Sentença de Julgado de Paz
Processo: 55/2018-JPTVD
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO - ATRASO DO VOO -
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
Data da sentença: 07/20/2018
Julgado de Paz de : OESTE - TORRES VEDRAS
Decisão Texto Integral:

Proc.º n.º 55/2018-JP

SENTENÇA

RELATÓRIO:
A E B, melhor identificados a fls. 1 e 7, intentaram, em 9 de março de 2018, a presente ação declarativa de condenação, contra C S.A., melhor identificada a fls. 1,7 e 40 , pedindo que esta seja condenada no pagamento de indemnização no valor 1.523,40€ , relativa ao atraso no embarque do voo contratado (1200,00€), despesas de deslocação que tiveram de suportar (23,40€) e danos não patrimoniais ou morais.(300,00€).
Para tanto, alegaram os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 7 a 9 e vs, que se dá por reproduzido.
Juntaram 10 documentos (fls. 10 a 31) que se dão por reproduzidos.
Após várias diligências tendentes á citação, foi a demandada regularmente citada - em 16 de Maio - para contestar, no prazo, querendo, a demandada nada disse.
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Cabe a este tribunal decidir se a Demandada deve ser condenada nos pedidos formulados pelos Demandantes, por incumprimento do contrato de transporte aéreo, no âmbito da responsabilidade civil contratual.
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Tendo a Demandante optado pelo recurso à Mediação para resolução do litígio, foi agendado o dia 29 de Maio de 2018 para a realização da sessão de Pré-Mediação, a qual não se realizou em virtude de a demandada não ter comparecido, nem apresentou posteriormente qualquer justificação da sua ausência.
Foi designado o dia 11 de Julho de 2018 para a realização da Audiência de Julgamento, e estando apenas presentes os Demandantes, foi esta suspensa ficando os autos a aguardar a justificação de falta, por parte da Demandada, o que não sucedeu.
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Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir:
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A prova produzida resulta do efeito cominatório decorrente do artigo 58.º, n.º 2 da LJP, que regula os efeitos das faltas, aí se referindo “Quando o demandado, tendo sido pessoal e regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita, nem justificar a falta no prazo de três dias consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.”
Teve-se ainda em consideração o teor dos documentos juntos aos autos pelos Demandantes, constantes de fls. 10 a 31 e 60.
O n.º 3 do artigo 567.º do Código Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 63.º da LJP, refere “Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado”, que é o que vamos fazer.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
O contrato celebrado entre Demandantes e Demandada - ainda que através de agência de viagens - é um contrato de transporte aéreo de passageiros, no qual uma entidade se obriga a transportar um indivíduo (o passageiro) e sua bagagem, de um local para o outro, utilizando uma aeronave. Caracteriza-se por ser um contrato consensual, bilateral, em regra oneroso e não solene e normalmente de adesão.
O contrato de transporte aéreo internacional encontra-se regulado, em especial, pelo Decreto-Lei n.º 39/2002, de 27 de Novembro, que transpõe para a ordem jurídica portuguesa a denominada Convenção de Montreal – Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional - e pelo Regulamento (CE) nº 261/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004. (doravante designado por Regulamento).
Nos termos do disposto no Artigo 5º do Regulamento “1. Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a: a) Receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos do artigo 8. °;
b) Receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 9.º, bem como, em caso de reencaminhamento quando a hora de partida razoavelmente prevista do novo voo for, pelo menos, o dia após a partida que estava programada para o voo cancelado, a assistência especificada nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 9. °; e
c) Receber da transportadora aérea operadora indemnização nos termos do artigo 7. °, salvo se:
i) tiverem sido informados do cancelamento pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida, ou ii)tiverem sido informados do cancelamento entre duas semanas e sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até duas horas antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até quatro horas depois da hora programada de chegada, ou iii) tiverem sido informados do cancelamento menos de sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até uma hora antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até duas horas depois da hora programada de chegada.
2. Ao informar os passageiros do cancelamento, devem ser prestados esclarecimentos sobre eventuais transportes alternativos.
3. A transportadora aérea operadora não é obrigada a pagar uma indemnização nos termos do artigo 7.°, se puder provar que o cancelamento se ficou a dever a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.
4.O ónus da prova relativamente à questão de saber se e quando foi o passageiro informado do cancelamento, recai sobre a transportadora aérea operadora”.
