Sentença de Julgado de Paz
Processo: 5/2018-JPPNI
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: COMPRA E VENDA DE IMÓVEL
RESERVA DE PROPRIEDADE
Data da sentença: 05/25/2018
Julgado de Paz de : PENICHE - OESTE
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO:
A, melhor identificado a fls. 1 e 3 dos autos, propôs, em 4 de Janeiro de 2018, a presente acção declarativa de condenação, contra B igualmente melhor identificado a fls. 1 e 3, pedindo que este seja condenado a:
- Proceder á remoção da tranca que se encontra colocada no portão da garagem e retirar do interior os seus pertences;
-A colocar as tubagens de abastecimento de água nas condições em que se encontravam à data da outorga da escritura de compra e venda do imóvel;
- A retirar os animais que se encontram no logradouro e coloca-lo nas condições em que se encontrava á data da escritura de compra e venda;
- A pagar-lhe a quantia de 1000,00€ pelos danos causados no logradouro que implicam uma limpeza e desinfecção ao mesmo.
- A pagar-lhe a quantia de 4.000,00 € (Quatrocentos euros), a titulo de danos causados nos móveis da cozinha do rés-do-chão, implicando a sua substituição integral.
-A pagar-lhe 10.000,00 a titulo indemnizatório por, com a sua conduta inviabilizar o arrendamento da fracção do primeiro andar. (rendas não obtidas á razão de 400,00€/mês desde Outubro de 2015).
Para tanto, alegou os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 3 a 17, que se dá por reproduzido. Regularmente citado, com a colaboração da GNR – Posto Territorial de Peniche, para contestar, no prazo, querendo, o Demandado nada disse.
Tendo o Demandante aceite o recurso à Mediação para resolução do litigio, foi agendado o dia 12 de Abril de 2018 para a realização da sessão de Pré-Mediação, a qual não se realizou por falta, injustificada, do Demandado, pelo que foi designado o dia 15 de Maio de 2018 para a realização da Audiência de Julgamento.
Aberta a Audiência e estando apenas presentes o Demandante acompanhado da sua Ilustre Mandatária Dr.ª C, foi esta suspensa, ficando os autos a aguardar o decurso do prazo para a justificação de falta, por parte dos Demandada, nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do Art.º 58.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, designando-se, desde logo, a presente data para a sua continuação. O Demandado não justificou a sua falta à Audiência de Julgamento, pelo que se profere sentença.
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Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir:
Valor da acção: 15.000,00€

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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A prova produzida resulta do efeito cominatório decorrente do artigo 58.º, n.º 2 da LJP, que regula os efeitos das faltas, aí se referindo “Quando o demandado, tendo sido pessoal e regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita, nem justificar a falta no prazo de três dias consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.”
Teve-se ainda em consideração o teor dos documentos juntos aos autos pela Demandante, constantes de fls. 18 a 60 que se dão por reproduzidos.
Assim, consideram-se provados os seguintes factos:
1 – Por escritura pública datada de 30 de Setembro de 2015, demandante e demandado celebraram a compra e venda com reserva de propriedade do prédio urbano sito no D, -- , Ajuda, Peniche , descrito na Conservatória do Registo Predial de Peniche sob o n.º E e inscrito na respectiva matriz sob o artº F da freguesia de Peniche;(doc. fls.19 a 22)
2 – Pelo preço de 115.000,00€ pago mediante cem prestações mensais de 300,00€ cada uma e oito prestações anuais no montante de 10.000,00€ e uma última prestação de 5000,00€;
3 - O imóvel é composto por uma casa de rés-do-chão e primeiro andar com 5 divisões em cada andar, arrecadação anexa e logradouro;
4 – Até integral pagamento o demandado reservou para si a propriedade do bem vendido e até que se encontre pago metade do preço, ficou ainda estabelecido que o demandado tem o direito a habitar, sem qualquer pagamento ou contrapartida, o rés-do-chão do prédio vendido;
5 – O imóvel descrito em 1 encontra-se inscrito a favor do demandante no Serviço de Finanças (doc. fls. 24)
5 – O demandado colocou, no portão da garagem, uma tranca com um cadeado impedindo o acesso do demandante;
6 – O demandado retirou parte do cano de abastecimento de água que faz a ligação à torneira de segurança situada na garagem, deixando sem água a cozinha do primeiro andar;
7 – O demandado fechou uma outra torneira de segurança sita no logradouro e retirou o contador que aí se encontrava , deixando sem água a casa de banho do primeiro andar;
8 – O demandado mantinha dois cães - actualmente apenas um - de grande porte , de raça pastor alemão acorrentados junto á torneira do logradouro;
9 – O demandante teve de socorrer-se da ajuda de terceiros para afastar os cães e poder aceder à torneira de segurança;
10 – O demandante chamou os SMAS assumindo todas as despesas inerentes ao serviço de restabelecimento da ligação do abastecimento de água á casa de banho do primeiro andar;
11 – A cozinha que se encontra no rés-do-chão da habitação é composta por uma mobília de madeira maciça e á data da celebração da escritura encontrava-se em boas condições;
12 – O demandado trancou no interior da cozinha referida em 11, um cão de porte médio, de raça Pitbull que danificou os móveis ali existentes, ficando estes inutilizáveis;
13 – O custo de novo mobiliário de cozinha é de 4.000,00€.
