Sentença de Julgado de Paz
Processo: 66/2008-JP
Relator: DULCE NASCIMENTO
Descritores: LITÍGIOS ENTRE PROPRIETÁRIOS
Data da sentença: 01/12/2009
Julgado de Paz de : SANTA MARIA DA FEIRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

I – IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandantes: 1 - A e 2 - B
Mandatário:C
Demandado: D
Patrono Oficioso: E
II – OBJECTO DO LITÍGIO
Litígios entre proprietários (alínea d), do n.º 1, do artigo 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho)
Valor da Acção: € 1.650 (mil seiscentos e cinquenta euros).
III – TRAMITAÇÃO
Os Demandantes intentaram a presente acção pedindo a condenação do Demandado a pagar-lhes a quantia de € 1.650 (mil seiscentos e cinquenta euros) correspondente às despesas que tiveram a reparar os danos causados pela queda de árvore propriedade do Demandado na sua propriedade e ainda a abater todos os eucaliptos que se encontram plantados a menos de trinta metros do prédio urbano propriedade dos Demandantes, a proceder ao abate das restantes árvores que se encontram a menos de cinco metros do referido prédio urbano e cujos ramos e copas se encontram a invadir o espaço aéreo propriedade dos Demandantes e a proceder à gestão de combustível numa faixa de cinquenta metros à volta da edificação dos Demandantes. Juntaram: 19 documentos e procuração forense.
Procedeu-se à citação do Demandado, que contestou dizendo que a queda da árvore mencionada pelos Demandantes apenas deveu-se às condições climatéricas adversas que se fizeram sentir naquela altura e que não existem árvores a abater no seu prédio por não estarem nas condições referidas pelos Demandantes. Ademais, o pedido de indemnização formulado refere uma quantia exagerada, não devida pelo Demandado. Juntou: 1 documento e procuração forense.
As partes aderiram à Mediação, não logrando chegar a acordo, tendo nos termos do disposto nos artigos 56.º e 57.º da Lei 78/2001 de 13 de Julho se procedido à Audiência de Julgamento.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor. O processo não enferma de nulidades que o invalidem na totalidade. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Verificando-se os pressupostos processuais de regularidade e validade da instância, não existindo excepções, nulidades ou quaisquer questões prévias de que cumpra conhecer, ou que obstem ao conhecimento do mérito da causa, cumpre apreciar e decidir:
IV – FUNDAMENTAÇÃO
Por acordo das partes resultou provado que:
1 – Demandantes e Demandado são proprietários de prédios directamente confinantes entre si.
2 – O prédio propriedade do Requerido é composto de mato, pinhal e eucaliptal.
3 – Os Demandantes procederam a denuncia à Guarda Nacional Republicana, Equipa de Protecção de Natureza, por intermédio da Brigada Territorial nº 5, do Grupo Territorial de S. J. da Madeira, se dirigiu ao local e confirmou os factos supra referenciados, tendo elaborado o correspondente auto de notícia de contra-ordenação º x, devidamente complementado com relatório fotográfico; bem como a denúncia junto da Câmara Municipal de Sª Mª da Feira, tendo os competentes serviços camarários.
Da prova produzida (documental e testemunhal), constatou-se ainda que:
4 – No prédio do Demandado existem vários eucaliptos plantados a menos de 30 metros do prédio urbano propriedade dos Demandantes (doc. nº 3, 4, 5 e 6 cujo teor se dá por integralmente reproduzido), assim como vários arbustos e a mais variada vegetação a menos de 50 metros, com várias árvores com as copas parcialmente projectadas sobre a edificação dos Demandantes e que se encontram a menos de 5 metros da mesma (doc. nº 3, 4, 5 e 6).
5 - Existem várias árvores na propriedade do Demandado, pendidas sobre a edificação dos Demandantes com risco eminente de queda sobre o prédio dos Demandantes.
