Sentença de Julgado de Paz
Processo: 374/2016-JP
Relator: PAULA PORTUGAL
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
SEGURO MULTIRRISCOS
Data da sentença: 03/07/2016
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE GAIA
Decisão Texto Integral: Sentença
I – Identificação das Partes
Demandante: A, residente na Rua X, Vila Nova de Gaia.
Demandada:B”, com sede na Avenida X, Lisboa.

II – Objecto do Litígio
O Demandante intentou contra a Demandada a presente acção declarativa, enquadrável na alínea h) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho (LJP), alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 3.378,00 (três mil trezentos e setenta e oito euros), respeitante ao valor da reparação dos danos no imóvel seguro.
Por remissão para documentos que juntou, vem o Demandante alegar que no dia 28 de Dezembro de 2015 – data que aponta como provável já que só se apercebeu da situação quando a água começou a pingar do tecto no interior da habitação - devido ao temporal que se fez sentir (ventos e chuvas fortes), foram levantadas telhas e danificadas caleiras no telhado, provocando entrada de água para o interior do prédio; procedeu de imediato à reparação das telhas partidas e deslocadas, vindo posteriormente a reparar toda a extensão dos danos quer no exterior quer no interior do imóvel, obras estas orçamentadas em € 3.378,00.
Juntou documentos.
Regularmente citada, a Demandada apresentou Contestação, onde alega que no dia 28 de Dezembro de 2015, durante a tarde e noite, não houve tempestade meteorologicamente confirmada nem os danos invocados no imóvel podem ser atribuídos a tal fenómeno; a empresa “C”, que fez a peritagem do imóvel do Demandante, confirmou que na zona de Vila Nova de Gaia, o vento não ultrapassou os 50 Km/hora, quer na data indicada pelo Demandante como sendo a do sinistro, quer durante todo esse mês de Dezembro; a mesma entidade confirmou que na região do risco, isto é, na região em que se situa o imóvel do Demandante, não existiam quaisquer danos em outros imóveis ou vestígios de reparações nas respectivas coberturas condizentes com a ocorrência de tempestade; o Edifício do Demandante evidenciava degradação, que afectava a estrutura do telhado, bem como todos os parâmetros e elementos da parede exterior; o alegado temporal não provocou o arrancamento de telhas do imóvel do Demandante, sendo certo que havia danos em cumeeiras e algumas telhas quebradas mas por causa da referida degradação do Edifício; devido a essa degradação, a água das chuvas penetrou no imóvel; os danos sofridos pelo Demandante nas aludidas condições não se encontram garantidos pelo contrato de seguro dos autos, encontrando-se, na verdade, excluídos nas “Condições Especiais da Apólice”; é ainda de referir que se encontra clausulado o significado do fenómeno “tempestades”, que são ventos que atinjam velocidade excepcional, superior a 90 Km/hora; este fenómeno, como se disse, não ocorreu, sendo certo que tal cláusula determina ainda que ao segurado caberia o ónus de obter prova documental, a emitir pela Estação Meteorológica mais próxima, o que não se cumpriu. Pugna assim pela improcedência da acção com a respectiva absolvição.
Juntou documentos.
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A Demandada prescindiu da Mediação, pelo que se marcou e realizou a Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal como da Acta se infere.
