Sentença de Julgado de Paz
Processo: 406/2016-JP
Relator: MARIA JUDITE MATIAS
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL - DEFEITO DE OBJECTO DO NEGÓCIO
Data da sentença: 07/31/2017
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Sentença
Processo n.º 406/2016.
Matéria: Incumprimento contratual.
(alíneas i) e h) ) do n.º 1, do art. 9º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de julho).
Objecto: Defeito de objecto do negócio.
Valor da acção: €5.072,00 (cinco mil e setenta e dois euros).

Demandantes: Maria Luísa Jorge Queiroz e José Gomes Mendes, residentes em Rua D. António Caetano de Sousa, n.º 1 – 4º Dt.º em Lisboa.

Mandatárias: Dr.ª C e Dr.ª C, advogadas com escritório na Av.ª -------------------------------------------------------------------- Lisboa.

Demandados:
1 - D, com sede social na Av.ª ----------------------------- Lisboa.
2 - E, S.A., com sede social na ------------------------------- Lisboa.
Mandatário: Dr. F, advogado, com escritório na Rua --------------Lisboa.
3 - G, com sede na ------------------------------------------------ Lisboa.
Mandatário: Sr.ª Dr.ª H, advogada, com escritório na Av.ª ---------------------------Lisboa.
4 - I, Lda, representada pelo seu gerente Sr. J, com morada conhecida na Rua ---------------------------------- Cacia.
Mandatário: Sr.ª Dr.ª L, advogada, com domicílio profissional na Avenida ----------------------------------------------------- Aveiro.

Do requerimento inicial: de fls.1 a fls.12.
Pedido: fls. 3.
Junta: 8 documentos.

Contestação:
Fls. 48 a 59 (G);
fls.62 a 111 ( E, S.A.)
fls.125 a 151 (I).
Tramitação:
Foi designado o dia 28 de junho de 2017, pelas 14h, sendo as partes notificadas para o efeito.
Audiência de Julgamento.
A audiência decorreu conforme acta de fls. 230.
***
Fundamentação fáctica.
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1 – Em 20 de outubro de 2009 os demandantes adquiriram o sistema termossifão 300l com instalação e Manutenção de marca I (cfr. docs. 1 e 2);
2 – A aquisição do referido equipamento foi efetuada ao abrigo do Programa Solar Térmico do Governo 2009, através da 3.ª demandada G, aquisição que lhes proporcionou benefícios fiscais;
3 – Ao equipamento foi atribuído o prazo de garantia de 6 anos (não alegado mas resulta do doc. 3, a fls. 15);
4 – Em 2014 o equipamento apresentou problemas que se mantém;
5 – Em 21 de agosto de 2014 os demandantes solicitaram assistência a qual foi prestada por J Ld.ª (cfr. doc. 4, fls. 18);
6 – Esta intervenção não solucionou as deficiências (ponto 14 do R.I.);
7 – A presente ação foi intentada em 07 de abril de 2016.

Factos não provados.
Com relevância para a decisão da causa consideram-se não provados os factos não consignados.
Motivação.
A convicção do tribunal fundou-se no alegado pelos demandantes, nos documentos apresentados e referidos nos respectivos factos, complementados pelos esclarecimentos das partes prestados em audiência que se tiveram em consideração ao abrigo do princípio da aquisição processual.

Do Direito.
Das exceções suscitadas.
Nos presentes autos pretendem os demandantes obter a declaração de resolução do contrato efectuado em 20 de outubro de 2009 alegando incumprimento do contrato; pedem a condenação solidária das demandadas no pagamento da quantia correspondente ao bem adquirido (mau grado não especificarem o montante); pedem a condenação solidária das demandadas no pagamento da quantia de €2.200,00 a título de danos morais.
As demandadas apresentaram contestação, na qual suscitaram exceções.
A 3.ª demandada, G, alegou ser parte ilegítima pelo facto de ter sido apenas intermediária no negócio; e alegou ainda exceção perentória de caducidade; A 2.ª demandada alegou ser parte ilegítima sustentando que foi também intermediária, tendo intervindo no âmbito da implementação do Plano Nacional de Ação para a Eficiência Energética, criado pelo governo português na sequência plano aprovado em 2008 pelo CE, sendo elucidativo e esclarecedor relativamente à posição que cada entidade desempenhou nos negócios jurídicos em concreto, mormente naquele que constitui a matriz do conflito em apreço;
A 4.ª demandada alega nulidade de citação por violação das normas do CPC que especificam a citação das pessoas colectivas, sendo a citação nula ao abrigo do 191.º Do CPC; invoca falta de poderes de representação dos alegados “gerentes” que o não são desde 2014; e ainda, à cautela, alega ilegitimidade passiva.

