Sentença de Julgado de Paz
Processo: 171/2017-JPCNT
Relator: ISABEL BELÉM
Descritores: PREFERÊNCIA - PRÉDIOS RÚSTICOS CONFINANTES
Data da sentença: 03/28/2018
Julgado de Paz de : CANTANHEDE
Decisão Texto Integral:
I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A e mulher B.
1ºs Demandados: C e marido D.
2ºs Demandados: E e mulher F.

II- OBJECTO DO LITÍGIO

Os Demandantes intentaram contra os Demandados a presente ação, peticionando que seja reconhecido aos Demandantes o direito de preferência na venda do prédio que identificam no Requerimento Inicial vendido pelos 1ºs aos 2ºs Demandados e, em consequência, a condenação destes a entregarem o referido prédio, ordenando-se o cancelamento do correspondente registo a favor dos 2º Demandados.
Para tanto, e em síntese, alegaram serem proprietários de vários prédios rústicos confinantes com o prédio vendido e que os 2ºs Demandados tão só são possuidores de um prédio urbano confinante com o alienado. Mais alegaram que os 1ºs Demandados não lhes comunicaram a intenção de vender o prédio.
Contestaram os Demandados alegando, em síntese, serem proprietários de um prédio rústico confinante com o alienado, com uma área inferior à unidade de cultura, pugnando pela improcedência da ação e pedindo a condenação dos Demandantes como litigantes de má fé em multa e indemnização.
As sessões de julgamento realizaram-se com observância das formalidades legais, como das respetivas atas se infere.
valor da ação: € 8.001,00.
A alínea c) do nº 1 do artigo 60º da Lei nº 78/2001, de 13/7, alterada pela Lei 54/2013, 31/7, estatui que, nas sentenças proferidas, deve constar uma “sucinta fundamentação”, o que se procurará fazer de seguida.

III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Da instrução e discussão da causa resultaram os seguintes

A - Factos provados:
A) Encontram-se inscritos na matriz predial rústica da freguesia de Tentúgal, do concelho de Montemor -o-Velho, a favor da Demandante mulher os seguintes artigos: 5XX5, 5XX6, 5XX7 e 5XX0, cfr. doc. de fls. 13,14,15 e 16;
B) Os Demandantes adquiriram a JQ, casado, por escritura de compra e venda lavrada no Cartório Notarial de Montemor-o-Velho, em 09.10.2012, o seguinte prédio: prédio rústico composto de terra de semeadura, pinhal e mato, sito em Casal dos Saraivas, freguesia de Tentúgal, concelho de Montemor-o-Velho inscrito na matriz predial sob o artigo 5XX7, cfr. Doc. de fls. 32 a 35;
C) Os 2ºs Demandados adquiriram ao mesmo JQ, por escritura de compra e venda lavrada no Cartório Notarial de Montemor-o-Velho, em 09.10.2012, o seguinte prédio: prédio rústico composto de terá de semeadura, pinhal e mato, sito em XXXX, freguesia de Tentúgal, concelho de Montemor-o-Velho inscrito na matriz predial sob o artigo 5XX9, cfr. Doc. de fls. 100 a 104;
D) O prédio acima identificado em C) encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 4XX8/2XXXXXXX4 e aí inscrito a favor da 2º demandada mulher pela AP. 2XX3 de 2012/10/15, por aquisição a JQ, cfr. Doc. de fls. 82
E) Os 1ºs Demandados foram donos e legítimos possuidores do prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo 5XX8, sito em XXXX, Tentúgal, Montemor-o-Velho, e descrito na Conservatória de Registo Predial de Montemor-o-Velho sob o n.º 1XX0/1XXXXXXXX8; cfr. Doc. de fls. 37;
F) Por compra e venda, datada de 31 de janeiro de 2017, outorgada na Conservatória de Registo Civil, Comercial e Predial de Montemor-o-Velho, a 1ª Demandada C, autorizada pelo Demandado marido, vendeu aos 2ºs Demandados o prédio rústico identificado em E), cfr. Doc. De fls. 38 a 42;
G) A venda de tal prédio foi realizada pelo montante de €8.000,00, cfr. Doc. de fls. 38 a 42;
H) A aquisição de tal prédio encontra-se registada a favor dos 2ºs Demandados pela AP. 2XX9 de 2017/01/31; cfr. Doc. De fls. 37;
I) O prédio descrito em C) (5XX9) confina do seu lado poente com o prédio descrito em E) (5XX8);
J) O prédio descrito em B) (5XX7) confina do lado nascente com o prédio descrito em E) (5XX8);
K) O prédio 5XX7 consta na matriz predial como tendo a área de 980 m2; cfr. Doc. De fls.15 ;
L) O prédio 5XX8 consta na matriz predial como tendo a área de 1470 m2.; cfr. Doc. De fls. 36;
M) O prédio 5XX9 consta na matriz predial como tendo a área de 400 m2; cfr. Doc. De fls. 83;
N) Todos os prédios supra indicados destinam-se ao cultivo agrícola;
O) Os terrenos correspondentes aos artigos 5XX8 e 5XX9, após as datas das respetivas compras pelos 2ºs Demandados, passaram por estes a ser cultivados;
P) Os Demandados não comunicaram aos Demandantes a intenção de vender o prédio, as condições principais da venda, o preço, as condições de pagamento;
Q) Os 2ºs Demandados são ainda donos e proprietários do prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo 1XX1, cfr. Doc. de fls. 44, 144 e 223;
R) Encontra-se depositado na Caixa Geral de Depósitos, à ordem do processo 128/2017-JP (providência Cautelar) o montante de 8000,00, relativo ao valor da compra, cfr. doc. de fls. 46.

