Sentença de Julgado de Paz
Processo: 270/2017-JP
Relator: MARIA JUDITE MATIAS
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL - EQUIPAMENTO DEFEITUOSO.
Data da sentença: 09/26/2017
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Sentença

Processo n.º 270/2017 - JP
Matéria: Incumprimento contratual
Objecto: Equipamento defeituoso.
Valor da acção: €1.019,99 (ml e dezanove euros e noventa e nove cêntimos).
Demandante: A, Rua ----------------------------------------- Lisboa.

Demandada: B, Lda., Edifício -------------------------------- Lisboa.
Mandatário: Dr.ª C, Advogada, que substabeleceu na Dr.ª C e Dr.ª C, advogadas, com domicílio profissional na Av.ª da Liberdade, 38, 1.º, 1250 – 145 Lisboa.

Do requerimento inicial: Fls. 1 a 2
Pedido: Fls 3 verso
Junta: 3 documentos
Contestação: A fls. 13 e segs.
Tramitação:
O demandante recusou a mediação.
Foi marcada audiência de julgamento para o dia 03 de julho de 2017, pelas 12h e 30m, sendo as partes devidamente notificadas para o efeito.
Audiência de Julgamento.
A audiência decorreu conforme acta de fls. 44 a 46. -
***
Fundamentação fáctica.
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1 – Em 27 de dezembro de 2016 o demandante encomendou à demandada, através do sitio na Internet, um computador portátil Lenovo, para seu uso pessoal, correspondente à fatura FTFA/16/348777, emitida em 28 de dezembro de 2016 (cfr. doc. 1, fls. 4 dos autos);
2 - Em 03 de janeiro de 2017 o demandante levantou o computador nos CTT (não impugnado);
3 – No dia 05 de janeiro o demandante abriu a embalagem e utilizou o computador (admitido);
4 – No dia 19 de janeiro de 2017 o demandante detetou uma fratura no ecrã do computador e dirigiu-se à loja da demandada sita no Centro Comercial D onde solicitou a devolução do equipamento (admitido);
5 – O funcionário da demandada que atendeu o demandante constatou de imediato a racha no ecrã que era visível (cfr. doc. 2 e 3, juntos pela demandada, e afirmado pelo próprio em audiência);
6 – No dia 19 de janeiro de 2017, a funcionária E, informou o demandante, por email, que o computador seria avaliado e consoante a avaliação poderia ou não haver troca (ponto 13 do R.I.);
7 - A funcionária E, enviou o computador para a assistência técnica da marca, referindo no relatório que o demandante “tinha recebido o mesmo com o ecrã partido” e que o mesmo “não apresentava sinais de mau uso” (cfr. fls. 6 dos autos);
8 – No dia 26 de janeiro de 2017 o demandante é informado de que o computador não iria ser trocado (admitido);
9 – O demandante reclamou desta decisão mas a demandada manteve a sua posição.

Factos não provados.
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se não provados os factos não consignados, nomeadamente não se considera provado:
- Que o demandante, em 19 de janeiro de 2017, ao abrir o portátil, tenha detetado uma fratura, quase imperceptível, no canto superior direito do ecrã;
- Que o funcionário da demandada tenha confirmado qualquer defeito no equipamento;
- Que o demandante tenha fornecido a password aos técnicos para estes acederem ao PC.

