Sentença de Julgado de Paz
Processo: 520/2015-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: AÇÃO RESPEITANTE AO CONTRATO DE ARRENDAMENTO URBANO - CONTRATO DE ARRENDAMENTO NÃO HABITACIONAL
INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
Data da sentença: 03/22/2017
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Julgado de Paz: Funchal.
Relator: Margarida Simplício
Data: 22/03/2017

Processo n.º 520/2015-J.P.
RELATÓRIO:
DEMANDANTES, J. M. P. R. G., NIF. xxxxxxxxx, M. G. D. R. G., NIF. xxxxxxxxx, residentes no caminho C. da Q., n.º ---, no concelho do Funchal, representados por mandatário constituído.
Requerimento Inicial: Alegam em suma que, as partes celebraram por escrito no dia 12/11/2014 um contrato de arrendamento urbano, que ora juntam, o qual tinha como objeto a cedência temporária da fração I3, sita no 3º andar, do edifício constituído em propriedade horizontal, localizado na rua 31 de J., n.º --- e rua da F. P., n.º -1 a -2. Neste contrato o 2º demandado constituiu-se como fiador solidário, da 1ª demandada, a qual era a locatária. Nos termos do acordo, a demandada comprometeu-se no 1º ano de vigência do contrato a fazer obras, às suas expensas-benfeitorias voluptuárias devidamente acordadas - e a liquidar todas as despesas correntes da fração, nomeadamente água, eletricidade, telefone e as despesas de condomínio. Sucede que a demandada não realizou quaisquer obras, nem pagou qualquer despesa de condomínio, acabando os demandantes por faze-lo. Mais acordaram, ainda, que durante a vigência do contrato, no 2º ano, a demandada, pagaria a título de renda a quantia mensal de 150€ a liquidar no 1º dia útil de cada mês, acrescida das despesas correntes e do pagamento do condomínio, mas desde o início deste que nada liquidou. Assim, encontra-se em mora as rendas desde Novembro/2014 a dezembro/2015, bem como as despesas de condomínio, que tinham o valor mensal de 26,93€. O fiador é devedor solidário, pelo que responde igualmente pelo incumprimento deste contrato. Conclui pedindo que: A) seja reconhecido a validade do contrato de arrendamento e a constituição de fiador; B) condenar de forma solidária, sem o benéfico da execução prévia os demandados no pagamento da quantia de 2.777,32€; C) condena-los nas custas de parte na quantia de 300€; D) reconhecer-se a resolução do contrato, por incumprimento contratual e condenar na entrega do locado, livre de pessoas e bens, e desonerado de dívidas. Juntam 2 documentos.

MATÉRIA: Ação respeitante ao contrato de arrendamento urbano, enquadrada no art.º 9, n.1, alínea G) da L.J.P.
OBJECTO: Contrato de arrendamento não habitacional, incumprimento contratual.
VALOR DA AÇÃO: 3.077,32€.

DEMANDADOS: T. A. S. – M. de S., Lda. NIPC. xxxxxxxxx, com sede na rua da ----., loja 1, no concelho de Machico, e T. A. S., NIF. xxxxxx, residente na rua -----. Dr. A. G., Edifí J. dos C, Bloco B1, F, 1º-D, no concelho do Funchal.
O segundo demandado está regularmente citado, conforme consta do registo de receção, a fls. 32 verso.
A 1ª demandada está representada por defensora oficiosa nomeada (art.º 38, n.º2 da L.J.P.), que não apresentou contestação.
No decurso dos autos os demandantes juntaram requerimento, a fls. 82, informando que as chaves do locado foram entregues no passado dia 15/07/2016. Não obstante pretendem prosseguir os autos para obter o pagamento das rendas vencidas e não pagas.

TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré-mediação por ausência dos demandados.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:
A 1ª sessão não se realizou pois apenas estiveram presentes os demandantes e seu mandatário. Na 2ª sessão não se deu cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º1 da L.J.P., pois a demandada esteve representada por defensora oficiosa nomeada, sem poderes para confessar ou transigir, seguindo-se para produção de prova, terminando com alegações finais, conforme ata de fls. 120 a 121.