6 - No dia 03.01.2008, uma das árvores do Demandado, que se encontravam pendidas sobre a edificação dos Demandantes, cedeu e caiu no prédio dos Demandantes, provocando diversos danos, nomeadamente: nas placas de isolamento e telhas da cobertura; beiradas e topos; placa e porta de cabine técnica; gradeamento da casa; várias caleiras e estragos na pintura da fachada virada a sul (doc. nº 4, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17º).
7 – Os estragos aconteceram por via da omissão do Demandado que, apesar de ter pleno conhecimento da real situação e ter sido notificado para proceder ao abate das referidas árvores nada fez, tendo os Demandantes ficado com danos no seu prédio, incluindo edificação, cuja reparação importou em € 1.500 (mil e quinhentos euros), já efectivamente liquidados pelos Demandantes.
8 – Os Demandantes interpelaram o Demandado para proceder à reparação dos estragos ou ao pagamento dos danos referidos no número anterior, bem como para proceder à limpeza do prédio rústico e remoção da vegetação e copas das árvores que impendem sobre a edificação de acordo com a lei.
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram os factos admitidos, os testemunhos e os documentos juntos aos autos de fls. 6 a 21, 69 e 73. O depoimento das testemunhas apresentadas mereceu a credibilidade do tribunal, por terem deposto de modo imparcial e credível, demonstrando ter conhecimento directo e pessoal da factualidade sobre a qual depunham.
A fixação da matéria fáctica dada como não provada resultou da ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao Tribunal aferir da veracidade desses factos, após a análise dos documentos juntos aos autos e da inquirição das testemunhas apresentadas.
IV - O Direito
A presente acção respeita a litígios entre proprietários de prédios confinantes, designadamente, quanto a plantação de árvores. As questões essenciais a analisar na presente acção, consistem em saber se:
1. O Demandado tem obrigação de liquidar os danos causados pela queda de uma árvore, da sua propriedade, na propriedade dos Demandantes?
De acordo com o artigo 483º do C. Civil, quando alguém, com dolo ou mera culpa, viola “ … qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. No presente caso o dano verificado na propriedade dos Demandantes foi causado pela queda de uma árvore da propriedade do Demandado.
Determina o Código Civil, mais precisamente o artigo 493º, que o possuidor de coisa móvel ou imóvel, que tenha o dever de a vigiar, responde pelos danos que causar, “salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.
Quer isto dizer que, tem a responsabilidade civil, ou seja, tem a obrigação de reparar os danos causados, o possuidor (proprietário ou outrem) que tenha o dever de vigiar a coisa.
Acresce o facto de só haver responsabilidade civil se existir culpa. Se o possuidor não tiver culpa, não é responsável e não tem de indemnizar. Compreende-se que assim seja, pois seria extremamente injusto obrigar alguém a suportar uma indemnização respeitante a danos causados por factores aos quais se é alheio, como seja a situação de uma árvore que cai fruto de um sismo.
Sucede que, em termos do ónus da prova, é o possuidor da árvore que tem de provar não ter tido culpa, pois a lei presume que esta é sua. A presunção de culpa que a lei estabelece tem como fundamento o facto de ser muito difícil ao lesado provar a culpa do possuidor, sendo mais fácil a este ilidir a presunção legal de culpa do que ao lesado.
Para ilidir a presunção de culpa constante do citado normativo, cabe ao Demandado alegar e provar que, face à situação concreta, actuou como seria lícito e esperado, no caso, no exercício da sua qualidade de possuidor e proprietário, e que, não obstante a sua actuação, sempre e em todo o caso o facto e o dano se teriam verificado.
A testemunha F, filho dos Demandantes e por estes apresentada, declarou que a noite anterior à queda da árvore teria sido uma noite de vento e chuva, condições atmosféricas estas próprias para a época do ano em causa, não sendo possível concluir que a queda da árvore em causa se deveu a acontecimento meteorológico anormal para a época. Chuva e vento, não são, em geral, susceptíveis de provocar a queda de árvores, sendo que nenhumas das outras árvores contíguas existentes no local caíram, não tendo sido possível apurar as causas da queda da árvore.
