Sentença de Julgado de Paz
Processo: 1033/2016-JP
Relator: MARIA JUDITE MATIAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL - CONTRATAÇÃO POR TELEFONE
Data da sentença: 09/06/2017
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral:

Sentença
Processo n.º1003/2016 -JP
Matéria: Responsabilidade civil.
(alínea H) do n.º 1, do art. 9º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de Julho).
Objecto: Contratação por telefone.
Valor da acção: €6.000,00 (seis mil euros).

Demandantes:
1) A, Rua -------------------------------------------------------------- Loures;
2) B, residente na Praça ---------------------------------------- Loures.
Mandatário: Dra. C, com domicílio profissional em Rua ------------- Loures.

Demandados:
1) D - S.A., com sede na Rua ----------------------------------- Lisboa;
Mandatário: Dr. E, Advogado, com domicílio profissional na Rua ------------------------------------------------------------------ Lisboa.
2) F S.A., com sede na Rua ---------------------------------- Lisboa;
Mandatária: Dra. G, Advogada, com domicílio profissional na Rua --------------------------------------------------------------- Lisboa.
3) H – Comercializadora De Energia, S.A., com sede na Rua ------------------------------ Vila Real.
Mandatário: Dr. I, Advogado, com domicílio profissional na Rua-------------------------------------------- Porto.

Do requerimento inicial: Fls. 1 a 10.
Pedido: Fls.10.
Junta: 29 documentos.
Contestação: Foi apresentada contestação por cada uma das demandadas, respectivamente,
A fls. 79 a 82;
A fls. 51 a 57;
A fls. 85 a 86V.
Tramitação:
Os demandantes recusaram a mediação.
Foi marcada audiência para o dia 05 de junho de 2017, pelas 10h, sendo as partes devidamente notificadas para o efeito.
Audiência de Julgamento.
A audiência decorreu conforme acta de fls. 123 a 125.
***
Fundamentação fáctica.
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1 – Desde 16 de novembro de 1991, o segundo demandante mantém em vigor consecutivos contratos de fornecimento de energia eléctrica sendo o local de consumo a sua residência, sita na Praça de B, em Loures (não foi contraditado);
2 – Entre 20 de dezembro de 2012 e 13 de março de 2016, vigorou o contrato n.º ------------- celebrado com o comercializador F Comercial (afirmado pela demandada F, ponto 21 da contestação, não contraditado);
3 – Em março de 2016, através de contacto telefónico promovido pela demandada terceira demandada, doravante H, com vista à angariação de clientes, esta empresa deu por validamente celebrado o contrato n.º 9019026748, com inicio em 14 de março de 2016 (não contraditado);
4 – Em Março de 2016, em data não apurada, o segundo demandante recebeu uma carta da H, a felicitá-lo pela escolha e a dar-lhe as boas vindas (afirmado pelos demandantes que não juntaram o respetivo documento);
5 – Em 17 de maio de 2016, o primeiro demandante, dirige um e-mail à H dizendo que o pai, aqui segundo demandante, tem 84 anos e que jamais faria qualquer contratação sem o seu conhecimento, e que o pai não autorizou quaisquer alterações junto do anterior fornecedor (cfr. fls. 11 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
6 – Na sequência de várias reclamações feitas junto da H, esta demandada, em 27 de maio de 2016, reconheceu que a sua colaboradora que contatou o segundo demandante não tinha agido em conformidade com as orientações da empresa e que procederiam à anulação de toda a facturação por si emitida até ao dia 30 de junho de 2016, não devendo ser feito qualquer pagamento (cfr. doc. de fls. 15, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
7 – Na sequência da retratação da H o primeiro demandante fez um acordo por escrito com esta demandada (ponto 11 do R.I.);
8 – Em 08 de junho de 2016 o primeiro demandante, reclama junto da H alegando que lhe foi cortado o gás indevidamente (cfr. fls. 16, cujo teor se dá por reproduzido);
9 – Em 09 de junho de 2016 o primeiro demandante reitera junto da demandada H a reclamação relativa ao corte de gás (cfr, fls. 22, cujo teor se dá por reproduzido);
10 - Em 09 de junho de 2016 o primeiro demandante apresentou uma reclamação junto da ERSE relativa ao corte de gás, entidade que responde no mesmo dia a encaminhar a resolução do conflito para os meios alternativos (cfr. fls. 20 e 21, e fls. 25 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido);
11 – Em 11 de julho de 2016 a H emitiu um aviso de corte de energia, com data de execução prevista para 31 de julho de 2016, alegando falta de pagamento da fatura n.º 201601107664, no montante de €17,93, reportada a consumo de electricidade do mês de junho (cfr. fls. 38, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
12 – Em 08 de agosto de 2016 o fornecimento de electricidade foi cortado e o primeiro demandante envia e-mail à demandada H a reclamar que cortaram a electricidade indevidamente na residência do pai, aqui segundo demandante, reclamação que reitera no mesmo dia, explicando que a facturação até ao final do mês de junho de 2016 não era para pagar, conforme decidido pela própria H (cfr. fls. 27, 28, 31 e fls. 34, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

