Sentença de Julgado de Paz
Processo: 933/2018-JPLSB
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL / BRIGA DE CÃES
OFENSA PATRIMONIAL
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS
Data da sentença: 12/17/2018
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Processo n.º 933/2018-J.PLSB

RELATÓRIO:

Os demandantes, A, NIF…., e L, NIF. ..., residentes na …, no concelho de Lisboa, representados por mandatária constituída.

Requerimento Inicial: Alega-se em suma que, os demandantes são proprietários de um cão de pequeno porte da raça Yorkshire, com peso de 2,5kgs. Na manhã do dia22/03/2018, na rua da saudade em Lisboa, estava a demandante a passear o referido animal quando a demandada sai da porta do prédio onde reside acompanhada pelos seus dois cães, um deles mais concretamente o rafeiro alentejano de cor castanha, assim que avista o cão dos demandantes ataca-o brutalmente. A demandada, apesar de estar com os cães com trela, não conseguiu evitar que o seu cão se dirigisse ao cão dos demandantes. A força e o seu peso, não permitiu que a demandada o segurasse, pois passeava em simultâneo dois cães. O cão da demandante é um cão de raça portuguesa de maior porte, musculado e com fortes maxilares, sendo um cão de guarda, pesando em média entre 40 a 50kg, não sendo apropriado para donos inexperientes. O ataque ocorreu em segundos, tendo aquele atacado brutalmente o cão dos demandantes, abocanhando-o pelo peito e sacudiu-o sem cessar, não abrindo a mandíbula. Apesar dos esforços da demandada. Foi um segurança da Stª casa da Misericórdia que se aproximou e segurou o cão daquela pelas pernas traseiras, levantando-o, o que fez com que soltasse, evitando a que o acidente fosse mortal. O cão dos demandantes recebeu assistência da demandada, do segurança e de duas amigas que apareceram, tendo uma delas levado os cães daquela, e a outra foi buscar água oxigenada, algodão e tesoura para estagnar o sangue, permanecendo o cão com dores pois gemia, e com uma das patas esticadas, sem possibilidade de retração. Na altura, a demandada disse que assumia a responsabilidade, inclusive com as despesas veterinárias necessárias, sugerindo que a sua veterinária se deslocasse para assistir o cão dos demandantes. Devido ao ataque o cão necessitou de ser assistido urgentemente, o que sucedeu no hospital veterinário de S. Bento, sendo-lhe diagnosticado uma luxação do ombro direito e fratura da escápula, sendo por isso submetido a recolocação do ombro e de um dreno no peito, e demais tratamentos, o que durou 1 semana de internamento. Depois disso passou a usar um colar elisabetano e protetor solar diário no pescoço. Os custos do hospital ascendem a 666,06€. O cão ficou limitado no andar, coxeando, o que exige esforços suplementares dos demandantes, podendo vir a ser submetido a nova intervenção, para aliviar as dores e melhorar a qualidade de vida. Este cão tem valor inestimável, o qual já têm há 11 anos, sendo essencial para a demandante pois auxilia-a no equilíbrio emocional. Esta passou por um momento traumático, permanecendo inquieta e com ataques de ansiedade. O cão atacante não tem seguro de responsabilidade civil, pelo que a demandada facultou o seu contacto para proceder ao pagamento das despesas. Numa tentativa de resolver esta questão, enviaram-lhe carta, solicitando o pagamento das despesas no valor de 608,56€, acrescida de uma compensação de 2.000€, ao que aquela respondeu alegando nada dever, pois não lhe podia ser imputada a responsabilidade pelo sucedido, contradizendo o que inicialmente assumira. A 4/07/2018 o cão dos demandantes foi submetido a novos exames os quais perfazem a quantia de 57,50€, que também reclamam. Assim, a demandada não tomou as precauções necessárias para evitar o ataque ao cão dos demandantes, não conseguindo evitar o dano, pelo que é responsável pelas despesas que tiveram de suportar com a reparação deste. Por outro lado, ocorreram danos indiretos, nomeadamente o cão ficou a coxear, limitando a sua mobilidade, sem esquecer os danos não patrimoniais causados á demandante, que passou por um episódio traumático, provocando-lhe sofrimento e desgaste psíquico e emocional, devendo a demandada ser responsável por todos os danos. Concluem pedindo que a demandada seja condenada no pagamento da quantia global de 2.666,06€, acrescida dos juros de mora, á taxa legal, até efetivo e integral pagamento. Juntam 6 documentos.

