Sentença de Julgado de Paz
Processo: 112/2018-JPBBR
Relator: LUÍSA SARAIVA
Descritores: ARRENDAMENTO
Data da sentença: 12/18/2018
Julgado de Paz de : BOMBARRAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Proc.º 112/2018-JPBBR

DEMANDANTE: A., com NIF 000, residente na Rua XX, Caldas da Rainha;
DEMANDADA: B., com NIF 000, com última residência conhecida na Rua XX, Alfeizerão.
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OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante intentou contra a Demandada a presente acção enquadrável na alínea g) do n.º1 do artº 9º da Lei 78/2001 de 13 de Julho respeitante ao arrendamento urbano, peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de € 900,00, a título de rendas em atraso correspondentes aos meses de janeiro a maio de 2018, acrescida de juros, bem como na entrega das chaves caso não pretenda continuar a habitar a referida moradia.
Para tanto, a Demandante alegou os factos constantes do Requerimento Inicial, de fls, 3/4, que se dão por reproduzidos.
Juntou 12 documentos, de fls. 5 a 22, que igualmente se dão por reproduzidos.
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Frustrada a citação da Demandada foi nomeado Defensor Oficioso, à mesma, nos termos do n.º 2 do art.º 38.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho.
Determinou-se então o seguimento do regime processual civil referente aos ausentes, citando-se o Defensor Oficioso nomeado, em representação da ausente, uma vez que não há Ministério Público junto dos Julgados de Paz.
Citado o Defensor Oficioso, em representação do Demandado, o mesmo apresentou contestação, na qual arguiu a nulidade da citação em Defensor Oficioso, que foi declarada improcedente, por despacho fundamentado, de fls 93/94, bem como impugnou os factos constantes do Requerimento Inicial.
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Foi realizada a audiência de julgamento, na presença da Demandante e do Ilustre Advogado C., nomeado oficiosamente para representar a Demandada ausente, com observância do formalismo legal, como resulta da respectiva acta de fls. 101/102. A Demandante apresentou duas testemunhas.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território. A Demandante indicou como valor da acção € 1500,00, no entanto, atendendo ao pedido, fixa-se o valor da acção em € 900,00 nos termos dos art.ºs 297º nº1 e 306º nº 2, ambos do C.P.Civil. O Julgado de Paz é competente em razão do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e são legítimas.
Não existem outras excepções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
FACTOS PROVADOS:
Com interesse para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos:
1. Em 1 de novembro de 2017, a Demandante, na qualidade de Cabeça de casal da herança indivisa de D., com NIF 000 e a Demandada celebraram um Contrato de Arrendamento Urbano para fins habitacionais com prazo certo, pelo período de um ano, com início em 1 de dezembro de 2017.
2. Pelo referido contrato a Demandante cedeu o gozo do prédio urbano sito na Rua XX, Caldas da Rainha, inscrito na conservatória do registo predial de Caldas sob o n.º 000, que se encontrava em bom estado de conservação.
3. A renda mensal acordada foi no valor de 180,00 €.
4. Com a assinatura do contrato a Demandada pagou a quantia de € 360,00, sendo € 180,00 para pagamento da renda do mês de dezembro e € 180,00 a título de caução e para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações assumidas no contrato.
5. A Demandada abandonou o imóvel no mês de Março, sem qualquer aviso ou comunicação.
6. A Demandada não procedeu à entrega das chaves à Demandante, continuando na sua posse.
7. A Demandada não pagou as rendas relativas aos meses de Janeiro e todos os subsequentes.
8. A Demandante interpelou, várias vezes, a Demandada para proceder ao pagamento das rendas, quer por telefone, quer por carta registada com A/R.
9. A Demandante não entrou no imóvel, até à presente data, por não ter chave.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.

FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA:
Os factos provados assentam na valoração crítica das declarações da Demandante que confirmou todos ao factos dados como provados, bem como da das testemunhas por si apresentadas: E., que apesar de ser filha depôs com isenção e credibilidade, tendo acompanhado todo o desenrolar da situação. Confirmou os factos dados como provados, tendo conhecimento directo dos mesmos e mora perto do imóvel arrendado pelo que ia lá solicitar o pagamento das rendas; F., mediadora imobiliária tratou do arrendamento e tem conhecimento das cláusulas essênciais do respectivo contrato. Deslocou-se ao imóvel para ver se pagava as rendas, mas não conseguiu falar com a Demandada. Falou com os vizinhos que asseguraram que tinha saído do imóvel em Março de 2018. Assentam ainda na conjugação das mesmas com a valoração crítica dos documentos juntos ao processo, de fls. 5 a 22.

DO DIREITO:
O litígio em apreço pode resumir-se no seguinte: A Demandante deu de arrendamento à Demandada um espaço habitacional, com início no dia 1 de dezembro de 2017, pelo prazo certo de um ano, renovável por períodos iguais e sucessivos, e mediante o pagamento de uma renda mensal de € 180,00, tendo a Demandada pago apenas a renda correspondente ao mês de janeiro de 2018 e apesar de diversas vezes instada para pagar não pagou mais qualquer renda até à presente data. Mais solicitou que a mesma fosse condenada na “… entrega das chaves caso não pretenda continuar a habitar a referida moradia…”.
Da matéria fáctica provada resulta que entre a Demandante na qualidade de senhoria, e a Demandada na qualidade de inquilina foi celebrado um contrato de arrendamento para fim habitacional, junto a fls. 7 a 12. O contrato em apreço rege-se pelas disposições previstas no Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado e anexo pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, ao qual se aplica também as normas constantes do Código Civil, relativa a princípios gerais em matéria contratual, e as normas especiais previstas para a locação em particular. Delas que resulta a noção de arrendamento. O arrendamento é a locação de uma coisa imóvel (art.º 1023º do C.C.) e nos termos do disposto no artigo 1022.º do Código Civil “Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.”. Como negócio bilateral que é, emergem do referido contrato direitos e obrigações para ambas as partes, consistindo uma dessas obrigações, a cargo do locatário (o aqui demandado), pagar a renda no montante e demais termos acordados, conforme estipulam a alínea a), do artigo 1038.º do Código Civil, sendo certo que esta deve ser paga pontualmente, tal como prescreve o artigo 406º, nº 1 do Código Civil. No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade contratual, consagrado no artigo 405º do Código Civil, de acordo com o qual podem as partes fixar livremente o conteúdo dos contratos que celebram, desde que dentro dos limites da lei.
Ora, a obrigação de pagar a renda provém da natureza onerosa e sinalagmática do contrato (art.º 1022º C. C.), e deve ser cumprida no tempo e lugar devidos (art.º 1039º C. C.), sob pena de constituir o locatário em mora (art.º 1041º C.C.). No caso vertente, atendendo à matéria de facto dada como provada, esta não pagou as rendas vencidas a partir do mês de janeiro, nas datas dos seus vencimentos, nem posteriormente. Desta factualidade decorre que a Demandada incumpriu a sua obrigação de pagamento das rendas acordadas.
Ora a Demandada manteve-se no locado até Março de 2018, tendo saído do mesmo sem ter feito qualquer comunicação ou entregue as respectivas chaves. O arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei (art.º 1079.º do Código Civil). Analisado o caso em apreço verificamos que nenhuma das situações se verificou: o contrato de arrendamento em apreço não cessou mantendo-se válido.
Com a assinatura do contrato a Demandada pagou a quantia de € 180,00 a título de caução e para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações assumidas no contrato, conforme alínea a) do n.º 2, da Cláusula Terceira do Contrato de arrendamento junto a fls. 7 a 12. Deste modo deve-se imputar este valor como renda paga e descontar no valor em dívida.
Pelo exposto vai, consequentemente, a demandada condenada no cumprimento desta sua obrigação, ou seja, no pagamento das rendas vencidas e não pagas referentes aos meses de Janeiro até Maio de 2018, descontado o valor de € 180,00 da caução entregue e no valor total de € 720,00 referente a quatro meses de rendas, (cinco meses menos a caução), à razão de € 180,00/mês, porque só peticionada para estas rendas – cfr. n.º 1 do artigo 661.º, do Código de Processo Civil que prescreve que “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou objecto diverso do que se pedir”.
Mediante a falta de pagamento das rendas desde janeiro de 2018 e a saída da Demandada do imóvel mantendo-se incontactável, a Demandante vem pedir que a Demandada seja condenada a entregar as chaves caso não pretenda continuar a habitar a referida moradia. Ora há que fazer uma interpretação da pretensão da Demandante. Importa ter em atenção que foi a Demandante que fez e subscreveu o Requerimento Inicial e muitas vezes, é necessário saber interpretar o discurso constante das peças, pelo que se entende que ao pretender a entrega das chaves a mesma pretende a resolução do contrato e com base na falta de pagamento das rendas. Não seria justo assim não o entendermos, já que muitas vezes o “homem comum” não utiliza as expressões com carácter de juridicidade.
Deste modo, relativamente à declaração de resolução do contrato, prevê o art.º 1047.º do Código Civil que a resolução dos contratos de arrendamento pode ser feita judicial ou extrajudicialmente e ter como fundamento os previstos no artigo 1083.º, operando do modo especificado no artigo 1084.º, do mesmo Código. Assim, o senhorio tem o direito de resolver o contrato de arrendamento, com base no incumprimento da outra parte, sendo-lhe inexigível a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda (cfr. n.ºs 1 e 3 do citado artigo 1083.º), e nos termos do n.º 4 – “É ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo seguinte.”. In casu o Demandante exerce esse direito judicialmente, pelo que aplicando-se o art.º 1048º, do código civil, a Demandada poderia ter feito caducar o direito à resolução pagando, depositando ou consignando em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º1, do art.º 1041º, dentro do prazo para a contestação, o que não se verificou. Ora, resultando provado que a Demandada não pagou as rendas vencidas desde janeiro de 2018 e seguintes), e existindo mora há mais de três meses, existe fundamento para a resolução do contrato de arrendamento em apreço, o que se decreta.
Assim, operada a resolução do contrato deverá a Demandada restituir o locado mediante e entrega das chaves, no estado em que o recebeu, nos termos do disposto no art.º 1043.º do Código Civil.

