Sentença de Julgado de Paz
Processo: 140/2017-JP
Relator: FERNANDA CARRETAS
Descritores: DIREIRO DO CONSUMIDOR - VENDA À DISTÂNCIA - PAGAMENTO EM DOBRO
Data da sentença: 08/11/2017
Julgado de Paz de : SEIXAL
Decisão Texto Integral: Proc.º n.º 140/2017-JPSXL
SENTENÇA
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RELATÓRIO:
A, identificado a fls. 1, intentou, em 11 de maio de 2017, contra B, melhor identificado, também a fls. 1, que usa a designação comercial de C, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 165,36 € (Cento e sessenta e cinco euros e trinta e seis cêntimos), relativa à devolução do valor pago por um blusão que lhe encomendou e que este não possuía em stock. Mais pediu a condenação do Demandado a pagar-lhe indemnização pelos danos causados no seu sistema nervoso, despesas e deslocações, em valor nunca inferior a 50,00 € (Cinquenta euros).
Para tanto, alegou os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 1 a 3, que aqui se dá por reproduzido.
Juntou 14 documentos (fls. 4 a 17) que igualmente se dão por reproduzidos.
Regular e pessoalmente citado para contestar, no prazo, querendo, o Demandado, nada disse.
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As questões a decidir por este tribunal circunscrevem-se à caracterização da relação jurídica estabelecida entre as partes; às obrigações e direitos daí decorrentes e às consequências do incumprimento dessas obrigações.
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Tendo o Demandante prescindido do recurso à Mediação para resolução do litígio (fls.3), e tendo decorrido o prazo para a apresentação da contestação, sem que tal se verificasse, foi designado o dia 4 de agosto de 2017 para a realização da Audiência de Julgamento e não antes, devido à ausência da signatária, em exercício de funções, em acumulação, com o Julgado de Paz de Óbidos (Agrupamento) e, depois, com o Julgado de Paz do Oeste.
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Aberta a Audiência e estando apenas presente o Demandante, foi esta suspensa, ficando os autos a aguardar o decurso do prazo para a justificação de falta, por parte do Demandado, nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do Art.º 58.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho (LJP), designando-se, desde logo, a presente data para a sua continuação.
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Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir: ---
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A convicção probatória do tribunal, ficou a dever-se ao conjunto de prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomada em consideração a confissão por parte do Demandado, operada pela ausência de Contestação escrita e falta, injustificada, à Audiência de Julgamento, considerando-se provados todos os factos alegados pelo Demandante.
Foi ainda tomada em consideração a pesquisa na Internet, nomeadamente no portal de queixas do Demandado, que foi determinante para a ligação do Demandado à designação comercial de C e bem assim para a remessa de expediente aos Serviços do Ministério Público para os fins tidos por convenientes, tendo em consideração que, da pesquisa resultou que o modus operandi é indiciador de práticas comerciais fraudulentas.
Com interesse para a decisão, ficaram provados os seguintes factos:
1. O Demandado, Número de Identificação Fiscal (NIF) 218 576 897, usando a designação comercial de C, dedica-se à venda de artigos para motos, através da Internet;
2. No dia 31 de março de 2017, o Demandante através da página da Internet do Demandado fez a compra de um casaco de moto “Jacket Dainese Laguna Seca Tex Black/Reflex;
3. Tendo pago o preço solicitado de 165,36 € (Cento e sessenta e cinco euros e trinta e seis cêntimos), antecipadamente ao envio e através do Multibanco;
4. Passados alguns dias do pagamento, como não recebeu a encomenda, o Demandante telefonou para saber o motivo da demora na receção do artigo encomendado;
5. Foi informado que não tinham o tamanho pretendido pelo Demandante e sugeriram que optasse por outro artigo;
6. O Demandante pretendia apenas o casaco que havia encomendado e não estava interessado na aquisição de outro artigo, pelo que recusou;
7. Por esse motivo, enviou vários emails, a pedir o cancelamento da compra e a devolução da quantia que havia pago;
8. Os serviços do Demandado, alegando que estava a ser feita atualização informática, que motivara a demora na resposta, informaram o Demandante, no dia 17 de abril de 2017 de que a quantia ia ser reembolsada “dentro de cerca de cinco dias”;
9. Informação que, após insistência do Demandante, foi reiterada em 24 e 26 de abril de 2017, dizendo que o reembolso estava a ser processado e iria ser feito “em breves dias”;
10. Na comunicação eletrónica de 26 de abril de 2017, o Demandante voltou a indicar o seu número de identificação Bancária (NIB) para que o reembolso fosse concretizado;
11. Até à presente data, apesar das promessas, o Demandado não procedeu ao reembolso da quantia que recebeu do Demandante;
12. Toda esta situação está a transtornar o Demandante, que tem andado muito nervoso e ansioso e tem despesas de deslocação para tratar do assunto e reaver o que é seu.
Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
Dispõe o Art.º 58.º, n.º 2 da LJP que, se o Demandado, tendo sido regular e pessoalmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo Demandante.
Neste caso, o Demandado foi, pessoal e regularmente, citado, não apresentou contestação escrita, não compareceu à Audiência de Julgamento e não justificou a sua falta. Opera, assim, a cominação prevista no supramencionado normativo, pelo que se consideram confessados os factos articulados pelo Demandante.
À relação contratual dos autos, atenta a qualidade dos intervenientes e a forma como o contrato foi celebrado, aplica-se o Decreto-Lei 143/2001, de 26 de Abril, sucessivamente alterado, sendo a última alteração a operada pelo Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro, que disciplina os contratos celebrados à distância, bem como os contratos ao domicílio e equiparados.
Para efeitos deste último diploma (art.º 3º, al. c), é consumidor qualquer pessoa singular que atue com fins que não se integrem no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional sendo fornecedor de bens ou prestador de serviços, a pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, que, num contrato com um consumidor, atue no âmbito da sua atividade profissional, ou através de outro profissional, que atue em seu nome e por sua conta (al. i), o que é, respetivamente, o caso do Demandante e do Demandado.
Segundo a alínea f), do referido dispositivo legal, o contrato celebrado à distância, é “um contrato celebrado entre o consumidor e o fornecedor de bens ou prestador de serviços sem presença física simultânea de ambos, e integrado num sistema de venda ou prestação de serviços organizados para o comércio à distância mediante a utilização exclusiva de um ou mais técnicas de comunicação à distância até à celebração do contrato, incluindo a própria celebração;”.
Este é precisamente o caso dos autos. Na realidade o Demandado, sob a designação de C, dedica-se ao comércio de bens para motos, através da Internet, e o contrato é celebrado através de inscrição na sua página de Internet, a qual foi utilizada pelo Demandante para a aquisição do casaco que estava interessado em adquirir.
Ora, dispõe o n.º 1 do Art.º 4.º do referido diploma que antes de se vincular, o consumidor deve dispor, em tempo útil, de forma clara e compreensível e previamente à celebração de qualquer contrato celebrado a distância de um acervo de informações, nomeadamente características essenciais do bem ou do serviço; preço do bem ou do serviço, incluindo taxas e impostos; modalidades de pagamento, entrega e execução; existência do direito de resolução do contrato e prazo de validade da oferta ou proposta contratual.
Ademais, quanto aos requisitos de forma, dispõe o n.º 1, do art.º 9.º do mesmo diploma legal que “ O contrato celebrado fora do estabelecimento comercial é reduzido a escrito e deve, sob pena de nulidade, conter, de forma clara e compreensível e na língua portuguesa, as informações determinadas pelo art.º 4.º.”. Do contrato celebrado deve ser entregue cópia ao consumidor (n.º 2).
Por outro lado, quanto ao direito de livre resolução, dispõe a al. b) do n.º 1, do art.º 10.º, do mesmo diploma legal, que o consumidor tem o direito a resolver o contrato sem indicação do motivo, no prazo de 14 (catorze) dias contados do dia em que o consumidor ou terceiro, com exceção do transportador, indicado pelo consumidor adquira a posse física dos bens, nos contratos de compra e venda.
