Sentença de Julgado de Paz
Processo: 172/2018 - BBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DE ACIDENTE DE VIAÇÃO
Data da sentença: 11/30/2018
Julgado de Paz de : OESTE
Decisão Texto Integral:
RELATÓRIO:
A, identificado a fls. 1 e 4, propôs, em 2 de Julho de 2018 contra B melhor identificada a fls. 1 e 34, a presente acção declarativa de condenação, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 581,79€ (Quinhentos e oitenta e um euros e setenta e nove cêntimos) relativos aos danos materiais resultantes de acidente de viação e privação de uso do veículo, acrescida de juros legais, vincendos, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento .
Para tanto, alegou os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 1 a 9, que se dá por integralmente reproduzido.
Juntou 12 documentos (fls. 10 a 23) que igualmente se dão por reproduzidos.
Regularmente citada, veio a demandada apresentar contestação de fls. 34 a 37 pugnando pela improcedência da acção.
Juntou 5 documentos de fls. 38 a 75 que igualmente se dão por reproduzidos.
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Ao tribunal cabe decidir a) a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação; b) da obrigação da Seguradora indemnizar o Demandante pelos danos verificados
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O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem excepções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da causa.
O valor da acção fixa-se em 581.79€ (quinhentos e oitenta e um euros e setenta e nove cêntimos).
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Tendo o Demandante afastado o recurso à Mediação, procedeu-se á marcação da Audiência de Discussão e Julgamento, para o dia 4 de Outubro de 2018.
Procedeu-se à Audiência de Julgamento, em 3 sessões (sendo uma delas para inspeção do local do acidente) com observância do formalismo legal, conforme das respectivas actas melhor se alcança.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A convicção probatória do tribunal, de acordo com a qual se selecciona a matéria dada como provada ou não provada, ficou a dever-se ao conjunto da prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomados em consideração os documentos de fls . 10 a 23 e 38 a 75.
Ponderou-se, ainda, o depoimento das testemunhas apresentadas com especial relevância ambos os condutores dos veículos em causa, que apresentaram versões completamente díspares sobre a dinâmica do acidente e que motivaram a deslocação do tribunal ao local. Tal deslocação afigurou-se determinante para credibilizar o testemunho da condutora do veículo automóvel em detrimento da versão do condutor do motociclo, cuja incoerência e falta de lógica foram apreciadas. Na verdade, o referido condutor confirmou que se dirigia para a estrada agrícola que fica á sua esquerda, mas que o embate se teria dado mais á frente estando este parado junto á berma do lado direito, no intuito de voltar para trás, e que assim terá procedido porque avistou o automóvel que conhecia e por saber que a condutora era inexperiente. A ser verdade que os factos, assim teriam ocorrido, o automóvel teria espaço suficiente para se cruzar com o motociclo parado, sem qualquer dificuldade (atentas as medidas obtidas no local) e os danos que apresentaria teriam de se localizar na sua lateral e frente direitas compatíveis com o facto de o motociclo se encontrar em pé, o que não se verifica.
Para concluir deste modo, atendeu-se, portanto aos danos produzidos pelo acidente ocorrido – nos termos do relatório de peritagem e pela observação do PN que ainda não se encontra reparado -, que são consentâneos com a versão da condutora do automóvel. De facto estes localizam-se por baixo do para-choques, o que pelo normal acontecer, terão sido provocados pela derrapagem do motociclo já caído no asfalto.
Igualmente se tomaram em consideração as declarações das testemunhas apresentadas pela demandada, Marco Paulo Caseiro da Silva - que procedeu ao relatório de peritagem e que admite como mais consentânea com os danos que apurou, a versão da condutora do automóvel e Eurico Trindade da Silva Pinto que terá chegado ao local do acidente alguns minutos depois de ter ocorrido e que questionado refere ter visto o condutor do motociclo a dirigir-se ao mesmo e a levantá-lo e que o teria visto de costas. Ora, sendo certo que a testemunha vinha no mesmo sentido do motociclo, tal circunstância apenas poderá ocorrer se o embate se deu onde a condutora assinala e não mais á frente como refere o condutor do motociclo. (pois a ser assim a testemunha teria avistado o condutor de frente pois segundo este o automóvel teria arrastado o motociclo alguns metros e que este teria caído no local do embate).