Cumpre apreciar e decidir.
Da alegada caducidade.
Os demandantes colocam o presente litigio no plano de uma venda defeituosa.
Vejamos.
Da factualidade assente resulta que, na presente ação, estamos perante um contrato de compra e venda, disciplinado quer no Código Civil, art.º 913º e seguintes, quer na Lei 24/96, de 31-07 (Lei de Defesa dos Consumidores - LDC), alterada e complementada pelo DL n.º 67/2003, de 08-04, este sobre certos aspetos da venda de bens de consumo e outros contratos, bem como das respetivas garantias e prazos (e que transpôs a Directiva 1999/44/CE), por sua vez, alterado pelo DL n.º 84/2008, de 21-05. No caso dos autos está em causa a venda de um bem móvel, nos termos decorrentes do doc. 3 a fls. 15 e segs., do qual se infere sem duvida alguma que estamos perante uma relação de consumo, independentemente das pessoas visadas pelos demandantes, mal ou bem, para a qualificação não importa, sem necessidade de outros considerandos. Está assente a existência de defeitos ou desconformidades do bem vendido; bem como está assente que os demandantes fizeram a denúncia do defeito (à entidade certa, ou não, não releva para o que nos ocupa, que é a qualificação da relação jurídica), pedindo assistência, à empresa J Ld.ª. O regime do Decreto-Lei 67/2003, supra referido, é especial relativamente ao do Código Civil, doravante CC, e por isso regula apenas os negócios em que uma das partes tenha a natureza de consumidor, enquanto o regime do CC tem vocação universal, sem restrição quanto à natureza dos contraentes. Deste modo, a aplicação do Decreto-Lei 67/2003, não prejudica a aplicação das normas gerais do CC em tudo o que não esteja em contradição com o referido Decreto Lei. Vejamos o que neste diploma se dispõe quanto à compra e venda, e com relevo para o caso em apreço.
O artigo 3.º estatui que o «vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue» sendo que «as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade».
O artigo 4.º:
“1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.
2 - Tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito, e tratando-se de um bem móvel, num prazo máximo de 30 dias, em ambos os casos sem grave inconveniente para o consumidor.