DECISÃO:
Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
1. – Condeno a Demandada a pagar a quantia de € 720,00 (setecentos e vinte euros) a título de rendas vencidas e não pagas;
2. – Declaro o contrato de arrendamento realizado entre a Demandante e a Demandada, resolvido por falta de pagamento de rendas, condenando a Demandada a restituir o locado mediante a entrega das chaves do mesmo.
3. - Absolvo a Demandada do demais peticionado.

Custas: a suportar pelo Demandante e pela Demandada, em razão do decaimento e na proporção respetiva de 20% pelo Demandante e 80% pela Demandada (art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro).
Devolva-se € 21,00 (vinte e um euros) à Demandante.

Atento o facto de a Demandada estar representada por Defensor Oficioso, visto o seu paradeiro ser desconhecido, e não existir Ministério Público junto dos Julgados de Paz, nos termos do disposto no artigo 15º do CPC, ex vi artigo 63º da LJP, e em conformidade com a alínea l) do n.º 1 do art.º 4.º do Regulamento das Custas Judiciais, deverem-se considerar isentos de custas os ausentes, quando representados por defensores oficiosos, nos processos que correm termos no Julgado de Paz, porquanto os Julgados de Paz têm base constitucional e estão integrados como uma categoria dos tribunais, cujas decisões têm a mesma força legal dos Tribunais Judiciais de 1ª instância (61º LJP), a Demandada encontra-se isenta do pagamento da sua quota-parte a que vai condenada, enquanto tal situação se mantiver.
Registe, notifique e arquive após trânsito em julgado.
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Após trânsito, notifique a presente Sentença ao Ministério Público, nos termos do disposto no n.º 3, do art.º 60º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, com a alteração introduzida pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho.


Bombarral, Julgado de Paz do Oeste, 18 de dezembro de 2018

A Juíza de Paz
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(Luísa Ferreira Saraiva)
Processado por computador Art.º 131º/5 do C.P.C.
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