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Com interesse para a decisão da causa, ficaram provados os seguintes factos:
1. O demandante é proprietário do veículo ligeiro de passageiros de matrícula PN Marca --- e modelo ---
2. No dia 25 de Janeiro de 2018, pelas 7h 55m, ocorreu um acidente de viação na Rua ---, freguesia de Castanheira, concelho de Alcobaça que envolveu o veículo ligeiro de passageiros PN e o motociclo de matricula JN
3. Na altura o PN era conduzido por C, filha do demandante.
4. O veículo JN era conduzido por D
5. A responsabilidade civil automóvel sobre o veículo JN encontrava-se naquela data transferido para a Demandada, pela apólice n.º01914850.
6. O local do acidente desenha-se em curva à esquerda, com inclinação descendente, sendo entroncada à direita por um caminho agrícola,
7. A Rua ---, dispõe de 2 vias de trânsito em sentidos opostos, com a largura total de 4,10 metros
8. O veículo PN circulava na dita Rua ---, sentido sul/norte a uma velocidade reduzida e o JN circulava em sentido contrario, pretendendo seguir para o caminho agrícola.
9. Ao descrever a curva a condutora do PN deparou-se com o ciclomotor e parou junto do limite direito da sua faixa de rodagem;
10. O JN travou e tombou para o asfalto e em arrastamento acabou por embater no PN que estava imobilizado na faixa contrária.
11. Assim, a roda frontal e suspensão do JN embateram na parte frontal esquerda do PN;
12. Do embate resultaram danos materiais em ambos os veículos;
13. O veiculo PN apresenta o para choques partido e riscado e o suporte da matricula partido.
14. A reparação do PN foi orçada em 506,79€.
15. Para reparação o PN terá de ficar imobilizado durante o tempo estimado de 2 dias;

Não resultaram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes ou com interesse para a decisão da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
A Demandante ancora o seu pedido no facto de o condutor do veículo JN ser, no seu entender, o único culpado no acidente ocorrido.
Preliminarmente, importa referir, na questão de Direito, embora de modo sintético, que a obrigação de indemnizar, seja qual for a fonte de que provenha (responsabilidade por factos ilícitos, extracontratual ou aquiliana –
Art.ºs 483.º e ss. do Código Civil; responsabilidade pelo risco ou objectiva - Artº.s 499.º e ss.; responsabilidade por factos lícitos ou responsabilidade contratual - Art.ºs. 798.º e ss.) radica sempre num dano, isto é, na supressão ou diminuição de uma situação vantajosa que era protegida pelo ordenamento jurídico (cfr. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, II, 1986 – reimpressão, AAFDL, 283).
Além do dano, são pressupostos da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana (Art.º 483.º, n.º 1 e ss do C.C.): o facto, que se analisa numa conduta humana dominável pela vontade; a ilicitude, traduzida na violação de direitos subjectivos absolutos, ou de normas destinadas a tutelar interesses privados; a imputação psicológica do facto ao lesante, sob a forma de dolo ou de mera culpa e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, que pode afirmar-se, quando se prove, que a conduta do lesante, considerada ex ante e tendo em conta os conhecimentos concretos do mesmo, era adequada à produção do prejuízo efectivamente verificado, nos termos do disposto no Art.º 563.º do C.C. (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1, 4.ª ed., 471 e ss. e 578). ---
Os requisitos estabelecidos no n.º 1 do Art.º 483.º do C.C. para a obrigação de indemnizar são cumulativos.