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Verificam-se os pressupostos de validade e regularidade da instância, não subsistindo quaisquer questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

III – Fundamentação de facto
Da matéria carreada para os autos, resultaram provados os seguintes factos:
A) O Demandante celebrou com a Demandada um contrato de seguro titulado pela apólice n.º 0000, denominada Apólice de Seguro XXX, cujas Condições Gerais e Particulares se encontram juntas a fls. 68 e seguintes;
B) Esta apólice teve o seu início em 01.06.2012, tendo como Objecto do Seguro o edifício e respectivo recheio do imóvel sito na Rua X, Vila Nova de Gaia;
C) No dia 28 de Dezembro de 2015, registaram-se na região onde está localizado o supra identificado imóvel, ventos fortes acompanhados de muita chuva, o que danificou a estrutura do telhado e provocou infiltrações no interior do imóvel;
D) O sinistro deu-se sob estas condições atmosféricas;
E) Como consequência dos factos descritos, verificaram-se os seguintes danos: o telhado apresentava telhas partidas e levantadas pelo vento e rufos danificados e a empena do lado Poente ardósias danificadas e deslocadas; no interior do imóvel, o tecto e as paredes do quarto ficaram deteriorados devido à infiltração de água proveniente da chuva;
F) Nas proximidades do local onde se situa o imóvel segurado registou-se a queda de um portão de ferro que dava acesso a um terreno;
G) Em 30.12.2015, o Demandante participou o sinistro ao seu mediador de seguros, na convicção de que os factos descritos se enquadravam no âmbito da cobertura da apólice acima identificada;
H) Nesse mesmo dia, o mediador de seguros do Demandante participou o sinistro à Demandada;
I) Na sequência da participação do sinistro, o Demandante fez chegar à Demandada toda a documentação por esta solicitada, designadamente, orçamento da reparação dos danos e fotografias dos mesmos;
J) No dia 24.02.2016, foi realizada uma peritagem ao imóvel pela empresa “C” nomeada pela Demandada;
K) No dia 09 de Março, conforme solicitado pela empresa de peritagens, o Demandante enviou ao seu mediador de seguros o orçamento definitivo da reparação, no valor de € 3.378,00 (fls. 34 dos autos), uma vez que a empresa que havia apresentado o orçamento inicial não tinha condições para executar a reparação no prazo acordado;
L) Esse orçamento contemplava o concerto do telhado com colocação de telhas novas a substituir as partidas; colocação de um rufo em chapa zincada danificada pelo temporal, do lado Norte; reparar as chapas e rufos da clarabóia; reparação e pintura do quarto; reparação da empena do lado Poente, substituir e fixar ardósias danificadas pelo temporal;
M) A Demandada enviou uma carta, datada de 29 de Março de 2016 e dirigida ao Demandante, a declinar a responsabilidade pelo sinistro, nos seguintes termos: “A sua apólice não cobre este sinistro.
Após a análise dos elementos reunidos acerca do sinistro, em que se inclui o relatório do perito, concluímos que este sinistro não acciona nenhuma das garantias da sua apólice.
Descrição do Sinistro
Segundo o que apurámos, ocorreram infiltrações na habitação segura alegadamente devido a telhas quebradas por ventos fortes.
Sucede que na data do sinistro participado e conforme consulta ao Instituto Português do Mar e da Atmosfera mais próximo, não foram registados ventos iguais ou superiores a 90 km/h.
Deste modo, o evento reportado não é passível de accionar a garantia de Tempestades (…)”;
N) Da Cláusula 3ª das Condições Gerais da apólice, sob a epígrafe “Riscos Cobertos”, consta o seguinte:
“Mediante convenção expressa nas condições particulares, poderá ser objecto do presente contrato qualquer dos riscos e/ou garantias a seguir indicados, de harmonia com o disposto nas respectivas condições especiais e de acordo com os limites aí estabelecidos:
(…)
II. Condições Especiais da Apólice de Seguro Multirriscos Habitação
2.1 Tempestades
Esta cobertura garante os danos causados aos bens seguros em consequência directa de:
a) Tufões, ciclones, tornados e toda a acção directa de ventos fortes ou choque de objectos arremessados ou projectados pelos mesmos, sempre que a sua violência destrua ou danifique edifícios de boa construção, objectos ou árvores, num raio de 5 km envolventes do local onde se encontram os bens seguros.
Em caso de dúvida, poderá o segurado fazer prova, por documento emitido pela Estação Meteorológica mais próxima, de que, no momento do sinistro, os ventos atingiram velocidade excepcional (velocidade superior a 90 km/h).
b) Alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo, desde que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício em consequência de danos causados pelos riscos mencionados em a), na condição de que estes danos se verifiquem nas 48 horas seguintes ao momento da destruição parcial do referido edifício.
