Sentença de Julgado de Paz
Processo: 153/2015-JP
Relator: FILOMENA MATOS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
Data da sentença: 11/27/2015
Julgado de Paz de : CANTANHEDE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

RELATÓRIO

1- IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: “A”, Ld.ª, com o NIPC X e sede na Rua X, em X.
Demandada: “B”, S.A., com o NIPC X e sede na Rua X, em X.

2-OBJECTO DO LITIGIO
A Demandante intentou a presente ação declarativa de condenação, pedindo a condenação da Demandada no pagamento da quantia de €11.949,58, pelos prejuízos materiais e morais sofridos e a sofrer, acrescida de juros legais após a citação, tudo com custas e condigna procuradoria.
Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 a 10.

Regularmente citada, a Demandada contestou, impugnando a factualidade alegada pela Demandante, concluindo pela improcedência do pedido e pela sua absolvição conforme resulta de fls. 23 a 27, e juntou três documentos.
O Julgado de Paz é competente para julgar a presente causa (cfr. art. 9.º, n.º 1, h) da LJP).
Não existem exceções que cumpram conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da causa.

A audiência de julgamento realizou-se com observância das formalidades legais, conforme se alcança das respetivas atas.

A questão a decidir por este Tribunal, consiste em saber se se tem por verificados os pressupostos de responsabilidade civil que geram a obrigação da Demandada em indemnizar a Demandante, no valor peticionado.