Ora, resulta provado que quando o voo com origem em Punta Cana e destino a Lisboa, com partida ás 23h45m, se encontrava pista para descolar os passageiros ouviram um estrondo e sentiram um cheiro forte a combustível. Em face da avaria verificada, a demandada tentou proceder á reparação, sem sucesso em tempo útil, tendo anunciado que deslocaria os passageiros para unidades hoteleiras, o que não sucedeu. Os passageiros do referido voo operado pela demandada mantiveram-se no aeroporto sem assistência suficiente, informação ou qualquer tipo de apoio até as 6h00m.
Nessa hora, a demandada procedeu ao segundo embarque dos passageiros, tendo o comandante comunicado a impossibilidade da sua tripulação fazer a viagem de regresso, anunciando que estaria á espera de nova tripulação que se encontrava a descansar.
Os demandantes e outros passageiros, cansados de esperar voltaram ao terminal de embarque. Pelas 10h00, voltaram a embarcar, tendo o avião finalmente descolado, mas ao invés das 7h30m de duração do voo, este durou mais de 10 horas, tendo o comandante informado os passageiros que seguiu uma rota mais extensa em face dos problemas técnicos que o avião apresentava, seguindo sempre por cima de terra para a eventualidade de ter de aterrar de emergência. O conhecimento de tal facto, causou medo e ansiedade aos demandantes, aliás absolutamente compreensível.
A alimentação e água afiguraram-se insuficientes para a duração do voo.
O avião chegou a Lisboa pelas 1h30m do dia 19 de Agosto de 2017, estando previsto chegar pelas 12h15m do dia anterior.
Verifica-se assim, um atraso de mais de 12 horas, sem que a demandada tenha invocado ou provado alguma circunstância excludente da sua responsabilidade.
Citando o Acordão do STJ de 23 de outubro de 2012 processos apensos C-581/10 e C-629/10 : “O Regulamento n.º 261/2004 visa garantir um elevado nível de proteção dos passageiros, independentemente do facto de se encontrarem numa situação de recusa de embarque, de cancelamento ou de atraso do voo, uma vez que são todos vítimas dos mesmos sérios transtornos e inconvenientes ligados ao transporte aéreo (v. acórdão Sturgeon). A indemnização prevista no artigo 7.º do Regulamento n.º 261/2004 permite compensar a perda de tempo sofrida pelos passageiros sem que estes tenham de provar que sofreram um dano individualizado. Esta medida permite assim garantir um nível elevado de protecção dos passageiros.”
Pelo exposto, procede o pedido de indemnização pelo atraso, nos termos do citado no art. 7º do Regulamento, n.º 1 alinea c), no valor de 600,00€ para cada um dos demandantes.
O referido regulamento tem como objecto estabelecer os direitos mínimos dos passageiros, no entanto os demandantes lograram provar ainda prejuízos concretos e adicionais que se passarão a analisar, para verificação da sua ressarcibilidade.
No que diz respeito às despesas suportadas de transporte –danos patrimoniais -, igualmente não restam dúvidas ao tribunal que foram efectuadas em virtude do sucedido, procedendo na sua totalidade.
Quanto aos danos não patrimoniais, diga-se que , “é pela gravidade dos danos não patrimoniais que se afere a sua ressarcibilidade, sendo certo que, há muito, está ultrapassada a controvérsia da sua ressarcibilidade, depois de se reconhecer a justa necessidade de uma compensação, reparação ou satisfação adequada, de modo a contribuir para atenuar, minorar e compensar os danos sofridos pelo lesado” (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª edição, 2004, pág. 603/604). “A gravidade do dano não patrimonial é medida por um padrão objetivo e, por outro lado, é apreciada em função da tutela do direito “(ANTUNES VARELA, Ibidem, pág. 606).
Resultando provado que os demandantes passaram mais de 24 horas sem dormir, sem assistência idónea e ainda se sujeitaram a um voo limitado por avaria, com medo, insegurança e pânico a bordo e ainda que a demandante sofria de problema psiquiátrico-stress pós-traumático - e que em virtude do sucedido foi necessária a remarcação de consulta médica. Assim, o pedido indemnizatório a este título apenas peca do defeito.
Não podendo o tribunal condenar em quantia superior ao peticionado, haverá de proceder a indemnização pedida, de 300,00€.
No que diz respeito aos juros de mora peticionados, em regra, a falta de pagamento de quantias a que o devedor esteja obrigado, dentro do prazo acordado, constitui o faltoso em mora e na obrigação de reparar os danos causados ao credor, verificando-se que a mora se inicia com a interpelação, judicial ou extrajudicial, para cumprimento (artº 804º e 805º do Código Civil). Por seu turno, o artº. 806º do mesmo Código, dispõe que, nas obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
Assim, por força dos citados preceitos, serão devidos juros de moras á taxa legal de 4% (artº. 559º do Código Civil), desde a citação até integral pagamento.

DECISÃO


Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente ação totalmente procedente, decido condenar a Demandada a pagar aos demandantes a quantia de 1.523,40€ acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até integral e efectivo pagamento.

As custas serão suportadas pela Demandada, que declaro parte vencida(Art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro).

Proceda ao reembolso da quantia de 35,00€ aos demandantes.
Registe.

Bombarral , 20 de Julho de 2018
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.)
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(Cristina Eusébio)