Sendo que, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 12.º, se o direito de livre resolução tiver sido exercido nos termos legais, o fornecedor fica obrigado a reembolsar no prazo de 14 (catorze) dias os montantes pagos pelo consumidor. E o n.º 2 do referido dispositivo, dispõe que, decorrido o prazo previsto no número anterior sem que o consumidor tenha sido reembolsado, o fornecedor fica obrigado a devolver em dobro, no prazo de 15 dias úteis, os montantes pagos pelo consumidor, sem prejuízo do direito do consumidor a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Nos presentes autos, vem o Demandante, ancorando a sua pretensão nos factos que invoca e resultam provados, requerer que o Demandado seja condenado a devolver-lhe a quantia que pagou e bem assim indemnização pelos transtornos e despesas em quantia nunca inferior a 50,00 € (Cinquenta euros).
Feito que está o arresto da legislação aplicável, vejamos, então: tendo celebrado contrato de compra e venda de um casaco para moto e pago o preço, foi o Demandante informado que não havia o casaco do número pretendido, tendo sido induzido a adquirir outro qualquer produto.
É aqui que começam as suspeitas quanto às práticas comerciais do Demandado. De facto, não possuindo o casaco pretendido pelo Demandante, tinha o Demandado a obrigação de indicar na publicitação que faz dos produtos, os números disponíveis (se é que havia números disponíveis), evitando, assim, que o consumidor andasse a solicitar o reembolso da quantia que pagou.
Suspeitas que se agravam quando só após receber o preço convencionado, o Demandado presta a informação de que o produto que o Demandante pretende não pode ser fornecido, tentando manter o negócio, mas substituindo o produto.
Logo que foi informado da inexistência do produto que pretendia e não estando interessado em qualquer outro, o Demandante, em 17 de abril de 2017, comunicou ao Demandado que “é para anular o pedido, visto não haver o número disponível”, tendo os serviços do Demandado garantido na mesma data que, dentro de cerca 5 dias, o reembolso seria efetuado.
Promessa que, após insistência do Demandante no reembolso da quantia que pagara, foi sendo reiterada, sem que, contudo, até à presente data, o Demandado tivesse reembolsado o Demandante, com o que lhe causou prejuízos que merecem a tutela do direito e, ademais, estão previstos na legislação que supra se referiu.
E, assim sendo, como é, dúvidas não restam de que o Demandado está obrigado a reembolsar o Demandante da quantia que este despendeu.
Mais está obrigado a devolver-lhe a referida quantia em dobro, uma vez que não cumpriu o prazo de catorze dias legais previstos para o reembolso.
E, além disso, conforme se viu, está obrigado a indemnizar o Demandante pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.
O Demandante, talvez por desconhecimento dos seus direitos, pede a condenação do Demandado no pagamento de uma indemnização nunca inferior a 50,00 € (Cinquenta euros) por danos não patrimoniais e despesas de deslocação.
Por isso, sob pena de violar o princípio do limite da condenação (art.º 609.º, n.º 1, do CPC), o tribunal não pode condenar o Demandado a efetuar o reembolso, em dobro, no prazo de 15 dias úteis, por tal pedido não ter sido deduzido.
Já quanto ao pedido de indemnização, não está o tribunal limitado à quantia peticionada uma vez que o Demandante pede a condenação do Demandado no pagamento de uma indemnização nunca inferior á quantia que indicou.
Ora, dispõe o art.º 483.º, do CC que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.” (Bold nosso).
Além do dano, são comummente considerados pressupostos da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana (Art.º 483.º, n.º 1 e ss do CC): o facto, que se analisa numa conduta humana dominável pela vontade; a ilicitude, traduzida na violação de direitos subjectivos absolutos, ou de normas destinadas a tutelar interesses privados; a imputação psicológica do facto ao lesante, sob a forma de dolo ou de mera culpa e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, que pode afirmar-se, quando se prove, que a conduta do lesante, considerada ex ante e tendo em conta os conhecimentos concretos do mesmo, era adequada à produção do prejuízo efectivamente verificado, nos termos do disposto no Art.º 563.º do CC (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1, 4.ª ed., 471 e ss. e 578). Os requisitos estabelecidos no n.º 1 do Art.º 483.º do CC para a obrigação de indemnizar são cumulativos.