Factos provados e com interesse para a decisão da causa.
1-No dia 2 de julho de 2012, cerca das 15 horas, num prédio rústico situado entre X e X, na área do concelho de X, quando o tratorista “C” estava a laborar com a viatura marca X, modelo X, matrícula XX-XX-XX, com o reboque de matrícula XX-XX-XX, propriedade da Demandante, ocorreu um acidente de viação.
2-A viatura circulava no referido prédio, o terreno cedeu, fazendo com que o trator X tenha tombado e partido o vidro da frente, os laterais esquerdos e o da porta, bem como, danificado a porta.
3-O acidente foi participado à Demandada no dia seguinte, com a entrega do documento que foi solicitado.
4-A Demandante tinha subscrito com a Demandada a favor da referida viatura um seguro usualmente designado como seguro contra todos os riscos, nomeadamente: erro de manobra, imperícia, negligência do operador, manobra do condutor, aluimentos, derrocadas, desmoronamentos ou desligamento de terrenos.
5-O acidente ocorreu devido a um aluimento do terreno e subsequente erro de manobra ou impossibilidade do condutor em evitar que o veículo tombasse.
6-Entre Demandante e Demandada foi celebrado um contrato de seguro do ramo Máquinas Cascos, titulado pela Apólice nº X, cfr. doc. junto a fls 31.
7-O contrato tinha por objeto a garantia das coberturas indicadas nas condições particulares e gerais da Apólice, cfr. doc. juntos a fls 32 a 67.
8-Com o capital seguro, relativamente ao trator de roda e de rasto, no valor de € 40.000,00 a cobertura de reboque no valor/capital de €20.363,84, com a franquia de 10% do valor indemnizável no mínimo de € 750,00, cfr. doc. junto a fls 31.
9-O sinistro foi participado pela mediadora de seguros “D”, à Demandada em 19 julho de 2012, a ocorrência do sinistro com o trator seguro cfr. doc. junto a fls 68 a 71.
10-A Demandada, após ter recebido esta participação, solicitou à empresa “E” Ldª. a averiguação do sinistro e avaliação dos danos sofridos.
11-No dia 2 de agosto teve lugar a peritagem realizada pela empresa “E”, Lda., que solicitou à Demandante a apresentação de um orçamento de reparação.
12-O orçamento tinha o valor de €2.601,29 acrescido do respetivo o IVA, o que perfazia o montante de €3.199,58, e foi enviado à referida empresa nesse mesmo dia, cfr. doc junto a fls. 95
13-Até ao dia 10 de outubro a Demandada não assumiu a reparação, nem fez qualquer outra comunicação, não obstante a Demandante ter efetuado diversos contactos telefónicos.
14-Nesse dia 10, a Demandante enviou uma comunicação à Demandada apresentando reclamação devido à falta de resolução do assunto, invocando que a viatura estava parada desde a data da participação, pelo facto de não ser possível laborar com a mesma, uma vez que sem os vidros, e como tinha no interior uma parte elétrica sensível (computador de bordo) não podia andar ao ar livre, correndo o risco de se danificar, razão pela qual estava imobilizada, cfr. doc. junto a fls.96 e 97.
15-Solicitava ainda, uma compensação pelos dos prejuízos causados, pois haviam passado 67 dias úteis sem que houvesse uma resolução, cfr. doc. junto a fls.96 e 97.
16-Por carta datada de 17 de outubro de 2012, a Demandada propôs-se pagar à autora a quantia de €890,86 uma vez aplicada a franquia, enviando-lhe para o efeito o recibo nº X, cfr. doc. junto a fls.98.
17-A Demandante verificou que os valores não correspondiam ao do orçamento e solicitou da sua mediadora, uma explicação dos valores, cfr. doc. junto a fls. 99.
