Sentença de Julgado de Paz
Processo: 195/2018-JPLSB
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL – REPARAÇÃO – DIREITOS DO CONSUMIDOR.
Data da sentença: 11/30/2018
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 195/2018 JPLSB
Objeto: Responsabilidade civil contratual – reparação – Direitos do consumidor.

Demandante: A.
Mandatária: Sr.ª Dr.ª B.

Demandada: C.

RELATÓRIO:
O demandante, devidamente identificado nos autos, intentou contra a demandada, também devidamente identificada nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que a demandada seja condenada a restituir-lhe o seu telemóvel no estado em que lho entregou ou, em alternativa, condenada a entregar-lhe um telemóvel com características identificas ao seu e em bom estado de funcionamento, em substituição do seu e, sempre, a pagar-lhe indemnização não inferior a € 200 (duzentos euros). Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 10 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que em finais de janeiro, princípios de fevereiro de 2017, entregou à demandada, para reparação (colocação do vidro do ecrã que se encontrava danificado), um telemóvel marca …, modelo …. A demandada procedeu à reparação, tendo substituído o vidro, sem custos para o demandante, por se encontrar durante o período de garantia de reparação anterior. Porém, o demandante verificou que o botão “home” não funcionava, tendo um funcionário da demandada o informado que a situação não era anormal, que iria enviar o telemóvel para o fornecedor, pois nessas circunstâncias era feita a troca do telemóvel. Decorridas duas semanas, é informado que o telemóvel tinha sido substituído e que o poderia ir buscar, o que o demandante fez, tendo-lhe sido exigido o pagamento de € 349 (trezentos e quarenta e nove euros), o que o demandante não aceitou, já que nunca o informaram que a substituição do telemóvel teria tal custo. Pediu, então, a devolução do seu telemóvel, tendo-lhe sido, com vista a essa devolução, exigido o pagamento da quantia de € 600 (seiscentos euros), o que o demandante também não aceita. Juntou procuração forense e 4 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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Regularmente citada, a demandada não contestou.
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O demandante aderiu à mediação, tendo sido agendada data para realização da sessão de pré mediação, à qual a demandada faltou, não tendo justificado a sua falta. Foi, então, marcada data para realização da audiência de julgamento, tendo as partes, e mandatária, sido devidamente notificadas. A demandada reiterou a falta, não tendo justificado a sua falta. Foi marcada nova data para realização da audiência de julgamento, da qual as partes, e mandatária, foram, outra vez, devidamente notificadas. A demandada reiterou a falta.
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Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 500 (quinhentos euros).
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 – A demandada é uma sociedade comercial que se dedica à reparação, manutenção e comércio de equipamentos electrónicos, informáticos e de telecomunicações.
2 – Em finais de janeiro, princípios de fevereiro, de 2017, o demandante entregou à demandada um telemóvel marca …, modelo …, para reparação: colocação do vidro do ecrã que se encontrava danificado.
3 – A demandada substituiu o vidro do telemóvel, sem custos para o demandante, por se encontrar em período de garantia de reparação anterior.
4 – Entregue o telemóvel ao demandante, o mesmo verificou que o botão “home” não funcionava correctamente.
5 – Tendo um funcionário da demandada informado o demandante que a situação não era anormal e que iria enviar o telemóvel para o fornecedor, pois nessas circunstâncias era feita a troca do telemóvel.
6 – Decorridas duas semanas, o demandante é informado que o telemóvel tinha sido substituído e que o poderia ir levantar.
7 – O que o demandante fez.
8 – A demandada exigiu ao demandante o pagamento de € 349 (trezentos e quarenta e nove euros).
9 – O que o demandante não aceitou.
10 – A demandada não informou o demandante que a substituição do telemóvel teria o custo referido no número 8 supra.
11 – Consequentemente, o demandante pediu à demandada a devolução do seu telemóvel.
12 – A demandada informou o demandante que para o seu telemóvel lhe ser restituído teria de pagar a quantia de € 600 (seiscentos euros).
13 – O que o demandante também não aceitou.
14 – O demandante apresentou no livro de reclamações da demandada a reclamação a fls. 11 e 12 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
15 – O demandante apresentou reclamação junto do centro de arbitragem e conflitos de consumo de Lisboa, não tendo a demandada aderido à arbitragem.
16 – Desde fevereiro de 2017 o demandante está privado de usar o seu telemóvel.
Não ficou provado:
Não se provaram mais factos com interesse para a decisão da causa.