Neste caso, não só o Demandado não presta a informação que devia prestar, antes do pagamento do produto, levando os incautos a pagar antecipadamente, como, depois, em resposta à insistência do Demandante pelo reembolso, vai prometendo o reembolso em “breves dias” sem que o mesmo se mostre concretizado, passados que são cerca de quatro meses.
Da consulta levada a efeito na sua página da Internet verifica-se que este não é o primeiro caso em que o Demandado promete o reembolso da quantia paga e não o efetiva, como é sua obrigação legal.
O tribunal sabe, como o sabe a generalidade dos cidadãos que este tipo de atitude – de total desrespeito pelo cumprimento de obrigações e pelos direitos dos seus clientes – causa danos não patrimoniais elevados, pelo desgaste, pela revolta e pelo sentimento de desproteção que provoca no consumidor.
Geralmente o raciocínio do prevaricador é o de que o lesado não recorrerá aos tribunais para ser reembolsado de uma quantia pequena porque acabaria por ter despesas substancialmente mais elevadas. Imperando, assim, um certo sentimento de impunidade por parte daqueles que incumprem e de impotência para os lesados.
Verifica-se, neste caso, que estão reunidos todos os requisitos da obrigação de indemnizar, sendo certo que o grau de ilicitude é elevado, uma vez que dedicando-se o Demandado ao comércio tem de conhecer a legislação aplicável ao seu negócio e as consequências do seu incumprimento.
Como é grave a culpa do Demandado, sendo inaceitável que opere da maneira que opera e, depois, ainda assim, apenas durante algum tempo, continue, sem dar qualquer explicação para a situação de incumprimento, a dizer que o reembolso está a ser processado, bem sabendo que não tem intenção de o fazer, como resulta provado nos autos.
Ademais, o Demandado revela total desinteresse pelo cumprimento das suas obrigações e dos direitos dos seus clientes, uma vez que não só cumpriu as obrigações contratuais que, sobre si, impendiam na qualidade de fornecedor de bens, como não se dignou vir aos autos participar civicamente na justa composição do litígio como é apanágio e objetivo deste tribunal.
Pelas razões expostas, sendo certo, embora, que não foram alegadas despesas, não podendo, assim, serem dadas como provadas, dúvidas não restam que os danos não patrimoniais são elevados, sobretudo pela diminuição da qualidade de vida que estas situações provocam a quem passa por elas.
Danos que o tribunal, em casos como este, julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados (566.º, n.º 3, do CC).
E, assim, lançando mão do critério legal e tendo em consideração o grau de ilicitude e da culpa, do Demandado, que, repete-se, são elevados, fixa-se a indemnização no montante de 300,00 € (Trezentos euros), o qual nos parece adequado para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo Demandante com a conduta – extremamente reprovável - do Demandado.
O tribunal espera que, apesar de se ter desinteressado do processo, o Demandado cumpra voluntariamente a presente sentença, única forma de evitar a execução da mesma (meio legal para obrigar alguém a cumprir a sentença que não cumpriu voluntariamente), até pelos elevados custos que uma ação executiva acarreta para o executado (neste caso, o Demandado).
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DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente ação parcialmente procedente, porque parcialmente provada, decido condenar o Demandado a pagar ao Demandante a quantia de 465,36 € (Quatrocentos e sessenta e cinco euros e trinta e seis cêntimos), relativa ao preço pago e à indemnização por danos não patrimoniais.

Mais decido absolver o Demandado do pedido de condenação no pagamento de indemnização pelas despesas, por não provadas.
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As custas serão suportadas pelo Demandado (art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro). --
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Registe e, tendo em consideração que há indícios de práticas comerciais fraudulentas, extraia Certidão de fls. 1 a 17 e 22 e da presente sentença, para posterior envio aos Serviços do Ministério Público, para os fins que forem tidos por convenientes.
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Seixal, 11 de agosto de 2017
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.
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(Fernanda Carretas)