18-Após troca de e-mails, a Demandante foi informada que a Demandada considerava que o cálculo estava correto, pois, efetuava sempre a depreciação do bem, cfr. doc. junto a fls.99 a 103.
19-Foi entregue à Demandante o auto elaborado pela empresa de peritagem, que aceitou todos os itens do orçamento da Demandante no que respeitava às peças, cfr. doc. junto a fls. 109.
20-Considerando que, o valor hora do orçamento de €30,00 deveria baixar para €20,00/hora, cfr. doc. junto a fls. 109.
21-Mais fazendo constar que, se aplicava a regra proporcional de 66,67%, ou seja, a consideração da depreciação do bem, cfr. doc. junto a fls. 109.
22-O trator do demandante à data do acidente, estava garantida pelo valor/capital de €40.000,00 e não pelo valor de €28.697,81 que o perito consignou, cfr. 86 a 89 e 109.
23-A Demandante não aceitou a proposta de indemnização assumida pela Demandada e procedeu a suas expensas, à reparação da viatura.
24-O prejuízo sofrido pela Demandante foi de € 3.199,58 relativamente à reparação da viatura, cfr. doc. junto a fls. 95.
25-A máquina acidentada era um instrumento essencial no desenvolvimento da atividade empresarial da Demandante.
26-Era utilizada no ajuntamento e rechega de madeiras, sendo a única máquina que possuía para esses trabalhos.
27-Devido à sua paralisação ficou reduzida a capacidade operativa da Demandante.
28-Tendo ficado inoperacionais três funcionários que foram fazendo outros serviços de menor importância.
29-Do mesmo modo, o desenvolvimento da atividade de corte e transporte de árvores ficou reduzido.
30-Decorreram 75 dias úteis, entre a data do acidente e a assunção de responsabilidade pela Demandada.
31-A franquia existente era no valor de €750,00, cfr. doc. junto a fls. 31.
32-Nos termos do disposto no artigo 51.º, n.ºs 2 e 4 das Condições Gerais da Apólice,
“2-Salvo quando seja determinado por Lei, cabe ao Tomador do seguro indicar ao Segurador, quer no início, quer durante a vigência do contrato, o valor de substituição em novo dos bens ou dos interesses a que respeita o contrato, para efeito de determinação do capital seguro.
4-A determinação do capital seguro, ou seja o valor dos bens ou dos interesses que constituem o objeto do presente contrato, é sempre da responsabilidade do tomador do seguro que deve indicar ao segurador, devendo corresponder, relativamente a cada máquina, equipamento ou instalação, tanto à data da celebração deste contrato como a cada momento da sua vigência, ao seu valor de substituição em novo, por uma máquina, equipamento ou instalação, de idênticas características e capacidade, acrescido das despesas de frete, montagem e direitos alfandegários se os houver”, cfr. doc. junto a fls. 55.
33-No caso de o capital seguro ser inferior ao valor dos bens, nos termos do disposto no artigo 61.º das referidas condições, “o segurador só responde pelo dano na respetiva proporção”., cfr. doc. junto a fls. 58.
34-Nos termos do art.º 5.º das Condições Gerais da Apólice – Exclusões Gerais, “Sem prejuízo do disposto nas Condições Especiais, quando expressamente contratadas, o segurador não garante em caso algum:
5. perdas indiretas ou lucros cessantes de qualquer natureza;
6. perdas e danos por suspensão ou cessação dos trabalhos, perdas de contratos ou Paralisações”. Cfr. doc. junto a fls.40.

