Sentença de Julgado de Paz
Processo: 96/2015-JPBBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ACTIVIDADES PERIGOSAS
Data da sentença: 01/22/2018
Julgado de Paz de : BOMBARRAL-OESTE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Relatório
A, devidamente identificada nos autos a fls. 1 e 4 propôs contra B igualmente devidamente identificada nos autos, a presente acção declarativa de condenação, peticionando que esta venha a ser condenada a pagar-lhe a quantia de 2932,55€ a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos em equipamento de rega instalado nos seus pomares, por força de avaria provocada por variações de corrente eléctrica.
Para tanto, alegou os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 1 a 3, cujo teor se dá por reproduzido e juntou 4 documentos.
Regularmente citada, veio a demandada apresentar a contestação de fls. 17 a 20 cujo teor aqui se dá por reproduzido pugnando pela improcedência da ação, e não juntou documentos.
A demandada recusou a pré-mediação, razão pelo qual, foi agendado dia e hora para a audiência de julgamento, que se realizou com observância das formalidades legais, conforme da acta que antecede se alcança.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor - que se fixa em € 2.932,55 –art.º 297º nº1, e nº 2, e 306º nº2, ambos do Código de Processo Civil.

Fundamentação
Factos provados:
1 – A demandante é uma sociedade comercial por quotas que se dedica á fruticultura, importação, exportação e comércio de frutas.
2-A demandada exerce, em regime de concessão de serviço público, a atividade de distribuição de energia elétrica em alta e média tensão, sendo ainda concessionária da rede de distribuição de energia elétrica.
3-A freguesia de Montes é abastecida de energia elétrica em regime de baixa tensão, através dos Postos de Transformação que, por sua vez, são alimentados a partir da linha de distribuição de energia eléctrica em média tensão denominada Alpedriz, Subestação de Casal da Areia.
4-No dia 23 de Julho de 2015, verificou-se uma anomalia no fornecimento de energia eléctrica com várias e sucessivas religações (liga/desliga) entre as 6h58m e as 7h10m.
5– Após a ocorrência descrita em 3, sucedeu a ruptura do “arco” do seccionador 2257.
6 – A causa da ruptura do sistema de protecção (arco) foi o envelhecimento dos materiais.
7 – A demandada foi notificada da avaria através de comunicações de 14 utentes entre as 7h14m e as 9h04m.
8 - A demandada encontrava-se a proceder a medições de ruído na subestação de Casal da Eira e S. Jorge, tendo procedido ao basculamento de carga de S. Jorge para Casal da Eira, na data e hora da ocorrência.
9 – A demandada solicitou a equipa especializada que se deslocasse ao local para reparar a avaria, o que sucedeu.
10-Em 24 de Julho de 2015, a demandante comunicou à C que havia sofrido prejuízos, tendo sido por esta informada, em 20 de Agosto, de que a responsabilidade pelos mesmos seria da B.
11 – A demandante comunicou á demandada a verificação de danos no sistema de rega dos pomares por força da ocorrência descrita em 4, em 28 de Agosto de 2015.
12 – Por carta datada de 3 de Setembro de 2015, a demandada declinou a sua responsabilidade pelo ressarcimento dos danos.
13- A demandante mandou reparar as bombas doseadoras de rega do pomar tendo despendido a quantia de 906,33 €, (cfr. facturas n.º 0000 e 0000 – 35,59€)
14 - A factura n.º 000 datada de 26/10/2016 diz respeito a manutenção do equipamento de rega por encomenda do cliente de 3/5/2016.
15 – A factura n.º 000 datada de 26 de Outubro de 2016 diz respeito a manutenção de equipamento de rega.
Factos não provados:
1 – A demandada dirigiu-se ao balcão da C em Alcobaça no dia 24 de Julho de 2015.
2 - Foi a empresa D que instalou e dá assistência aos equipamentos danificados, tendo técnicos com qualificação profissional aptos e competentes e cumpridores dos regulamentos de segurança.
3 – As instalações da demandante são verificadas pela demandada duas vezes por ano.
4 – As facturas n.º 0000 e 0000 dizem respeito a materiais e serviços prestados por força dos danos verificados em 23 de Julho de 2015.

