Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 442/2007-JP |
Relator: | MARIA JUDITE MATIAS |
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL |
![]() | ![]() |
Data da sentença: | 11/12/2007 |
Julgado de Paz de : | SINTRA |
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acta de Audiência de Julgamento E Sentença (n.º 1, do art. 26º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) Objecto: Responsabilidade Civil. (alínea c), do n.º 1, do art. 9º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) Valor da Acção: € 9,90 (nove euros e noventa cêntimos). Demandante: A Demandado: B Mandatária: C Requerimento inicial: “1º- O demandante recebe em sua casa, com alguma periodicidade o catálogo da firma ora demandada, a qual procede à venda de produtos por catálogo e bem ainda directamente nos estabelecimentos que possui em Lisboa e no Porto. 2º- Em 12/04/2007, após consulta do catálogo da empresa ora demandada, o demandante deslocou-se à loja que a demandada possui em Lisboa, a fim de adquirir um suporte para bicicletas que havia visto no referido catálogo, suporte esse com o preço de 9,90 € (Cfr. Docs. Nºs 1 a 3). 3º- Ainda naquela data e já em casa, o demandante ao experimentar o artigo em apreço, verificou que o mesmo não se adequava ao fim a que se destinava, já que, ao contrário do anunciado no catálogo, não mantinha a bicicleta imóvel e equilibrada; 4º- Pelo que voltou ao estabelecimento da empresa ora demandada, solicitando a devolução do valor pago pelo suporte, atenta a desadequação do mesmo para o fim a que se destinava e se encontrava anunciado no referido catálogo. 5º- No catálogo da firma ora demandada, esta anuncia que o suporte para bicicletas que se propõe vender “…mantém a bicicleta perfeitamente alinhada e equilibrada, sem necessidade de qualquer outro suporte”. – Cfr. doc. Nº 2. 6º- No entanto, o demandante ao colocar a bicicleta no suporte constatou que se largar a mesma em cima do dito suporte este desliza no chão e a bicicleta acaba por cair. 7º- Pelo ora exposto, entende o demandante que o bem por si adquirido é desadequado ao seu fim, pelo que pretende ser ressarcido mediante a devolução do preço pago pelo bem em causa. 8º- Antes de recorrer ao Julgado de Paz, o demandante tentou proceder à resolução do presente conflito através do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa. No entanto, a empresa ora demandada recusou submeter a situação à apreciação do Tribunal Arbitral desse centro (cfr. doc. Nº 4). Nestes termos, o demandante vem requerer a V. Exa. a condenação da demandada na devolução do preço por si pago pelo suporte de bicicletas comprado na loja na demandada, no montante de 9,90 € (nove euros e noventa cêntimos). O demandante recusa a mediação.” Pedido: Nestes termos, o demandante vem requerer a V. Exa. a condenação da demandada na devolução do preço por si pago pelo suporte de bicicletas comprado na loja na demandada, no montante de 9,90 € (nove euros e noventa cêntimos). Junta: Quatro documentos. Contestação: A Demandada apresentou contestação com os seguintes fundamentos: “B”, Demandada e já devidamente identificada, vem, de acordo com o disposto no artigo 47.º da Lei n.° 78/2001 de 13 de Julho, apresentar contestação o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes: I - OS FACTOS: 1.º - No dia 12 de Abril de 2007, do período da manhã, o Demandante dirigiu-se às instalações da Demandada em Lisboa. 2.º - O cliente esteve a observar durante algum tempo o produto “suporte de bicicleta”. 3.º - Tendo resolvido tirar medidas e testar o produto supra referido. 4.º - Após tal conduta, o cliente resolveu, por volta das 11h30m, adquirir o produto “suporte de bicicleta” pelo preço de €9,90. 5.º - No período da tarde, o cliente regressou à loja com o intuito de devolver o artigo adquirido durante a manhã. 6.° - A justificação apresentada, pelo ora Demandante, para a devolução do artigo foi que, na oficina onde tinha ido buscar a sua bicicleta lhe tinham dito que o suporte adquirido não era indicado para a sua bicicleta. 7.º - Pelos trabalhadores da Demandada foi explicado ao cliente que, uma vez que o artigo não apresentava qualquer defeito e tinha sido testado pelo cliente, não poderiam devolver o dinheiro. 8.º - Os mesmos trabalhadores informaram o cliente que, em alternativa, poderia trocar o “suporte de bicicleta” por outro artigo da loja ou, poderia levar consigo um vale, no valor da compra, podendo ser descontado nos 90 dias seguintes. 9.º - O cliente recusou alegando que, se devolviam o dinheiro de compras feitas à distância (por catálogo) também teriam necessariamente que lhe devolver os €9,90 do artigo adquirido na loja. 10.º - Os trabalhadores da loja tentaram, mais uma vez, explicar ao cliente a razão pela qual não poderiam devolver o dinheiro. 11.º - Contudo, não o conseguiram fazer porque o demandante começou a desrespeitá-los e tornou-se verbalmente agressivo. 12.° - Alguns dias depois, a Demandada foi contactada telefonicamente pelo Centro de Arbitragem. 13.º - Nesse telefonema a demandada explicou que não iria proceder à devolução do dinheiro, porque o produto adquirido não tinha qualquer defeito e tinha sido testado pelo comprador, que teve todas as oportunidades para dissipar as dúvidas que tinha em relação ao produto antes de o adquirir. 