Factos não provados
1-O perito nomeado deslocou-se à sede da Demandante, em 26 julho 2012, para realizar a peritagem solicitada, mas, nesse dia, para o efeito, não lhe foi disponibilizado o trator.
2-De acordo com os elementos apurados no âmbito da peritagem, a Demandada teve conhecimento que:
a) O custo da reparação dos danos sofridos pelo trator foi orçamentado em €2.461,29;
b) O trator seguro foi adquirido pelo valor de €46.000,00 + IVA;
c) O preço do trator em novo é € 60.000,00 + IVA;
3-O valor seguro (€40.000,00), é inferior ao valor do bem (€ 60.000,00), respondendo a seguradora pelo dano na respetiva proporção – 66,67%.
4-Sendo o valor dos prejuízos apurados (€2.461,29) e a referida proporção (66,67%), a responsabilidade da Demandada é de €1.640,86.

FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Para a convicção formada, conducente aos factos julgados provados, concorreu a prova documental junta aos autos, o teor das declarações do representante legal da demandante, dos depoimentos das testemunhas inquiridas se revelaram isentos, credíveis e imparciais.
Assim, os factos assentes em 1, 4, 10,11 e 23, consideram-se admitidos por acordo nos termos do disposto no art. 574º, nº2 do C.P.C.
Os factos enumerados sob o nº.6 9, 12 a 22, 31 a 34, resultaram do teor dos documentos juntos conforme referido em cada um dos factos.
Os restantes resultaram das declarações do representante legal da demandante e depoimentos das testemunhas, por si apresentadas.
O representante legal da demandante explicou a forma como o acidente ocorreu, e disse, “ …quando ocorreu o acidente a máquina estava a laborar. Todas as suas máquinas, tem seguro contra todos os riscos, pois as Financeiras exigiam essa cobertura. Após o sinistro, ligou à mediadora da “D”. A averiguação demorou, ficamos privados da máquina. A seguradora só assumia 60%. Se soubesse, não aceitaria este seguro. Tinha um grande volume de seguros, as coisas eram tratadas de forma singela, eu dizia, e eles mandavam a proposta. Pede sempre a privação (até porque a resolução é mais rápida). Quanto aos 60% também não era a sua intenção. Estava convencido de uma coisa e afinal era outra. Queria segurar todo o veículo. Neste caso, telefonou para a mediadora, referia a máquina que queria ver segurada e perguntava qual o valor que exigiam. Eles apresentaram as condições. O valor da máquina 40,000 € (convencido que estava que o seguro pagava até ao valor). As condições não foram lidas, nem entregues. O Perito demorou a vir, e ele nunca falou em percentagem. É a própria Ddte que faz a reparação. Ligaram todos os dias, a menina “F” da empresa “B”, S.A., diz que antes dos 30 dias não davam resposta à Mediadora, que os aconselhou a reclamar. Após a carta da seguradora de aceitação dos 66%, decidiram fazer a reparação.”
“F”, referiu que “…já não trabalha para a demandante. Mas que em 2012, sim. Foi a autora da participação ao seguro, que entregou em X. A seguradora tinha quase a frota toda (4/5 viaturas) segurada, e tinha confiança na Seguradora e Mediadora. O perito veio, mais de um mês depois do acidente. O veículo foi peritado no local, e feito um orçamento que enviou para o email do Perito, telefonando-lhe para confirmou a sua recepção. Ficaram à espera. Reclamou para a seguradora, junto da área de sinistro, telefonaram e nada. Quando vim de férias, nada. Passou muito tempo, reclamaram por escrito. Disseram-lhe que a companhia tinha 30 dias, para decidir. Em 10/10/2012, mandou fax a reclamar e 17/10, receberam o documento que a “B” propunha pagar o valor aí indicado. Antes dessa data, nunca assumiram qualquer responsabilidade. Quanto ao teor da carta da demandada, nem a agente de seguros soube explicar o valor ali expresso. Em regra, os seguros tinham danos próprios e também privação de uso, era seguro contra todos os riscos. Quanto aos prejuízos, tinham três pessoas a trabalhar nesta área, que deixaram de ter rentabilidade no negócio, pois a máquina era importante, coloca a lenha (madeira) nos veículos, e sem ela ficaram limitados, mas as pessoas trabalhavam noutras áreas. A madeira não se pode cortar e deixar no chão, pois, estraga-se, e pode ser roubada. 125,00 euros diários, é muito aquém do prejuízo. Não houve nenhuma explicação para a demora da resposta da seguradora. Não aceitam o valor, 66%, porque tinham contratado para 100%. O Perito só lá foi uma vez. Tratavam tudo com “D”, não com “B”, quanto à celebração dos contratos o Sr. João pedia a cotação para os Seguros, especificava a viatura, o valor, e o tipo de seguro era sempre o mesmo. Enviava documento único da viatura, para darem o preço. A máquina era nova, e o valor teria que ser o valor da mesma, tinha um Leasing. A proposta de seguro (não foi por si elaborada), nunca a preencheu, seria D a fazê-lo, depois o Sr. João passava por lá e assinava. Havia um facilitismo com a mediadora, e não pedia cópia da proposta. A seguradora, enviou as cláusulas pelo correio, que eram arquivadas sem serem lidas. Existia muita confiança. Nunca fariam o seguro naquelas condições, se soubessem.”
João, no seu depoimento explicou que, “…trabalhava para a Empresa, e era o motorista do camião que transportava a madeira. A máquina ficou inoperacional, pois é eletrónica, e como ficou sem vidro, com o pó e a chuva não dá para trabalhar. A seguradora demorou muito tempo a resolver. Eles, iam fazendo qualquer coisa. Vieram de férias e a máquina estragada, o prejuízo de 100 € por dia é pouco, pois a empresa perdeu volume de negócio.”
Hugo referiu que, “… tem como atividade profissional aluguer de máquinas e veículos. A VALTRA, é uma máquina muito potente, se tiver com vidro partido não pode trabalhar. O preço diário de uma máquina igual é de 500 €.”