B- Factos não provados:

Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou insuficiência de prova nesse sentido, ou da prova do seu contrário, ou por serem irrelevantes, repetições ou conclusões de direito, nomeadamente que: 1) Os Demandantes há muito que pretendiam adquirir esta parcela de terreno, com o intuito de a anexar aos seus prédios, de modo a tornar a sua propriedade, do ponto de vista agrícola, mais produtiva e rentável; 2) Os prédios dos Demandantes inscritos na matriz predial sob os artigos 5XX5, 5XX6, 5XX7 e 5XX0, configuram uma unidade agrícola com a área aproximada de 9013,50m2; 3) Os 2ºs Demandados tão só são possuidores de prédio urbano confinante com o alienado; 4) Os 2ºs Demandados não têm nenhum prédio rústico confinante com o alienado; 5) Os Demandantes apenas tiveram conhecimento da efetivação da compra e venda celebrada entre os 1.º e 2.º Demandados porque diligenciaram para tal, nomeadamente, junto da Conservatória de Registo Civil, Comercial e Predial de Montemor-o-Velho;

C- Convicção:
A convicção do Tribunal para a factualidade dada como provada e não provada foi adquirida através da análise crítica e ponderada, do teor dos documentos juntos aos autos, da inspeção ao local, das declarações das partes bem como de toda a prova testemunhal.
Mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa, em virtude da inspeção ao local, do declarado pelas testemunhas e pelas partes.
Assim, os factos provados em A), B), C), D), E) F), G), H) K), L), M), Q) e R), resultam do teor dos documentos aí identificados nas respetivas alíneas, tendo os de E) a H) também sido admitidos por acordo, nos respetivos articulados. O facto descrito em P) resultou da não impugnação do mesmo por parte dos Demandados, sendo certo que também não foi alegada nem foi produzida qualquer prova de que os 1ºs Demandados tenham comunicado aos Demandantes as condições da venda.
Quanto à restante factualidade dada como provada e não provada resulta da conjugação da prova testemunhal, das declarações das partes, da documental e da inspeção ao local.
Quanto à localização e confinância dos prédios, as testemunhas, todas elas ouvidas no local, confirmaram que os prédios 5XX7 e o 5XX9 pertenceram a JQ que entretanto vendeu, respetivamente aos aqui demandantes e 2ºs demandados. Mais referiram que entre tais prédios existe um outro (5XX8) que pertenceu a C (aqui 1º demandado e objeto da preferência).
Estas questão durante o julgamento não se revelou minimamente controversa sendo que os próprios demandantes em declarações de parte se referiram à existência dessas três leiras de cultura agrícola seguidas e paralelas entre si e que, portanto, tanto a 5XX7 como a 5XX9 confinam com o prédio 5XX8. Assim, durante o julgamento, a questão da confinância desde cedo se revelou não ser questão controversa.
Porém, o alegado pelos Demandantes no seu requerimento inicial foi que os 2ºs demandados não são proprietários de nenhum terreno rústico confinantes com alienado, para tanto procuraram convencer o tribunal de que o artigo rústico 5XX9 foi anexado e absorvido pelo artigo 1XX1, prédio este que terá resultado da anexação de alguns prédios rústicos como resulta dos documentos de fls. 223 e ss.
Acontece, porém, que nem dos documentos juntos aos autos nem dos depoimento das testemunhas e menos ainda das declarações das partes, inclusive dos demandantes, resultou demonstrada tal alegação.
As testemunhas, como se disse, foram ouvidas no local, o que se revelou essencial.
A testemunha JR disse não ir ao local há mais de 15 anos, referindo que no passado chegou a trabalhar com máquinas no local, mas mostrou-se desorientado e confuso temporal e espacialmente não tendo sido capaz de identificar no local nenhum dos prédios aqui em causa, embora referisse que o JQ tinha aí duas leiras e que os terrenos naquele local eram todos sobre o comprido.