3 - A expressão «sem encargos», utilizada no n.º 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material.
4 - Os direitos de resolução do contrato e de redução do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador.
5 - O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais”. Quanto aos prazos, estabelece o artigo 5.º, sob epígrafe, Prazo da garantia:
1 - O consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel.
2 - Tratando-se de coisa móvel usada, o prazo previsto no número anterior pode ser reduzido a um ano, por acordo das partes.
O Artigo 5.º-A, tem por epígrafe Prazo para exercício de direitos, e estabelece :
1 - Os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam no termo de qualquer dos prazos referidos no artigo anterior e na ausência de denúncia da desconformidade pelo consumidor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado.
3 - Caso o consumidor tenha efectuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de bem imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data.
4 - O prazo referido no número anterior suspende-se durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens com o objectivo de realização das operações de reparação ou substituição, bem como durante o período em que durar a tentativa de resolução extrajudicial do conflito de consumo que opõe o consumidor ao vendedor ou ao produtor, com excepção da arbitragem.
5 - A tentativa de resolução extrajudicial do litígio inicia-se com a ocorrência de um dos seguintes factos:
a) As partes acordem no sentido de submeter o conflito a mediação ou conciliação;
b) A mediação ou a conciliação seja determinada no âmbito de processo judicial;
c) Se constitua a obrigação de recorrer à mediação ou conciliação.
Resumindo: o prazo para o consumidor denunciar a falta de conformidade e defeitos, evitando a sua caducidade, estando em causa um bem móvel, é de 2 meses. Nos presentes autos, os demandantes não especificaram a data em que constataram os alegados defeitos, referindo apenas “desde o ano de 2014” que o equipamento tem vindo a apresentar graves problemas”. Ocorre que, sendo a data da constatação dos alegados defeitos um facto pessoal dos demandantes e constitutivo do direito que pretendem exercer, face à alegada caducidade por parte das demandadas, competia-lhes alegar e provar a data da constatação do defeito, a fim de se aferir se estava ou não em tempo de acordo com o prazo de dois meses que a lei lhe impõe para proceder a essa denúncia, o que não lograram fazer. Não tendo os demandantes logrado fazer prova de que, face à data da constatação do alegado defeito e a data da denúncia, estavam em tempo para exercerem o seu direito, cujo ónus lhe competia nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, a sua pretensão não pode proceder, na medida em que não lograram provar os factos constitutivos do seu direito. Dito de outra forma: Uma coisa é o ónus da alegação e prova da caducidade (n.º 2 do 342.º), outra coisa é a “prova da aquisição do direito de agir” (prova dos factos constitutivos do direito, n.º 1 do artigo 342.º). Ou seja, a questão da caducidade só se coloca perante um direito que em dado momento foi adquirido (o direito de exigir a reparação ou a anulação), o qual por inércia do seu titular, que deixou decorrer o prazo que tinha para o exercer, esse direito caducou, questão diversa da prova dos pressupostos da aquisição desse direito. É que a data da constatação do defeito (primeiro elemento da constituição do direito de reclamar), é um facto que não está ao alcance nem do vendedor, seja ele quem for, nem dos outros intervenientes, quer fossem intermediários, com comparticipação ou não no negócio. Ou seja, ao comprador cabe provar os pressupostos da aquisição do direito de reclamar (n. 1 do 342.º do CC); ao vendedor cabe provar que esse direito caducou (n.º 2 do 342.º co CC). Contudo, se assim se não entender, vejamos o enquadramento da pretensão da demandante à luz dos normativos que regulam o exercício dos direitos, admitindo que estes foram efectivamente consolidados na esfera jurídica do consumidor. Prescreve o artigo 4.º do supra referido DL nº 67/2003, que “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”. “Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.” (n.º 1, do artigo 4.º, do DL 67/2003). O consumidor pode optar por qualquer destes direitos, no caso de se verificar desconformidade do bem, tendo como limites ao seu exercício a impossibilidade ou o abuso de direito, nos termos gerais (n.º 5, do artigo 4.º, do mesmo diploma). Partindo do princípio que estamos perante defeitos ou falta de conformidade com as expectativas do consumidor, a questão que se coloca é a de saber se a pretendida resolução constitui ou não uma situação enquadrável no abuso de direito, constituindo tal situação um limite ao exercício do direito de resolução. O abuso de direito consiste no exercício de qualquer direito por forma anormal quanto à intensidade ou à sua execução, de modo a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiros e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências que os outros têm que suportar. Só haverá abuso de direito se o seu titular exceder ostensivamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. No caso em apreço, os demandantes usaram um equipamento que tinha prazo de garantia de seis anos, durante quatro anos e três meses (no mínimo), sendo o mesmo reparado em agosto de 2014, ou seja decorridos quase cinco anos, e vêm intentar a presente ação com finalidade de obter a anulação e reaver na integra o preço pago pelo equipamento em 07 de abril de 2016, ou seja a cerca de seis meses de esgotar o prazo de seis anos da garantia. Ora, uma coisa é ter o direito de exigir o bom funcionamento pelo prazo de garantia, ou até eventual ressarcimento de danos se houver impossibilidade do equipamento ser reparado e cumprir a sua função pelo prazo de seis anos. Coisa diferente é pretender anular um negócio e reaver na integra o preço pago, depois de terem beneficiado do equipamento no mínimo durante quatro anos. Ora, nestas condições, a pretensão formulada nos autos pelos demandantes é manifestamente uma pretensão ilegítima, porque consubstancia uma situação de abuso de direito, nos termos previstos no artigo 334.º do CC.
Face ao supra exposto, considero sem interesse algum a pronuncia sobre as demais exceções invocadas nos presentes autos, cuja pronúncia se afigura prejudicada e susceptível de provocar delongas absolutamente desnecessárias.

Decisão.
Em face do exposto, considero a presente ação improcedente e declaro as demandadas absolvidas do pedido.

Custas.
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada nos seus n.ºs 6.º e 10.º pela Portaria n. 209/2005, de 24 de Fevereiro, considero os demandantes parte vencida, pelo que devem proceder ao pagamento da quantia de €35,00, correspondentes à segunda parcela, no prazo de três dias úteis, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de €10,00 por cada dia de atraso.
Proceda-se às devoluções a que houver lugar.
Julgado de Paz de Lisboa, em 31 de julho de 2017
A Juíza de Paz

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Maria Judite Matias