MATÉRIA: Ação de responsabilidade civil extra contratual, enquadrada no art.º 9, n.º1, alínea H) da L.J.P.

OBJETO: Briga de cães, ofensa patrimonial, indemnização por danos.

VALOR DA AÇÃO: 2.666,06€ (dois mil seiscentos e sessenta e seis euros e seis cêntimos, art.º 305, n.º4 e 306, n.º1 do C.P.C.).

A demandada, S, NIF. ..., residente na …, no concelho de Lisboa, representada por mandatário constituído.

Contestação: Em suma alega, que admite os art.º 4, 6, 32 e 38, com exceção da raça do seu cão, quanto ao restante impugna-se os demais factos. Na verdade o seu cão tem 9 anos, é de companhia, de porte médio, sendo de raça indeterminada, estando legalizado com as vacinas em dia. A veterinária que o acompanha afirma que não pertence às raças potencialmente perigosas, não pertencendo á raça que aqueles alegam. Contrariamente ao que alegam, naquela manhã não houve qualquer ataque brutal, na realidade a demandante passeava na rua com o seu cão solto sem trela. A demandada estava a sair do prédio onde reside, levando presos á trela os seus dois cães, ao abrir a porta surge o carteiro, a deixar correspondência nos recetáculos do prédio, pelo que parou por momentos, surgindo o cão da demandante completamente solto e sem vigilância, pois aquela estava mais atrás, o qual atravessou a rua a correr em direção ao cão da demandada, ladrando-lhe o que fez com que aquele numa reação instintiva acabasse por o morder. A verdade é que nunca tinha sucedido qualquer episódio com este cão, sendo uma reação de defesa deste, aliás o cão apenas pesa 18kg. Na realidade o sucedido não foi brutal, até pelos salpicos sangue que existiam na camisola que o cão trazia vestido, não obstante entendeu dar-lhe assistência, sendo visto pela médica vizinha que afirmou apenas precisar de alguns pontos. Por outro lado, não é verdade que assumiu a responsabilidade de pagar as despesas, apenas pensando que os demandantes fossem turistas, pela língua que falavam, forneceu-lhe o contacto da sua veterinária para que pudessem minorar as dores do cão e ao mesmo tempo saber do estado do animal, pois é algo que preza. Foi surpreendida quando recebeu um telefonema do outro demandante, em tom agressivo e de ameaça, pressionando-a para assumir a responsabilidade por tudo, tentando sacudir a responsabilidade da outra demandante que andava com o cão sem trela e sem o vigiar, pelo que não houve qualquer culpa de sua parte no sucedido. Por outro lado, não tinha obrigação de contratar seguro de responsabilidade civil uma vez que o seu cão não pertence às raças potencialmente perigosas, nos termos definidos no diploma legal. Além de que não cometeu qualquer infração do dever de vigilância, relativamente aos seus dois cães face ao contexto em que os factos sucederam, nem seria expetável que o cão da demandante atravessa-se a rua a correr em direção ao seu e lhe ladrasse de forma brusca, assustando-o. Conclui pela improcedência da ação. Junta 7 documentos.

TRAMITAÇÃO:

Realizou sessão de mediação, sem ter havido consenso das partes.

O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.

As partes dispõem de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.

Não existem excepções, questões prévias ou nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:

Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º1 da LJP, sem obtenção de consenso das partes. Seguindo-se para produção de prova com requerimento, declarações de parte da demandada, realizadas nos termos do art.º 57, n.º 1 da L.J.P., com apresentação de documentos pelos demandantes, audição de testemunhas e terminando com alegações finais, como se infere da ata, de fls. 105 a 110.

-FUNDAMENTAÇÃO-

I- DOS FACTOS ASSENTES (Por Acordo):

A)Os cães da demandada estavam ambos com trela.

B) A demandada estava a segurar/passear dois cães ao mesmo tempo.

C) O cão atacante não tem seguro de responsabilidade civil.

D) A demandada respondeu alegando nada dever, pois não lhe podia ser imputada a responsabilidade pelo sucedido, contradizendo o compromisso assumido com a 2ª demandante.

II-DOS FACTOS PROVADOS:

1)Na manhã do dia 22/03/18, na rua …, em Lisboa a 2ª demandante estava a passear um cão de pequeno porte de raça Yorkshire.