Motivação.
Para tanto concorreram as declarações das partes proferidas em audiência, os documentos junto aos autos e referidos nos respectivos factos, e o depoimento das testemunhas apresentadas. Com efeito:
A testemunha F, apresentada pelo demandante, e seu colega de trabalho, perguntado se estava com o demandante no dia 19 de janeiro de 2017, respondeu que não; disse que teve conhecimento algumas semanas depois quando o demandante lhe contou;
A testemunha G, apresentada pelo demandante, colega de trabalho, disse que sabe que o demandante ao abrir a tampa do portátil fracturou o ecrã; disse que percebeu do que lhe foi contado que o demandante não teve dificuldade em abrir o ecrã; disse que não estava com o demandante em 19 de janeiro de 2017.
A testemunha H, apresentada pela demandada, trabalha no serviço pós venda desta empresa há quatro anos. Disse que recebeu o equipamento da loja do Colombo com indicação “ecrã partido”; disse que a reclamação chegou antes de expirado o prazo de trinta dias permitidos pela B para eventuais trocas; disse que o dano no ecrã era visível, tanto com o equipamento ligado quanto desligado; disse que o dano que constatou só podia ter sido provocado por uma queda ou uma pressão mais forte, algo que ocorreu de fora, e não falha ou defeito do equipamento;
A testemunha I, apresentada pela demandada, disse ser funcionário da demandada no D, no serviço técnico pós venda; disse que recebeu o equipamento no serviço técnico; disse que o dano no ecrã era resultado de pressão ou pancada; que o dano no ecrã era imediatamente visível e com causa externa o que afasta a garantia. Afirmou que não constatou quaisquer sinais de mau uso.