Factos não provados.
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se não provados os factos não consignados, nomeadamente não se considera provado:
1 – Que os demandantes tenham despendido a quantia de €1.000,00 com taxas de justiça e honorários de advogado.

Motivação.
Para tanto concorreu os documentos apresentados e referidos nos respectivos factos, a confirmação dos mesmos pelo primeiro demandante o que não foi contraditado pela H, sendo que a testemunha por si apresentada confirmou o comportamento desconforme da comercial que deu por realizado um contrato com o segundo demandado sem que este tivesse manifestado vontade nesse sentido, a qual esclareceu que mau grado tivessem pedido urgência no religamento dos serviços após os cortes indevidos, os procedimentos das empresas envolvidas não permitiu a religação imediata.

Da alegada ilegitimidade do primeiro demandante.
A demandada F apresentou contestação a fls. 51 e segs, na qual alega que o primeiro demandante é parte ilegítima, porquanto, estando em causa contratos de fornecimento de energia eléctrica celebrados em nome do segundo demandante, a haver incumprimento ou quaisquer danos seriam os mesmos reportados ao segundo demandante e não ao primeiro. Vejamos.
A legitimidade processual é um pressuposto de cuja verificação depende o conhecimento do mérito da causa e afere-se pelo interesse direto em demandar e pelo interesse directo em contradizer, conforme determina o artigo 30º, nº 1, do Código de Processo Civil, na redacção dado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, doravante CPC, aplicável ex vi artigo 63º, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei 54/2013, de 31 de julho, doravante LJP. Estabelece o n.º 3, do referido artigo 30.º, que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor. Decorre deste normativo que, há que atender à substância do pedido formulado e à concretização da causa de pedir, de tal maneira que, partes legítimas na acção, são os sujeitos da relação jurídica, em crise. Ora, se é verdade que a relação jurídica em crise, no plano contratual, tem como sujeitos o segundo demandante e a demandada H, não é menos certo que os factos em apreço extravasam a relação contratual, na qual, é bom lembrar, o primeiro demandante interveio em representação do segundo demandante, seu pai, pessoa idosa, com 84 anos, abrangendo factos porventura enquadráveis na responsabilidade civil extra contratual, questões suscetíveis de apreciação em sede de mérito da causa, dependentes da prova que se considere. Ou seja, face à amplitude do referido artigo 30.º do CPC, é de admitir que, pela sua intervenção, cuja envolvência é admitida pela demandada H, o primeiro demandante tenha interesse em demandar, pelo que considero improcedente a alegada exceção de ilegitimidade.