2) A demandada não conseguiu evitar que o cão saísse do prédio á sua frente.

4)O cão atacante abocanhou o cão Yorkshire pelo peito.

5)O segurança da Stª casa da Misericórdia, deslocou-se ao local e segurou o cão daquela pelas pernas traseiras, levantando-o.

6)E, libertou o cão.

7) O cão dos demandantes recebeu os primeiros socorros da demandada, do segurança e de duas amigas daquela que haviam aparecido.

8)Uma das amigas da demandada levou os cães para dentro de casa.

9)A outra foi buscar algodão, tesoura e água oxigenada para estancar o sangue.

10) A demandada estava constrangida com a situação.

11)Na sequência o cão dos demandantes necessitou de assistência médica.

12) A demandada disponibilizou á 2ª demandante os seus contactos.

13) A demandada demonstrou preocupação com o estado do cão dos demandantes, solicitando á 2ª demandante que lhe desse noticias, o que efectivamente se verificou.

14)No dia 9/05/2018 os demandantes enviaram á demandada carta, solicitando o pagamento das despesas médicas que suportaram no montante de 608,56€, acrescida de uma compensação por conta dos danos morais causados no montante de 2.000€ tudo no tal de 2.608,56, conforme documento 5, junto de fls. 49 a 52.

15) O cão da demandada, GIN, é um cão de companhia de raça indeterminada, com 9 anos, de porte médio, com pelo curto e liso, de cor castanho claro e branco.

16)O cão referido no ponto 16 está legalizado e vacinado.

17)Este cão não pertence a nenhuma das raças potencialmente perigosas.

18)Sendo um cão dócil, habituado a interagir com cães de outras raças.

19)Na manhã do dia 22/03/2018 a demandada estava a sair do prédio onde reside para passear os seus 2 cães, ambos presos pelas trelas.

20)Quando abriu a porta da entrada do prédio, a demandada, deparou-se com o carteiro a entrar, parando.

21)O cão Yorkshire encontrava-se solto, sem trela e sem vigilância.

22) O cão Yorkshire atravessou a rua a correr em direção ao cão da demandada, ladrando-lhe.

23) O cão da demandada reagiu mordendo-o.

24) O cão da demandada é habitualmente um cão dócil, habituado a interagir com cães de outras raças.

25) O cão Yorkshire tinha pouco sangue na camisola que trazia vestida.

26)A qual foi retirada, e limparam a ferida.

27) A demandada pensou que a demandante era turista, pelo que disponibilizou o contacto da veterinária do GIN por ser profissional e competente.

28) A demandada não é obrigada a ter seguro de responsabilidade civil.

MOTIVAÇÃO:

O Tribunal baseia a decisão na analise critica de toda a documentação apresentada, conjugada com a prova testemunhal, regras da experiência comum e regras de repartição do ónus da prova.

A demandada prestou declarações nos termos do art.º 57, n.º1 da L.J.P., relatando o que sucedeu com um dos seus cães e o cão dos demandantes. Esclarecendo que saia de casa com os seus cães presos a trela quando surgiu o carteiro a por as cartas nos recetáculos dos outros moradores do prédio. No mesmo instante surge o cão dos demandantes ladrando para os dela e foi aí que um dos cães reagiu de imediato, abocanhando-o. Mais esclareceu que os cães dela estavam presos à trela, enquanto o outro estava solto, estando a dona no outro lado da rua e sem puder fazer o que quer que fosse para evitar. O seu depoimento foi claro e esclarecedor, sendo relevado pois coincidiu com a restante prova realizada em audiência, auxiliando na prova dos factos com os n.º 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26 e 27.

A testemunha, E, é porteiro da Stª Casa da Misericórdia, situada na mesma rua onde se passou o facto. Foi a pessoa que presenciou o sucedido e chegou junto das partes, daí o seu conhecimento dos factos. Explicou o que presenciou, e o seu contributo para a situação, de referir que o cão da demandada não foi violento, sendo ele que ajudou a soltar o outro cão. Teve um depoimento claro, coerente e totalmente isento, auxiliando na prova dos factos n.º 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 19, 20, 21, 22, 23, 25 e 26.

A testemunha, S, é a veterinária dos cães da demandada, o seu depoimento restringe-se ao conhecimento médico dos animais em geral e deste em particular, pois acompanha-o há cerca de 2 anos. Auxiliando na prova dos factos com os n.º 16, 17, 18, 23, 24 e 28.