13- O demandado não cuida da alimentação e higiene dos animais que se encontram no logradouro do prédio;
14- Os animais fazem as necessidades no logradouro causando um cheiro nauseabundo;
15 – Os animais conseguem deslocar-se até ás escadas de acesso ao primeiro andar , ali fazendo as suas necessidades;
16 – O demandante comprou o imóvel com o intuito de o arrendar;
17 – Em Outubro de 2015 o demandante solicitou junto de vários agentes imobiliários a mediação do primeiro andar com vista ao seu arrendamento, pelo valor de 400,00€mensais;
18 – Dos agentes imobiliários contratados pelo demandante alguns recusaram a mediação do imóvel perante as condições de higiene em que se encontrava o logradouro.
19 – O demandado é talhante de profissão e teve um talho no concelho de Peniche;
20 – Num recanto do logradouro, o demandado defumava chouriços e linguiças para comercialização;
21 – O que causava um cheiro nauseabundo e uma pandemia de moscas e outros insectos no logradouro, tendo o demandante denunciado a situação á ASAE, que mandou retirar os produtos alimentares;
22 –O demandado acumula lixo e sucata no logradouro do prédio;
23 – O prédio está situado numa zona central.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
Vejamos se da matéria assente, o demandado pode ser responsabilizado pelos prejuízos sofridos pelo demandante, no que diz respeito a danos emergentes e lucros cessantes.
São pressupostos da responsabilidade civil:
- a ocorrência de um facto, ou seja, uma acção humana sob o domínio da vontade;
- a ilicitude, isto é, a violação de direitos subjetivos absolutos ou de normas que visem tutelar interesses privados;
- a culpa do agente que praticou o facto, ou seja, o juízo de censura ou reprovação que o Direito faz recair sobre o lesante porquanto agiu ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma
- e, por fim, um nexo de causalidade entre esse facto e o dano provocado, de acordo com a teoria da causalidade adequada.
A responsabilidade civil, em regra, pressupõe a culpa, a qual se traduz numa determinada posição, actuação ou omissão do agente perante o facto. Para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade, é necessário que o agente tenha agido com dolo ou mera culpa, como dispõe o art.º 483º, n.º 1 do Código Civil.
No caso, afigura-se-nos inegável a verificação de todos os aludidos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do demandado, que violou, ilícita e culposamente (artº 483º do CC), o direito de propriedade do demandante, causando-lhe (nexo causal) danos patrimoniais.
Desde logo, o impedimento de acesso do demandante ao prédio, viola o direito adquirido por este nos termos exarados na escritura pública junta aos autos.
Aliás poderíamos também equacionar se os factos descritos e tidos por confessados, poderiam igualmente configurar responsabilidade contratual, na medida em que os contratos devem ser cumpridos de acordo com os ditames da boa fé e a conduta evidenciada pelo demandado põe em causa aquilo a que contratualmente se obrigou, ou seja, a transmitir o direito de propriedade do prédio em causa para o demandante.
Na verdade, a reserva de propriedade apenas implica o diferimento da produção do efeito real, produzindo-se, em regra, todos os demais efeitos. Consequentemente, a menos que as partes convencionem diferentemente, a coisa passa, por força do contrato, para a posse do comprador, que dispõe dela em nome próprio e no seu interesse, sendo ele que, sob o ponto de vista económico, tem o domínio da coisa, competindo-lhe cuidar dela de modo a evitar a sua perda ou deterioração, ou precaver-se contra tal risco.
No caso, as partes apenas convencionaram uma restrição à plena posse do demandante e que diz respeito ao rés do chão do prédio, onde o demandando tem o direito a habitar até lhe ser pago metade do preço total convencionado.
No que diz respeito ao restante prédio, não poderia o demandado restringir qualquer acesso, como fez, e muito menos produzir danos.
A limitação do acesso á garagem e sua utilização e a impossibilidade de acesso ao logradouro (pela presença dos cães) restringe o direito do demandante, de forma abusiva.
Por outro lado, o corte de abastecimento de água ao primeiro andar determina a sua inabitabilidade.
Da mesma forma, os danos verificados na cozinha do rés-do-chão causados por um cão que o demandado ali trancou, serão danos indemnizáveis, porquanto se encontram reunidos os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana e consequente obrigação de indemnizar.
Resultou ainda provado que o demandante tinha intenção de arrendar o primeiro andar do prédio em causa e que com as condutas descritas e com a falta de higiene e salubridade dos espaços, se viu impedido de proceder ao referido arrendamento.
Todos os relatados danos se repercutem na esfera jurídica do demandante e constituem um prejuízo para si.
Nos termos do disposto no art. 562º CC,” quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existia, senão se tivesse verificado o evento que obriga á reparação”.