-FUNDAMENTAÇÃO-
I- FACTOS PROVADOS:
1)Que no contrato de arrendamento, outorgado pelas partes a 12/11/2014, tinha a constituição de um fiador solidário.
2)Nos termos do contrato, os demandantes obrigaram-se a proporcionar o gozo temporário, á primeira demandada, mediante retribuição da fração I3, sita no 3º andar do prédio constituído sob propriedade horizontal, sito na rua 31 de Janeiro, n.º --, e rua da figueira preta, n.º -1 a -2.
3)A primeira demandada estava obrigada no 1º ano de vigência do contrato a realizar, às suas expensas, as benfeitorias acordadas.
4)E, a liquidar, atempadamente, as despesas correntes da fração, nomeadamente água, eletricidade, gás telefone, internet, e de condomínio.
5)A demandada não realizou as obras a que se obrigou.
6)No 2º ano de vigência do contrato a demandada ficava obrigada a pagar mensalmente a renda no valor de 150€, acrescido das despesas e do condomínio.
7)E, acordaram que as rendas venciam-se no 1 dia útil do mês anterior, aquele a que se reportasse.
8)Que a demandada não pagou as rendas do ano de 2015.
9)Que a demandada entregou as chaves do locado a 15/07/2016.
10)Que o contrato iniciou-se a 1/11/2014.

MOTIVAÇÃO:
O Tribunal sustenta toda a decisão na documentação junta aos autos.
O facto complementar de prova com o n.º 10 resulta do teor do documento, junto de fls. 6 a 23.
Os factos não provados resultam da ausência de prova.

II- DO DIREITO:
O caso em apreço refere-se ao contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais (art.º 1067, n.º1 e 1108, ambos do C.C.).
Questões: validade do contrato, fiança, entrega do locado, direitos do locador.
A locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar, a outro, o gozo temporário de uma coisa, mediante um preço (art.º 1022 do C.C.).
Tendo em consideração o seu objeto, imóvel (art.º 204, alínea a) do C.C.), a locação é considerada como arrendamento (art.º 1023 do C.C.).
Este contrato foi redigido por escrito particular, com reconhecimento das respetivas assinaturas (art.º 1069 do C.C.), conforme documento junto de fls. 6 a 23.
Quanto aos requisitos legais exigidos para a validade do contrato, estão regulados no art.º 2 do D.L. 160/2006 de 8/08.
Ora analisando o documento já referido, constata-se que contem a identificação completa das partes, a identificação do locado, com recurso á sua inscrição matricial e descrição registral, o fim do negócio – não habitacional – escritório para actividade de mediação de seguros e peritagem de sinistros, a licença de utilização n.º 9 emitida em 18/08/1992 pela C.M.F.
Consta, ainda, na cláusula 4 o referido valor acordado da renda mensal, bem como a data de início de vigência do negócio a 1/11/2014, e a data do respetivo termo a 31/10/201, com a possibilidade de ser renovado por períodos sucessivos de um ano.
Tendo em consideração que todos estes são requisitos necessários e se encontram reunidos, não há duvida que estamos perante um contrato legalmente válido.
Este tipo de contrato carateriza-se por ser sinalagmático, na medida em que existe uma correspetividade entre a cedência do locado e o pagamento das rendas. A primeira é uma obrigação que fica a cargo do senhorio, transferindo a posse da coisa para o locatário (art.º 1031 alínea a) do C.C.), a qual pode ou não coincidir com a data em que celebraram o contrato, por sua vez, assim que tal ocorre o inquilino constitui-se na obrigação de pagar a renda acordada (art.º 1038, alínea a) do C.C.).
Neste caso, consta da cláusula 4 que acordaram que no 1º ano de vigência do contrato, a inquilina, ficava dispensada do pagamento de qualquer montante a titulo de renda, desde que efetuasse às suas expensas os custos da obra de remodelação e adaptação do locado á sua atividade, e pagasse atempadamente as despesas referidas na cláusula 7 do contrato.
Trata-se de uma cláusula condicional suspensiva (art.º 270 e 272, ambos do C.C.), no que diz respeito ao pagamento da renda, mas apenas no 1º ano de duração do contrato. Ficando, assim, subordinada á realização de obras, as quais são identificadas na cláusula 6 do mesmo contrato, e com recurso a um desenho que ficou anexo ao contrato, fazendo parte integrante do mesmo, a fls. 12.
Porém, a partir do 2 ano de duração do contrato havia, sempre, a obrigação de pagar a renda mensal. Esta era o valor de 150€ no 2º ano, e de 200€ no 3º ano, ao que acresceria o pagamento atempado das despesas referidas na cláusula 7 do contrato.
As obras em causa estavam devidamente identificadas, referiam-se á colocação de alcatifa numa parte do imóvel, e na outra parte á colocação de mosaico. Estas eram, assim, consideradas como benfeitorias (art.º 216, n.º1 do C.C.) e ficariam a fazer parte integrante do locado, caso o contrato cessasse, sem que houvesse o direito a qualquer indemnização ou retenção, por parte do inquilino.