Motivação da matéria fática:
Para fixação da matéria fática dada como provada concorreram os documentos juntos aos autos e a cominação legal prevista no n.º 2, do artigo 58.º, da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, que prescreve: “Quando o demandado, tendo sido pessoal e regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita, nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
Dos factos dados como provados retira-se que entre demandante e demandado foi celebrado uma modalidade do contrato de prestação de serviços, em concreto, um contrato de empreitada, definido como o “(…) o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço” (cfr. artigo 1207º, do Código Civil - C.C.), por via do qual o demandado obrigou-se a executar os trabalhos de reparação do telemóvel do demandante, substituindo o vidro do telemóvel, sem custos para o demandante, por se encontrar em período de garantia de anterior reparação. É obrigação do empreiteiro – aqui demandada – executar a obra em conformidade com o convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (cfr. art.º 1.208º do Código Civil). No âmbito da responsabilidade contratual, provada a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação contratual “o devedor (...) torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”. (artigo 798º, do Código Civil), estabelecendo a lei uma presunção de culpa do devedor, sobre o qual recai o ónus da prova, isto é, o devedor terá de provar que “a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua” (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil). Ou seja, em ação ancorada na responsabilidade obrigacional, presumindo a lei a culpa do devedor em sede de inexecução da obrigação, ou incorrecta ou indevida execução, não é o credor que tem de provar que o devedor procedeu com culpa, antes é este último que tem de provar que não houve culpa da sua parte.
Porém, à relação em apreço, atenta a natureza e qualidade das partes (consumidor e vendedor, ou seja, quanto a este último, pessoa que exerce com carácter profissional a actividade económica em causa), é aplicável a legislação sobre defesa do consumidor, a Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, com a redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.
A Lei de Defesa do Consumidor aplica-se aos contratos de fornecimentos de bens e de prestação de serviços ou da transmissão de quaisquer direitos, apenas no âmbito dos contratos de consumo, ou seja, daqueles que envolvem actos de consumo, que vinculam o consumidor a um profissional (produtor, fabricante, comerciante, ..). E embora numa primeira análise pareça que o citado Decreto-Lei nº 67/2003 é aplicável somente ao contrato de compra e venda, tal não se verifica, sendo aplicável também, e nomeadamente, aos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir, e, no que a este caso interessa, à prestação de serviços acessória da compra e venda (cfr. artigo 2.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 67/2003).
Prescreve a Lei de Defesa do Consumidor, no seu artigo 4.º, que “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor; tal Lei, complementada pelo prescrito no já citado Decreto-Lei n.º 67/2003 (na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio) que, além de presumir os casos em que os bens de consumo não são conformes com o contrato (n.º 2 do artigo 2.º), responsabiliza o vendedor pela falta de conformidade do bem no momento da sua entrega, presumindo-se que as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois anos (no caso de coisas móveis) a contar da data de entrega, já existiam nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade do bem (artigo 3º), prescrição com importantes reflexos a nível do ónus da prova: o comprador apenas terá de alegar e provar o mau funcionamento da coisa durante o prazo de garantia, sem necessidade de alegar e provar a específica causa do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega, enquanto que o vendedor, para se ilibar da responsabilidade, terá de alegar e provar que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega, imputável ao comprador, ou a terceiro, ou é devida a caso fortuito.
Aqui aportados, e analisada a prova produzida, resultou provado que o demandante entregou á demandada o seu telemóvel para esta reparar, o que esta não fez correctamente já que o botão “home” não funcionava correctamente, tendo a demandada informado o demandante que a situação não era anormal e que iria enviar o telemóvel para o fornecedor, pois nessas circunstâncias era feita a troca do telemóvel. Porém, não o informou que tal substituição implicaria custos para o consumidor, no montante de € 349 (trezentos e quarenta e nove euros), o que só o informa quando vai levantar o seu telemóvel. E, não tendo o demandante aceitado proceder ao seu pagamento e pedindo, então, a restituição do seu telemóvel, a demandada informa-o que só o fará mediante o pagamento da quantia de € 600 (seiscentos euros). Ora, a conduta da demandada não tem qualquer fundamento compreensível e é inaceitável, já que estava obrigada a proceder às operações de reparação do telemóvel do demandante sem qualquer custo para este e, no caso da reparação não ser possível, proceder à substituição do telemóvel, também sem qualquer custo para o consumidor. E, ao não o faz, andou mal, assistindo, assim, ao demandante o direito de não pagar o custo da substituição do seu telemóvel, bem como a demandada lhe substitua o seu telemóvel por outro de idênticas características e em bom estado de funcionamento ou, em alternativa, lhe entregue o seu telemóvel também sem qualquer custo para o demandante.
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Peticiona ainda o demandante peticiona ainda a condenação da demandada no pagamento de uma indemnização no montante de € 200 (duzentos euros), por privação do uso do seu telemóvel.