No caso em apreço, está provado que o Demandado é o proprietário da árvore que caiu na propriedade dos Demandantes, não tendo constituído qualquer direito real limitado sobre o imóvel, nem estabelecido qualquer contrato que o desonere do dever de vigilância da sua propriedade, árvores e vegetação. Assim como, resultou provado que a queda da árvore se deveu a culpa do Demandado uma vez que o mencionado artigo 493º do C.C. só exime de responsabilidade a pessoa que tem o encargo de vigilância de coisa, se provar uma de duas circunstâncias: que "nenhuma culpa houve da sua parte"; ou que "os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua". Cabendo ao Demandado ilidir a presunção legal de culpa, o que nos presentes autos não logrou fazer, bem como não tendo demonstrado quais as concretas providências que tomou para evitar a situação ocorrida, é o mesmo civilmente responsável por indemnizar os Demandantes pelos danos e prejuízos efectivamente tidos, demonstrados e provados nos presentes autos, quer pelos documentos juntos, quer pelos depoimentos testemunhais.
Quanto ao valor da indemnização em concreto, a lei estabelece o princípio geral da “reconstituição in natura”, ou seja, o dever de se “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.” (artigo 562º do C. Civil). De acordo com a prova produzida, os Demandantes despenderam efectivamente a importância de € 1.500, já por eles liquidada, para reparar os danos provocados na sua propriedade e habitação, com a queda da árvore propriedade do Demandado, concluindo-se ser esse o valor devido pelo Demandado aos Demandantes a título de indemnização pelos danos causados.
2. O Demandado deverá proceder ao arranque dos eucaliptos existentes no seu prédio até 30 m do muro que delimita as propriedades das partes?
Nos termos do disposto no artigo 1305º do C. Civil “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observação das restrições por ela impostas”.
Dentro dessas limitações criadas para salvaguardar situações em que o exercício do direito de propriedade afecta a propriedade de outrem, encontramos a que figura jurídica prevista no artigo 1366º do C. Civil, onde se lê no seu nº 1, “É lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória dos prédios” e no nº 2 “ O disposto no numero anterior não prejudica as restrições constantes de leis especiais relativas à plantação ou sementeira de eucaliptos....nas proximidades de... prédios urbanos.”
Conforme é sabido os eucaliptos são árvores geradoras de inúmeros danos que podem ir desde a seca de águas, à destruição de muros e outras estruturas pelas suas raízes capazes de penetrar a grandes distâncias e ainda o perigo que representam dado serem detentoras de um elevado porte, podendo a qualquer momento cair, seja a queda provocada pela acção do homem, ou de fenómenos climatéricos.
Face às particularidades dos eucaliptos existe legislação especial sobre a matéria, a saber o DL. 28.039 de 14.09.1937, dispõe no seu artigo 1º que “É proibida a plantação ou sementeira de eucaliptos..., a menos de 20 m de terrenos cultivados e a menos de 30 m de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos”. Continua o artigo 2º esclarecendo que “as plantações ou sementeiras feitas em contravenção do artigo anterior poderão ser arrancadas a requerimento dos interessados...
Nos presentes autos, apurou-se que no prédio do Demandado, que confronta com o dos Demandantes e onde têm estes implantada a sua habitação, encontram-se plantados eucaliptos numa área a menos de 30 metros de distância do muro divisório das propriedades.
Uma vez que, não foi alegado, nem resultou provado se a habitação foi edificada antes ou após a plantação ou sementeira de eucaliptos e demais árvores e vegetação, assim como não foi alegado, nem ficou provado, que o Demandado tivesse interesse em fruir do resultado económico que aqueles eucaliptos lhe poderiam proporcionar, é aplicável o disposto nos artigos 1º e 2º do citado diploma legal, devendo em consequência o Demandado diligenciar no sentido de arrancar a plantação ou sementeira de eucaliptos a menos de 30 metros do prédio dos Demandantes, sem direito a qualquer indemnização por esse arrancamento, uma vez que também não foi alegado nem ficou provado que a plantação ou sementeira tenha sido feita anteriormente à vigência da Lei nº 1.951, de 9 de Março de 1937, nos termos do disposto no parágrafo único do artigo 2º do DL 28.039 citado.