De acordo com os termos do contrato, e com o disposto no art.º 1078, n. º1 do C.C., o qual é uma norma de natureza supletiva, era da responsabilidade da inquilina, ora demandada, assegurar as despesas, nomeadamente com eletricidade, água, tv. cabo e o encargo com o pagamento do condomínio e respetivo IMI, o que resulta da cláusula 7.
No que respeita ao regime da cessação do contrato de arrendamento urbano tem natureza imperativa devido aos interesses em causa (art.º 1080 C.C.), referindo-se no art.º 1079 do C.C. as varias causas que levam a sua extinção; nomeadamente por acordo das partes, resolução, caducidade denúncia e outras causas, previstas na lei.
No caso concreto, o contrato cessou a 15/07/2016, na pendência desta ação, o que sucedeu com a entrega das chaves do locado ao mandatário dos demandantes, conforme documento que juntaram aos autos, a fls. 82.
Desta feita, o requerido pelos demandantes na alínea D) do respetivo pedido foi voluntariamente realizado pela primeira demandada, e ainda bem que o fez, pois os Julgados de Paz não têm competência material para obrigar a desocupação do locado, o que deriva expressamente da exceção prevista no art.º 9, alínea G) da L.J.P., e implicava outro tipo de ação, para a qual os Julgados não são competentes.
Pelo que, em relação a esta parte do pedido, apenas se terá em consideração as repercussões legais do acto de entrega das chaves.
De facto este é um acto material e, ao mesmo tempo, simbólico do qual se depreende a restituição da coisa locada, livre de pessoas e bens (art.º 1038 alínea i) do C.C.) aos seus proprietários.

Uma das formas de extinção do contrato corresponde precisamente a revogação. Esta consiste na faculdade das partes cessarem por mútuo acordo o contrato, mediante a subscrição de um contrato extintivo celebrado ao abrigo da autonomia privada (art.º 405 do C.C.).

No caso em apreço, não foi celebrado entre as partes qualquer acordo (verbal ou escrito), simplesmente ocorreu a entrega material das chaves, pelo que se entende que a saída do locado acompanhado da entrega das chaves implica a extinção imediata do contrato por via de revogação tácita ou real (art.º 217, n.º 2 do C.C.) do negócio (art.º 1079 e 1082, n.º 2 C.C.), cessando assim os seus efeitos, incluindo as rendas, no mesmo sentido AC. da R.P. Proc. n.º 4217/09.4 TBSTS.P2 de 22/04/2013.

No que respeita a rendas vencidas e não pagas, a lei faculte ao credor a possibilidade de requerer a aplicação do art.º 1041 do C.C. que lhe permite obter uma penalização de 50% sobre o valor da quantia em divida, salvo se o contrato tiver sido resolvido por falta de pagamento, o que aqui não sucedeu.