Quanto aos factos não provados, resultam da ausência de prova quanto aos mesmos, porquanto, a demandada não trouxe testemunhas ou qualquer outro meio de prova que permitisse concluir de forma diferente, nomeadamente, quanto ao valor do trator em novo aquando da subscrição da proposta de seguro.

4-O DIREITO
A demandante pretende através da presente ação, que a demandada seja condenada no pagamento do valor por si despendido com a reparação de um trator de marca X, indemnização pelos prejuízos ocorridos pela demora da seguradora em assumir o pagamento do valor da reparação devidamente orçamentada, e adicionalmente pede o pagamento de juros, após a sua citação.
Consubstancia a sua pretensão na existência de um contrato de seguro do ramo Maquinas Cascos, titulado pela apólice nº X que subscreveu com a demandada.
Para o efeito, alega, a ocorrência de um sinistro ocorrido na sua laboração com a dita máquina, cujas causas integra nas cláusulas contratuais do referido seguro e que, por isso a responsabilidade da viatura encontra-se transferida para a demandada.
Vejamos.
O contrato de seguro, como refere José Vasques, in "Contrato de Seguro", Coimbra Editora, 1999, 87 e segs., define-se pela convenção através da qual uma seguradora se obriga a proporcionar a outrem, a segurança de pessoas ou bens, relativamente a determinados riscos, mediante o pagamento de uma contraprestação chamada "prémio".
Assim, mediante o pagamento de uma retribuição, a seguradora obriga-se a assumir determinado risco e, caso ele ocorra, a satisfazer, ao segurado ou a um terceiro, uma indemnização pelo prejuízo ou um montante previamente estipulado.
A pessoa que transfere o risco diz-se tomador ou subscritor do seguro; a que assume esse risco e recebe a remuneração (prémio) diz-se segurador; o dano eventual é o sinistro; a pessoa cuja esfera jurídica é protegida é o segurado – que pode ou não coincidir com o tomador do seguro – v. artigos 426º e 427º do Código Comercial e artigo 1º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo DL nº 72/2008, de 16 de Abril.
O segurado é, portanto, aquele por conta de quem o tomador celebra o seguro. Nos casos de seguros por conta própria as qualidades de tomador do seguro e segurado confundem-se na mesma pessoa - tomador-segurado; nos seguros por conta de outrem, está-se face a um ou mais terceiros-segurados. O segurado não é, portanto, quem contrata o seguro, mas sim, quem por ele fica coberto.
A cobertura-objeto do contrato de seguro efetua-se, em regra, através de uma cobertura de base e da subsequente descrição de sucessivos níveis de exclusões. Estas são regras contratuais que definem o âmbito ou delimitam o perímetro de cobertura do seguro.
Essa delimitação pode ser feita positiva e negativamente, e dentro da delimitação negativa, através de exclusões objetivas ou subjetivas.
No contrato de seguro vigora o “princípio geral” da liberdade contratual consagrado no art. 405.º do CC) e a ideia de autonomia privada.
As condições gerais e especiais do contrato de seguro multirriscos, constam de fls. 31 a 67, aí se estabelecendo, designadamente, as garantias e amplitude de cobertura do seguro, bem como os riscos cobertos e excluídos.
O risco, define-se como o evento futuro e incerto cuja materialização constitui o sinistro, está ínsito na própria noção de contrato de seguro, sendo um elemento essencial do contrato.
O sinistro é a realização do risco que se encontrava previsto no contrato de seguro, i. e., o evento suscetível de fazer funcionar as garantias do contrato e cuja prova consiste na demonstração da superveniência do evento previsto no contrato e nas condições nele incluídas, sendo necessário, obviamente, apurar o nexo de causalidade adequada entre a causa e o sinistro.
No caso em apreço, cumpre apreciar as cláusulas previstas no contrato, para em função da factualidade alegada e provada decidir se, o sinistro está ou não coberto pela apólice subscrita e aceite por ambas as partes.
Começando pelo valor que a demandada se propôs pagar à demandante, pelos danos decorrentes do sinistro, que aceita estar coberto pelas condições por ambas contratadas, discordando quanto ao valor, face ao valor atribuído ao trator de roda e casco na referida apólice.
Efetivamente da proposta de seguro e apólice juntas respetivamente a fls. 31 e 86 a 89, a tal máquina foi atribuído o valor de €40.000,00.
A proposta de seguro tem a data de aprovação de 15-10-2009.
Contudo, face ao sinistro a demandada invoca uma situação de sub-seguro, conforme art 61º, das Condições Contratuais juntas, alegando que, à data do sinistro 2-07-2012, o referido veiculo teria o valor como novo de, €60.000,00 e não €40.000,00, conforme aí colocado pela demandante.