Os factos não provados resultam da ausência de prova, nomeadamente os documentos apresentados pelos demandantes foram impugnados pela contraparte e não houve, da parte destes, qualquer prova nesse sentido, pelo que o resultado teria de ser dar os factos não provados, nomeadamente os constantes do r.i. com os n.º 24, 39 e 40.

Para além disso, há factos em que não houve qualquer prova, note-se que não apresentaram testemunhas pudessem corroborar a respectiva versão, e as presentes, na audiência, não o fizeram.

A declaração que a demandante requereu que fosse tida em consideração, junta em audiência de fls. 113 a 115 verso, não foi tida em consideração, pois devido á sua ausência na audiência, o que contraria o disposto no art.º 38, n.º1 da L.J.P., não pode valer como sendo as suas declarações de parte, nos termos do art.º 466 do C.P.C., até porque a demandada tinha requerido que aquela prestasse declarações, mas no âmbito do art.º 452, n.º 2 do C.P.C., ficando as mesmas inviabilizadas com a ausência dos demandantes no estrangeiro.

Quanto ao facto de saber a quem pertence a propriedade do cão lesado, não foi feita prova que fosse dos demandantes, mas apenas que aquela se encontrava a passear o animal, algo que a demandada nem contesta.

Também não se provou que o cão da demandante fosse um cão da raça “rafeiro Alentejano”, ou que fosse um cão de grande porte, o que assim sucede por falta de prova, e por a testemunha, S, enquanto veterinária de profissão ter esclarecido qual a raça do animal da demandada (GIN).

III- DO DIREITO:

O caso dos autos refere-se a um incidente ocorrido entre dois animais, cães, e danos que dele derivaram.

Questões: Requerimento em audiência, dano, pedidos de indemnização e valores.

A)Questão prévia: Em audiência de julgamento a demandante requereu algumas desconsiderações ao factos do r.i com os n.º 1 a 10, vindo agora alegar que efectivamente o cão da demandada não era da raça pastor alentejano, mas mantendo tudo o resto.

Tal requerimento mereceu oposição da demandada.

Efetivamente analisando os autos, em especial o r.i., que partiu da diferença entre os cães, nomeadamente da raça e pesos, atente-se precisamente os art.º 3,5,7, 8 e 9, e foi sobretudo com base nas diferenças das espécies/raças que a levou a concluir que ocorreu um súbito e brutal ataque- facto em questão- e deduziu o pedido indemnizatório.

De facto, para os autos é importante as diferenças existentes entre os animais, uma vez que a existirem, o quantum indemnizatório são factores que devem ser ponderados, além de que no enquadramento da situação, também, deve ser ponderado estas diferenças de forma a concluir se houve ou não um ataque bárbaro- brutal.

Por fim, resulta do art.º 43, n.º5 da LJP que deve ser permitido efetuar aperfeiçoamento às peças processuais na audiência de julgamento, em casos de irregularidades formais ou materiais. Ora esta é a questão.

De facto, o que foi requerido não pode ser considerado como de irregularidade material, que conduz ao “aperfeiçoamento”, pois para isso parte-se do princípio que ocorreu a falta de elementos essenciais que seriam importantes para o desfecho da ação, o que não sucedeu. Trata-se antes de omitir o que inicialmente foi alegado, por entretanto, ter concluído que não seria verdadeira aquela afirmação.

Sendo assim, não tem cabimento nos aperfeiçoamentos e também não pode ser tida como uma simples retificação, as quais em regra têm efeito jurídico praticamente inócuo, o que também não é o caso.

Assim sendo, considero que não é de admitir tal desconsideração, devendo, se assim o concluir, considerar tal facto como não provado, motivos pelo qual se indefere o requerido.

Todavia, já em relação ao art.º 39 do r.i. é efectivamente um lapso cometido, o que se deduz pela junção dos documentos, e também, em nada influi nos autos, sendo uma simples correcção, pelo que é admitida a rectificação requerida. Assim onde se lê “ do Restelo” deve ser lido como de “ S. Bento”, o que se regista.

B) No que respeita á questão fulcral dos autos, o princípio geral que rege a matéria da responsabilidade civil é o consignado no artigo 483° do C.C. segundo o qual “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, incumbindo ao lesado provar a culpa do autor da lesão, de acordo com o disposto no art.º 487, nº1, do C.C., sem prejuízo de aplicação de mais legislação adequada às circunstâncias do caso.