No caso sub judicie, verificamos que se verificou um embate entre duas viaturas que seguiam em sentidos opostos, tendo-se produzido por força de despiste do ciclomotor. De facto resulta provado, atentos os danos verificados em ambas as viaturas que o ciclomotor - já caído no chão - bateu na parte inferior do para-choques do veículo automóvel que se encontrava imobilizado na sua faixa de rodagem.
Do acidente, resultaram danos para ambas as viaturas, cabendo a este tribunal determinar se se encontram preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar. Vejamos,
A culpa, exprime um juízo de censurabilidade pessoal da conduta do agente, por ter agido como agiu, face às circunstâncias do caso concreto, quando é certo que podia e devia ter-se comportado, de modo diverso.
Como refere Antunes Varela : “Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo."
O Código Civil consagrou expressamente a tese da culpa em abstracto, quanto à responsabilidade extracontratual (art. 487.º, nº 2).
“O efeito danoso causado pelo acidente só pode ser objecto de um juízo de censura, se resultar de uma causa imputável àquele que o produziu, causa essa que se pode expressar, nos termos da lei, numa condução contravencional, ou, então, na falta de atenção, imperícia, inconsideração ou violação dos deveres gerais de diligência na direcção de um veículo.“ Cit. Gregório Silva Jesus, “Infracções estradais nos acidentes de viação” in Direito Estradal, CEJ 2016.
Ora, no caso concreto podemos verificar o condutor do motociclo entrou em despiste, resultante da sua hesitação e de uma travagem que levou à queda do motociclo. Na realidade, pretendendo o condutor seguir para uma via á sua esquerda, diz o código da estrada que se deve posicionar no eixo da via aguardando a passagem dos veículos que circulem em sentido contrário e proceder então ao atravessamento da via em segurança.
Pela configuração da rua em questão, impunha-se ao condutor do motociclo um especial cuidado, e resultou da matéria provada que este ao tentar alcançar a via pretendida se deparou com o automóvel, tendo travado a fundo o que determinou a sua queda e posterior embate.
Assim, entendemos atribuir a culpa, ainda que por negligência ao condutor do motociclo a quem se impunha que tivesse actuado de modo diferente.
Os danos verificados são compatíveis com o acidente verificado e com a conduta do condutor do motociclo, pelo que se encontra preenchido o nexo de causalidade.
Nos termos do disposto no art. 563º do Código Civil, a causa juridicamente relevante de um dano é - de acordo com a doutrina da causalidade adequada, aquela que, em abstrato, se revele adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo regras da experiência comum ou conhecidas do lesante.
Assim, considerando-se preenchidos o requisitos da responsabilidade civil, recairá sobre a demandada o dever de indemnizar , por força do contrato de seguro válido celebrado.
Dos danos
Resultou provado nos presentes autos que o veículo PN sofreu vários danos e que tais danos foram verificados por peritagem, - cujos relatórios constam dos autos a fls 12 - e avaliados no valor de 506,79€. Mais resultou provado que o demandante não mandou reparar o carro, mas que este pode circular. Mais se apurou que serão necessários dois dias para proceder á reparação.
Dispõe o art. 562º do Código Civil que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga á reparação.” A nossa lei consagra, por principio, a reconstituição natural do bem danificado. No entanto, tendo o demandante optado por indemnização pecuniária, fixar-se-á a correspectiva indemnização.
Nos termos do n.º 566º. nº3 do CC, dentro dos limites da prova, o tribunal haverá de determinar equitativamente o valor indemnizatório, sendo certo que o tribunal haverá de socorrer-se do valor orçamentado para reparação dos danos da viatura, bem como a previsão de 2 dias de privação de uso que se estimaram ser necessários para a referida reparação e 1 dia para orçamentação já ocorrido.
Quanto á privação de uso diga-se que hoje é, comum e maioritariamente aceite na nossa jurisprudência, que o simples uso, constitui uma vantagem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária.