MOTIVAÇÃO
Para a convicção formada, conducente aos factos julgados provados, concorreram o teor documental junto aos autos, as declarações das partes e os depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento.
Assim, os factos assentes de 1,2 e 3, consideram-se admitidos por acordo nos termos do art. 574º, nº2 do C.P.C.
Os factos provados sob os números 6,7,10 a 15 resultam do teor dos documentos juntos aos autos pelas partes.
A restante factualidade dada como provada, a convicção do tribunal baseou-se nas declarações das testemunhas da demandada, que por serem técnicos especializados na área da energia esclareceram o tribunal de forma isenta e credível sobre os procedimentos e circunstâncias que rodearam a ocorrência.
Assim, E, eletricista de redes, refere que por força um “disparo” na linha se deslocou ao local identificando a avaria. Refere que o ligador se partiu, na linha de média tensão, desconhecendo se terá ocorrido avaria também ao nível da baixa tensão, mas explicando que a corrente que chegava aos clientes, teria a falha de uma das fases.
Mais referiu que aquela linha de média tensão abastece cerca de 900 clientes e que o posto de transformação servirá cerca de 80 clientes.
Declarou ter efectuado o devido “relatório” que se encontra registado no sistema.
A testemunha F, engenheiro ao serviço da demandada no serviço de manutenção de redes electricas, referiu que naquele dia e hora, a protecção actuou e foi pedida a sua intervenção. Relatou igualmente que haveria uma falta de fase nalguns clientes, motivada pela ruptura do isolador (arco). Questionado se essa falta de fase se podia reflectir nos equipamentos, esclareceu que tal é susceptível de causar danos em equipamento de força motriz e que por esse motivo as bombas de rega têm de ter protecções individuais. Refere ter tido conhecimento de que existiu o “liga/desliga” antes de o arco partir.
G, que á data da ocorrência era responsável pela gestão das equipas no terreno explicou ao tribunal que naquela data se encontrava a proceder a trabalhos de medição de ruído numa subestação e manobras na linha. Que para tal, tiveram de proceder ao basculamento da carga da subestação de S. Jorge para a subestação de Casal da Areia. Teve conhecimento da existência de um ciclo de religações e variações na linha, sendo que apesar de esta estar ligada, os clientes se queixavam de falta de energia.
O sistema automático de segurança ou alarme, - que fica sempre registado – accionou na subestação de Casal da Areia, tendo-se verificado que o ligador (arco) se partiu, tendo sido deslocada uma equipa especializada para proceder á sua substituição.
H, engenheiro ao serviço da demandada, esclareceu os procedimentos habituais da B na manutenção dos sistemas e condições de exploração da rede. Refere que em consequência da manobra efectuada em S. Jorge, “se fundiu o ligador (arco)” mas que “tal não deve motivar danos em equipamentos trifásicos” e que “os equipamentos deviam ter falta de protecção”.
Em face das declarações das testemunhas e nos termos do disposto no art. 436º do CPC, foi a demandada notificada para juntar aos autos documentos relativos á ocorrência, nomeadamente os registos de intervenção técnica e reclamações registadas no sistema informático.
Juntos os referidos documentos apurou-se, com relevância para a decisão a proferir que a causa apontada para a ruptura do arco seria o envelhecimento dos materiais (doc. Fls. 58) e que a avaria teria sido reportada por 14 clientes.
Quanto aos factos considerados não provados, a convicção do tribunal resulta da ausência de prova relativamente aos mesmos, nomeadamente o que diz respeito aos valores despendidos pela demandante para reparação dos danos verificados, sendo certo que os valores de manutenção dos equipamentos não
se relacionam directamente com o sinistro ora em apreço.
o direito
Vejamos se da matéria assente, a demandada pode ser responsabilizada pelos prejuízos sofridos pela demandante nos seus equipamentos decorrentes das sucessivas ligações e religações verificadas na rede eléctrica.
Da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana
São pressupostos desta responsabilidade:
- a ocorrência de um facto, ou seja, uma acção humana sob o domínio da vontade;
- a ilicitude, isto é, a violação de direitos subjetivos absolutos ou de normas que visem tutelar interesses privados;
- a culpa do agente que praticou o facto, ou seja, o juízo de censura ou reprovação que o Direito faz recair sobre o lesante porquanto agiu ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma
- e, por fim, um nexo de causalidade entre esse facto e o dano provocado, de acordo com a teoria da causalidade adequada.
A responsabilidade civil, em regra, pressupõe a culpa, a qual se traduz numa determinada posição, actuação ou omissão do agente perante o facto. Para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade, é necessário que o agente tenha agido com dolo ou mera culpa, como dispõe o art.º 483º, n.º 1 do Código Civil.
Neste tipo de responsabilidade baseada na culpa - responsabilidade subjectiva - cabe ao lesado a prova dos seus factos integradores, salvo havendo presunção legal (art.º 487º,n.º1do C.Civil).
O art.º 493º, n.º 2 do Código Civil estabelece uma presunção legal de culpa ao dispor que “quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.
O que qualifica uma actividade como perigosa será a sua especial aptidão para causar danos, aptidão que tanto pode radicar na sua própria natureza como na natureza dos meios utilizados.
O exercício de actividades perigosas cria por definição um perigo de danos que o legislador entendeu que, a ocorrerem, devem ser reparados por quem exerce essa actividade, excepto se demonstrar que tomou todas as providências exigidas pelas circunstâncias. Não basta ter sido mais ou menos diligente. Tratando-se de actividades que pela sua natureza exigem a observância dum conjunto de medidas técnicas, são estas que têm de ser tomadas integralmente - o preceito fala em "todas" - Ou, por outras palavras, a culpa do lesante é equiparada à falta de demonstração pelo próprio de que agiu com total competência.” cit. Ac.STJ de 1-06-2006 in www.dgsi.pt.
Por outro lado, a par da responsabilidade subjectiva, a lei admite, embora excepcionalmente, a obrigação de indemnizar independentemente de culpa, - responsabilidade objectiva ou pelo risco, cuja teoria se baseia no facto de dever suportar os riscos da actividade quem tira dela aproveita.
Assim, dispõe o art.º 509º do Código Civil que: “1. Aquele que tiver a direcção efectiva de instalação destinada à condução ou entrega da energia eléctrica ou do gás, e utilizar essa instalação no seu interesse, responde tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da electricidade ou do gás, como pelos resultantes da própria instalação, excepto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação. 2. Não obrigam a reparação os danos devidos a causa de força maior; considera-se de força maior toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa”.
O prescrito em tal normativo, impõe assim que, quem beneficia dessas atividades suporte – objetivamente- os respetivos riscos, por entender que estas “como auferem o principal proveito da sua utilização é justo que suportem os respetivos riscos”, Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 3ª, Edição, Pág. 586.
Expostas estas regras, é tempo de fazer a subsunção jurídica do presente caso.
Para tanto, há que atentar nos factos provados.