14.° - O Centro de Arbitragem foi ainda informado, nesse telefonema, que na caixa de pagamento da loja da Demandada está afixado um aviso com a informação referente aos casos em que há direito à devolução do dinheiro, 15.° - No mesmo dia do telefonema do Centro de Arbitragem, a Demandada foi contactada, também telefonicamente, pelo Demandante que alegou que o “suporte de bicicleta” adquirido na loja escorregava no pavimento da sua casa e que, por essa razão, o produto não lhe interessava. 16.º - O cliente foi novamente advertido que o dinheiro não lhe seria devolvido. 17.º - No dia 25 de Junho de 2007, o Demandante dirigiu-se às instalações da Demandada em Sintra, onde, segundo Demandante, procediam à devolução do dinheiro. 18.º - Os trabalhadores da Demandada em Sintra explicaram ao cliente que só havia lugar à devolução do dinheiro nos casos de compras feitas à distância, ou de compras efectuadas nas lojas quando o produto apresentasse defeito ou desconformidade com o contrato de compra e venda. 19.º - No dia 26 de Junho de 2007, o cliente dirigiu-se à loja da Demandada em Lisboa, com o intuito de falar com a responsável da loja, a D, para que esta lhe devolvesse o dinheiro referente ao “suporte de bicicleta”. 20.° - A D não teve oportunidade de o atender nesse dia. 21.º - Revoltado com a situação, o Demandante, foi muito mal educado com os trabalhadores da Demandada que se encontravam presentes. 22.° - No dia 27 de Julho de 2007, o Demandante voltou às instalações em Lisboa, por volta das 11h00 da manhã. 23.º - Entrou aos gritos a dizer que pretendia falar com a responsável de loja, D. 24.° - A D encontrava-se numa reunião que se prolongou até às 14h00. 25.° - Finda a reunião supra referida, a D constatou que o Demandante ainda se encontrava na loja. 26.° - E que, para além das agressões verbais que proferia contra os seus colegas, começou a tornar-se violento tendo atirado um suporte contra as pernas da sua colega que se encontrava na caixa. 27.º - Perante a constatação de tal facto, e com receio que algo pior pudesse suceder, a responsável da loja resolveu chamar a policia. 28.° - Só com a chegada de um agente da P.S.P. é que a responsável de loja se sentiu segura para ir falar com o Demandante. 29.° - Já em conversa com o cliente, a D, tornou a explicar, mais uma vez, as razões pelas quais não poderia devolver o dinheiro. 30.° - O Demandante disse não aceitar essas explicações e voltou a exaltar-se. 31.º - Altura em que foi advertido pelo agente da P.S.P. no sentido de que se mantivesse aquela conduta desordeira teria de abandonar a loja. 32.º - Após se encontrar na loja durante mais de 5 horas; 33.º - E de mal tratar quer trabalhadores, quer clientes da mesma; 34.º - O Demandante pede o livro de reclamações, que lhe foi prontamente facultado, e após escrever nele abandonou a loja. II - O DIREITO: 35.º - De acordo com o disposto no n.° 1 do artigo 4.º do Decreto-lei n.° 67/2003 de 8 de Abril o consumidor tem direito à resolução do contrato de compra e venda em caso de falta de conformidade do bem com o contrato. 36.° - A conformidade dos bens com o contrato afere-se tendo em contra as presunções do n.° 2 do artigo 2.° do mesmo diploma: a) “Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo; b) Não serem adequados ao uso especifico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado; c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo; d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.” 37.º - Como resulta da exposição dos factos, e tendo em conta os artigos supra mencionados não existe qualquer desconformidade do bem com o contrato. 38.° - Logo, não há qualquer fundamento para a resolução do contrato de compra e venda e consequente devolução do dinheiro. 39.º - Corresponde à verdade o alegado pelo Demandante no sentido de a Demandada devolver o dinheiro relativamente a compras efectuadas por catálogo. 40.° - Sucede porém, que os contratos celebrados fora dos estabelecimentos negociais estão sujeitos a legislação específica, sendo aplicável a este tipo de contratos o Decreto-Lei n.° 143/2001 de 26 de Abril, 41.º - De acordo com o disposto no n.° 1 do artigo 6.° do referido diploma nos contratos à distância o consumidor dispõe de um prazo de 14 dias para resolver o contrato sem necessidade de indicar o motivo. 42.° - Ora, tal diploma não se aplica ao presente caso uma vez que a compra do produto em causa foi efectuada na loja da Demandada. Nestes termos, bem como nos demais de direito, deve a presente acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e a final, ser a Demandada absolvida do pedido. Prova - sobre tudo o alegado” Tramitação: O demandante não aderiu à mediação, pelo que foi marcada audiência de julgamento para o dia 09 de Outubro de 2007, pelas 10 horas e as partes devidamente notificadas para o efeito. Audiência de Julgamento. Iniciada a audiência, a juíza de paz procurou conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 26.