Do Direito.
Nos presentes autos vem o demandante pedir que a demandada seja condenada a restituir-lhe a quantia que pagou a título de preço no contrato de compra e venda do computador supra identificado o que juridicamente se reconduz à pretensão de resolução do contrato. Dos factos supra dados por provados resulta que entre demandante e demandada foi celebrado um contrato de compra e venda; o objecto da compra e venda foi entregue pela demandada ao demandante e este efectuou o pagamento do preço. Atenta a qualidade de consumidor por parte do demandante, porquanto o bem é destinado a uso pessoal e de comerciante, por parte da demandada, publicamente conhecida, sendo desnecessárias outras considerações, estamos perante uma relação jurídica enquadrável nos normativos constantes da Lei nº 24/96, de 31 de Julho, (Lei de Defesa do Consumidor - LDC), alterada pela Lei 85/98, de 16 de Dezembro, Lei 10/2013, de 28 de Janeiro e nos seus artigos 4.º e 12.º, pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, que transpôs a Directiva n.º 1999/44/CE, por sua vez alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008 de 21 de Maio, cujos direitos básicos aqui relembramos, começando pelo disposto no art.º 4.º da LDC, na redação dada pelo art.º 13.º do Dec.-Lei n.º 67/2003: os bens destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor; os bens entregues pelo vendedor ao consumidor devem estar conformes com o contrato de compra e venda, presumindo-se que o não estão, designadamente, se não forem conformes com a descrição deles feita pelo vendedor, se não forem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo, ou se não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem (art.º 2.º, n.ºs 1 e 2, als. a), c) e d) do Dec.-Lei 67/2003); qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem é entregue ao consumidor, o vendedor responde perante este, presumindo-se, em princípio, existentes já nessa data as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois anos (prazo da garantia legal) a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea, como é o caso de um computador, salvo se provar que a mesma não existia no momento da entrega ou for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade (cfr. artigo 3º do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril). Verificando-se falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem o direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição. Quer num caso quer noutro, dentro de um prazo razoável máximo de 30 dias, tratando-se de bens móveis (n.º 2 do atigo 4.º do DL 67/2003, na redação dada pelo DL n.º 84/2008). Tem ainda direito à redução adequada do preço ou à resolução do contrato (arts. 3.º, 4.º e 5.º do DL 67/2003). É hoje unanimemente aceite que compete ao consumidor alegar e provar o defeito da coisa, atento o disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, isto é, a desconformidade do bem com o contrato, na terminologia do referido D.L. Só a partir de então o consumidor beneficia da presunção de desconformidade estabelecida no artigo 2º, nº 2 do Decreto-Lei nº 67/2003, presunção que beneficia o consumidor na medida em que não tem de provar que a desconformidade era anterior ao ato da compra, mas ao mesmo tempo confere ao vendedor o direito de ilidir essa presunção. Posto é que lhe tenha sido concedida a possibilidade de o fazer. Vejamos se o demandante o logrou fazer.
Alega o demandante que recebeu embalagem com o computador a 03 de janeiro de 2017, abriu-a e dois dias depois (no dia 5), utilizou o computador até 19 de janeiro de 2017, dia em que constatou que o ecrã estava rachado. A existência da racha foi confirmada nesse mesmo dia pelo funcionário da demandada que afirmou que a mesma era perfeitamente visível. A questão que se coloca é a de saber se a racha existente no computador, que alegadamente “surgiu” cerca de quinze dias após a receção do computador, é um defeito, sendo certo que o demandante não provou nada mais do que isto. O caso em apreço, é semelhante a duas situações julgadas pelas instâncias e que chegaram ao STJ, em que ocorreu um incêndio em duas viaturas, numa em andamento e noutra estando devidamente estacionado . Assim, com a devida vénia, transcrevemos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 20 de março de 2014, no Processo n.º 783/11.2TBMGR.C1.S1: “Alega o A. que provou o defeito (isto é, o incêndio), não lhe pertencendo o ónus de provar a sua causa. Ora, se é certo que não tinha de demonstrar a causa do defeito, competia-lhe, no entanto, provar o defeito. Acontece que o incêndio não é um defeito, uma falta de qualidade, um deficiente funcionamento, é, antes, a consequência de um processo causal anterior e é no interior desse processo causal que há-de encontrar-se o defeito, isto é, o facto concreto (curto-circuito, ligação mal efectuada, instalação eléctrica com comportamento anormal, etc., etc..), a partir do qual se deduz a falta de qualidade e a inexistência do desempenho que seria, nas circunstâncias, expectável, o que, por sua vez, faz presumir a desconformidade da coisa (automóvel, no caso) com o contrato. (….) Diz ainda o A. que, de um veículo automóvel se espera que não arda, mesmo que imobilizado. É certo que não é suposto que os automóveis se incendeiem, sobretudo quando estão estacionados, com o sistema de ignição desligado, mas a verdade é que tal aconteceu, sem que o A. impute a ocorrência (e prove a imputação) a um específico defeito ou deficiência de funcionamento que, independentemente da prova da sua causa (causa do defeito), e de acordo com as regras da experiência comum e do bom senso, indicie uma falta de qualidade e desempenho anormal, em função do que razoavelmente seria de esperar de uma coisa daquela natureza. Ora, as mesmas regras da experiência comum e o bom senso, revelam que um veículo automóvel, dotado de todas qualidades normais que lhe são características, com desempenho também perfeitamente normal, pode, não obstante, incendiar-se por motivos absolutamente alheios e exteriores ao próprio veículo, designadamente, por acção de terceiro ou caso fortuito. Quer dizer que a ocorrência do incêndio pode ocorrer e ocorre, de facto, na vida real, mesmo na ausência de qualquer defeito ou deficiência de funcionamento. Por isso, do incêndio do veículo, só por si, desacompanhado da prova da existência de defeito (repete-se, o incêndio não consubstancia qualquer defeito) não pode deduzir-se a falta de qualidades e de desempenho habituais a que se refere o nº 2, d) do Artº 2 do D.L. 67/2003, ou a falta de conformidade ou adequação prevista nas alíneas a) b) e c) do preceito.” Ora, se substituir – mos as referências ao incêndio pelas referências feitas, no caso em apreço, à rachadela ou quebra do ecrã, esta é a apreciação que fazemos no caso dos autos, o que conduz à improcedência da pretensão do demandante.

Decisão.
Em face do exposto, considero a presente ação improcedente por não provada e em consequência declaro a demandada absolvida do pedido.

Custas.
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada nos seus n.ºs 6.º e 10.º pela Portaria n. 209/2005, de 24 de Fevereiro, considero o demandante parte vencida, pelo que deve proceder ao pagamento da quantia de €35,00, correspondentes à segunda parcela, no prazo de três dias úteis, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de €10,00 por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no n.º 9 da referida portaria em relação à demandada.
Julgado de Paz de Lisboa, em 26 de setembro de 2017
A Juíza de Paz

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Maria Judite Matias