Ora, resultou dos autos que a demandada se encontrava em manobras ou trabalhos nas subestações de S. Jorge e Casal da Eira, sendo que esta última abastece a energia aos postos de transformação que alimentam a rede em causa.
Ora, os trabalhos em linhas de condução de energia eléctrica (em tensão) obedecem a apertadas regras de segurança por forma a que as necessárias intervenções não causem danos ou prejuízos para os utentes/consumidores. (Decreto-Lei 172/2006 de 23de Agosto, e Portaria n.º596/2010 de 30 Julho)
Mais se encontra provado que ocorreram várias religações - o chamado “liga/desliga” - e que de seguida o o equipamento (arco) acabou por partir, causando a condução deficiente da energia aos consumidores (falha de uma fase). Tal circunstância afigura-se susceptível de causar danos em motores de rega, bem como nas suas protecções.
Pelo exposto, encontram-se verificados os pressupostos da responsabilidade civil acima descritos, sendo certo que a quanto á culpa esta presume-se nos termos do n.º 2 do citado art.º 493º, já que se verifica uma inversão do ónus da prova (cfr. art.º 344º, n.º 1 do C. Civil).
Consideramos que a demandada não provou como lhe competia, que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para prevenir os danos.
E afigura-se-nos também não haver dúvidas quanto à existência do nexo de causalidade entre o facto imputável à demandada e o dano verificado nas bombas de rega (motores).
A causa juridicamente relevante de um dano é - de acordo com a doutrina da causalidade adequada, a adotada pelo artigo 563° do Código Civil - aquela que, em abstrato, se revele adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo regras da experiência comum ou conhecidas do lesante.
Resulta das declarações das testemunhas inquiridas que a quer as religações quer a falha de uma fase podem conduzir a avarias nos motores em causa nos presente autos.
Dos danos patrimoniais apurados
Dispõe o art. 562º do CC. que, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”, privilegiando a nossa lei, a reconstituição natural.
Não sendo possível, dispõe o art. 566º do C.C. que deverá a indemnização ser fixada em dinheiro.
E compreende os prejuízos causados (danos emergentes) e os benefícios que o lesado deixou de obter (lucros cessantes) em consequência da lesão, incluindo os danos futuros previsíveis (art.º 564º do C. Civil).
O montante da indemnização pecuniária mede-se pela diferença entre a situação real em que o lesado se encontra e a situação hipotética em que ele se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano (art.º 566º, nº2 do C. Civil).
Ora, resultou provado nos autos que, a reparação dos equipamentos que sofreram danos, importou o valor de 906,33€, condenando-se a demandada ao seu pagamento.

DECISÃO
Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis, julga-se a presente acção parcialmente procedente e provada, e em consequência condena-se a demandada a pagar ao demandante a quantia de 906,33 €, a título de danos patrimoniais.
Mais se absolve a demandada do demais peticionado.

Custas
Na proporção do decaimento que se fixa em 70% para a Demandante e 30% para a Demandada. (Artigo 8 da Portaria n.º 1456/2001, de 28-12 devendo ser pagas, no Julgado de Paz, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação (nº 10 da Port. n.º 1456/2001, de 28-12; o n.º 10 com a redação dada pelo art.º único da Port. n.º 209/2005, de 24-02).

Notifique.

Bombarral, 22 de Janeiro de 2018

A Juiza de Paz


Cristina Eusébio