Do Direito.
Dos factos supra dados por provados, resulta que estamos perante um litígio cuja génese decorre de um contrato celebrado via telefone, inquinado por falta de vontade em contratar, mas que deu origem à celebração posterior de um contrato válido, a partir do momento em que os demandantes, após negociação do primeiro demandante, em nome do segundo demandante, seu pai, decidem fazer o acordo a subjacente aos factos 6 e 7. Ou seja, não sendo os demandantes claros quanto aos termos do “acordo escrito” feito com a demandada H, é de presumir, com toda a segurança, que esse tal acordo se traduz num contrato de fornecimento de gás e electricidade, tanto mais que, quer a demandada F, quer a demandada H aludem à existência desse contrato e os demandantes não negam, bem como em parte alguma dos documentos juntos pelos demandantes se pede a resolução, nem tão pouco é esse o pedido nos presentes autos. O pedido formulado nos presentes autos é um pedido indemnizatório por danos decorrentes de incumprimento do acordo admitido pela demandada H, nos termos do qual afirmou que a facturação “emitida até ao dia 30 de junho de 2016 seria anulada” (ponto 6 dos factos provados), acabando por cortar os serviços primeiro o gás e depois a eletricidade, com fundamento na falta de pagamento.
Ora, se é certo que estamos perante ocorrências cuja causa é a absoluta descoordenação de serviços por empresas que prestam serviços de primeira necessidade, às quais se deve exigir um rigor acrescido, não podemos deixar de ponderar o facto dos demandantes, mau grado todo o percurso factual a justificar a cessação de qualquer relação jurídica, nunca resolveram o contrato podendo tê-lo feito. Contudo, tal não justifica que se não aprecie o comportamento da demandada H e as suas consequências. Ora, objectivamente, a demandada incumpriu o acordo a que se vinculou de não levar a pagamento as faturas “emitida até ao dia 30 de junho de 2016 seria anulada”, violando o disposto no artigo 406.º do Código Civil, sendo responsável pelos prejuízos causados conforme previsto no artigo 798.º do mesmo diploma. Esse incumprimento deu lugar ao corte de fornecimento de gás, primeiro e de electricidade depois, por falta de pagamento. Este corte afetou o segundo demandante, pessoa idosa com 84 anos, em dois planos: em primeiro lugar viu-se privado de bens de primeira necessidade como são o gás e a electricidade; em segundo lugar, sem isso retire importância, viu-se tratado como incumpridor, como uma pessoas que não paga as suas contas. O sofrimento do segundo demandante é revelado sobretudo pela indignação que o primeiro demandante revela nos textos dos e-mailes que envia à H, e que o segundo demandante confirmou em audiência, danos que consideramos suficientemente graves para merecerem a tutela do direito nos termos estabelecidos no artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil. Não é difícil imaginar o sentimento de uma pessoa desta idade, que reside com a mulher de 80 anos, ao ver-se confrontado com esta situação. A H reconheceu que causou danos morais, propondo uma compensação que os demandantes não aceitaram. Contudo, o montante pedido é, por turno, excessivo, tendo em conta os padrões que temos seguido nesta matéria. Assim, consideramos justo e equitativo o montante de €1.500,00 a título de danos morais ao segundo demandante. Quanto ao primeiro demandante, embora admitindo que dos factos supra dados por provados resultam para si transtornos, incómodos e arrelias assumindo a defesa do pai, entendemos não serem de molde a justificar uma compensação indemnizatória.
Relativamente às restantes demandadas não ficou provado quaisquer factos suscetíveis de preencher os pressupostos de indemnizar de acordo com o instituto da responsabilidade civil, decorrentes do disposto no artigo 483.º do Código Civil.

Decisão.
Em face do exposto, condeno a demandada H , S.A., a pagar ao demandante B a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), ficando absolvida do restante.
Declaro as demandadas D S.A., e F Distribuição de Energia S.A., absolvidas dos pedidos.

Custas.
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada nos seus n.ºs 6.º e 10.º pela Portaria n. 209/2005, de 24 de Fevereiro, mau grado o decaimento considero a demandada H, S.A. parte vencida, pelo que deve proceder ao pagamento da quantia de €35,00, correspondentes à segunda parcela, no prazo de três dias úteis, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de €10,00 por cada dia de atraso.
Proceda-se às devoluções a que houver lugar.
Julgado de Paz de Lisboa, em 06 de Setembro de 2017
A Juíza de Paz
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Maria Judite Matias