabou por admitir que comunicou verbalmente, por meio de telefone, ao 1º demandado alguns problemas, sem, no entanto, elucidar concretamente quais e quando, com exceção das luzes que aquele acabou por custear a respetiva reparação. Quanto aos outros, referiu que inicialmente lhe disse e ele sempre se descartou, acabando por ser ele-intermediário-, a custear alguns, pois moralmente sentiu-se responsável. Assim, não se pode dizer que aquele teve conhecimento de todos os problemas e não quis repara-los.

Para além disso, é preciso não esquecer que neste tipo de indemnização há prazo para exercer a denuncia do defeito, 30 dias depois de conhecido, e num período de 6 meses após a entrega da coisa (art.º 916, n.º 2 do C.C.), no qual deve intentar a ação, se nada for feito. Acrescente-se que este procedimento deve ser realizado para cada um dos defeitos que verifique, sob pena de caducidade do direito. Vejamos se os procedimentos foram realizados, adequadamente, tendo em consideração que a ação foi intentada em outubro/2016.

Na realidade, não se conseguiu apurar datas concretas da denúncia dos factos pelo intermediário. Mas, foi apurado que passados alguns dias depois de o veículo estar na posse do demandante, o que significa que ainda em novembro/2015, terá sentido o facto em análise, e tendo por referência que o demandante procedeu á reparação do veículo em janeiro/2016, e que no início de fevereiro, mais propriamente a 10/02/2016, veja-se a fatura e recibo a fls. 17 e 18, já tinha conhecimento do custo da mesma, conclui-se que na altura em que a ação foi intentada já tinha decorrido mais de 6 meses, pelo que através deste expediente legal, ocorreu a caducidade do direito (art.º 333, n.º1 do C.C.), o que se reconhece.

Note-se que, quando o demandante fez as denúncias por carta, referente aos barulhos que sentia no veículo, factos que motivaram a ação, já tinha decorrido muito mais dos 30 dias que a lei exige para denuncia.

Atendendo aos factos provados, pode ainda considerar-se a indemnização por erro simples (art.º 909 do C.C., por remissão do art.º 913 do C.C.), a qual é limitada aos danos emergentes do contrato.

Na realidade, o vendedor em questão, o 1º demandado, não é uma pessoa qualquer, mas alguém que durante anos foi vendedor profissional, o que significa que tem conhecimentos acima da média das pessoas, na área em questão, e como tal não pode ignorar que os veículos, também, se deterioram se não são utilizados.

Quer isto dizer que, devia ter alertado o intermediário para esta questão, e não o fez, nisto residiria a sua total boa-fé (art.º 227 do C.C.), pois não podia ignorar que a coisa, o veículo, padecia de vícios decorrentes da idade e do facto de estar parado, pelo que não afastou cabalmente a sua responsabilidade (art.º 915 do C.C.), sendo responsabilizado em termos objetivos.

No entanto, também, para exercer este direito há prazos, o qual é o mesmo referido de 6 meses, a contar do momento em que o demandante tem conhecimento do defeito (art.º 916, n.º 2 do C.C.). No caso em apreço, mesmo que se ignorasse que o demandante teve conhecimento dos barulhos em datas anteriores, toma conhecimento cabal do estado do veículo a partir do momento em que o leva á oficina e lhe fazem o diagnóstico, o que sucedeu em janeiro/2016, pelo que o prazo de 6 meses já tinha caducado quando intentou a ação.

Assim, não pode ser legalmente responsabilizado pelos danos materiais.

Não obstante, o que referi, não deixa de ser censurável a posição do intermediário, que não acautelou devidamente a posição do demandante. Sobretudo, por ter conhecimento das limitações que tinha, que procurou lucrar com o negócio, por isso se custeou algumas reparações não fez mais do que a sua obrigação moral e legal.

DECISÃO:

Nos termos expostos julga-se a ação improcedente, absolvendo-se o demandado do pedido.

CUSTAS:

São da responsabilidade do demandante, devendo proceder ao pagamento da quantia de 35€ (trinta e cinco euros) no prazo de 3 dias úteis, sob pena da aplicação da sobretaxa no montante diário de 10€ (dez euros).

Proceda-se ao reembolso do demandado.

Proferida nos termos do art.º 60, n.º 2 da L.J.P.

Coimbra, 20 de abril de 2018

A Juíza de Paz

(redigido pela signatária, art.º 131, n.º 5 do C.P.C.)

(Margarida Simplício)