(…) ficam excluídos do âmbito de cobertura desta garantia quaisquer perdas ou danos:
b) Provocados por infiltrações através de paredes, tectos, portas, janelas, clarabóias, terraços ou marquises, bem como por goteiras, humidade, condensação e ou oxidação, excepto quando directamente resultantes dos riscos previstos na alínea a) do âmbito desta garantia;”;
O) Em 19.04.2016, o Demandante enviou um mail à Demandada a reclamar da decisão de não assumir a responsabilidade pelo sinistro e a pedir a reanálise do processo;
P) Como resposta, a Demandada, em mail enviado a 01.07.2016 e dirigido ao Demandante, reiterou a posição já anteriormente assumida de recusa da responsabilidade do sinistro;
Q) A empresa “C”, através de consulta ao site meteoblue.com, emitiu um certificado que se encontra junto a fls. 66 dos autos, de onde consta que em Vila Nova de Gaia, durante todo o mês de Dezembro de 2015, o vento não ultrapassou os 50 km/h;
R) O site wwwXXXXXXXpt anunciava no dia 27 de Dezembro de 2015 a previsão de vento forte, entre outros, no distrito do Porto, entre Domingo e Segunda-feira (28 de Dezembro), com rajadas de 70 a 100 km/h – cfr. fls 199 do processo;
S) A edição online do “D” publicou às 15h16m do dia 28 de Dezembro de 2015 uma notícia, que se encontra junta ao processo a fls. 197, a dar conta de que, pelas 14:00h, havia registo de uma dezena de incidentes, como queda de árvores e infiltrações de água na zona do grande Porto, devido ao mau tempo.

Não foi provado que:
I. O sinistro se tenha ficado a dever ao estado de degradação do imóvel seguro.

Motivação da matéria de facto:
A convicção do Julgado de Paz alicerçou-se no conjunto da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento e nos documentos juntos aos autos, tudo analisado conjugada e criticamente.
Tiveram-se em conta as declarações do Demandante, que foram claras, objectivas e consistentes, logrando convencer o Tribunal da sua veracidade. Referiu que o sinistro terá ocorrido no dia 28 de Dezembro de 2015 e que, nessa ocasião, houve ventos fortes e muita chuva que provocaram danos no telhado e no interior da casa. Que o telhado tem um revestimento em chapa de zinco que, com a acção do vento, se deslocou, provocando infiltrações, e que levantaram as lousas de uma empena. Relatou que teve de substituir a chapa e que os trolhas que fizeram a reparação do telhado lhe disseram que aquele tinha sido o ponto de entrada da água. Afirmou também que no dia em causa o vento derrubou um portão de um terreno próximo.
A testemunha E, que é empregada doméstica do Demandante há dezoito anos, num depoimento que se revelou coerente, relatou que chegou a casa deste um dia depois do sinistro, a 29 de Dezembro de 2015, e se deparou com um dos quartos todo alagado. Referiu que o tecto e as paredes apresentavam sinais visíveis de deterioração em resultado das infiltrações. Quando questionada sobre o estado do tempo, afirmou que chovia e fazia muito vento. Referiu também que o portão de um campo velho, nas proximidades da casa do Demandante, estava caído. Por último, asseverou que os trolhas foram reparar o telhado e disseram que a chapa tinha descolado e as telhas tinham voado com o vento.
A testemunha F, mediador de seguros, declarou que o Demandante o contactou a dar conhecimento do sinistro no dia 30.12.2015, tendo procedido à participação do mesmo à Demandada, a 04.01.2016. Afirmou que é mediador de seguros do Demandante há cerca de trinta anos e que o Demandante nunca tinha participado qualquer sinistro até então.
Por seu turno, a testemunha G afirmou que é amigo do Demandante e que vive a cerca de dois quilómetros da casa dele. Relatou que na noite do sinistro se apercebeu de que fazia mau tempo, com rajadas de vento e muita chuva.
Além das declarações do Demandante e do depoimento das testemunhas, foram também valorados os documentos juntos aos autos, designadamente: notícias divulgadas por órgãos de comunicação social sobre o estado do tempo no dia do sinistro. Assim, foi valorada a notícia junta a fls. 197 dos autos, que relata a existência de vários incidentes na zona do grande Porto, como queda de árvores e infiltrações de água, devido ao mau tempo. E também a notícia junta a fls. 199, anunciando a previsão de ventos fortes no distrito do Porto entre Domingo e Segunda-feira (28 de Dezembro), com rajadas de 70 a 100 km/h.
Atendeu-se também às fotografias do sinistro, à correspondência trocada entre as partes; às Condições Gerais e Particulares da apólice de seguro multirriscos habitação, que se encontram juntas a fls. 68 e seguintes, ao orçamento dos custos de reparação dos danos causados no imóvel seguro e ao relatório emitido pela empresa de peritagens “C”.
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Quanto ao facto não provado, por ausência de mobilização probatória que atestasse a sua veracidade.