A testemunha AF, morador no lugar, referiu que chegou há cerca de 25 anos atrás a amanhar o terreno que pertenceu a JQ e que agora pertence ao Demandante, dizendo que aquele vendeu também um outro prédio aos 2ºs demandados, e que entre os dois existia o prédio que pertenceu ao D, identificando os prédios no local, embora, sem grande precisão.
A testemunha MM referiu que naquela zona os prédios eram todos sobre o comprido e paralelos entre si, leiras pequenas, e que do que se recorda, a do D era a maior. Porém esta testemunha não conseguiu identificar os limites de nenhum dos prédios, acabando por dizer que há anos que na passava naquele local.
A testemunha EB diz ser moradora no lugar demonstrou conhecer bem os prédios e seus proprietários e antecessores. Referiu que as leiras naquele local eram estreitas e compridas e foi identificando os respetivos proprietários e antecessores no sentido poente-nascente, começando por identificar a leira que pertenceu a JQ situada a poente(5XX7) e a partir daí, no sentido nascente referiu-se à leira que pertenceu ao avô do D (5XX8) dizendo ser a maior de todas, que depois se seguia uma outra leira que também pertenceu a JQ (5XX9). Mais referiu que a nascente desta última leira do JQ seguiam-se outras leiras, também elas sobre o comprido e que identificou como estando localizadas no que é agora a casa dos 2ºs demandados, as quais pertenceram no passado a familiares da Susana (aqui 2º demandado). Mais referiu que a leira comprada pelos 2ºs demandados a JQ, antes da compra estava em pousio e que, depois da aquisição passou a ser amanhada. Esta testemunha prestou um depoimento espontâneo, esclarecedor coerente e convicto.
A testemunha MA referiu que doou, há mais de 10 anos, uma leira à demandada D, identificando-a como sendo na extrema ponte do prédio urbano dos 2ºs demandados, junto ao caminho, e que essa leira confinava de poente com uma leira de JQ e do nascente com um leira que pertenceu a uma pessoa que identificou como AA.
Quanto às declarações de parte, os demandantes, confirmaram terem comprado o prédio (5XX7) a JQ e que, no mesmo dia também este vendeu um outro (5XX9) aos segundos demandados, prédios esses que não estavam a ser cultivados na altura, mas que depois das compras passaram sê-lo, e que neste último eram os pais da demandada D que lá viam a amanhar o terreno, prédio este que fica a ponte da casa dos 2ºs demandados. Quanto às declarações dos demandados, estes no essencial, confirmam o alegado na contestação, referindo-se ambos que depois da compra do terreno pelos 2ºs ao JQ, a leira passou a ser cultivada.
Por outro lado, da inspeção ao local foi possível verificar que o prédio 5XX9 não se confunde com o prédio identificado como urbano dos 2ºs Demandados, os quais se encontram entre si delimitados, apresentando aquele as características de rusticidade próprias de um prédio destinado à exploração agrícola.
No que se refere aos documentos juntos aos autos e em particular aos documentos relacionados com o projeto de fls 160 a 222, também não se extrai que o 5XX9 tenha sido anexado ou absorvido pelo artigo 1XX1 e, sendo que tais documento, não têm a virtualidade de afastar o supra exposto.
Como s verifica, o artigo 5XX9 não faz parte do rol dos prédios rústicos que terão dado origem ao 1XX1, nem poderia fazer, porquanto, o projeto de construção é do ano de 2006, e nessa altura o artigo 5XX9 ainda não era sequer da propriedade dos 2ºs Demandados, só passando a sê-lo, em 2012, já depois da construção da casa, e como ficou claramente demonstrado, tal prédio (5XX9) que há data de 2012 se encontrava em pousio, como referiram as testemunhas e as partes, passou depois da aquisição pelos 2ºs demandados a ser por estes ocupado e utilizado para cultivo.
Portanto, não ficou o tribunal convencido que os Demandantes não sejam proprietários de nenhum prédio rústico confinante, antes resultando demonstrado o seu contrário.