Nesse sentido o Ac. RP. de 15.03.2005, in www.dgsi.pt, “ o lesado durante o período de imobilização da viatura, ficou privado das utilidades que este poderia proporcionar-lhe; e isto constitui um prejuízo, uma realidade de reflexos negativos no património do lesado, mesmo se, como é o caso, não se provou em concreto um aumento das despesas em razão da privação do seu uso.
Como refere Abrantes Geraldes, in Indemnização do Dano da Privação do Uso, Almedina, 2001, pp. 39, “a privação do uso, desacompanhada da sua substituição por um outro ou do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito, reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma "fatia" dos poderes inerentes ao proprietário. Deste modo, a simples privação do uso é causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização.
Aliás, o simples uso do veículo constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano.”
Defende-se,” que a utilização dos bens, faz parte dos interesses patrimoniais inerentes ao próprio bem, e que a simples possibilidade de utilização ou não utilização constitui uma vantagem patrimonial que, uma vez afectado, deve ser ressarcida”. (cfr. António Abrantes Geraldes, Indemnização do dano da privação do uso, pág. 26.
E nenhum motivo há para entender que a violação ilícita e culposa do direito de propriedade sobre o automóvel não se contém na previsão do art. 483.º, n.º 1, que estabelece um princípio geral (Ac. RL de 04-06-88: CJ, XXIII, T3, 124).
Com efeito, o simples uso constitui uma vantagem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação consubstancia um dano que deve ser indemnizado como contrapartida da perda da capacidade de utilização normal durante o período de privação (Ac. STJ de 09-05-2002, proc. 935/02: Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, I vol., Indemnização do Dano da Privação do Uso, 2.ª ed., 125-129).
Entendemos que, o demandante ficará privado das utilidades do seu veículo pelo período estimado para a sua reparação, na falta de outros elementos que nos permitissem aferir de outro modo.
Na hipótese de falta de prova de prejuízos concretos e seguros, deve a mera privação do uso ser ressarcida com recurso à equidade (Ac. RP de 19-03-2009, proc. 3986/06: www.dgsi.pt), nos termos do n.º 3 do art. 566º do C.C.
Nenhuma prova produziu quanto ao valor diário peticionado, consideramos por isso, equitativo e razoável o valor de € 25,00 por dia.
Assim, o pedido haverá de proceder.
Quanto ao pedido de juros moratórios
Em regra, a falta de pagamento de quantias a que o devedor esteja obrigado, dentro do prazo acordado, constitui o faltoso em mora e na obrigação de reparar os danos causados ao credor, verificando-se que a mora se inicia com a interpelação, judicial ou extrajudicial, para cumprimento (artº 804º e 805º do Código Civil). Por seu turno, o artº. 806º do mesmo Código, dispõe que, nas obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
Assim, por força dos citados preceitos, verifica-se que, quando ocorre a falta de cumprimento de uma obrigação em dinheiro, o credor desse valor tem direito a receber uma indemnização, para compensar os prejuízos resultantes do atraso, indemnização essa que é igual aos juros vencidos, calculados à taxa dos juros legais (artº. 559º do Código Civil), desde a constituição em mora até integral e efectivo pagamento.
A taxa de juros legalmente fixada e aplicável ao caso sub judicie é de 4% (Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).
Resta averiguar a partir de quando são devidos juros de mora. Em regra, o devedor constitui-se em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (Art.º 805.º, n.º 1, do Código Civil).
A Demandada foi citada em 13 de Julho de 2018.
Assim, os juros são devidos desde esta data até integral pagamento.
Procede, assim, o pedido do Demandante também quanto a esta parte.


Decisão:
Nos termos e com os fundamentos invocados, decido declarar a presente ação procedente e provada e em consequência condena-se a demandada a pagar ao demandante a quantia de 581,79€(quinhentos e oitenta e um euros e setenta e nove cêntimos) a título de indemnização por danos decorrentes de acidente de viação e privação de uso do veículo, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Custas
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Registe
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Bombarral , 30 de Novembro de 2018
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.)


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(Cristina Eusébio)