Em conformidade, a demandada para chegar ao valor que se propõe pagar, aplica a regra proporcional de 66,67%, considerando a depreciação do bem.
Tal valor, não foi aceite pela demandante. Vejamos se tinha razão.
Em primeiro lugar, diremos que a demandada nenhuma prova fez quanto ao valor em novo do referido trator, quer em 15-10-2009, quer em 2-07-2012, conforme resulta da factualidade não provada, pelas razões aí expendidas.
Em segundo lugar, e pese embora o disposto no art. 51, nº 2 e 4, das Condições Gerais da Apólice, no contrato celebrado entre as partes, devem ambas as partes acautelar os seus interesses, tendo a seguradora aceitado assumir a responsabilidade relativamente ao trator, pelo valor atribuído pela demandante, assumindo naturalmente esse risco.
Colocando a questão ao contrário, perguntamos, se a demandante atribuísse ao trator o valor de €100.000,00, o que faria a seguradora, no caso de não ocorrer nenhum sinistro?
Estornaria o valor pago em excesso, após, anualmente apurar que a máquina tinha valor inferior? É difícil a resposta.
Da prova produzida resultou que, a redução da percentagem pretendia, nunca terá sido explicada pela mediadora ou demandada, à demandante, aquando da subscrição da apólice, violando assim, o dever de informação consagrado no art. 18º, do R.J.C.S. e no art. 8º, das Condições Gerais da Apólice.
Alias, conforme o teor dos e-mails juntos aos autos a fls. 99 a 103, a própria mediadora não tinha conhecimento de tal facto, e por isso, solicitou informação à demandada.
Logo, é fácil de concluir que, ninguém pode informar sem deter a informação a prestar.
Razão pelo qual, o valor peticionado pela demandante pela reparação da viatura de marca X, modelo X, de matrícula XX-XX-XX, tem de proceder, condenando-se demandada a pagar-lhe o valor de € 2.601,29 acrescido de IVA, no total de € 3.199,58.
A tal valor tem de ser deduzido, o valor da franquia contratualmente estabelecida e aceite pelas partes no valor € 750,00.
A demandante pede também, pela privação do uso da referida viatura uma indemnização, cujo valor diário quantifica em € 125,00 com referência ao período que considera devido, ou seja, desde a comunicação do acidente até á data da resposta da demandada na assunção do sinistro, período esse, que considera excessivo.
Vejamos.
Da apólice em apreço resulta que, a demandante não contratou com a demandada a indemnização pela privação da viatura segurada.
Este é um seguro facultativo e que cobre danos próprios, na medida do que as partes acordarem.
Sem nos pronunciarmos, da eventual, falta de informação da mediadora da demandada também quanto a esta cobertura, diremos que, o valor pela privação da viatura por parte da demandante aqui peticionada, não decorre, diretamente de tal cobertura por não estar incluída (por não contratada) na apólice em crise, mas, da mora do devedor no cumprimento do contrato, (a demandada) e que confere ao credor o direito a ser ressarcido dos prejuízos decorrentes desse incumprimento.
Tal obrigação, está vertida no C.C. no art 562º, e sgts. do C.C.
Resta por isso, apreciar se a demandada cumpriu todos os deveres decorrentes do contrato celebrado com a demandante? Desde já, respondemos que não. Mas, de seguida explicaremos este nosso entendimento.
Analisando, as Condições Gerais da Apólice e pese embora as exclusões gerais previstas nos, nº 5, 6 e 10, (privação do uso) do art. 5º, no capítulo III, sob a epígrafe, Obrigações e Direitos das partes, no nº 2, do art. 11º, refere-se que, “A indemnização deve ser paga 30 dias após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas…”.
Acresce que, no art. 15º, titulado de obrigações do segurador, o seu nº 1, prescreve, “As averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e á avaliação dos danos deverão ser efetuados pelo segurador com prontidão e diligencia, sob pena de este responder por perdas e danos.”, e o nº 2 diz, “A indemnização deve ser paga 30 dias após a confirmação da ocorrência do sinistro…”.
O acidente ocorreu em 2-7-2012, participado na mediadora de seguros “D”, em 3-7-2014, com data de participação à demandada de 19-7-2012, que só em 17-10-2010, assumiu o pagamento de parte do valor reclamando pela demandante.
Assim, a demandante esteve privada de usar o dito veículo, no âmbito da atividade exercida, durante aquele longo período por responsabilidade da demandada, que não foi diligente e rápida na sua decisão de assumir ou não, o pagamento do valor orçamentado pela demandante na reparação da viatura.