IV - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Com a presente ação pretendem os Demandantes, apoiando-se no artigo 1380 do Código Civil (doravante CC) vir a ocupar o lugar dos 2ºs Demandantes outorgantes compradores do prédio rústico 5XX8, alegando para o efeito serem proprietários de prédios rústicos confinantes com o alienado, ao contrário dos Demandados que com este não têm qualquer prédio rústico confinante.
Dispõe o artigo 1380.º o seguinte:
1. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.
2. Sendo vários os proprietários com direito de preferência, cabe este direito: a) No caso de alienação de prédio encravado, ao proprietário que estiver onerado com a servidão de passagem; b) Nos outros casos, ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respectiva zona.
3. Estando os preferentes em igualdade de circunstâncias, abrir-se-á licitação entre eles, revertendo o excesso para o alienante.
4. É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações.”

Quanto à unidade de cultura a mesma encontra-se fixada pela portaria 219/2016, na qual se estabelece que para a região de Coimbra, onde se situam os prédios em causa, será de 2,5 hectares, para terrenos de regadio e de 4 hectares, para os terrenos de sequeiro.
Por sua vez, dispõe o artigo Artigo 416.º do CC, o seguinte:
“ 1. Querendo vender a coisa que é objecto do pacto o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato.
2. Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo”.

