Sentença de Julgado de Paz
Processo: 368/2007-JP
Relator: CRISTINA MORA MORAES
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA - DIREITO DE CONSUMO
Data da sentença: 02/06/2008
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral: ACTA DE LEITURA DE SENTENÇA

Aos 06 de Fevereiro de 2008, pelas 18.15h, no Julgado de Paz do Porto, teve lugar a continuação da Audiência de Julgamento em que são partes:
IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A
Demandada: B
Realizada a chamada, encontrava-se presente, a ilustre mandatária da Demandante, a C.
Reaberta a audiência, pela Mª Juíza, foi proferida a seguinte:
SENTENÇA
A Demandante intentou a presente acção declarativa, enquadrável na alínea i) do nº 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo a condenação desta à devolução da quantia paga de € 175,00, preço que pagou por um casaco de pele, que adquiriu numa loja da Demandada, no D.
Regularmente citada, veio a Demandada contestar, nos termos plasmados a fls.15 a 18.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas para a presente acção.
Não se verificam quaisquer excepções dilatórias ou nulidades, que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo consoante resulta da Acta.
FACTOS PROVADOS:
A. A Demandada dedica-se à comercialização de vestuário.

B. No dia 19.12.2006 a Demandante deslocou-se a um estabelecimento comercial da Demandada, localizado no C, no Porto, com o objectivo de adquirir um casaco em pele para presente de Natal.
C. Casaco que adquiriu pelo montante de € 175,00.
D. Apenas alguns dias após a aquisição do casaco, o mesmo rasgou na parte de fora dos dois bolsos.
E. Em 03.01.2007, a Demandante apresentou reclamação na respectiva loja.
F. A reclamação foi recebida por uma funcionária da Demandada, comunicando de seguida à Demandante, que a sua reclamação ia ser objecto de análise por parte do responsável pós-venda e, posteriormente, ser-lhe-ia dada a respectiva resposta.
G. Depois de analisado pelo responsável pós-venda e em consonância com o produtor e fornecedor do respectivo casaco, a Demandada informou a Demandante que foi concluído ter tido o casaco um uso desadequado com o fim para o qual o artigo foi produzido.
H. Apesar disso, a Demandada comunicou à Demandante que iria proceder à reparação do respectivo casaco, caso a Demandante assim o entendesse, caso contrário, daria a àquela um vale de crédito no valor da aquisição anteriormente feita, para poder ser gasto noutros produtos disponíveis no estabelecimento acima identificado.
I. Em 06.02.2007, a Demandante apresentou reclamação por escrito junto da Demandada, solicitando a resolução do contrato e a consequente devolução do montante pago.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a discussão da causa.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos e que não foram objecto de impugnação e da prova testemunhal apresentada, sendo que os factos constantes de A., B. e C consideram-se admitidos por acordo, nos termos do nº2 do artº 490º do C.P.Civil.
Da prova testemunhal produzida, a primeira, E, a quem a Demandante ofereceu o casaco em questão nos autos como presente de Natal, referiu que, após ter usado o casaco algumas vezes e meter as mãos nos bolsos, estes rasgaram da parte de fora. A segunda testemunha, F, funcionária da Demandada, referiu ter conhecimento da reclamação apresentada e ter visto o casaco, tendo só reparado num bolso rasgado, não tendo a certeza se o outro também estava. Por sua vez, a terceira testemunha, G, responsável pós-venda do armazém, referiu ter só reparado num bolso rasgado, e que quando recebeu o casaco, por se tratar de um defeito duvidoso, enviou o mesmo para a fábrica e que esta lhe comunicou, posteriormente, que se tratava de um mau uso dado ao casaco, pelo que os depoimentos destas duas últimas testemunhas não foram muito esclarecedores.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova.
ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA:
Conforme se apurou, a Demandante celebrou com a Demandada, um contrato de compra e venda de um casaco de pele, cujo preço importou no montante de € 175,00. Pretende a Demandante, com a presente acção, a condenação da Demandada a restituir-lhe a quantia correspondente ao preço pago.