Porém, se em relação ao segundo ano de duração do negócio foi estipulado a renda mensal fixa no valor de 150€, permitindo facilmente obter o montante em divida, já no 1º ano a situação não goza da mesma facilidade uma vez que nada foi determinado caso as obras não fossem realizadas, uma vez que a dispensa do pagamento da renda estava subordinada á sua realização.

Provada que está a não realização das obras, como se tratava de uma cláusula suspensiva há que apurar o montante da renda que devia pagar.

Na realidade, os demandantes têm um prejuízo equivalente às benfeitorias que deviam ser realizadas mas não foram. Para o cálculo das mesmas, e sem existir qualquer outro acordo, atende-se ao valor mínimo que as partes fixaram no contrato, ou seja, os 150€ de renda mensal, uma vez que no contrato, também, nada estabeleceram para o caso das obras não serem realizadas.

Assim, está em divida 12 meses, o que perfaz 1.800€, a este acresce o montante da indemnização no valor de 900€, o que perfaz no 1º ano de vigência do contrato o montante de 2.700€.

Quanto ao 2º ano de vigência do contrato, apenas é peticionado um mês de renda, não obstante a demandada se encontrar na posse do locado até data posterior, conforme está provado. Assim sendo, e como está em causa um direito disponível, está em divida 150€ + 75€= 225€, o que perfaz o montante total de 2.925€.

A fiança é uma garantia pessoal, tendo no caso concreto uma fonte negocial, o contrato (n.º1 do art.º 624 C.C).

Nos termos em que foi prestada na cláusula 12ª, o segundo demandado assumiu-se como principal pagadores de todas as obrigações assumidas pela arrendatária, quer no período inicial do contrato, quer nas eventuais renovações, documento referido a fls. 10, pelo que afastaram assim a subsidiariedade da fiança, embora se mantenha como acessória da obrigação principal, da arrendatária.

Nos termos do art.º 634 C.C. a fiança abrange não só a obrigação principal, como as consequências legais e contratuais; ou seja abrange tudo aquilo a que a devedora/arrendatária está vinculada, o que significa que também é responsável pelas consequências contratuais do não cumprimento, incluindo a mora da arrendatária.

A solidariedade entre os demandados, arrendatária e fiador, é imperfeita, na medida em que assumem no contrato posições distintas, assumindo os fiadores a obrigação da arrendatária e como tal é autónoma destes, no entanto é-lhes aplicável analogicamente as normas das obrigações solidárias (n.º2 do art.º 512 do C.C.) cujo ratio seja extensível às especificidades desta espécie particular de solidariedade.

Assim sendo, não existe motivos legais para desonerar o segundo demandado da sua obrigação.

Por fim, peticionam ainda a quantia 300€ de custas de parte. Estas são estabelecidas no art.º 533, alínea a) do C.P.C.

Todavia, cumpre esclarecer que nos Julgados de Paz não se aplica o regulamento das custas judiciais, mas a Portaria, n.º 1456/2001 de 28/12 com a subsequente alteração da Portaria n.º 209/2005 de 24/02. Esta não prevê expressamente a possibilidade de ser peticionado qualquer valor a titulo de custas de parte.

Por outro lado, a referida Portaria prevê um valor diminuto para os processos tramitados nos Julgados de Paz, por este motivo este pedido, também, não pode ser atendido.

DECISÃO:
Nos termos expostos, julga-se a ação parcialmente procedente, condenando-se os demandados solidariamente a procederem ao pagamento da quantia de 2.925€.

CUSTAS:
São da responsabilidade dos demandados, na quantia de 70€ (setenta euros) a pagar no prazo de 3 dias úteis, sob pena da aplicação da sobretaxa diária de 10€ (dez euros).
Em relação aos demandantes cumpra-se o disposto no art.º 9 da Portaria n.º 1346/2001 de 28/12.

Funchal, 22 de março de 2017

A Juíza de Paz
(redigido pela signatária, art.º 131, n.º5 do C.P.C.)

(Margarida Simplício)