Das normas referidas temos, em termos do ónus da prova, que ao titular do direito de preferência (Demandantes), cabe alegar e provar os factos de que depende o seu direito, a sua qualidade de preferente, ou seja a) que foi vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura; b) que o preferente é dono de prédio confinante com o alienado; c) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tem área inferior à unidade e cultura; d) que o adquirente do prédio não é proprietário confinante.
E incumbe-lhe a prova destes factos, por serem constitutivos do seu direito, art. 342 nº 1 CC.
Por sua vez, é aos Demandados na mesma ação que cabe fazer a prova da comunicação a que se reporta o nº 1 do artigo 416º ou que a ação foi intentada decorridos os seis meses, após o conhecimento do preferente dos elementos do negócio, a que alude o artigo 1410 do CC.
Feito o enquadramento jurídico, e descendo ao caso dos autos, vejamos se os Demandantes alegaram e provaram factos de que depende a sua qualidade de preferentes.
Resultou provado que os Demandantes adquiriram o prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo 00000, prédio esse que de acordo com a matriz tem a área de 980 m2. Tal prédio, como ficou provado destina-se, tal como os demais (5XX8 e 5XX9) ao cultivo agrícola, pelo que, crendo tratarem-se de terrenos de regadio, a unidade de cultura para o mesmo seria de 2,5 hectares, de acordo com a suprarreferida portaria. De todo o modo, facilmente se percebeu da inspeção ao local que qualquer dos prédios aqui em causa incluindo o dos Demandantes tem área muito inferior à unidade de cultura. Mais resultou provado que esse prédio (5XX7) confina do nascente com o prédio objeto da preferência (5XX8) também este com área inferior à unidade de cultura.
Mais resultou provado que os 2ºs Demandados são proprietários do prédio rústico descrito 5XX9 o qual confina de poente com o prédio alienado e objeto da preferência.
Assim, o que os Demandantes não lograram demonstrar é que o adquirente do prédio alienado (2ºs Demandados) não sejam proprietários confinantes.
Ora, como decorre da leitura do artigo 1380º do CC, são os seguintes os pressupostos do direito de preferência: "a) que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura; b) que o preferente seja dono do prédio confinante com o prédio alienado; c) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura; d) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante" (Professores Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado III, 2. edição, páginas 270 e seguintes).
Tem sido entendimento, cremos nós dominante, quer na Doutrina quer na Jurisprudência, que visando o direito de preferência o emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura por forma a permitir uma exploração mais rentável, a “A venda feita a um dos confinantes satisfaz o fim da lei que é reunir dois prédios num só (quando um deles ou ambos tenham área inferior à unidade de cultura), sem necessidade de fazer intervir o mecanismo da preferência, que constitui sempre um entrave à liberdade de contratar . Que saibamos, este ponto não tem suscitado praticamente divergências, quer na doutrina, quer na jurisprudência: com efeito, não ser o adquirente do imóvel proprietário confinante é sempre identificado como um pressuposto do direito de preferência atribuído pelo artº 1380º do CC. ( Acórdão do STJ de 15/05/2007- Relator: Nuno Cameira).
No mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Guimarães de 14.12.2010, a que se adere, refere que “(…) o objectivo da lei de evitar a dispersão e de conseguir formar prédios com uma dimensão que possibilite torná-los mais rentáveis e produtivos, é satisfeito quando o prédio é vendido a um proprietário confinante, não sendo, então, necessário fazer intervir o mecanismo da preferência para realizar o fim pretendido.”
Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, não tendo os Demandantes logrado provar todos os pressupostos de que a lei faz depender o direito de preferência e que, como se referiu, a eles lhe competia o ónus da prova por serem constitutivos dos seu direito (art. 342º do CC), a presente ação terá de improceder.
Embora resultando provado que aos Demandantes não foi feita a comunicação a que se alude no artigo 416º do CC, considerando o que supra ficou exposto quanto à falta da constituição do direito de preferência dos Demandantes, não tinham os Demandados qualquer obrigação de dar conhecimento da venda.
Quanto á litigância de má fé dos demandantes:
Os Demandados pedem a condenação dos demandantes como litigantes de má-fé, alegando que invocam factos que sabem não corresponderem à verdade.
Vejamos:
Sobre a litigância de má-fé, dispõe o artigo 7.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (doravante CPC) que “Na condução e intervenção do processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.” Acrescentando o artigo 8.º do mesmo diploma legal que partes devem agir de boa-fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior.”
Destes preceitos legais resulta que os princípios da boa-fé, correção e cooperação são princípios fundamentais que devem nortear todos os intervenientes processuais.
Quando as partes não cumpram estes princípios, pleiteando de forma contrária à boa fé, estabelece o artigo 542.º do mesmo diploma legal, que deverão ser condenados em multa e indemnização à parte contrária, quando esta a peticione.
Os pressupostos da litigância de má fé encontram-se regulados no art. 542º do CPC. O nº2 deste artigo tipifica as atuações que podem ser sancionadas a título de litigância de má fé: a) deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamentação se não deva ignorar ; b) alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa, c) omissão grave do dever do cooperação; d) uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Para que uma parte seja condenada como litigante de má fé é necessário, além de ter assumido uma das condutas tipificadas, que tenha atuado com dolo ou negligência grave.
No caso dos autos, não existem factos provados que nos levem a concluir que os demandantes tenham atuado de forma a preencher qualquer uma das situações a que alude a invocada disposição legal. Não basta a versão apresentada pelos demandantes não ter acolhimento, ou os factos alegados não resultarem provados, para se concluir que a parte agiu com má fé, sendo necessário o preenchimento dos requisitos supra enunciados.
Posto isto, entendo não estarem verificados os pressupostos da litigância de má-fé dos demandantes.

DECISÃO

Face a quanto antecede, julgo a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e, por consequência, decido absolver os Demandados dos pedidos deduzidos pelos Demandantes. Mais absolvo os Demandantes do pedido de condenação como litigantes de má fé deduzidos pelos Demandados.

Custas: A cargo dos Demandantes, que deverão proceder ao pagamento da quantia de € 35,00, no prazo de três dias úteis imediatamente subsequentes ao do conhecimento da presente decisão, sob pena de lhes ser aplicada uma sobretaxa no valor de € 10,00 por cada dia de atraso até perfazer o valor de € 140,00 (cf. artigos 1º, 8º e 10º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro), devolvendo-se aos demandados igual montante de 35,00€.
Registe e notifique


Cantanhede, 28 de março de 2018
A Juíza de Paz Coordenadora
(Processado por meios informáticos e
revisto pela signatária.
(Artigo 18º LJP
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(Isabel Belém)