IV – Do Direito
O Demandante invoca o contrato de seguro Multirriscos Habitação, titulado pela apólice n.º 0000, que celebrou com a Demandada, pretendendo ser ressarcido por esta dos prejuízos sofridos em consequência de ventos fortes e de chuva que levantaram as lousas de uma empena, danificaram a estrutura do telhado e provocaram infiltrações no interior do imóvel, cuja reparação ascende a €3.378,00. Contudo, a Demandada declina essa responsabilidade, alegando que o sinistro reportado não é susceptível de accionar a garantia tempestades, na medida em que não foram registados ventos superiores a 90 km/h.
Vejamos.
Estamos perante um contrato de seguro, que é aquele em que uma das partes (a Seguradora) se obriga, mediante o pagamento de uma certa importância (prémio), a indemnizar a outra parte (Segurado ou terceiro) pelos prejuízos resultantes da verificação de determinados riscos. Trata-se também de um contrato de adesão, na medida em que as cláusulas gerais são elaboradas sem a participação do Segurado, que se limita a aceitar o texto que o outro contraente apresenta.
Este contrato rege-se pelas condições e cláusulas da respectiva apólice, desde que não colidam com normas imperativas, e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições da Lei do Contrato de Seguro (DL n.º 72/2008, de 16-04); na falta de previsão destas, pelas disposições do Código Comercial.
Os contratos de seguro contêm cláusulas que constituem as condições gerais, cláusulas que constituem as condições particulares e cláusulas que constituem as condições especiais.
Como refere José Vasques (Contrato de Seguro, Coimbra Editora, páginas 30-31), condições gerais são as que se aplicam a todos os contratos de seguro de um mesmo ramo ou modalidade. Condições especiais são as que, completando ou especificando as condições gerais, são de aplicação generalizada a determinados contratos de seguro do mesmo tipo. Condições particulares são as que se destinam a responder em cada caso às circunstâncias específicas do risco a cobrir.
No caso sub judice, retira-se dos factos provados que, na data do sinistro, devido às más condições climatéricas que se faziam sentir, traduzidas em ventos fortes e muita chuva, resultaram danos no imóvel identificado nos autos.
Ora, mediante a análise das Condições Especiais da apólice, verificamos que a cobertura do seguro envolve, entre outros, os danos causados ao imóvel seguro, em consequência de "tempestades". O clausulado contratual caracteriza o conceito “tempestades” como tufões, ciclones, tornados e ventos fortes ou choque de objectos arremessados ou projectados pelos mesmos, bem como o alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo. Saliente-se que a cobertura da apólice também abrange os danos provocados por infiltrações através de paredes, tectos (…), desde que directamente resultantes do evento tempestades, tal como acima descrito.
A questão que importa decidir é, pois, a de saber se, nos termos contratados, como sustenta a Demandada, a responsabilidade da Seguradora depende da prova de que o vento atingiu, na Estação Meteorológica mais próxima, velocidade igual ou superior a 90 km/h.
Como se referiu atrás, ficou demonstrada a causalidade entre o sinistro e as más condições climatéricas que se verificaram na ocasião.
Ora, considerando que a pretensão do Demandante assenta num contrato de seguro Multirriscos Habitação que contempla os danos por tempestades, alagamento pela queda de chuva e infiltrações, parece não haver dúvidas de que o sinistro ocorrido está coberto pelo seguro contratado.
No entanto, a Demandada vem eximir-se da responsabilidade fundada no contrato de seguro, dizendo que não feita prova de que a velocidade do vento foi superior a 90 km/h. E, para reforçar a sua posição, juntou aos autos um certificado emitido pela empresa de peritagens, de onde consta que em Vila Nova de Gaia, no dia do sinistro, o vento não ultrapassou 50 km/h.
Sucede, porém, que a situação climática constante do certificado foi extraída de uma página da internet denominada “meteo blue”, que assenta em dados de simulação, não dados medidos por uma Estação Meteorológica, para a área seleccionada. Nessa medida, não pode funcionar como prova evidente dos dados que certifica.
Mas, salvo melhor opinião, cremos que o que importa para a resolução do presente caso não é tanto a prova de que o vento atingiu determinada velocidade, mas antes saber se a factualidade ocorrida está coberta pelo seguro contratado.