Assim, são pressupostos do dever de reparação: a existência de um facto voluntário do agente; a ilicitude desse facto; a existência de um nexo de imputação do facto ao lesante; que da violação do direito subjectivo ou da lei resulte um dano; que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima de forma a poder concluir-se que este resulta daquela, in Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I Vol., 1986, 477/478.

No caso concreto temos diretamente como lesado e lesante, ou agente, dois animais de raça canina, depois temos também de analisar o comportamento de quem, no dia em que o facto se passou era responsável pelo animal.

Assim, o art.º 389 do C.P. dá-nos o conceito jurídico de animal de companhia, considerando-se qualquer animal detido ou destinado a ser detido por seres humano, designadamente no lar, para seu entretenimento e companhia.

Devido a alterações introduzidas pela L. 8/2017 de 3/03, ocorrerem importantes alterações no ordenamento jurídico reconhecendo o estatuto dos animais Assim, surge o no art.º 201-B do C.C que considera os animais como seres vivo dotados de sensibilidade, sendo objecto de protecção jurídica, e também o art.º 493-A do C.C. estabelecendo que em caso de morte ou lesão deve o responsável indemnizar o proprietário ou entidades que tenham procedido ao seu socorro, pelas despesas que tenham incorrido para o seu tratamento.

E, também foi aditado o art.º 1305-A do C.C. nos termos do qual foi atribuído ao proprietário do animal o dever de assegurar o seu bem estar.

No entanto o art.º 493 do C.C. permaneceu inalterável, nos termos do qual quem tiver em seu poder animal, tendo assumido o encargo de vigilância, responde pelos danos que causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve de sua parte ou que os danos teriam produzidos, ainda, que não houvesse culpa sua.

Para além disso, no art.º 11 do Dec. Lei 315/2009 de 29/10 impõe-se o dever especial de vigilância, nos termos do qual o detentor de animal perigoso ou potencialmente perigoso fica obrigado ao dever especial de o vigiar, de forma a evitar que este ponha em risco a vida ou a integridade física de outras pessoas e de outros animais.

Por sua vez, o art.º 4 do Dec. Lei 315/2009 de 29/10 impõe algumas restrições à detenção de animais, pelo que só podem ser detidos como animais de companhia aqueles que não se encontrem abrangidos por qualquer proibição quanto à sua detenção.

Quanto ao proprietário, tem o dever especial de o vigiar, de forma a evitar que este ponha em risco a vida ou a integridade física de outras pessoas, (Decreto-lei 276/01, de 17 Outubro).


    Por fim, estabeleceu-se que na rua, é obrigatório o uso por todos os cães e gatos que circulem na via ou lugar públicos de coleira ou peitoral, no qual deve estar colocada, por qualquer forma, o nome e morada ou telefone do detentor, por força do Decreto-lei 314/03.


    No caso concreto foi apurado que no dia 22/03/2018 a demandada saia de casa acompanhada pelos seus 2 cães, os quais iam presos a trelas.





Nesse mesma ocasião surge o cão de raça Yorkshire, o qual estava completamente solto e sem vigilância, atravessou a rua, a ladrar em direção ao cão da demandada.


Mais se apurou que, a 2ª demandante, seria a pessoa que, naquele momento, estava encarregue de o vigiar, mas por se encontrar mais atrás foi incapaz de fazer o que quer que fosse, conforme relatou a testemunha, E.


Por sua vez, o cão da demandada reagiu, mordendo-o, abocanhando-o na zona do peito, explicação obtida das testemunhas e das declarações da demandada.


Resulta, assim, que, a 2ª demandante, enquanto pessoa encarregue do cão Yorkshire não cumpriu de forma adequada o dever de vigilância, que lhe incumbia.


Na realidade o cão é um ser animal, por isso para evitar danos aos outros ou a si próprios devem, antes de mais, circular nas vias públicas presos a trelas, o que não se verificava no caso concreto, e devidamente provado pela testemunha, E.


Depois, como seres animais que ambos são, o normal é reagirem a estímulos e nomeadamente ao ladrar dos outros da mesma espécie.


Só que nem todos reagem da mesma forma, á semelhança do sucede com os seres humanos, e cabe ao ser humano, dotado do devido discernimento, de evitar ocorrências como a que se passou.


Na realidade o animal não tem capacidade para ver e, discorrer em conformidade, de acordo com as diferenças que existem entre animais, como é o caso.