Esta relação contratual qualifica-se como uma relação de consumo, protegida por diversos instrumentos legais, dos quais salientamos a Lei de Defesa do Consumidor, Lei nº 24/96, de 31 de Julho e o D.L. nº 67/2003, de 8 de Abril, que procedeu à transposição para o direito interno da Directiva nº 1999/44/CE, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela referidas.
Dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do supra citado D.L. que “em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”, clarificando o n.º 5 do mesmo artigo que “o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais”.
Verifica-se, assim, um concurso electivo dos vários remédios de que o comprador pode lançar mão, sendo-lhe dada “a possibilidade de escolher, indistintamente, entre um ou outro direito previsto na lei”.
Cumpre de seguida, face à matéria de facto dada como provada, verificar se estão reunidas as condições para a resolução do contrato pela Demandante.
Dispõe o n.º 1 do artigo 2.º do D.L. n.º 67/2003 que “o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda”, presumindo-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se, entre outros factos, se verificar que os bens não apresentam “as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem (…)” (alínea d) do nº 2 do mesmo artigo).
Ora, tratando-se de um casaco praticamente novo, com apenas uns dias de uso, em pele, material conhecido pela sua resistência, só se pode concluir, face à factualidade provada, que o casaco não apresenta as qualidades de um bem do mesmo tipo, legitimamente esperadas pelo consumidor.
Com efeito, os bolsos de um casaco, não são apenas para feitio, mas para serem utilizados, incluindo a colocação das mãos do utilizador nos referidos bolsos.
A obrigação de o vendedor garantir um resultado, tem importância no domínio do ónus probandi: ao comprador basta fazer a prova do mau funcionamento da coisa no período de duração da garantia.
Ao vendedor, para se ilibar da sua responsabilidade, incumbirá alegar e provar que a causa do mau funcionamento é imputável ao comprador, a terceiro ou devida a caso fortuito.
Contudo, tal matéria não resultou provada, o que consta da alínea G) da matéria assente, é apenas a informação que a Demandada prestou à Demandante, não tendo, por outro lado, sido produzida prova testemunhal convincente ou documental, nesse sentido. De facto, a testemunha G, responsável pós-venda da Demandada, referiu que em caso de defeito duvidoso, enviam a peça para a fábrica para esta se pronunciar, limitando-se a referir que da fábrica lhe comunicaram que o casaco tinha sido sujeito a um mau uso. Ora, tal conclusão, sem ser fundamentada, é manifestamente insuficiente.
Acresce que, face à exigência da Demandante da devolução do preço pago, no montante de € 175,00, caberia à Demandada fazer a prova de que a pretensão da Demandante (a resolução do contrato), excedia os limites impostos pela boa fé, o que também não logrou fazer.
Assim sendo e sem necessidade de mais considerações, conclui-se que, a pretensão do Demandante terá de proceder, devendo em consequência, ser restituído o preço pago pelo casaco, na quantia de € 175,00.
À Demandada, caberá, eventualmente, o direito de regresso, previsto no artº 7º do Dec-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril, o qual dispõe no nº1, que: “o vendedor que tenha satisfeito ao consumidor um dos direitos previstos no artº 4º goza do direito de regresso contra o profissional a quem adquiriu a coisa, por todos os prejuízos causados pelo exercício daqueles direitos.
DECISÃO
Pelo exposto, julgo a acção procedente, por provada e, em consequência condeno a Demandada, a restituir à Demandante a quantia de € 175,00 (cento e setenta e cinco euros).
Custas pela Demandada, em conformidade com os artº 8º e 9º da Portaria nº 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Registe e notifique.
Da antecedente sentença foram os presentes pessoalmente notificados.
Porto, 06 de Fevereiro de 2008
A Juíza de Paz
(Cristina Mora Moraes)
ATécnica de Apoio Administrativo
(Liliana Moreira)
Processado por computador Art.º 138º/5 do C.P.C.
Revisto pelo Signatário. VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz do Porto