E para resolver este problema é necessário analisar o clausulado contratual na parte em que estabelece o seguinte:
“Em caso de dúvida, poderá o segurado fazer prova, por documento emitido pela Estação Meteorológica mais próxima, de que, no momento do sinistro, os ventos atingiram velocidade excepcional (velocidade superior a 90 km/h).”
É aqui, a nosso ver, que reside o cerne da questão, porque a “dúvida” é em relação a quê? À velocidade do vento na região ou apenas à relação de causalidade entre as condições atmosféricas e o sinistro?
A cláusula onde a Demandada funda a sua recusa de pagamento da indemnização está sujeita ao regime das cláusulas contratuais gerais, previsto no DL 446/85, de 25/10. Ora, sendo o contrato de seguro essencialmente um contrato de adesão, a que se aplicam as regras da boa-fé contratual, que aqui adquirem especial importância, a Seguradora tinha a obrigação de redigir o contrato de forma clara, precisa e inteligível. Obrigação essa que merece especial realce, uma vez que o Segurado (no caso, o Demandante) é a parte mais fraca, não tendo qualquer poder para alterar o texto contratual.
Com efeito, a Demandada, se pretendia que a cobertura tempestades apenas garantisse os danos causados aos bens seguros em consequência de ventos fortes com velocidade igual ou superior a 90 Km/h, podia ter adoptado uma redacção inequívoca, do género: (…) tufões, ciclones e toda a acção directa de ventos fortes com velocidade igual ou superior a 90 km/h.
Não o fez e, portanto, a sua tese não se encontra devidamente sustentada. Estamos perante uma cláusula ambígua, que deverá ser interpretada com o sentido que lhe daria o contratante indeterminado que se limitasse a subscrevê-la ou aceitá-la, quando colocado na posição do aderente real, prevalecendo, na dúvida, o sentido mais favorável ao aderente – cfr. art.º 11º do DL n.º 446/85.
Nesta conformidade, o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, pode deduzir da aludida cláusula é que a mesma deve ser interpretada no sentido de apenas abarcar situações de dúvida quanto à causalidade. Pois que sentido faria impor-se ao Demandante o ónus de provar que se verificaram ventos superiores a 90 km/h quando não há dúvidas de que, no caso concreto, o sinistro resultou efectivamente do mau tempo?
É esta a solução mais justa que emerge dos factos provados, levando a que Demandada seja responsabilizada pelos danos que assumiu, em contrapartida dos prémios que auferiu.
Aliás, se não fosse este o entendimento, muitas das consequências do mau tempo não estariam cobertas pelo risco assumido pelas Seguradoras. Bastaria que rejeitassem o sinistro com base na falta de prova de que o vento atingiu determinada velocidade, aproveitando-se da sua maior força para sacrificar o Segurado a obter um elemento probatório que não é absolutamente esclarecedor. É que a medição da velocidade do vento numa determinada Estação Meteorológica não impede que noutro local se verifiquem ventos com velocidade superior, por exemplo, devido às especiais condições orográficas do local em questão. No caso dos autos, a situação ainda adquire contornos de maior incerteza porque a entidade medidora em Vila Nova de Gaia está encerrada e as medições são feitas no Aeroporto do Porto, que fica a mais de 10 km do local do sinistro. Repare-se, a título de exemplo, num evento recente amplamente relatado na comunicação social dando conta de um fenómeno meteorológico caracterizado por ventos muito fortes, para o qual, pelo menos na altura da sua ocorrência, o próprio IPMA não tinha encontrado explicação, e que provocou a destruição total de um armazém (apenas um) integrado numa vasta zona industrial algures na zona Norte do país.
Certo é que, estando demonstrado que no dia do sinistro ocorreram ventos fortes, acompanhados de muita chuva, que danificaram a estrutura do telhado e provocaram infiltrações no interior do imóvel seguro e que houve registo de vários incidentes na zona do Grande Porto relacionados com o mau tempo, está explicado por que razão ocorreu o sinistro.
Face ao exposto, a decisão terá de ser favorável ao Demandante.
V – Decisão
Nestes termos, julgo a presente acção totalmente procedente, por provada, e, em consequência, condeno a Demandada “B” a pagar ao Demandante A a quantia de €3.378,00 (três mil trezentos e setenta e oito euros).
Custas pelo Demandado. Cumpra-se o disposto nos artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro.
Registe e notifique.
Vila Nova de Gaia, 07 de Março de 2016

A Juiz de Paz

(Paula Portugal)