E, de facto o cão lesado (Yorkshire) e o cão atacante (GIN) têm várias diferenças, desde a raça, às dimensões, e peso, o que a testemunha S, bem explicou, referindo que o ladrar insistente e muito próximo, é por vezes encarado como uma invasão de espaço, do território do outro.


Porém, considerar o sucedido como sendo um ataque bárbaro, é algo diferente, na medida que se traduz em algo cruel, insensível, brutal, e para o qualificar desse modo há que atender às circunstâncias em que o mesmo ocorreu.


Em primeiro lugar o cão da demandada não faz parte da lista de raças potencialmente perigosas, tal como é definido pelo Dec. Lei. n.º 315/2009, sendo qualificado pela veterinária que o assiste habitualmente como um animal dócil, de fácil trato com o ser humano e sem comportamentos agressivos para com outros animais, o que visualiza nas vezes em que vai á clinica, estando inclusive habituado a conviver com outro de menor dimensão, pois a demandada possui outro animal.


Ora atendendo às dimensões dos animais há efectivamente diferenças que para nós seres humanos é notária, e que faria toda a diferença num ataque, numa ocorrência entre seres humanos de complacência física diferente e dotados do devido discernimento, por isso a mordedura e/ou o abocanhar do outro pode ter consequências muito diferentes no animal lesado, sobretudo quando existem diferenças substanciais. Assim, se para uns a resposta/reação do cão da demandante (GIN) pode ter consequências quase nulas, para outros na mesma situação, tal como é o caso do cão Yorkshire, de complacência frágil, pode ter consequências mais graves.


Mas isso, por si só, não é suficiente para qualificar a situação como bárbara, sobretudo quando foi o lesado que provocou a situação, tal como foi descrito pela testemunha que presenciou toda a ocorrência, E.


E, de facto o cão da demandada até estava preso á trela, cumprindo assim a sua proprietária a obrigação legal. Todavia, a lei não determina a extensão da trela, competindo a cada dono adapta-la ao animal que possui, pois mostra a experiência comum que no mercado existem trelas para todos os gostos.


Todavia o surgimento do cão Yorkshire, da forma como sucedeu, constitui um factor surpresa, de difícil controle para a demandada, pois a sua saída do edifício estava na altura tapada com a presença do carteiro, conforme admitiu em declarações na audiência.


Para uma pessoa, colocada na exata posição da demandada, que tem um entrave á frente, mesmo que sentisse a reação do seu animal e quisesse evitar o seu impulso, é praticamente impossível, sobretudo se o animal estiver um pouco distanciado de si, o que resulta do senso comum.


Por outro lado, a pessoa que trazia cão Yorkshire em plena via pública, ou seja a 2ª demandada, é que não acautelou a situação, como devia e podia ter feito, deixando um ser frágil completamente solto, sobretudo se o animal era tão importante para ela, não só por ser animal de companhia, mas sobretudo pelos motivos que referiu no art.º 62 do r.i.


Note-se que o animal ao andar sozinho, isto porque a pessoa que o devia vigiar o deixou solto, pode ser apanhado/atropelado por qualquer veículo, ou ser motivo de embaraço ao trânsito, o que inclui as pessoas e demais os veículos que hoje circulam, até nos passeios, como é o caso das trotinetas, dos segway e hoverboard (veículos eléctricos de 2 rodas). Acresce dizer que, esta era uma obrigação legal que competia às duas senhoras e só uma delas cumpria com a mesma.

Assim, pese embora o referido animal possa ter sofrido danos, não pode ser imputada a responsabilidade pelos mesmos á demandada, quando a pessoa que estava encarregue de o vigiar, ou seja a 2ª demandante, não procedeu com as devidas cautelas que a lei lhe exigia, sendo ela que potenciou a ocorrência do facto (art.º 570 do C.C.).

DECISÃO:

Nos termos explanados, julga-se a ação improcedente, por não provada, absolvendo-se a demandada dos pedidos.

CUSTAS:

São da responsabilidade dos demandantes, na quantia de 35€ (trinta e cinco euros) a efetuar no prazo de 3 dias úteis, sob pena da aplicação da sobretaxa diária no montante de 10€ (dez euros).

Proceda-se ao reembolso da demandada.

Lisboa, 17 de dezembro de 2018

A Juíza de Paz

(redigido pela signatária, art.º 131, n.º5 do C.P.C.)

(Margarida Simplício)