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, não tendo esta diligência sido bem sucedida. Audição das partes. As partes sustentaram o vertido nas respectivas peças processuais, tendo a mandatária da demandada requerido a junção de dois documentos, dos quais foram dadas cópias ao demandante. Audição das testemunhas. A testemunha D, apresentada pela demandada, não obstante ser funcionária desta, depôs de forma precisa e coerente, tendo referido, em síntese, que se recorda da ida do demandante à loja e de tudo o que lhe foi relatado pelo funcionário E que o atendeu e que respondeu às questões que o mesmo lhe colocou; disse que o demandante não adquiriu logo o produto, tendo saído e regressado posteriormente, altura em que adquiriu o mesmo; afirmou que o demandante voltou à loja pretendendo devolver o suporte e levar o dinheiro do mesmo o que foi recusado; foi proposto ao demandante a troca do suporte por outro artigo ou por um vale de valor equivalente, opções que este recusou. Relatou ainda outros factos, os quais nos abstemos de registar por irrelevantes para a decisão da causa. A juíza de paz decidiu agendar o dia 11 de Outubro de 2007, pelas 16h e 30m, para uma deslocação ao local onde o demandante utiliza o bem adquirido à demandada, com vista a atestar o funcionamento do mesmo. Ida ao local. Nesta diligência, constatou-se que numa primeira tentativa o suporte em causa não mantinha a bicicleta equilibrada. Porém, efectuada a manobra com cuidado, já foi possível obter o resultado pretendido mas de forma não alinhada e não estável. Foi agendado o dia 12 de Novembro de 2007, pelas 14h, para a prolação da sentença. Fundamentação Fáctica. Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos: 1 - O demandante adquiriu na loja da demandada o suporte para bicicletas anunciado no catálogo da demandada; 2 – No catálogo da demandada, junto aos autos a fls. 5, o qual se dá por integralmente reproduzido, está designadamente escrito, relativamente ao dito suporte, o seguinte: “Bicicleta arrumada em segurança. Acabe com as bicicletas encostadas à parede, em posições instáveis, podendo cair e causar estragos. Esta estrutura de metal zincado, com espaço para encaixar a roda da frente, mantém a bicicleta perfeitamente alinhada e equilibrada, sem necessidade de qualquer outro suporte….”; 3 – O suporte não mantém a bicicleta perfeitamente alinhada e estável; 4 – O demandante tentou a resolução do contrato de compra e venda mediante a entrega do suporte e devolução do preço; 5 – A demandada recusou a devolução do preço; 6 – A demandada propôs a entrega de vale equivalente ao preço, o que o demandante não aceitou. O técnico de atendimento que acompanhou a diligência Dr. Paulo Gomes O Direito. Entre demandante e demandada foi celebrado um contrato de compra e venda, definido no artigo 874º do Cód. Civil, subordinado ao regime previsto no artº 921º, do mesmo diploma legal. Acresce o estipulado na Lei nº 24/96, de 31 de Julho, (Lei do Consumidor, alterada nos seus artigos 4.º e 12.º, pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, que transpôs a Directiva n.º 1999/44/CE), no seu artigo 4º, onde se fixa que “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor” . Por seu turno, o Decreto-Lei 67/2003, já citado, prescreve no seu artigo 4.º, ainda que “ Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou o bem não satisfizer os fins a que se destinam e ou não produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legitimas expectativas do consumidor. Tal como a demandada reconhece, ao citar o n.2 do artigo 2.º do citado diploma, a conformidade dos bens com o contrato afere-se tendo em conta as presunções estabelecidas neste preceito legal. No caso, mais do que experimentar um modelo, foi constatado o funcionamento do bem adquirido, resultando que, ao contrário do publicitado e prometido no catálogo da demandada, o suporte não mantém a bicicleta perfeitamente alinhada e equilibrada. Deste modo forçoso é concluir que foram defraudadas as legitimas expectativas do adquirente, ora demandante, o qual nos presentes autos vem pedir a “condenação da demandada na devolução do preço por si pago pelo suporte de bicicletas...no montante de €9,90”. Esta pretensão, obviamente, enquadrada na sequência da resolução do contrato, com as legais consequências daí decorrentes, nos termos do artigo 289º e seguintes do Código Civil. Decisão: O Julgado de Paz é competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras excepções ou nulidades de que cumpra conhecer. Em face do exposto, considero esta acção procedente por provada e em consequência condeno a demandada a devolver ao demandante a quantia de €9,90, cabendo ao demandante a obrigação de entregar o suporte em causa nos presentes autos. Custas: Custas pela demandada que deve proceder ao pagamento de €35,00 (trinta e cinco euros) relativos à segunda parcela de custas, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros) por cada dia de atraso. Cumpra-se o disposto no número 9 da Portaria 1456/2001, de 28 de Dezembro, em relação ao demandante. A sentença foi proferida e notificada às partes nos termos do artigo 60.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, ficando as mesmas cientes de tudo quanto antecede. Julgado de Paz de Sintra, em 12 de Novembro de 2007 A Juíza de Paz Maria Judite Matias |