Assim, desde logo procedem os pedidos de reconstituição dos espaços ao seu status quo ante ou seja o demandado deverá colocar novamente as tubagens que retirou por forma a restabelecer o normal abastecimento de água.
Da mesma forma, não pode limitar o acesso á garagem, pelo que deverá retirar quer a tranca e cadeado que ali colocou, bem assim como retirar todos os seus pertences que impossibilitam o seu normal uso.
No que diz respeito ao logradouro, o aqui demandante formula dois pedidos, em nosso entendimento incompatíveis. Peticiona o demandante que o demandado proceda á retirada dos animais e que coloque o logradouro nas condições em que se encontrava á data da escritura. Para tanto terá necessariamente que proceder á limpeza e desinfeção do espaço. Por outro lado, o demandante requer o pagamento de 1000,00€ para proceder a essa mesma limpeza.
Compreendendo os pedidos como alternativos e não como cumulativos (porquanto incompatíveis entre si), haveremos de decidir pela reconstituição natural, nos termos do disposto no art. 566º do Código Civil.
No que diz respeito á retirada do cão do logradouro, diga-se que do contrato celebrado resulta que o demandado tem o direito de habitar o rés-do-chão do prédio, nada se dizendo quanto ao logradouro do prédio. Havemos, pois, de nos socorrer da interpretação do contrato bem como do documento junto aos autos a fls 24 – caderneta predial urbana.
Pese embora não esteja constituído em propriedade horizontal, o prédio em causa nos autos tem duas casas de habitação de utilização independente, sendo certo que o logradouro será comum a ambas. Assim, ao acordarem as partes atribuírem o direito de habitação do demandado ao rés-do-chão, pressupõe a possibilidade de utilização daquele espaço.
O que não quer isto dizer que o demandado o possa utilizar a seu belo prazer, e muito menos que ali deposite lixo, não cuide devidamente dos animais e da higiene do espaço, ali confecione chouriços e linguiças. Entende o tribunal que o demandado tem feito um uso imprudente e ilícito do espaço, situação que naturalmente deve cessar, porquanto é causadora de danos e impediente da sua utilização pelo demandante ou eventuais inquilinos que venham habitar o 1º andar.
Pelo que, sendo o animal da pertença do demandado e tendo este a possibilidade de utilizar o logradouro não se determinará a sua retirada, devendo, no entanto, este cumprir com os seus deveres legais enquanto proprietário do cão e zelar pelas condições de boa vizinhança e convivência.
Da mesma forma são indemnizáveis os danos que o demandado causou na cozinha do rés do chão, no valor peticionado, que se considera adequado á aquisição de novo mobiliário, porquanto o ali existente se encontra destruído pelo animal que ali esteve trancado.
Analisando agora o pedido pelos lucros cessantes, digamos o seguinte:
Resulta provado nos autos que o demandante adquiriu o prédio com o intuito de o rentabilizar, recorrendo ao arrendamento, e que o motivo pelo qual não o logrou fazer, prende-se com as várias condutas do demandado supra descritas, nomeadamente o corte de abastecimento de água e a utilização que vem sendo feita do logradouro do prédio.
Nos termos, do art. 562.º do C.C., sempre que alguém esteja obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria se não fosse a lesão, incumbindo ao responsável a reparação de todos os danos, que estejam em conexão causal com o facto gerador da responsabilidade-art.563º do C.C.
O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
Como anotam P. Lima e A. Varela, in Cód. Civil Anotado, Coimbra Editora, Vol. I, 3ª ed., pág. 549, com citação de Vaz Serra, na RLJ, Ano 112º, págs. 325 e seguintes, os danos futuros “tanto podem representar danos emergentes como lucros cessantes”.
Resultando provado que o demandante deu inicio ás diligências tendentes ao arrendamento em Outubro de 2015, bem como o valor locatício de 400,00€ mensais procederá o pedido a este título, até á cessação do dano.

DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente acção parcialmente procedente, porque provada, decido condenar o Demandado a:
A) Remover a tranca e cadeado do portão da garagem e retirar do seu interior os seus pertences;
B) Colocar as tubagens de abastecimento de água nas condições em que se encontravam à data da celebração da escritura de compra e venda, permitindo o normal abastecimento de água ao primeiro andar;
C)Proceder á total limpeza e desinfecção do logradouro do prédio, retirando lixo e sucata;
D) A pagar ao Demandante a quantia de 14.000,00€ (catorze mil euros) pelos danos produzidos na cozinha do rés do chão e lucros cessantes verificados;
E) A pagar ao Demandante a quantia de 400,00€ mensais a título de lucros cessantes até que se mostre cumprido o determinado em A) B) e C)

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As custas a cargo do demandado e demandante na proporção do respectivo decaimento que se fixa em 93% e 7% respetivamente, que deverão ser pagas num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, incorrendo numa sobretaxa de €10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efectivo cumprimento dessa obrigação, conforme disposto nos números 8.º e 10.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, com a alteração constante da portaria nº 209/2005 de 24 de Fevereiro.
Proceda ao reembolso em conformidade.
Registe e notifique.
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Bombarral, 25 de Maio de 2018
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.)
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(Cristina Eusébio)