3. O Demandado deverá proceder ao arranque das restantes árvores, permitidas por lei, que se encontrem a menos de 5 metros do referido prédio?
Dentro das limitações criadas para salvaguardar situações em que o exercício do direito de propriedade afecta a propriedade de outrem, dispõe o Anexo ao DL 124/2006 de 28 de Junho que nas faixas de gestão de combustível envolventes a edificações, as copas das árvores e dos arbustos deverão estar distanciadas no mínimo 5 metros da edificação e nunca se poderão projectar sobre o telhado. Acresce que nos termos do mesmo diploma, a distância entre as copas das árvores deve ser no mínimo de 4 metros e a desramação deve ser de 50% da altura da árvore até que esta atinja os 8 metros, altura a partir da qual a desramação deve alcançar no mínimo 4 metros acima do solo.
Face ao supra referido deve o Demandado proceder ao arranque das restantes árvores, permitidas por lei, que se encontrem a menos de 5 metros do prédio dos Demandantes.
4. O Demandado deverá proceder à gestão de combustível numa faixa de 50 metros à volta da edificação dos Demandantes?
A gestão de combustível à volta da edificação, visa designadamente proteger bens e criar uma área de segurança para a actuação dos bombeiros em caso de necessidade. Neste sentido, dispõe o artigo 15º do citado DL 124/2006, que o proprietário de terreno confinante a edificações á obrigado a proceder à gestão de combustível numa faixa de 50 metros à volta daquelas edificações, de acordo com o já referido quanto ao disposto no anexo a este diploma. Em consequência, entre o dia 30 de Outubro de cada ano e até ao dia 15 de Abril, deve o Demandado proceder à gestão de combustível numa faixa de 50 metros à volta da edificação dos Demandantes, sob pena das consequências legais previstas no citado diploma.
V - Decisão
Face a quanto antecede, julgo totalmente procedente a presente acção, por provada, e consequentemente condeno o Demandado a pagar aos Demandantes a quantia € 1.500 (mil e quinhentos euros) a título de indemnização pelos danos causados na propriedade dos Demandantes. Mais condeno o Demandado a arrancar os eucaliptos existentes na sua propriedade a menos de 30 metros do muro que delimita a propriedade dos Demandantes identificada nos autos que com aquela confronta, e ao arranque das restantes árvores, permitidas por lei, que se encontrem a menos de 5 metros do aludido prédio, sem direito a qualquer indemnização por esse arrancamento. Por último, condeno o Demandado a proceder à gestão de combustível numa faixa de 50 metros à volta da edificação dos Demandantes, entre o dia 30 de Outubro de cada ano e até ao dia 15 de Abril, tudo nos termos das disposições legais supra citadas.
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro, o Demandado é condenada nas custas. Atento o facto de ter sido deferido o requerimento de apoio judiciário do Demandado nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono, conforme documento junto a folhas 42 a 44 e 53 a 56, concluímos pela correcção do regime de custas, com isenção do Demandado no pagamento das custas a que vai condenado (cfr. Despacho Autónomo n.º 64/2006 do Conselho de Acompanhamento do Julgado de Paz e artigos 16º e 17º da Lei de acesso ao Direito e aos Tribunais).
Cumpra-se o disposto no nº 9 da mesma Portaria em relação aos Demandante.
Fixo à E, a titulo de honorários, 7 (sete) unidades de referência, nos termos do número 1.1.3 da tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro, revogada pela Portaria 210/2008 de 29 de Fevereiro, aplicado ex vi do artigo 40º, da Lei 78/2001, de 13 de Julho.
A sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária - artigo 18º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho) foi proferida e notificada às partes e mandatários, nos termos do artigo 60º, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, que ficou ciente de tudo quanto antecede.
Registe e notifique.
Julgado de Paz de Santa Maria da Feira, em 12 de Janeiro de 2009
A Juiz de Paz
(Dulce Nascimento)