A demandada violou, pois, um dever acessório da prestação ao demorar de forma injustificada a sua decisão, quanto ao acidente em apreço.
Após a comunicação da demandada à demandante da sua decisão, e não concordando com a mesma, reparou a expensas suas, a viatura.
Com este comportamento, infringiu a demandada o princípio da boa-fé prescrito no nº2, do art. 762º, do C.C., incorrendo em responsabilidade contratual, tendo que indemnizar o dano que resultou para a demandante, conforme prescreve o nº 1, do art. 798º, do C.C.
Neste sentido, decidiu o Acórdão da Relação do Porto de 25-01-2011, referindo, “ I-Os deveres acessórios de conduta, ainda que não resultando do contrato, resultam sem dúvida do princípio da boa-fé, tal como plasmado no art° 762° nº 1 do Código Civil, representando uma transferência, para o campo contratual, do princípio neminem laedere ou partem non- laedere. II-Atua em violação de um dever acessório de conduta a seguradora que, sabendo não ser contratualmente responsável pelos danos de privação de uso, demorou mais do que o razoável para o apuramento da indemnização devida e para o seu pagamento, violando o equilíbrio contratual e rompendo a colaboração inter-subjectiva, causando os referidos danos, bem como danos morais, na pessoa do beneficiário do seguro.”
Ora, no caso em apreço, a não inclusão na apólice da cobertura dos danos originados com a privação da viatura em causa, talvez tenha motivado que a demandada de forma não diligente e pronta, (como esperava a demandante) se atrasasse na tomada de decisão, quanto ao sinistro.
Refere ainda o supracitado acórdão que, “…. Ora, na execução de um determinado contrato ou das obrigações secundárias ou acessórias dele decorrente, pode incorrer-se em responsabilidade contratual?
Parece claro que sim – uma coisa é a responsabilidade obrigacional, que lida com a fonte original da obrigação, v.g., um contrato e matricialmente a (não) execução da prestação; outra coisa são os deveres secundários de prestação (ut Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, pg. 337):
- deveres secundários com prestação autónoma, nos quais se incluem prestações sucedâneas do dever primário de prestação, como, v.g., a indemnização por inadimplemento culposo, ou prestações coexistentes com a prestação principal, sem a substituírem (é o caso do direito à indemnização em caso de mora ou cumprimento defeituoso);
- deveres secundários, acessórios da prestação principal: dever de custodiar a coisa, de promover o seu transporte, de a embalar, acessórios do dever primário de prestação e a este dirigidos.
Estes são, porém, deveres dirigidos, ainda que não em via principal, à matriz definidora do comportamento do devedor que é efetuar a prestação convencionada.
Outros deveres existem e que seguem a realização do iter do contrato (lemos ainda o ilustre autor que citámos) que se caracterizam por uma função auxiliar da realização positiva do fim contratual e de proteção à pessoa ou aos bens da outra parte contra os riscos de danos concomitantes– “trata-se de deveres de adoção de determinados comportamentos impostos pela boa-fé, em vista do fim do contrato (artºs 239º e 762º C. Civ.), dada a relação de confiança que o contrato fundamenta, comportamentos variáveis com as circunstâncias concretas da situação” (Mota Pinto, op. cit., pg. 339).”
“Mas há também que acrescentar que tais deveres não tinham que integrar o acordo – trata-se “de deveres secundários de prestação e de deveres laterais, além de direitos potestativos, sujeições, ónus jurídicos, expectativas; todos os referidos elementos se coligam em atenção a uma identidade de fim e constituem o conteúdo de uma relação de carácter unitário e funcional: a relação complexa, em sentido amplo, ou, nos contratos, a relação contratual” (ut Almeida Costa, Obrigações, 9ª ed., pg. 63, cit. in Ac.S.T.J. 9/5/06 Col.I/67); avaliam-se como simples deveres de conduta, decorrendo de “uma ordem normativa que envolve o contrato e sujeita os contraentes aos ditames da boa-fé, por todo o período da sua vida” (assim, Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, pg. 442 a 445)…“A R. é seguradora - parte economicamente mais forte - num contrato que garante a indemnização por danos próprios.”
Regressando ao caso em apreço, a demandada, só um mês após a data do acidente é que realiza a peritagem.
Depois de realizada a peritagem, leva mais de dois meses e meio para decidir, que vai pagar, mas, só parte do valor reclamado pela demandante, e isto, sem qualquer justificação.