Nos termos do art.º 12.º, da Lei do Consumidor, o consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da venda de bens defeituosos e a obrigação de indemnizar visa a reconstituição da situação que existiria na esfera jurídica do lesado, no caso de não se ter verificado o evento que obriga à reparação. São assim, indemnizáveis, os danos de carácter patrimonial (quer os prejuízos emergentes quer os lucros cessantes, sejam danos presentes ou futuros, nos termos dos nºs 1 e 2 do art.º 564.º, do C.C.) e os de carácter não patrimonial (estes apenas no caso de mereceram a tutela do direito, nos termos do nº 1 do art.º 496.º do C.C.).
Quanto à questão da privação de uso de bens pelo seu proprietário seguimos, a par da maioria da nossa mais recente Jurisprudência e Doutrina, que a privação de uso de um veículo constitui por si só, autonomamente, um dano indemnizável sem necessidade de comprovação de prejuízos concretos (cfr. António Abrantes Geraldes, in “Indemnização do Dano de Privação do Uso”, pág. 33-41; Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, vol. I, pág. 269 e Ac. do STJ de 9.06.1996, in BMJ 457, pág. 325; Ac. Rel. do Porto de 5.02.2004, in CJ. 2004, Tomo 1, pág. 178; Ac.do STJ de 13.12.2007 e Ac do STJ de 6.05.2008, ambos in www.dgsi.pt.). Na verdade, entendemos que durante o período em que uma pessoa está privada de usar, fruir e gozar determinada coisa da sua propriedade, existe uma lesão directa do seu direito de propriedade, uma vez que o proprietário vê-se impossibilitado de usar, fruir e gozar um bem de sua propriedade, vendo-se privado de dele retirar as utilidades que presidiram à sua aquisição, ocorrendo uma lesão de um direito absoluto.
Entendemos, também, que a simples possibilidade de usar, fruir e gozar um bem constituiu uma vantagem patrimonial susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a privação do uso constitui um dano patrimonial, atento o disposto no art.º 1305.º do Código Civil, indemnizável por força do disposto nos artºs 483.º e 562.º e seguintes do mesmo Código, e que, mesmo na falta de elementos concretos que permitam quantificá-lo, ou na falta de alegação ou prova da impossibilidade de utilizar outro bem durante o período de privação, não pode deixar de ser ressarcido, com apelo à equidade, ou seja, ao prudente arbítrio do julgador, ponderadas as circunstâncias do caso, cfr. art.º 566.º n.º 3 do Código Civil.
E, nos tempos que correm, a utilização de um telemóvel faz parte, e é indispensável, ao normal decurso da vida profissional, familiar e social de praticamente todos os cidadãos, não sendo de desprezar os transtornos, aborrecimentos e perturbações que a privação do uso de um telemóvel pode causar a quem o utiliza diariamente.
Assim, quanto a esta questão, consideramos ser manifesto que o demandante teve danos e limitações no exercício do seu direito de propriedade decorrentes da impossibilidade de usar o seu telemóvel. Quanto ao montante indemnizatório, atento o bem em causa, os montantes fixados pela jurisprudência e a falta de contestação da demandada, consideramos justo e equilibrado, o montante indemnizatório diário peticionado pelo demandante, fixando, assim, em € 200 (duzentos euros) o montante a indemnizar.
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DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente ação procedente, por provada e, consequentemente, condeno a demandada a substituir o telemóvel do demandante por outro de idênticas características e em bom estado de funcionamento e a entrega-lo ao demandante ou, em alternativa, a restituir ao demandante o telemóvel que este lhe entregou, sempre sem qualquer custo para o demandante. Mais a condeno a pagar ao demandante indemnização no montante de € 200 (duzentos euros).
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CUSTAS
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de dezembro, a demandada é condenada nas custas, que ascendem a € 70 (setenta euros), devendo proceder ao seu pagamento, neste Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no número 9 da mesma portaria, em relação ao demandante.
Decorridos vinte dias sobre o termo do prazo acima concedido, sem que se mostre efetuado o pagamento, emita-se a respetiva certidão para efeitos de execução por falta de pagamento de custas, e remeta-se aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo Local Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa, pelo valor das custas em dívida, acrescidas da respetiva multa, com o limite previsto no n.º 10 da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, com a redação que lhe foi atribuída pela Portaria nº 209/2005, de 24 de fevereiro.
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A presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária – art.º 18.º da LJP) foi proferida e notificada ao demandante, nos termos do artigo 60.º, da LJP, que ficou ciente de tudo quanto antecede.
Remeta-se cópia à demandada.
Registe.
Após trânsito, e encontrando-se as custas processuais integralmente pagas, arquivem-se os autos.
Julgado de Paz de Lisboa, 30 de novembro de 2018
A Juíza de Paz,

(Sofia Campos Coelho)