Aliás, só após a reclamação por escrito da demandante datada de 10-10-2012, (pedindo indemnização pela privação do uso) é que a demandada, (demora, ainda mais sete dias) comunica a sua decisão.
Duvidas não temos pois, da falta de cumprimento da demandada dos deveres que estão implícitos, numa relação contratual, ou seja, lealdade, confiança e responsabilidade.
A demandada, sabendo que a responsabilidade pelos danos de privação de uso, não tinha sido contratada pela demandante, demorou mais do que o razoável para o apuramento da indemnização devida e comunicação à demandante, violando o equilíbrio contratual e rompendo a colaboração inter-subjectiva que a lei pretende, ao consagrar os deveres acessórios de lealdade, por referência à boa-fé no cumprimento dos contratos.
O dever de indemnizar os danos que, a mesma causou na esfera jurídica da demandante, Cfr., artº 804º, nº 1, do Código Civil, ao que acresce a violação dos deveres acessórios de conduta leva ao ressarcimento do dano.
Portanto, no caso, o inexplicável atraso na decisão do processo, originou que a demandante ficasse privada do uso da sua viatura, a única que tinha daquela natureza e que lhe permitia carregar a lenha para ser transportada para os camiões, dano esse, positivo.
Resta agora quantificar o dano, e para tanto socorremo-nos em primeiro lugar do período em que a demandante esteve efetivamente privada do veiculo, o que conforme resulta provado lhe acarretou prejuízos para o exercício da sua atividade comercial.
O risco pela circulação da viatura em apreço, estava coberto por semana em cinco dias uteis.
O sinistro foi comunicado à demandada em 3-7-2012. A demandante tinha 30 dias para apurar e decidir, logo, tal prazo esgotou-se em 3-8-2012, que era sexta feira.
Esgotado tal prazo, o primeiro dia útil foi 6-08-2012, e até ao dia 17 de outubro, data da decisão da demandada, decorreram 51 dias uteis.
O mês de Agosto, é mês de ferias, (como referiram as testemunhas, “fomos e viemos de ferias e o assunto sem estar resolvido”, restam assim, 32 dias uteis, que a viatura não pode trabalhar, isto, sem sabermos se laboraria todos os dias.
Ora a demandante não provou, numericamente falando, qual o prejuízo decorrente da privação do uso da dita maquina, nomeadamente que deixou de efetuar alguns negócios, que se traduziu numa perda considerável para o lucro anual da empresa.
Assim e face ao exposto e à matéria provada quanto à privação do uso da viatura em apreço, o tribunal terá de se socorrer de juízos de equidade, conforme resulta do teor do nº 3, do art. 566º, do C.C.
Em conformidade com todo o exposto, e na ausência de outros elementos consideramos o valor de € 2.500,00, o adequado e justo para compensar a demandante pela privação do uso da viatura segurada pela demandada, isto na sequencia, da inexecução do contrato, por violação de deveres acessórios de conduta, a esta imputados.
O comportamento da demandada, confere legitimidade à demandante em reclamar daquela o pagamento de uma indemnização equivalente ao dano revelado no interesse contratual positivo, conforme permite o disposto nos artºs 562º, 566º, 762º nº2, 798º nº1 e 801º nº2 C.Civ.
Adicionalmente, pede ainda a Demandante a condenação da Demandada no pagamento de juros desde a citação.
O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor (art.º 798.º do Cód. Civil).
A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, considerando-se o devedor constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda que possível, não foi efetuada no tempo devido (art.º 804.º do Cód. Civil).
O devedor só fica, em regra, constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, correspondendo a indemnização na obrigação pecuniária, em princípio, aos juros legais a contar do dia da constituição em mora (art.ºs 805.º e 806.º do Cód. Civil).
Em conformidade com o expendido, é a partir da citação (30-06-2015) que se inicia a contagem de juros vencidos, à taxa legal de 4% (Portaria n.º 291/2003, de 08.04), ao que acresce os juros vincendos, até efetivo e integral pagamento.

DECISÃO
Face a quanto antecede, julgo a presente ação parcialmente procedente e em consequência condeno a Demandada a pagar à demandante o valor de € 5.699,58, ao qual deverá ser deduzido o valor de €750,00 referente à franquia, acrescido de juros vencidos e vincendos até integral pagamento.

Custas:
Na proporção do decaimento que se fixa para a demandante em 59% e para a demandada em 41%

Notifique e registe.

Cantanhede, em 27 de Novembro de 2015

A Juíza de Paz

(Filomena Matos)

Processado por meios informáticos e
revisto pela signatária. Verso em branco.
(Artigo 131º, nº 5 do CPC e artigo 18º da LJP)